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Paz,
Reflexões em torno de um conceito

Marcelo Rezende Guimarães*

A paz é, provavelmente, uma das noções mais empregadas atualmente e mais incorporadas ao cotidiano, seja direta ou indiretamente. As pessoas a discutem, ou pelo menos falam sobre ela, nas conversas familiares, nas rodas de bares, nas escolas, nas igrejas, nos parlamentos.

Há muitas razões para este consenso e unanimidade em torno da paz. Entre elas, poderíamos listar:

-        o fracasso de uma modernidade que desejava a tolerância e o emergir de um sem número de guerras étnicas e religiosas colocaram a temática da paz como um dos principais pontos da agenda do fim do século;

-        a expansão universal da civilização técnico e científica favoreceu a percepção das necessidades mundiais, possibilitou a integração e a interdependência entre os membros do planeta através de diversas experiências e estruturas associativas como redes, teias, interconexões, dando às ações humanas tamanha repercussão universal e ampliando o conceito de cidadania;

-        o contexto da degradação do meio-ambiente, da economia e da cultura fazem a humanidade experimentar o problema do debilitamento do ser e levantar uma agenda ética comum, exigindo uma ação conjunta e clamando por uma responsabilidade solidária universal;

-        as experiências limites que a humanidade fez no decorrer do século XX, como a bomba atômica e o holocausto, aliadas ao risco destruidor das ações bélicas e aos efeitos da técnica industrial, ameaçaram a própria extinção da humanidade, impondo a busca de uma solução global para além dos particularismos éticos;

-        o avanço da consciência da humanidade sobre si mesma, expressa em símbolos tais como a Declaração Universal de Direitos Humanos e os diversos pactos universais que se seguiram, provocaram uma nova sensibilidade frente aos problemas humanos, como, por exemplo, o aumento da percepção da violência e de suas conseqüências.

Desta forma, a paz tem emergido, não apenas como clamor universal, mas como um dos campos onde opera um certo consenso, no qual a civilização ocidental exprime sua idéia de bem. Os estudos sobre a paz começam a se libertar do domínio dos estudos militares ou sobre a guerra, para ganhar autonomia e abrangência própria. A própria problemática da paz está sendo circunscrita de forma abrangente, desde aspectos psicológicos, passando pela organização sócio-econômica e política, até atingir o plano cultural. Proliferam os estudos sobre cultura de violência/cultura de paz, estimulados, especialmente, pela UNESCO. As análises compreendem desde a recusa categórica de que a guerra esteja inscrita no programa genético humano até a proposição de novas perspectivas, passando pelo desvelamento dos mecanismos de formação de uma cultura de violência e pelo conhecimento do papel de certas agências, na expressão e produção da cultura de violência, tais como os meios de comunicação, a escola, a família, as instituições religiosas, o lazer. Este interesse mundial fez a ONU declarar o ano 2000 como “Ano Internacional por uma Cultura de Paz”, promovendo uma mobilização mundial  em torno da temática.

No entanto, esta unanimidade sobre a paz se desfaz no próprio momento em que se começa a pontuá-la mais detalhadamente. Nasce, então, não só uma pluralidade de sentidos em torno da paz, mas um conflito de interpretações propriamente dito.

Daí a importância e a necessidade de fundamentar qualquer trabalho em torno deste eixo com uma pergunta e uma investigação sobre o sentido deste conceito hoje tão importante.

Este texto quer trazer uma contribuição para o aprofundamento do sentido da paz entre nós. Num primeiro momento, levantaremos e recuperaremos os principais símbolos e sentidos que a humanidade foi atribuindo à paz. Num segundo momento, debateremos nossas compreensões de paz para, em seguida, levantarmos alguns elementos para uma nova compreensão do conceito.

 

 

1. Recuperando a simbólica ocidental da paz 

Começaremos nossa investigação sobre o sentido da paz, recuperando a simbólica que a humanidade, no decorrer de sua história, foi construindo. Por simbólica da paz entendemos o conjunto de expressões – discursos, mitos, criações artísticas, ritos cotidianos, etc. – através dos quais a humanidade expressou sua valoração da paz. Para efeito didático e numa tentativa de sistematização, colhemos as expressões simbólicas de acordo com o seu nascedouro cultural, em cinco grandes tradições – grega, romana, judaico-cristã,  moderna e dos contemporâneos movimentos pacifistas –, consciente dos limites de tal divisão, tanto no que se refere ao desconhecimento de outras tradições, quanto ao que diz respeito à multiplicidade de sentidos que se estabelece dentro de cada tradição e dos entrelaçamentos e emaranhados entre tradições culturais diferentes.

 

1.1. A tradição grega

Segundo os versos de Hesíodo, Eirene, a Paz, é uma das três Horas, filhas de Têmis e de Zeus (HESÍODO, 1995, p. 157, v. 901-903). As Horas - Equidade, Justiça e Paz – são figuras das estações, divindades da natureza, zeladoras do ciclo da vegetação. Eirene é conhecida como a Deusa dos Frutos, representada tendo nas mãos ou Plutão, deus da riqueza, menino, ou a cornucópia ou um ramo de oliveira ou, ainda, um caduceu, uma espécie de archote virado para baixo com espigas de trigo: em todos os casos, trata-se de um símbolo que evoca prosperidade, abundância e fartura.

É importante observar esta associação da paz com a justiça e a eqüidade, expressa como uma relação familiar. Ligada ao equilíbrio da natureza e da pólis, a simbólica grega da paz se associa tanto à noção de harmonia e beleza, como a de ausência de perturbação. Há uma ordem na natureza que garante a abundância e a fecundidade da vida, cabendo aos humanos não atentar ou quebrar este sentido harmônico dado pelos deuses A filosofia estóica e epicurista, com seus ideais de vida sem paixões e de serenidade da alma serão expressões destes ideais.

Depois do tratado de paz de 371 a. C que pôs fim aos conflitos entre Atenas e Esparta, uma estátua de bronze de Eirene, deusa da paz, esculpida por Cefisodoto, o velho, foi erguida na praça do mercado de Atenas. Colocando a estátua da deusa da paz no mercado, no local de maior circulação, os gregos expressam a função de protetora e guardiã da pólis grega, amiga do Estado, sólido fundamento da cidade, que atribuem à Eirene. As Horas, além de serem deusas da natureza, são também divindades da ordem, que asseguram o equilíbrio da vida em sociedade. Moradora do Olimpo, Eirene é perseguida por Polemos, a personificação da guerra. A paz grega é experimentada como relatividade e negatividade da guerra, interrupção, providenciada pelos deuses, do estado bélico normal.

A fragmentação do mundo grego clássico e o advento do helenismo provocaram mudanças nesta compreensão de paz. Quando Atenas se rendeu a Demétrios, dito Poliorcetes, isto é, conquistador de cidades (336-282 a. C.), rei da Macedônia, filho de Antígono, vencedor da batalha das Termópilas, os atenienses apresentaram a ele esta prece: “Os outros deuses são distantes, ou talvez eles não escutem, ou talvez mesmo não existam, ou, quem sabe, não dão atenção a nós; a ti, ao contrário, te vemos presente, não em madeira, nem em pedra, mas verdadeiramente. Nós te imploramos, ó caríssimo, dá-nos logo a paz, tu és o Senhor” (Apud COMBLIN, 1960, p. 51). Uma outra simbólica da paz estava emergindo.

 

1.2. A tradição romana

Em 13 a. C., na volta de Otávio Augusto da campanha militar da Espanha e da Gália, o senado romano mandou construir, em comemoração às suas vitórias, um altar à Deusa da Paz, a Ara Pacis Augustae, o altar da paz de Augusto.

Na íntima comemoração das vitórias imperiais, ereto exatamente no Campo de Marte, Deus da Guerra, local dos desfiles militares e das celebrações das vitórias, o altar a Augusto revela as conexões entre o exército romano e a simbólica da paz. Foi Sêneca quem utilizou, pela primeira vez, a expressão Pax Romana, ao afirmar que sem a presença do Imperador, como chefe do exército, a Pax Romana ruiria (SÊNECA, 1990, p. 51, Tratado sobre a clemência, III, 2, 2). A tradição romana de paz liga-se, assim, indissoluvelmente ao poder de Roma: paz é a paz estabelecida pelo centro do poder, desejada politicamente pelo imperador e estabelecida e garantida militarmente pelo exército romano. Toda vez que a força de Roma se impunha e o império gozava de sua paz, o imperador mandava fechar o templo de Jano Quirino, deus de todas as portas e guardião das moradas e cidades: a ação imperial e estatal dispensava a proteção divina. Não é à toa que Pax Romana fosse também sinônimo de Paci Augustae, isto é, a paz do imperador.

Esta concepção militarista é especialmente visibilizada nas moedas cunhadas neste período, onde a Deusa da Paz é representada colocando o pé direito na cabeça de um vencido ou junta com legionários e Marte, o Deus da Guerra. A paz deixa de ser associada à justiça e à eqüidade, como na Grécia, para se vincular à guerra e à vitória. A paz romana é uma paz armada, como já aconselhava Vegécio, no século IV: “quem deseja a paz, prepare-se, portanto, para a guerra; quem aspira à vitória, aplique-se a formar seus soldados” (VEGÉCIO, 1869, p. 688). O ensinamento de Vegécio perpetuou-se no célebre ditado latino Si vis pacem para bellum [1] , repetidas vezes estampado nos quartéis e escolas do ocidente.

A paz assume uma dimensão de segurança estabelecida sobre um sistema centralizado, na qual a idéia de autoridade ocupava um lugar de primado em relação à liberdade. Os versos de Virgílio - “Tu, ó romano, lembra-te de governar os povos com o teu império. Estas artes são para ti: impor as condições de paz, poupar os submissos e destruir os soberbos” (VIRGÍLIO, 1955, p. 183, Eneida, VI, versos 851-853) – expressam esta dimensão imperialista da paz. A paz, aqui, é concebida como dom, concessão, presente do vencedor ao vencido, por um lado e, por outro, submissão e subserviência do vencido ao vencedor. Começa a conjugação do verbo pacificar e apaziguar, como imposição da ordem vigente, sendo introduzida uma ambigüidade no próprio conceito. Do lado do vencido, a paz é experimentada como dominação, saque, escravidão. Tácito registra o sentimento de Calgaco, chefe britânico, derrotado no ano 85: “Saquear, degolar, depredar, a estas coisas dão o falso nome de Império. Criam um deserto e o chamam de paz” (Cf. TÁCITO, 1973, p. 77, Vita Agricolae, XXX).

Ao mesmo tempo, difunde-se um sentimento de tranqüilidade e bem-estar entre as fronteiras do Império. Nas regiões cobertas pela dominação romana, a guerra não devasta mais os campos nem as cidades. Desenvolvem-se a agricultura, as artes, os ofícios e constróem-se novas cidades. As palavras de Ovídio expressam este bem estar: “Demos graças aos deuses e à tua casa (do imperador). Já há muito tempo, as guerras, presas em correntes, jazem sobre os vossos pés. Os bois podem ser postos em canga e as sementes plantadas nas terras aradas. A paz nutre Ceres e Ceres nutre a paz” (OVÍDIO, 1940, p. 42-43, Fasti, I, versos 701-704). Esta evocação a Ceres, divindade romana da agricultura, sinaliza um entrelaçamento entre a simbólica romana e grega de paz.

A condição objetiva de estabilidade política e social, em contraposição às lutas internas do regime republicano, possibilitou o desenvolvimento, ao menos para os cidadãos romanos, do ideal de manter a alma livre dos turvamentos e paixões, permitindo-lhe concentrar-se sobre si mesmo e aspirar à alegria da vida contemplativa. Aqui são colocadas alguns conceitos que influenciarão, sobremaneira, a visão ocidental: humanidade, serenidade e dignidade, compreendidas como aversão à guerra externa, aos conflitos civis, a adesão a certos modelos de governo justo e de equilíbrio entre as classes sociais. A compreensão de paz experimenta uma interiorização decisiva enquanto tranqüilidade e concórdia da alma.

A tradição romana retomou alguns elementos da simbólica grega e os releu em novos contextos. Deu à idéia de harmonia e equilíbrio o acento da ação do estado. Não mais a compreensão de paz para a civilização, como condição de desenvolvimento e florescimento desta, mas a paz da civilização, conseqüência da organização e ação imperial. A simbólica da paz torna-se expressão da autoconsciência do cidadão romano. Ao mesmo, imprimiu uma conotação de serenidade, tranqüilidade e concórdia à noção de paz, às quais, junto com a noção de segurança, marcarão indelevelmente a simbólica ocidental.

 

1.3. A tradição judaico-cristã

O judaísmo, nascido a partir de um grupo de tribos que fazem a experiência de serem libertadas de uma situação de opressão e celebram um pacto – aliança – com a divindade pela qual crêem terem sido libertados, elaborou, através da literatura, uma compreensão própria de paz. São textos poéticos, oráculos proféticos, fragmentos legislativos, orações, com uma variedade de expressões e contextos - 239 vezes que o termo shalom aparece no Antigo Testamento -, apontando para uma pluriformidade e complexidade de significados, tais como: prosperidade, bem-estar, felicidade, saúde, segurança, salvação, relações sociais equilibradas, harmonia com Deus, vida em plenitude, metáforas para a realização e completude humanas. Segundo o Dicionário Bíblico de Mackenzie, “o verbo cognato do substantivo significa coisas tais como terminar, completar, pagar (por exemplo, completar uma transação, pagando um débito); assim, pode-se dizer que a palavra significa em geral completação, perfeição, talvez mais precisamente, uma condição à qual não falta nada” (MACKENZIE, 1995, p. 704).

A dimensão da aliança, com seus significados de compromissos e promessas, marca profundamente a simbólica bíblica da paz, como se pode notar em textos tais como Lv 26, 3-13, Sl 29,11; Is 26, 12;  Nm 25,12; Nm 6,26. Esta mesma conotação de aliança dá origem aos mais conhecidos símbolos da paz: a pomba e  o ramo de oliveira. O relato se encontra em Gn 8, dentro do ciclo de Noé e da narrativa sobre o dilúvio. Após os 40 dias de dilúvio, Noé soltou uma pomba para ver se as águas haviam baixado na superfície do solo. A pomba, não encontrando onde pousar, voltou a ele na arca. Sete dias depois, soltou novamente a pomba. À tarde, ela voltou a ele, tendo no bico um ramo novo de oliveira(Gn 8,6-11). Após este relato, firma-se uma aliança entre a humanidade e Deus (Gn 9).

A prática da aliança, porque baseada na promessa, cria a expectativa da chegada de um tempo pleno, os tempos messiânicos [2] . A chegada do Messias, descrito ele mesmo como o Príncipe da Paz (Is 9, 6), é gerada em imagens anti-militaristas: espadas transformadas em arados e lanças transformadas em podadeiras e o fim do ensinamento para a guerra (Is 2,4-5), botas que batem com estrépito e mantos revolvidos em sangue sendo queimados (Is 9,4), carros de combate sendo eliminados, os arcos de guerra sendo despedaçados e a paz sendo proclamada às nações (Zc 9,10). O fim das guerras faz parte da maioria das representações escatológicas, onde é o próprio Deus quem quebra as armas de guerra (Os 2,20; Zc 9,10; Sl 46,10).

Esta paz messiânica é expressa também através de uma simbólica da confraternização universal, pautada por imagens como o lobo habitando junto com o cordeiro, o leopardo deitando-se perto do cabrito, o bezerro e o leãozinho sendo alimentados juntos e conduzidos por um menino, a criança de peito brincando no ninho da áspide e colocando a mão na boca da víbora (Cf. Is 11,6; Ez 34,25; Os 2,20).

Um outro veio no qual se expressa a simbólica da paz judaica liga-se às tradições referentes à cidade de Jerusalém, etimologicamente cidade do Deus da Paz, ou visão de paz. Além de salmos como 122 e 147, com suas invocações como “a paz reine dentro de tuas muralhas” ou “paz sobre Israel”, é preciso lembrar os textos do assim chamado Terceiro Isaías que, no contexto da volta do exílio da Babilônia, em 520 a. C., proclama a criação de uma Nova Jerusalém. As imagens para expressar esta cidade da paz relacionam-se muito com os textos precedentes: não haverá nem choro, nem gemidos, será velho quem morrer aos cem anos, os agricultores plantarão suas vinhas e comerão seus frutos, os operários construirão casas e morarão nelas (Is 60-62; 65, 18-25). A paz é compreendida como obra da justiça, segundo a belíssima expressão plástica do Salmo 85: “justiça e paz se abraçarão” (Sl 85, 11).

A paz, assim simbolizada, entra em conflito com outras tradições de paz presentes nos próprios textos bíblicos. É preciso assinalar, em primeiro lugar, a denúncia que os profetas fazem de certas compreensões de paz. Por fim, é preciso lembrar a coexistência e a interpenetração da simbólica da paz acima referida com outra simbólica, a da guerra santa e do Deus guerreiro [3] .

Percebe-se, na compreensão judaica de paz, alguns elementos já presentes na tradição grega, como a simbólica da abundância e a vinculação com a justiça, e, em muitos círculos, uma recusa e oposição da simbólica militarista romana. Esta oposição à pax romana será aprofundada, de maneira especial, com o cristianismo.

O cristianismo, a princípio, faz-se herdeiro da simbólica profética. O próprio evento Jesus de Nazaré é lido a partir da categoria da paz, como alguém que derruba fronteiras e limites e recusa a guerra e a violência. Alguns textos mostram esta autoconsciência da comunidade cristã primitiva: “Ele apareceu aos que se acham nas trevas e na sombra da morte, a fim de guiar os nossos passos no caminho da paz“ (Lc 1,79); “É ele, com efeito, a nossa paz; do que era dividido fez uma unidade; em sua carne destruiu o muro de separação, o ódio” (Ef 2,14).  Segundo Bingemer, “esta importância dada a tal conceito e palavra, no fundo, está conectada com o evento central do Novo Testamento, que é a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, evento ligado de modo característico à idéia de paz” (BINGEMER, 1999, p. 842).

Na boca de Jesus, a expressão atinge complexidade. Shalom é, com efeito, a primeira palavra do Ressuscitado, quase como um programa. Jesus usa, diversas vezes, a expressão “vai em paz”. No Sermão da Montanha, proclama felizes os que promovem a paz (Mt 5,9). No entanto, ao definir sua missão, afirma expressamente que “não veio estabelecer a paz sobre a terra, mas a divisão”, certamente numa crítica à pax romana. Neste mesmo sentido, João registra a palavra de Jesus aos discípulos na última ceia: “eu deixo a paz, eu dou a paz, mas não como o mundo a dá” (Jo 14,27). Esta polêmica pode ser encontrada na expressão paulina: “a paz de Deus que supera toda compreensão” (Flp 4,7).

Palavras como as ditas por Jesus durante sua prisão, repreendendo a atitude de Pedro - “Embainha a tua espada, pois todos os que tomam a espada morrerão pela espada” (Mt 26,52) –, repercutiram enormemente no imaginário cristão primitivo. Tertuliano, um cristão do século II, ao comentar este texto, afirmava: “Como pode alguém fazer a guerra, como pode alguém prestar o serviço militar, mesmo em tempo de paz, se o senhor lhe tirou a espada? De fato, vieram soldados a João para receber regras para sua conduta; de fato, um centurião chegou à fé; mas com o desarmamento de Pedro, o Senhor tirou a espada de todo soldado” (Apud ZAMBAGLIONE, 1967, p. 352, De idolatria, 19). Muitas comunidades, como a de Roma, no século III, vão recusar o batismo aos soldados (HIPÓLITO DE ROMA, 1981, p. 47-48, Tradição apostólica, 36). As primeiras comunidades auto-entendem-se como realizadoras da profecia de Isaías das espadas transformadas em arados e do fim de toda guerra. Orígenes, no século III, assim se expressa: “Pois nós não pegamos mais em espada contra nenhum outro povo e nem nos dedicamos a fazer a guerra: em Jesus Cristo nos tornamos filhos e filhas da paz” (ORÍGENES, 1969, p. 99, Contra Celso, V, 33). Justino de Roma, no século II, ao se dirigir ao imperador para justificar o proceder cristão, insiste: “Nós estávamos antes cheios de guerra, de mortes mútuas e de toda maldade, mas renunciamos em toda a terra aos instrumentos guerreiros e transformamos as espadas em arados e as lanças em instrumentos para cultivar a terra, e cultivamos a pieda­de, a justiça, a caridade, a fé e a esperança” (JUSTINO DE ROMA, 1995, p. 277, Diálogo com Trifão, 110). Esta prática é legitimada teologicamente, quando o autor da Carta a Diogneto afirma: “Em Deus não há violência” (A DIOGNÈTE, 1965, p. 69, VII, 4).

Esta insistência em marcar a recusa de toda violência é acompanhada com a preocupação em encetar, naquelas comunidades à margem do Império, um relacionamento marcado pela unanimidade e equidade. Para os cristãos primitivos, a paz é um dom messiânico e não apenas uma simples disposição da alma. Como dom messiânico, deve ganhar expressão no cotidiano. Assim, a paz assume conotações próprias da concórdia, compreensão que marcará indelevelmente a simbólica ocidental da paz.

Quando o cristianismo assume a cultura helenista, a compreensão cristã, até hoje hegemônica, recebeu influências do neoplatonismo e do estoicismo, passando se aproximar do conceito greco-romano. Os homens e mulheres que, após o fim das perseguições, reagem a um certo laxismo do cristianismo e migram para o deserto, incorporam em seus ensinamentos elaborações e conceitos como os de paz da alma, oriundos dos estoicismo. Santo Ambrósio, bispo de Milão, no século IV, abandona a recusa categórica da violência, ao afirmar que se pode servir da violência, própria dos animais, se a discussão, característica da humanidade, não for mais possível (Apud COSTE, 1997, p. 140). Santo Agostinho se aproxima do ideal greco-romano de equilíbrio da natureza e da sociedade, subsumindo neste a compreensão bíblica de justiça, na sua clássica definição de paz como “tranqüilidade da ordem [4] .

Uma profunda transformação na simbólica cristã estava sendo operada. Esta vai perdendo, não apenas sua dimensão de contraponto em relação à Pax Romana, mas seu próprio eixo estruturante em torno da justiça. Ao invés de pensar a paz e sua vinculação com a justiça, os teólogos iniciam suas elaborações sobre a guerra justa. É verdade que tais preocupações geraram instituições significativas como a Pax Dei (Paz de Deus) e a Tregua Dei (Trégua de Deus) [5] , quando os combatentes erguiam suas bandeiras brancas, símbolo da trégua que se estabelecia nos dias santos. Mas o caminho para outras instituições, como as cruzadas e a inquisição, totalmente estruturadas na violência e no poder bélico, estava aberto. A autoconsciência cristã de recusa total às armas e à violência estava distante demais.

Mas a simbólica da paz continuava presente no ritual cristão, no Osculum pacis (o Beijo da Paz), na Oração pela paz, no reiterado clamor Da nobis pacem (Dá-nos a paz), em hinos como “Gloriosa Jerusalém, alegre visão de paz”, nas preces exequiais Requiescat in pacem (Descansa em paz). Mas já era uma simbólica demasiadamente íntima e privada, paz dos claustros e paz dos cemitérios, sem força de protagonizar e liderar um projeto global para a humanidade.

 

1.4. A tradição da modernidade

O esfacelamento da cristandade medieval, o surgimento dos estados nacionais, a emergência do capitalismo, a ascensão da burguesia, o aparecimento da racionalidade moderna, foram fatores que contribuíram para redimensionar a simbólica da paz, até então caracterizada pela atribuição de uma dimensão divina à paz, concebida seja como divindade, seja como dom da divindade dado à humanidade. Quando, no entanto, caem os fundamentos religiosos e místicos, surge a necessidade de uma justificativa não religiosa da aspiração da humanidade à paz.

Foi na filosofia, especificamente num gênero literário da filosofia moderna do direito, em torno do eixo da assim chamada paz perpétua, que a simbólica moderna da paz ganhou expressão. Assim, Sully, ministro de Henrique IV de França, em suas Memórias (1638-1662) propõe o reajuste territorial da Europa e o fim das aduanas. Willian Penn, um quacker [6] , em seu Ensaio para chegar à paz presente e futura da Europa (1693) torna-se um precursor da comunidade européia, propondo a instalação de um parlamento. O Abbé de Saint-Pierre, de Paris, escreveu, em 1712, Projeto de Paz Perpétua, texto comentado posteriormente por Rousseau e certamente conhecido por Kant. Benthan, em Um plano para a paz universal e perpétua, de 1789, propõe o desarme e o abandono das colônias e insiste no papel decisivo da publicidade, em oposição à diplomacia secreta. Em 1792, Jean Baptiste Cloots publicou La République Universel, enquanto Kant escreveu, em 1795, À paz perpétua.

Analisando o texto kantiano, três aspectos chamam a atenção. Em primeiro lugar, a expressão largamente usada de paz perpétua. Kant assinala que o adjetivo perpétua é um pleonasmo suspeito, distinguindo entre armistício (adiamento das hostilidades) e paz (fim de todas as hostilidades). Assim como os homens livres se associam para instaurar a paz, os Estados deveriam se confederar para instituir a paz perpétua. Formariam, assim, uma federação de paz distinta do pacto de paz, uma vez que este simplesmente procura pôr fim a uma guerra, enquanto aquela intenta acabar com todas as guerras para sempre.

Em segundo lugar, a ênfase na aliança e no pacto. O próprio texto de “À paz perpétua”, que contém o subtítulo de “um projeto filosófico”, foi redigido em forma de um Tratado, com direito a artigos preliminares, artigos definitivos, cláusulas secretas e até mesmo um apêndice. Aqui já se encontra, através do estilo, uma conotação dada pelo pensamento moderno: a paz nasce de um pacto, portanto, fruto de uma decisão racional. Kant toma como ponto de partida o fato de que a paz não é natural, devendo ser, por isso, instaurada. Como a omissão de hostilidades não é ainda a garantia de paz, é preciso detalhar positivamente em que consiste o estado da paz internacional.

Em terceiro lugar, o estatuto de projeto filosófico que é dado à paz perpétua. Definindo a paz como projeto, Kant redefine a própria idéia de paz. As diversas distinções feitas ao longo do texto - entre armistício e paz, entre omissão de hostilidades e garantia de paz entre tratado de paz e liga de paz - mostram que Kant recusa o conceito de paz como intrincada rede de astúcias, derivada do jogo do poder e como idéia vazia, descrevendo-o como “uma tarefa que, solucionada pouco a pouco, “aproxima-se continuamente de seu fim (porque os tempos em que iguais progressos acontecem tornar-se-ão oxalá cada vez mais curtos)” (KANT, 1989, p. 80). Pelo próprio fato de defini-la como um projeto filosófico, Kant torna a paz um tema filosófico relevante. Desta forma, Kant retira o tema da paz do domínio religioso, do imaginário utópico e do sentimento comum, dota-o de racionalidade e incorpora-o na filosofia crítica.

Como projeto filosófico, a paz assume uma perspectiva transcendental, radicando sua essência no sujeito racional e livre. Ao enunciar o segundo artigo definitivo, Kant afirma que “a razão, de cima de seu trono do poder legislativo moralmente supremo, condena absolutamente a guerra como procedimento de direito e torna, ao contrário, o estado de paz um dever imediato” (KANT, 1989, p. 40-41). No apêndice que trata da discordância entre a moral e a política, dá à paz perpétua não apenas o estatuto de um bem físico, “mas também como um estado proveniente do reconhecimento do dever” (KANT, 1989, p. 68).

É a partir deste fundamento filosófico que começa a ser utilizada a figura da construção, para definir a obra da paz. Até então, paz e guerra eram considerados realidades inalteráveis na filosofia, direito e moral. O máximo que se podia fazer era erguer as bandeiras brancas, quando os víveres, as munições ou a resistência se esgotavam, e a derrota apresentava-se como iminente. A bandeira da paz era, neste contexto, ao mesmo tempo, afirmação da paz e da guerra, da paz na guerra, mas não da paz contra a guerra. O Iluminismo começou a duvidar da inevitabilidade da guerra e pesquisar as bases de uma ordem de paz baseada na razão. A paz passou a fazer parte do projeto da modernidade de vencer a barbárie.

 

1.5. A tradição dos movimentos pacifistas do século XX

Os primeiros abalos da racionalidade ocidental e a crise do fim do sistema colonialista fizeram emergir uma outra tradição simbólica que produziu um campo novo de significação em torno da paz: os movimentos de não-violência do século XX.      

Aludir a esta tradição é, em primeiro lugar, fazer menção ao nome de Mohandas Karamchad Gandhi (1869-1948), conhecido como o Mahatma, a Grande Alma. Segundo Gene Sharp, um dos maiores estudiosos da não-violência, “Gandhi foi quem deu a mais significativa contribuição pessoal à história da técnica não-violenta, com suas experiências políticas no uso da não-cooperação, desobediência e desafio objetivando controlar governantes, alterar políticas governamentais e minar sistemas políticos”. (SHARP, 1973, v. 1, p. 82). Em três principais momentos - na África do Sul em defesa da minoria indiana, na Índia pelo fim da discriminação dos párias e na luta contra o imperialismo britânico -, Gandhi cunhou uma série de atitudes e símbolos que ficaram definitivamente associadas à paz, como, por exemplo: a queima das carteiras britânicas, símbolo da submissão dos indianos aos ingleses, na África do Sul; as manifestações em Vykom, conjugadas com orações, em 1924-1925, ao longo de vários meses, diante de um tempo brâmane, pelo fim das discriminações aos párias, proibidos de sequer passarem pela frente do edifício; a longa marcha até o mar, em 1931, para fazer sal, desrespeitando as leis inglesas que proibiam aos indianos esta atividade; a queima dos tecidos ingleses num ato pelo fim do monopólio; as horas na roca, tecendo suas próprias roupas, para não se submeter a lei que proibia aos indianos de fabricarem tecidos; as longas vigílias; os freqüentes jejuns; as muitas prisões; etc.

Esta tradição, porém, não se esgota em Gandhi. Ela seria empobrecida se não lembrássemos Martin Luther King e os negros de Montgomery, com suas greves para não usar os ônibus que proibiam aos negros sentarem, com seus sittings nos bares e outras instituições com acesso limitado aos brancos; os jovens tchecos, em 1968, com suas mãos desarmadas diante dos tanques russos; as inúmeras manifestações contra as armas nucleares; a queima dos certificados militares de tantos objetores de consciência, seja durante a guerra do Vietnã, seja em face de outras tantas guerras absurdas que perpassaram o século, seja apenas em face da obrigatoriedade do serviço militar; o movimento hyppie da década de 60 e sua insistência no peace and love e no make love not war; algumas músicas como Era um garoto que como eu ou Imagine, de John Lenon; as Locas de la Plaza de Mayo, na Argentina, reclamando seus filhos desaparecidos pelo repressão militar; o trabalho de inúmeros ativistas e organizações de direitos humanos; muitos grupos de sem-terra, no Brasil, na pressão de conquistar a terra para quem nela trabalha; etc. A paz passa a incorporar uma nova simbólica: brinquedos de guerra queimados; rifles quebrados; luzes acesas para lembrar vítimas; sapatos espalhados em memória dos mortos no holocausto; sinos tocados em luto ou em alegria; etc.

Segundo Gene Sharp, o contemporâneo movimento da não-violência tem suas raízes no século XIX, nos grupos nacionalistas que descobriram ser a ação não-violenta útil na resistência a um inimigo estrangeiro ou a leis alienígenas; nos membros de sindicatos e de outros radicais da sociedade que buscavam um meio de luta, sobretudo greves gerais e boicotes, contra aquilo que consideravam um sistema social injusto; no pensamento de personalidades como León Tolstoi [7] , na Rússia, e Henry David Thoreau [8] , nos Estados Unidos; e, finalmente, nos adversários do despotismo, como na Rússia (Cf. SHARP, 1973, vol. 1, p. 76-78).

O conceito de não-violência tem, por um lado, uma conotação negativa, de recusar terminantemente qualquer recurso à violência e ao ódio. E isto não apenas num nível político ou estratégico, mas relacional, como no conceito gandhiano de ahimsa, atitude de não provocar sofrimento a nenhuma criatura. Por outro lado, tem uma conotação positiva de realizar algo pela paz. Gandhi chamava a não-violência de satyâgraha, palavra por ele cunhada, que significa firmeza da verdade (sat, verdade, âgraha, firmeza). No Brasil, o Movimento de Justiça e Não-Violência, fundado em 1978, utilizou a expressão firmeza permanente, para mostrar que a não-violência tem sua dimensão ativa. Desta forma, a simbólica da paz é expressa em termos de luta, ofensiva [9] e combate. Gene Sharp, em seu livro Os métodos da ação violenta relaciona 198 estratégias, envolvendo métodos de protesto e persuasão não-violentos, métodos de não-cooperação social, métodos de não-cooperação econômica, métodos de não-cooperação política, métodos de intervenção não-violenta.

Além da não-violência, a simbólica da paz dos movimentos pacifistas tem um referencial forte no conceito de desobediência civil e na distinção entre legítimo e legal. Assim, por exemplo, Gandhi: “Sustentamos ser um crime contra o homem e contra Deus submeter-nos por mais tempo a um domínio que tem causado a nosso país este desastre quatro vezes maior. Contudo, reconhecemos que a maneira mais eficaz de conquistar nossa liberdade não é mediante a violência. Portanto, nos prepararemos, na medida em que pudermos, mediante a recusa de toda ligação voluntária com o governo britânico, e nos preparemos para a desobediência civil, incluindo o não pagamento de impostos. Estamos convencidos de que se pudermos apenas retirar nossa ajuda voluntária e parar de pagar impostos, sem fazer violência, mesmo sob provocação, o fim desse domínio desumano estará assegurado” (Apud SHARP, 1973, v. 1., p. 84). A simbólica da paz ganha, assim, uma dimensão de rebeldia e contestação, garantia de sua própria eficácia.

Trata-se de uma simbólica militante, articulada não em torno de objetos, espaços ou momentos, mas de uma práxis. O símbolo dos rifles quebrados, com sua ênfase no próprio ato de quebrar, mais do que o resultado, indica que a simbólica da paz está saindo do âmbito do natural para o âmbito do produzido culturalmente. A humanidade sabe que ela tem que romper com aquilo mesmo que produziu. Da mesma forma, o círculo com as três linhas, assumido pelos hippies, é originalmente o símbolo do desarmamento nuclear, criado por Bertrand Russell, em 1958, da fusão dos sinais usados pela linguagem dos semáforos para as letras N(uclear) e D(esarmamento): aponta para rumos a serem abandonados e rumos a serem trilhados.

 

 

2. Debatendo nossas compreensões de paz

Depois de termos levantados os principais traços com que a simbólica da paz se apresentou no ocidente, é importante confrontar estas nossas compreensões de paz, debatendo-as e discutindo-as, revelando os mitos e abrindo para uma nova posição do ser.  É Gadotti que, em A educação contra a educação, apresenta a demitologização como tarefa hermenêutica de “retirar o revestimento místico no qual a educação está envolvida, por um trabalho dedestruição”, quer dizer, de decifração do sentido primeiro. Esta destruição abre o horizonte para uma palavra mais autêntica, tarefa que é realizável, pois o discurso que nós examinamos não é simplesmente uma “escrita”, mas todo um conjunto de símbolos que reclamam uma interpretação demitologizante” (GADOTTI, 1982, p. 46).

Nesta tarefa de dialogar conosco mesmos, de abertura a uma verdade que se revela no tempo, de renúnica ao dogmatismo, de exercício da crítica como processo de conhecimento dos limites, percebe-se alguns mitos que precisam ser reconhecidos para que a verdade da paz se revele a nós.

 

2.1. O perigo da simplificação e do reducionismo

Ao levantarmos a riqueza da simbólica ocidental, é impossível não constatar sua vastidão e pluralidade. Diante dela, qualquer esforço de educação para a paz deve evitar as tentações, continuamente presentes, da simplificação e do reducionismo. Acenar a idéia da paz é evocar um mar, como dizia o sambista. No ocidente, ela cobre uma vasta gama, do natural ao cultural, do imanente ao transcendente, do individual ao comunitário, numa onipresença no universo humano, assumindo uma série de impostações e de vinculações a referenciais como abundância, harmonia, justiça, pacto, não-violência e outros.

É necessário reconhecer, não apenas a pluralidade, mas, também, a conflitividade. Isso, tanto no interior de uma mesma tradição, mas entre tradições diferentes. Exemplo de conflitos no interior de uma mesma tradição, podem ser observados no judeu-cristianismo, onde os símbolos de paz podem tanto conviver com a guerra ou opor-se absolutamente a ela. Entre tradições diferentes, pode-se observar o diferencial existente entre a simbólica romana, afirmativa do status quo vigente, com a simbólica criada pelos atuais movimentos pacifistas, contestatórios por excelência e refratários a toda imposição. Percebe-se, igualmente, algumas clivagens e campos de tensão, entre simbólicas que privilegiam o comunitário e o coletivo e entre tradições que colocam a ênfase no individual; entre simbólicas profundamente vinculadas à ação e outras que estabelecem um campo de inércia ao seu redor.

Outro elemento a destacar é sua complexidade, isto é, os emaranhados e entrecruzamentos de sentidos que vão se estabelecendo no seu acontecer histórico. A vinculação da paz a uma divindade da fartura, expressa na tradição grega, é assumida pela tradição romana, não tanto como submissão aos desígnios divinos, mas como conseqüência da ação imperial; na tradição judaico-cristã, especialmente no relato do dilúvio, a abundância, simbolizada pelo ramo de fartura que a pomba traz no bico, evoca o cumprimento da aliança; nos atuais movimentos pacifistas é expressa na proposição “desarmar os povos para alimentar o mundo”. A ênfase estóica na submissão às autoridades, na ordem e na serenidade é assumida pelo cristianismo depois de Constantino. O sentido de paz como pacto entre Deus e a humanidade, veiculado pela tradição judaico-cristã é retomado, sem o seu elemento religioso, pela modernidade, como aliança entre a humanidade e as nações. A escatologia judaica do Deus que queima as armas e destrói os carros de guerra é realizada pelos movimentos pacifistas contemporâneos na sua quebra de armas e queima de convocações militares.

Ao olhar como o ocidente construiu a noção de paz é impossível não constatar a perda de seu conteúdo político e intersubjetivo e sua progressiva privatização, de modo a tornar a noção de paz, no senso comum, como algo privado, particular, próprio de indivíduos. Reduzir a noção de paz aos sentimentos de segurança ou de tranqüilidade foi, sem dúvida, um empobrecimento.

A paz, atualmente, tem-se constituído num campo muito propício para discursos fáceis, emocionalismos e falta de consistência teórica. Neste contexto, é importante considerar a relevância de uma fundamentação teórica consistente, segundo a advertência do filósofo francês Paul Ricoeur: “Não se faz idéia de tudo quanto se vai encontrar ao prospectar o império da violência; eis porque uma anatomia da guerra que se gabasse de ter descoberto três ou quatro grossos cordéis, que bastaria cortar para que os marionetes militares caíssem inertes no tabuado do palco, condenaria o pacifismo à superficialidade e à puerilidade” (RICOEUR, 1968, p. 227).

 

2.2. O perigo do etnocentrismo

Ao levantarmos a simbólica da paz, percebe-se o vigor de certos símbolos, os quais voltam continuamente. Como, por exemplo, a simbólica romana da paz armada que se espelha hoje nas alternativas à violência via pena de morte, reforço do aparelho repressivo, intervenção em países, etc. Ou, ainda, o ideal do estoicismo tardio da serenidade e tranqüilidade da alma, reiteradamente afirmado nos discursos cotidianos. A paz como segurança e tranqüilidade configura, determinantemente, a atual simbólica da paz. Por outro lado, há de se notar algumas perdas, como as associações da paz com justiça, determinantes na simbólica grega e judaica. Muitas vezes, a paz é expressa por imagens inofensivas e inconsistentes, sem o vigor e densidade de outras representações. Algumas simbólicas, como a da modernidade e a dos movimentos pacifistas, ainda não conseguiram se impor e repercutir profundamente.

Outros símbolos, como é o caso da pomba branca com o ramo de oliveira no bico, impõem-se quase totalitariamente. O pesquisador atento deve-se perguntar por que, desta pluralidade que tangencia a idéia da paz, quase somente a pomba ficou no imaginário popular? A própria simbólica da pomba é rica e complexa, apontando para várias conotações no seu uso como símbolo da paz. Segundo Chevalier, a pomba, como os demais animais alados, evoca a idéia de espiritualidade e representa aquilo que o homem tem em si mesmo de imorredouro, seu princípio vital (CHEVALIER, 1998, p. 728). Assim, a pomba como símbolo da paz aponta para a vida, para a preservação e a sobrevivência da humanidade, em meio aos obstáculos que se estabelecem, assim como depois da catástrofe do dilúvio, a pomba com o ramo de oliveira – árvore sagrada, sinal de prosperidade – é o símbolo da felicidade recuperada e da vida que é retomada na face da terra. Como ave de Afrodite – e a mitologia grega não é menos influente no ocidente que o imaginário judaico-cristão -, a pomba evoca a realização amorosa que o(a) amante oferece ao(à) amado(a). Em certos vasos funerários gregos e em muitos túmulos cristãos primitivos, a pomba era representada bebendo em uma taça que simboliza a fonte da memória. Finalmente, o termo pomba figura entre as metáforas mais universais que celebram a mulher. A ênfase na pomba indicaria a dimensão feminina e anímica da humanidade, superação do animus do vigor e força constitutivos da razão bélica? Ao mesmo tempo, a força do símbolo da pomba expressa a incidência da mensagem cristã e de como o cristianismo se articulou historicamente, com seus valores de pureza, simplicidade, inocência e mansidão evangélica [10] .

Há de se notar, assim, o nexo existente entre a simbólica da paz e os modelos civilizatórios. A paz é a expressão da autoconsciência da civilização. A simbólica da paz é a simbólica do ocidente, marcada pela força de um modelo civilizatório. A Wipalla, bandeira da paz dos povos indígenas latino-americanos, com seu significado de igualdade e diversidade, é desconhecida no imaginário corrente de paz [11] . No oriente, o rosa é símbolo da alegria e o branco é o luto. Na civilização cristã, o branco é o símbolo da paz e o preto é o luto. Mero jogo de cores ou influência de padrões culturais?

 

2.3. O perigo da fetichização e da banalização

É o antropólogo Carlos Brandão quem fala de uma fetichização da paz: “em primeiro lugar por tomá-la como uma coisa, uma entidade, algo constituído e dado a ser apenas vivido, compartilhado; uma espécie de milagre à espera de seus homens; em segundo lugar, por ela me parecer haver sido proposta, até nossos dias, desde um ponto de vista único. Um olhar sobre o destino dos povos que, parecendo ser humanamente universal, nunca deixou de ser socialmente ocidental” (BRANDÂO, 1995, p. 55).

 O conceito de fetiche, extraído da filosofia marxista, evoca o produto do trabalho que, transformado em mercadoria, encobre e esconde o valor do próprio trabalho. Assim, há um uso do conceito de paz, que poderíamos chamar de hegemônico, que se impõe exatamente por seu vazio de propostas e de definições. É o risco da banalização do conceito que, na pretensão de dizer tudo, deixa de apontar para algo.

Nesta crítica à fetichização é importante considerar posicionamentos como o de Paulo Freire, ao receber o prêmio da Unesco, em 1986, de educação para a paz: “A paz se cria, se constrói, na e pela superação das realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói, na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e tenta miopisar suas vítimas” (Apud GADOTTI, Moacir et alii, 1996, p. 52).

 

 

3. Rumo a uma nova compreensão de paz

Depois de termos levantado a simbólica da paz e de termos feito uma breve análise, é importante detectar alguns elementos que poderiam balizar uma nova compreensão de paz, capaz de mobilizar sujeitos e grupos.

 

3.1. Definir conceitos correlacionados: agressividade, conflito e luta

Na busca de uma nova compreensão de paz, é importante definir conceitos correlacionados, tais como agressividade, conflito e luta.

A partir de Freud, os estudiosos estão distanciando agressividade de violência, conceituando agressividade como a força vital de cada pessoa, necessária para superar os obstáculos e limitações próprios do cotidiano. Conforme a educadora espanhola Beatriz Aguillera, “a sua ausência provoca passividade. Em princípio ela é neutra, mas através de condicionamentos sócio-culturais (educação, trabalho, história ou sistema social) provocam comportamentos violentos ou não-violentos” (AGUILLERA, s/d, p. 16). Desta maneira, diferenciando-se entre agressividade e agressão, pode-se caminhar para uma compreensão de paz mais positiva, compreendida como uma ação, mais do que como ausência de algo.

Um outro aspecto importante é a compreensão do papel dos conflitos nos processos de paz. Tradicionalmente, o conflito costuma ser encarado como o oposto da paz. No entanto, o conflito está sendo visto, atualmente, como “o fundamento da existência da sociedade, e do ser em sociedade, não só pela divergência de interesses e pela diferença de situação, mas pela posição ocupada na sociedade, pela disposição dos recursos e pelo partido que se toma em questões de disputa. (...) A não aceitação do conflito e dos mecanismos para enfrentá-los, provoca violência, pois o conflito assume uma feição direta sem mediação. A violência é a substituição da aceitação do conflito pela negação do outro” (FALEIROS, 1998, poligraf., p. 8). Assim, o conflito não é, em absoluto, obstáculo à  paz. Conflitos não são sinônimos de intolerância ou desentendimento. Conflitos são normais e não são necessariamente positivos ou negativos, maus ou ruins. É a resposta que se dá aos conflitos que os torna negativos ou positivos, construtivos ou destrutivos. A questão é como resolvemos os conflitos, se por meios violentos ou não-violentos. “Para construir uma cultura de paz é preciso mudar atitudes, crenças e comportamentos, até se tornar natural resolver os conflitos de modo não violento (por meio de acordos) e não de modo hostil” (MALDONADO, 1997, p. 96). Neste contexto, a paz se apresenta como “um conceito dinâmico que nos leva a provocar, enfrentar e resolver conflitos de uma forma não-violenta e cujo fim é conseguir a harmonia de pessoas consigo mesmas, com a natureza e com os outros” (AGUILLERA, s/d, p. 16).

Um terceiro conceito relacionado é o de luta. A partir desta compreensão de conflitos, emerge a importância da luta como forma de “criar condições de diálogo estabelecendo uma nova relação de forças que obriga o outro a reconhecer-me (nos) como interlocutor, senão válido, pelo menos necessário. Luta é a prova de força, energia necessária para toda a mudança. É aquilo que faz com que o direito seja respeitado” (AGUILLERA, s/d, p. 16-17). Luta não é guerra e nem é necessariamente violenta: Gandhi e os movimentos pacifistas do último século demonstraram a possibilidade e a eficácia de uma luta não-violenta.

 

3.2. Exercitar-se numa nova compreensão de paz

Tendo esclarecido estes conceitos, é importante exercitarmo-nos em novas compreensões de paz, marcadas por algumas tônicas e acentos, tais como:

a)                             Pensar a paz mais como positividade do que negatividade. Trata-se, em primeiro lugar, de superar o conceito ocidental de paz como ausência de algo, notadamente como ausência de guerra ou de perturbação, para um conceito mais positivo, associado a experiências humanas, tais como justiça e igualdade.

b)                             Pensar a paz mais como uma construção do que um estado. A paz não é um estado dado, mas algo a ser instaurado e construído por nós, da qual não somos seus clientes ou seus beneficiários, mas os sujeitos e co-criadores. Como construção, a paz é, “uma criação do exercício generoso do diálogo entre as pessoas que não pode ser outorgado. Um dever de direitos que nos cabe, por quem somos individual e coletivamente responsáveis, seres da sociedade, dos povos e nações da Terra” (BRANDÃO, 1995, p. 48). Aqui entra a noção do consenso que necessita ser instaurado e operado.

c)                             Pensar a paz multiculturalmente. É o antropólogo Carlos Brandão quem propõe usar o termo cultura de paz no plural - culturas de paz – para fortalecer a convicção “de que tampouco existe uma única paz, uma única idéia universal de paz, uma, portanto, possibilidade de proposta única de uma cultura de paz” (BRANDÃO, 1995, p. 54), superando o etnocentrismo e a uniculturalização.  

d)                             Pensar a paz como realidade intersubjetiva. Como construção, a paz deixa de ser um atributo individual, vislumbrada em afirmações como estou em paz ou tenho paz em mim, para assumir uma compreensão mais coletiva e comunitária, como evento do ser-no-mundo. Trata-se, aqui, de uma revisão do conceito de pacífico – indicativo de virtude e traço de caráter - como norteador da educação para a paz. A paz não é uma construção individual ou isolada, nem necessita de heróis! Indo por trás da virtude, a paz se constrói a partir do horizonte do pacifismo, isto é, do engajamento em um movimento organizado, articulado e estruturado em prol da paz. Falar em movimento é evocar pessoas em movimento, contatos pessoais e grupais. Trata-se mais, fundamentalmente, de estabelecer relações do que formar atitudes, desenvolver o sentimento de pertença mais do que o de posse (como na afirmação “Tenho paz em mim”). 

e)                             Pensar a paz como uma agenda para a paz. Trata-se de superar a abstração geralmente associada ao conceito: paz pode significar tudo e, por isso, não significa nada. É importante também nos desprendermos das ligações entre paz e passividade, entre pacífico e passivo. Daí a importância de agregarmos à noção, uma agenda bem definida. Atualmente, o movimento pacifista agrega à luta pela paz algumas bandeiras bem definidas, tais como: luta contra armamentismo; objeção de consciência ao serviço militar; educação para a paz; solidariedade para com os povos em conflito; direitos humanos e cidadania.

           

 

4. Referências Bibliográficas

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* Doutorando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, assessor da “Rede Em Busca da Paz”.

 



 

[1] Se queres a paz, prepara-te para a guerra.

[2] A linguagem teológica designa este tempo pleno, tempo final, de escatológico.

[3] Comblin comenta assim este fato: “A Bíblia não possui um programa pacifista. Ela não fala de condenação da guerra, e todos os ensaios dos pacifistas modernos para encontrar neste livro sagrado uma condenação direta da guerra não conseguiu se impor. A Bíblia não condena, nem combate a guerra no sentido que ela não tem programa de luta contra a guerra e que ela não nem tem mesmo um julgamento moral sobre a guerra” (COMBLIN, 1960, p. 54).

[4] O célebre texto: “Assim, portanto, a paz do corpo é o funcionamento harmonioso de suas partes; a paz da alma sem razão é o repouso ordenado de seus apetites, a paz da alma racional é o acordo ordenado do pensamento e da ação, a paz da alma e do corpo é a vida e a saúde bem ordenadas do ser animado, a paz do homem mortal com Deus é a obediência ordenada na fé da lei eterna, a paz dos homens é a sua concórdia, a paz da casa é a concórdia ordenada de seus habitantes na obediência, a paz da cidade  é a concórdia bem ordenada de seus cidadãos aos mandamentos e a obediência; a paz da cidade celeste é a comunidade perfeitamente ordenada e perfeitamente harmoniosa no gozo de e em Deus, a paz de todas as coisas é a tranqüilidade da ordem. A ordem é a disposição dos seres iguais e desiguais, designando a cada um lugar que lhe convém” (SANTO AGOSTINHO, 1964, v. 3,  p. 169, A cidade de Deus, XIX, 13, 1).

[5] A Pax Dei era a instituição que protegia certas pessoas (religiosos, mulheres, crianças, mercadores e agricultores) e certos lugares (igrejas, cemitérios...) da violência, enquanto a Tregua Dei era o limite temporal dado à guerra, de quarta-feira à noite até segunda-feira de manhã.

[6] A Igreja Quacker, fundada por George Fox (1624-1691), esforça-se para difundir uma atitude pacifista na sociedade onde se encontra. Os quackers estão notadamente na origem das sociedades de paz que nasceram nos Estados Unidos e na Inglaterra, durante o século XIX.

[7] Leon Tólstoi (1828-1910) é um dos precursores do movimento pacifista contemporâneo, não só pela tematização da paz em seus romances, mas por sua intensa militância e preocupação em recuperar a mística pacifista no cristianismo. Suas cartas a Gandhi influenciaram notadamente a ação do Mahatma.

[8] Henry David Thoreau (1817-1862), escritor, lutou contra a escravidão negra nos Estados Unidos.

[9] Veja-se, a título de exemplo, o livro de Thomas Merton, A ofensiva da paz.

[10] Jesus, ao enviar os apóstolos, ordena que sejam simples com as pombas e astutos como as serpentes (Mt 10, 16).

[11] A Wiphalla é um símbolo indígena da paz presente, há cerca de 500 anos, especialmente nas insurreições e batalhas dos aymaras, quéchuas e guaranis, como as de Mallku Inka Kawpullikan, Tupaj Amaru, Tupaj Katari, Muyba, Apiyawayki e Wilka Sarate. Tem a forma de tabuleiro de xadrez. Seus quatro lados iguais nos indicam a comunidade harmônica (igualdade, justiça, liberdade e democracia real), o bem-estar social (emprego, moradia, saúde e educação), o legado moral (não roubes, não mintas, não adules), os espaços produtivos e os da natureza. Cada lado da Wiphala tem sete casinhas, 49 quadradinhos ou casinhas no total. Cada uma delas representa uma nação, povo, classe, religião. Os aymaras, quéchuas e guaranis, hasteiam a Wiphalla nas danças, festas locais, telhados das casas, casamentos, enterros, ano novo (21 de junho), colheita, plantio, locais da organização sindical e cultural, datas históricas, aldeias, comunidades e encontros esportivos.

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