
APOSTA
NA
GOTA D’ÁGUA
O
empresário
José Mindlin fala ao Jornal da Rede sobre como construir a
cidadania dentro e fora da empresa. São relatos de quem passou
a vida entre livros e profundamente motivado pelo processo de
soluções dos problemas políticos, econômicos, culturais e
sociais do Brasil.
Jornal
da Rede: como o senhor entende a palavra cidadania, uma
palavra que possui diversos entendimentos e ao redor da qual há
muito desentendimento?
José
Mindlin: Eu
vejo o exercício da cidadania como uma preocupação do cidadão
com os seus direitos e com o respeito aos direitos que existem
na própria sociedade. Infelizmente, hoje no Brasil o exercício
de cidadania ainda é muito reduzido. Acho importante todo o
esforço que se faça para criar este interesse de forma
generalizada. Nós criticamos muitas vezes o governo, seja o
executivo, seja o legislativo, mas o voto não é dado na
realidade como um exercício de cidadania e sim como cumprimento
de uma obrigação. Eu acho o voto compulsório uma aberração
de democracia. Seria importante que as pessoas votassem porque
achassem isso uma coisa importante. O que acontece hoje é que,
no voto compulsório, a grande maioria dos eleitores dá o seu
voto e depois nem se lembra em quem votou e não acompanha a
atuação dos representantes eleitos, que ficam à vontade para
cumprir ou não as promessas de campanha.
JR:
Existe
uma corrente que defende o voto compulsório apontando que o
Brasil não tem maturidade política e isso favorecia a
proliferação de currais eleitorais. Como o senhor rebateria
esta corrente?
Mindlin: Penso
que é contrário. O voto compulsório permite a formação de
currais eleitorais. Se a gente constata que um país com 160
milhões de habitantes tem um colégio eleitoral de 105 milhões,
é fácil imaginar que a maior parcela destes 105 milhões não
tem o preparo suficiente para votar como expressão de sua
vontade. É facilmente manipulável o voto pela televisão, pela
mídia e pelo clientelismo. De um modo geral, está faltando o
exercício da cidadania. O interesse por este tema deveria começar
desde a infância, já no curso primário.
JR:
Um
dos principais fatores que impedem o brasileiro de exercer sua
cidadania é a ignorância?
Mindlin:
é.
Por isso mesmo que eu digo é que deveria ser introduzido o tema
desde a ensino primário, como elemento importante de educação.
Quando estudante ginasial tive uma experiência interessante no
Colégio Rio Branco. Lá os diretores sugeriram a criação de
uma Associação Escolar do Rio Branco, que era uma miniatura da
República. Tinha o Presidente, os ministros, que se chamavam
secretários e tinha uma assembléia formada por representantes
de todas as classes eleitos pelos alunos. Foi aí, creio, que
surgiu em mim o interesse pela política. Todos os que freqüentaram
o Rio Branco naquela época se tornaram cidadãos conscientes. E
esta é uma experiência que poderia ser repetida de uma forma
bem mais ampla. Jogo a idéia porque eu pude verificar por
experiência própria a validade dessa iniciativa.
JR:
Partindo
do princípio de que temos muitas crianças fora da escola e as
pessoas já chegam ao mercado de trabalho minadas em sua educação,
como conseguir fazer uma agenda mínima dentro de uma empresa
para criar a consciência de cidadania junto às pessoas que
nela trabalham?
Mindlin:
Primeiro
é preciso criar consciência nas pessoas da própria empresa
sobre a importância do processo. Sou um otimista incorrigível,
mas objetivo. Não é um otimista panglossiano. Eu acho que está
crescendo essa consciência da responsabilidade social da
empresa. E uma das facetas desta responsabilidade é exatamente
o apoio à educação, dentro e fora da empresa. No Brasil
existe muito a atitude de que educação, saúde e todas estas
necessidades humanas básicas são problema do estado. O que, a
meu ver, é um grande equívoco. Elas são responsabilidades do
estado, mas não só dele. É uma responsabilidade social bem
mais ampla. Eu costumo dizer que a empresa não é uma
finalidade em si mesma e sim um instrumento de desenvolvimento
social, de sorte que a empresa que apoia a educação, a
cultura, a saúde, enfim, apoia toda a comunidade, não está
fazendo favor nenhum. Está cumprindo uma obrigação social. E
creio que hoje já existem bastantes iniciativas – não
suficientes, mas numerosas – neste sentido. A Câmara
Americana de Comércio tem adotado escolas e procurado fazer com
que empresas adotem escolas. Existe o trabalho da Abrinq em
favor da educação infantil. Sou do conselho da Vitae e ela
concentra suas atividades de apoio a educação no incentivo ao
ensino básico. Acho que realisticamente não podemos ter a ilusão
de que esforços vão mudar o quadro a curto prazo, mas através
da educação, da geração de ensino básico e ensino médio
poderá se formar uma geração de cidadãos conscientes dentro
de 10 ou 15 anos. É uma coisa mais de longo do que de médio
prazo, mas justamente por isso é uma coisa que exige que se
comece a fazer desde logo.
JR:
A
educação de uma forma geral já seria suficiente para cumprir
os objetivos de educar para a cidadania?
Mindlin:
Não,
este é um tema específico dentro da educação. Não adianta
saber bem geografia, quais as capitais da África, para se
tornar um cidadão. É preciso que o tema seja discutido
especificamente. Eu estive recentemente num seminário sobre ética
na empresa e algumas empresas apresentaram códigos, um pouco no
sistema do manual americano, que revelavam até uma certa
ingenuidade, achando que fazendo o código o assunto está
resolvido. Eu então insisti muito sobre a importância da
catequese, da formação de mentalidade, porque se códigos
fossem suficientes para que a ética prevalecesse, provavelmente
bastariam os dez mandamentos. Mas a gente vê que os dez
mandamentos não resolveram. A meu ver, a preocupação com ética
está crescendo. Paradoxalmente eu diria que foi um serviço que
o Collor prestou ao país. O grau de antiética foi tal que
detonou uma preocupação de produção da ética não só nos
negócios como na vida em geral. É ingenuidade a gente achar
que isto está resolvido, que a ética prevalece. Estamos longe
disto, mas a preocupação com ética está crescendo e isto
permite esperar que as coisas melhorem.
JR:
Hoje
nós vemos que há uma valorização muito grande do indivíduo
em detrimento da sociedade. Isto seria impedimento para o
desenvolvimento pleno da cidadania?
Mindlin:
Tudo
volta ao problema de formação de mentalidade. É um erro que
uma pessoa que vive em condições satisfatórias se contenta
com isso sem ver o que se passa em volta. Na realidade, a
preocupação deve ser uma organização social justa, uma
distribuição de renda adequada, procurando elevar o nível de
vida da população. Isto feito, é claro que o indivíduo viverá
mais tranqüilo e com a consciência mais tranqüila também. De
modo que eu acho que a preocupação é com formar-se um
mecanismo em que o indivíduo, se preocupando com a sociedade,
chegue a um bom exercício da cidadania. No fundo, as coisas são
óbvias, não é um problema complexo. É que a maior parte
ainda vive egoisticamente.
JR:
Existe
uma cultura do egoísmo, de não mexer no problema?
Mindlin:
Não,
isto está mudando. Se generalizarmos a gota d’água que cada
um pode levar o processo, chegaremos a um esforço
significativo. O problema é muito vasto, difícil e existe uma
tendência das pessoas pensarem que não adianta fazer este
esforço porque o problema é maior do que qualquer um pode
resolver. Ele realmente o é, mas se você somar as gotas d‘água
de alguns milhões de quaisquer uns, você vai resolver o
problema.
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