Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique
      



Violência e Política

Propostas de Ação[1] 

Paulo César Carbonari[2]

 

1. Apresentação

Nosso objetivo é apresentar alguns lineamentos de propostas para enfrentar politicamente a violência. Esperamos complementar as demais exposições, que se ocuparam de discutir raízes, situação e experiências. Até porque, debater este conjunto de questões na perspectiva de apresentar propostas concretas de ação será o objeto central deste Grupo de Trabalho.

Nosso trabalho será desenvolvido em três momentos: inicialmente faremos algumas aproximações conceituais que subsidiam nossas propostas; em seguida identificaremos desafios para enfrentar a violência e, finalmente, propostas de ação, ambos na perspectiva dos direitos humanos.

           

2. Aproximações conceituais iniciais

A violência é o fim da política, sem ser sua finalidade. Ou seja, a violência se instala exatamente quando não são desenvolvidas condições políticas, em sentido amplo, para equacionar conflitos. Daí que, o ponto de relação entre violência e política está exatamente na possibilidade de serem construídas condições políticas para intermediar conflitos, de tal forma a criar mecanismos para que estes não se desdobrem em violência.

Marilena Chauí define a violência como sendo “um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e pelo terror. A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais insensíveis, mudos, inertes ou passivos”[3]. A definição de Chauí é ampla e moderna. Ela incorpora à idéia de violência a dimensão física e psíquica – acrescentaria espiritual. Além disso, entende ações que comportam humilhação, vergonha, discriminação, como sendo condutas violentas. Em outro aspecto, incorpora ao conceito a violência interpessoal e a violência social – dimensão estrutural e institucional da violência.

Em termos antropológico-filosóficos, violência é tratar seres racionais, sujeitos de direitos, seres livres, como sendo coisas. A violência é exatamente o limite da racionalidade, como sua destruição, como destituição dos humanos de sua condição de dignidade, transformando-os em coisas ou reduzíveis a tal.

Em termos sociológicos, poderemos entender perfeitamente bem esta compreensão de violência no contexto da lógica excludente do mercado neoliberal. Ela insiste em tratar cidadãos unicamente como clientes e, em consequência, em excluir da condição de cidadania contingentes humanos cada vez maiores. A vigência de relações mercantis como determinantes das relações sociais leva ao isolamento, à exclusão, à competição, elementos que corroem as bases de sociabilidade e, em consequência, as condições de florescimento da ética e da política como tratamentos públicos de problemáticas comuns.

A existência de conflitos não pode ser confundida com a violência. Os conflitos tornam-se violentos a partir do momento em que perdem a possibilidade de serem resolvidos politicamente e se convertem em enfrentamento de força. Neste sentido, fugindo de uma concepção funcionalista da sociedade, os conflitos não são desajustes. Eles são parte inerente ao processo sócio-histórico e, quando tratados de forma política, podem se converter em aprendizagem para a sociedade. No entanto, uma sociedade que não desenvolve instrumentos e mecanismo de mediação política de conflitos é uma sociedade que acaba por reconhecer a violência como elemento natural do processo de socialização, rompendo contraditoriamente com as condições básicas de socialização.

Partindo desta idéia de violência, entendemos que os agentes da violência podem ser tanto indivíduos, grupos, quanto instituições sociais e políticas. Em outras palavras, os agentes da violência podem ser caracterizados, em linhas gerais, nos seguintes grupos: os indivíduos que produzem violência no grau direto de relações interpessoais, no mundo da vida; os grupos violentos, que agem de forma articulada e orquestrada na promoção do crime – crime organizado; e os agentes institucionais ou institucionalizados – violência “legítima” promovida pelos aparelhos policiais – que, em tese, se justificam como exclusivos no monopólio da força e contraditoriamente como os que deveriam agir para evitar e conter a violência em todos os sentidos.

 

3. Desafios para enfrentar a violência na perspectiva dos direitos humanos

Partindo das noções que rapidamente apresentamos acima, localizaremos os desafios para enfrentar a violência procurando levar em conta, como foco central, a possibilidade de recuperação da política como elemento de intermediação de conflitos na perspectiva de, com isso, preservar a dignidade e os direitos humanos.

Recompor as bases de sociabilidade. Este desafio talvez seja o mais exigente de todos, pois implica uma ação articulada e sistêmica de reversão da lógica de exclusão e de ensimesmamento (isolamento, particularismo) que marca a sociedade contemporânea. O estímulo ao respeito à diversidade e ao encontro dos distintos, o reconhecimento do outro como alteridade desafiadora e constitutiva do eu, o estabelecimento de espaços e tempos dialógicos, entre outros, podem ser bons começos. No entanto, a tarefa de recompor as bases da sociabilidade é hercúlea e implica em dispor-se e dotar a sociedade de mecanismos concretos para transformar as relações interpessoais e institucionais. A liberdade, neste sentido, mais do que um bem individual garantido pelo direito civil, é a disponibilização de condições e de possibilidades múltiplas para fazer crescer a dignidade humana.

Redirecionar as ações de intermediação de conflitos. Em conseqüência do primeiro desafio está exatamente a idéia de criar novos mecanismos para intermediar os conflitos sem que sejam extremados pela violência e sem que para isso se lance mão da violência. Ou seja, trata-se de desenvolver ações concretas que sejam capazes de recompor a comunicatividade, os espaços públicos, as condições de sociabilidade. Numa sociedade democrática resulta inadmissível que a violência policial tenha algum grau de legitimidade, quando esta sociedade está dotada de canais permanentes – institucionais – de diálogo e de negociação. O tratamento criminalizado dos movimentos sociais, neste sentido, soa como autoritarismo puro e somente ganha sentido se for encarado como ação violenta para dirimir conflitos sociais – o que remonta à velha idéia de que a questão social é uma questão de polícia. Esta é postura insustentável quando a sociedade dota o Estado da capacidade de desenvolver ações concretas em políticas públicas exatamente como forma de satisfazer direitos e não como serviços comerciais.

Reorientar os agentes sociais. O desafio de reorientar os agentes sociais vai no sentido de re-educá-los na perspectiva dos desafios que apresentamos anteriormente. Ora, são os agentes sociais que têm um papel preponderante na discussão e na implementação de formas e mecanismos, a serem institucionalizados ou não, capazes de dirimir politicamente os conflitos. Neste sentido, pode-se compreender desde formas comuns e inerentes à sociabilidade concreta, como mecanismos para enfrentar os conflitos interpessoais, até formas institucionalizadas em espaços públicos da sociedade civil ou mesmo dos agentes do Estado. O monopólio da força atribuído ao Estado, neste contexto, ao mesmo tempo em que alenta a sociedade no sentido de delegar-lhe a tarefa primeira de dirimir conflitos, também pode se converter exatamente na institucionalização da violência como forma de resolução de conflitos. Daí que, repensar o papel das instituições sociais encarregadas de resolver conflitos é um dos grandes desafios.

 

4. Propostas de ação na perspectiva dos direitos humanos

Em conseqüência da base conceitual e dos desafios que identificamos, apresentamos algumas pistas que podem se constituir em propostas de ação para enfrentar a violência, novamente na perspectiva dos direitos humanos.

Estado como agente de políticas públicas. O Estado tem legitimidade social na medida em que se constitui em agente de satisfação de direitos da cidadania. O instrumento propício para tal é políticas públicas. Neste sentido, o Estado, mais do que agente regulador, é agente protagonista no desenvolvimento de políticas orientadas para a satisfação de direitos e, portanto, como agente dotado de condições para dar conta de sua responsabilidade primeira na promoção, proteção e reparação de direitos. Recuperar a capacidade de investimento público em políticas de promoção da cidadania, para além do atendimento às populações historicamente vulneráveis ou desajustadas ao mercado, é tarefa primeira do Estado.

Investimento na organização social e política da sociedade. A organização da sociedade, de forma autônoma e das mais diversas formas, é garantia de que haverá canais diversos de socialização e de desenvolvimento de condições não violentas de resolução de conflitos. As forma tradicionais de socialização e de participação política já não são suficientes. Família e Escola já não dão conta da diversidade social e, portanto, precisam ser complementadas com o investimento social e político – tanto da própria sociedade quanto do Estado – no sentido de qualificar os espaços de convivência e de organização social. Entendemos que, quanto mais organizada e quanto mais diversificada for a organização de uma sociedade maior será a presença de conflitos, mas também maiores serão as condições de desenvolver possibilidades de resolução não violenta dos conflitos.

Ação social sistemática e universal. Para criar condições de incidir de forma significativa na realidade, antecipando-se às violações e à violência, tendo uma perspectiva pró-ativa, é necessário dar passos no sentido da articulação dos diversos instrumentos e mecanismos disponíveis para promover a ação social. Fazer frente às perspectivas focalizadoras, pontuais e particularistas é necessidade urgente. Isto não significa que as ações haverão de ser genéricas. Antes, pelo contrário, terão que ser ajustadas às demandas específicas, porém, sempre no sentido da universalização. Não podemos admitir que programas sociais, por exemplo, cheguem desarticulados e pontualmente às populações deles usuárias.

Aprimoramento dos canais diretos de participação e controle social. A cidadania precisa ser entendida como agente, longe, da idéia de beneficiário ou de cliente. O cidadão é no máximo usuário de serviços e, como tal, tem direito, além de desfrutá-lo de incidir positivamente no seu controle e direcionamento. Neste sentido, aprimorar os canais e os espaços de participação direta – definição do orçamento, de políticas e programas públicos – e de controle social – conselhos, conferências e outros – incidem diretamente no desenvolvimento da cidadania como agente de satisfação de seus direitos. Neste sentido, a multiplicação pura e simples de espaços de participação e controle não é suficiente, é preciso que estes sejam dotados objetivamente de condições de ação e de interação política tanto em nível subjetivo dos participantes, quanto dos instrumentos institucionais de ação.

Construção de uma política pública nacional de segurança. Historicamente a questão da segurança pública tem sido tratada de forma corporativa, segmentada e pontual. Ante uma situação de grande comoção social, o assunto volta à pauta e, imediatamente em seguida, às calendas. Não é suficiente delegar aos Estados a tarefa de enfrentar a questão. É necessário uma ação coordenada ,sistemática e nacional. Isto implica entender a segurança pública não como a organização dos meios exclusivos e de força para lançar mão do controle dos conflitos, mas como satisfação de um direito. Neste sentido, a orientação da política de segurança pública deixará de ser investimento em polícia, estritamente, e haverá de passar a ser investimento no desenvolvimento de condições para tratamento político dos conflitos sociais. Aprimorar os aparelhos policiais, dotando-os de capacidade de ação numa nova lógica de racionalidade – não-violenta – e com capacidade operacional unificada são ao menos passos iniciais necessários para desconstituir corporativismos e para dotar a sociedade como um todo de condições de ação neste tema, sem com isso substituirem-se os papéis e as responsabilidades.

Implementação de um sistema de proteção dos direitos humanos. A questão dos direitos humanos precisa deixar de ser um tema de fachada ou restrito a especialistas. Precisa cada vez mais se constituir em mecanismos e instrumentos concretos de orientação da ação política e social. A implementação de um Sistema Nacional de Proteção dos Direitos Humanos – idéia lançada na VI Conferência Nacional de Direitos Humanos (2001) pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos – é urgente e necessária para que possam ser aprimorados os espaços e os canais de participação e controle social e, da mesma forma, o Estado seja dotado de condições para reorientar suas ações na perspectiva dos direitos humanos. Neste sentido, é preciso ter em conta que este Sistema haverá de primar: a) pela promoção integral dos direitos humanos, o que implica desenvolver ações de PROMOÇÃO (para efetivar os direitos), de PROTEÇÃO (para evitar violações) e de REPARAÇÃO (para repor os direitos violados), conjugando ações diversas e complementares; b) pela consolidação de um sistema único e descentralizado, capaz de atingir todas as esferas do poder do Estado, considerando a especificidade de federação; c) pela capacidade de implementar o controle social, no sentido de que as instâncias, os instrumentos e os mecanismos do sistema tenham o máximo de possibilidades de participação popular das organizações da sociedade civil, e que tenham poder deliberativo para normatizar, formular, monitorar e avaliar as ações; pela atuação intersetorial e transdisciplinar, respeitando os espaços e as políticas específicas, sem submetê-las hierarquicamente, mas atuando em questões estruturais para a garantia de ações baseadas nos direitos humanos.



[1] Texto apresentado no Grupo de Trabalho sobre Violência e Política na VII Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada na Câmara dos Deputados, Brasília, de 15 a 17 de maio de 2002.

[2] Mestre em Filosofia (UFG-GO), Coordenador Nacional de Formação do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).

[3] CHAUÍ, Marilena. Uma ideologia perversa. Artigo publicado na Folha de São Paulo, Caderno Mais, 14/03/1999.,

 

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar