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Fundamentalismo e Direitos Humanos no Limiar do Século XXI+

R. Scott Appleby*  

Fundamentalismo: Definição Geral e Características Ideológicas e Organizacionais

Fundamentalismo Islâmico e os Direitos Humanos  

O Debate Interno Islâmico sobre os Direitos Humanos  

Cristianismo, Fundamentalismos e Direitos Humanos Religiosos: Missão, Perseguição e Tolerância

“A Grande Comissão” e o Debate Interno Cristão sobre os Direitos  

Conclusão

Na era dos direitos humanos, as comunidades religiosas têm sido participantes ativas no emergente discurso internacional dos direitos humanos.[1]

Afirmando que suas escrituras sagradas e tradições éticas sacralizaram “os direitos humanos” há séculos, antes mesmo que o termo fosse assimilado pelo discurso político moderno, as religiões apropriaram-se de elementos da “discussão dos direitos” do período pós-guerra, ou apressaram-se em formular seus próprios discursos paralelos, que tendem a desafiar o foco individualista do discurso ocidental dos direitos humanos ao asseverar direitos e responsabilidades comuns. Líderes protestantes, católicos romanos e judeus, na América, por exemplo, responderam aos excessos do individualismo radical, promovendo um discurso compensatório de responsabilidade cívica a serviço do bem-estar comum e lembrando seus concidadãos das contribuições, de longa data, das comunidades religiosas para o cultivo de virtudes cívicas e da responsabilidade social.[2] Pesquisadores muçulmanos iniciaram um amplo debate sobre a “democracia islâmica” e os “direitos humanos islâmicos” no Oriente Médio, norte da África e sul da Ásia.[3] Ativista budistas desafiaram regimes opressores na Tailândia, Birmânia e Camboja, invocando normas referentes aos direitos humanos e protestando contra violações do estado nesses países.[4] Nos anos que se seguiram à guerra fria, as religiões e os atores religiosos também moveram esforços para criarem culturas voltadas para os direitos religiosos e outros direitos humanos.[5]

Em regiões submetidas a rápidas transições sociais e políticas que abrem espaços para inovações, diferenciação e crescimento religiosos, o papel das religiões na definição e proteção dos direitos humanos tem sido eloqüentemente contestado. “Guerras das almas” estão sendo empreendidas por católicos romanos e protestantes evangélicos na América Latina, por cristãos e muçulmanos, em partes da África e em países do antigo bloco soviético, onde a explosão de diferentes religiões tem testado a capacidade da região de tolerar a diversidade religiosa e acomodar o pluralismo legítimo sob a lei.[6]

As religiões, como guardiães e críticos da cultura, estão entre os agentes sociais primários de transformação cultural: em muitos cenários em todo o mundo, elas situam-se em posição singular de mediar o encontro entre o universal e elementos específicos de uma cultura, os quais devem coexistir em qualquer regime viável dos direitos humanos. Os atores religiosos também servem como testemunhas técnicas, por assim dizer, no que tange ao grau e tipo de direitos humanos religiosos que merecem proteção nas sociedades pluralistas. Através de sua prática de proselitismo, ou “conversão da alma” – ou de respostas à essa prática, por pessoas estranhas a ela – as religiões afetam diretamente o bem-estar das sociedades transtornadas pela discórdia civil, surgidas entre pessoas e grupos de convicções intensamente arraigadas e dissonantes. Diariamente eles deparam-se com perguntas controvertidas sobre normas referentes a direitos humanos interculturais: Quem participa do processo definidor dos direitos? Que critérios governam a interpretação e a prática dos direitos humanos?

Em alguns casos, finalmente, as religiões bem como outras associações voluntárias estão preparadas para liberar (ou prevenir) o estado de assumir a total responsabilidade de definir e desenvolver os direitos civis e políticos, os direitos sociais, culturais e econômicos de “segunda geração” (por exemplo, os direitos à educação, ao emprego, à assistência médica, à assistência à criança, etc.) e os direitos ambientais e de desenvolvimento de “terceira geração”.

Este ensaio concentrar-se-á em um grupo de atores do meio religioso, ou seja, aqueles freqüentemente conhecidos como “fundamentalistas”. Após definir o que quero dizer com fundamentalismo, descreverei o desafio que os fundamentalistas colocam para os direitos humanos das duas maiores religiões missionárias do mundo, o Cristianismo e o islamismo. Quase metade da população mundial segue uma dessas crenças monoteístas. (O Cristianismo verificou 1,7 bilhão de fiéis em todo o mundo, em 1998, enquanto que o islamismo orgulha-se de ter cerca de 1 bilhão de seguidores.) No que se segue, eu focalizarei, nessas tradições, debates contemporâneos referentes ao significado e propósito da “missão religiosa” e “identidade religiosa”. O significado realizado desses conceitos, central ao discurso fundamentalista de cada tradição, diretamente moldam a compreensão dos direitos humanos, por cristãos e muçulmanos. Da mesma forma, os resultados desses debates influenciarão como os cristãos e muçulmanos conceituarão e defenderão os “direitos humanos” no século XXI.

Fundamentalismo: Definição Geral e Características Ideológicas e Organizacionais

Alguns observadores automaticamente equacionam “fundamentalismo” com extremismo e usam o termo como um instrumento para marcar cada seguidor religiosamente ortodoxo, educado e devoto. Através dessa ótica distorcida, cada fiel é um militante, cada militante um fundamentalista, cada fundamentalista um extremista violento. Alguns muçulmanos, cristãos e judeus não-fundamentalistas opõem-se ao “fundamentalismo”, com base na implicação de que seus correligionários extremistas estão, na verdade, seguindo ou defendendo os “fundamentos” básicos da crença; a maioria dos fiéis não concordam com essa visão. Finalmente, historiadores corretamente se opõem quando o uso extravagante do termo induz os não-especialistas a negligenciarem ou fundir os detalhes de movimentos individuais e seus contextos e, conseqüentemente, a subestimar a vasta gama de diferenças entre esses movimentos, muito maiores do que as semelhanças.

Cautelosamente definidos, contudo, conceitos comparáveis ao “fundamentalismo” certamente ajudam-nos a diferenciar padrões mais amplos de militância religiosa no mundo real. Eles estabelecem critérios confiáveis pelos quais se podem questionar resultados de estudos de caso, passíveis de generalização, e criar um vocabulário intercultural com o qual se possam elaborar comparações específicas de movimentos e grupos. O termo “fundamentalismo”, neste sentido, refere-se a um padrão específico de militância religiosa através do qual se definem os seguidores convictos que tentam impedir a erosão da identidade religiosa, fortificar as fronteiras da comunidade religiosa e criar alternativas viáveis a estruturas e processos seculares. Nada nesta definição sugere que o fundamentalismo necessariamente promova a violência e a intolerância. O objetivo comum dos fundamentalistas, em suas tradições distintas – de proteger e fortalecer a identidade religiosa, competindo com instituições e filosofias seculares por recursos e alianças – não viola os princípios básicos de sociedades pluralistas e inclusivas, entre os quais se encontram os direitos humanos.

As tendências excludentes dos fundamentalismos tornam-se evidentes, entretanto, quando examinamos seu padrão comum de militância religiosa – quero dizer, seus meios comparativos de criar e sustentar alternativas ao secularismo.

O modelo fundamentalista constitui uma configuração particular de ideologia e recursos organizacionais. Como ideologia, começou como uma reação à penetração de elementos estranhos, seculares ou religiosos, na comunidade religiosa. Na era pós-colonial, as reações culturais e políticas do colonialismo continuam a ser sentidas no limiar do século XXI. A sensação de encontrar-se exilado em sua própria terra não ameaça apenas os grupos fundamentalistas e seus seguidores entre as massas; influências externas, muitas delas decadentes, são numerosas. Os fundamentalistas definem como “elementos externos” os correligionários sem convicção, compromitente, ou liberais, assim como pessoas ou instituições de diferente, ou mesmo nenhuma, crença religiosa. Tropas estrangeiras com bases em solo sagrado, missionários, executivos ocidentais, suas próprias autoridades governamentais, pregadores sectários, voluntários de programas de educação e assistência social, trabalhadores de assistência a situações de calamidade e observadores de paz profissionais – qualquer um, ou mesmo todos, podem, em alguma ocasião, enquadrar-se nessa definição. Os fundamentalistas percebem esta gama de atores sob a ótica de agentes, intencionais ou inadvertidos, de secularização, um processo implacável mas, de forma alguma, inevitável, pelo qual as religiões tradicionais são gradualmente relegadas às mais remotas margens da sociedade, onde podem encontrar uma morte inocente – eliminadas pelo que o intelectual iraniano Jalal Al-e Ahmad chamou de “o veneno doce e letal” da “Ocidentoxicação” (“Westoxication”).

Nesta situação, o peregrino da pureza” cultural e religiosa é tentado a construir um enclave, um sistema sócio-cultural dedicado à fortificação de fronteiras comunitárias.[7] Os líderes religiosos procuram reformar a tradição religiosa com vistas a prevenir o perigo da constante perda de seguidores e, finalmente, da morte ignóbil. Os fundamentalistas que se armam e recorrem a táticas terroristas enfatizam a dupla face da realidade, com o mundo dividido em territórios dos virtuosos e dos pecadores, fiéis e infiéis. No ensinamento não-ortodoxo de líderes cristãos e fundamentalistas islâmicos, os “direitos humanos” apropriadamente pertencem apenas àqueles cujas vidas são vividas em conformidade com a vontade de Deus – ou seja, verdadeiras humanas.

A reação contra as forças da descrença toma a forma de um resgate seletivo do passado sagrado – linhas ou passagens do livro sagrado, ensinamentos tradicionais de um guru ou profeta, feitos heróicos ou episódios de uma época dourada mitificada (ou momento em uma tragédia) – com o propósito de se legitimar uma ideologia inovadora ou programa de ação destinado a proteger e fortalecer os “fundamentos” da religião bem como a rechaçar ou conquistar o estranho. A partir de seu sucesso (ou fracasso devido à falta de apoio), ocorre uma expansão de sua agenda para que se inclua a obtenção de maior poder político, a transformação da política cultural circundante, a purificação moral da sociedade e, em alguns casos, a secessão do estado secular e/ou a criação de uma pátria religiosa “pura”.

Ideologicamente, os fundamentalistas reagem contra – e interagem com – a modernidade secular; e tendem a ser absolutistas, isentos de erro, dualistas e apocalípticos na orientação cognitiva. Ou seja, os fundamentalistas vêem as verdades sagradas como a base de todo conhecimento legítimo e os valores religiosos como a base e o ápice da moralidade. Isto por si só não diferencia os fundamentalistas dos fiéis tradicionais. Mas porque os próprios fundamentalistas foram formados pela modernidade secular, ou em reação a ela, eles se encontram em auto-competição com seus pares nas ciências seculares. No entanto, eles também estabelecem os termos da competição, apresentando seus textos sagrados e tradições – suas fontes intelectuais, por assim dizer – como sendo inerentemente livre de erro e invulnerável à procura de métodos críticos da ciência secular, da história, dos estudos culturais e da teoria literária. Tendo subordinado a epistemologia secular à sagrada, os fundamentalistas sentem-se, assim, livres para engajaram-se em, ou mesmo desenvolver, novas formas de tecnologia computacional e de comunicações, pesquisa científica, organizações políticas, entre outros.

Não importa quão especializada ou desajeitadamente imitem os modernos seculares, os fundamentalistas, contudo, permanecem intrinsicamente dualistas; eles imaginam o mundo dividido nos reinos distintos de luz e trevas, habitados pelos abençoados e os pecadores, os puros e os impuros, os ortodoxos e os infiéis. Muitos, se não fundamentalistas, dramatizam ainda mais esta visão de mundo maniqueísta, colocando-a dentro de uma moldura apocalíptica: o mundo enfrenta uma crise espiritual, talvez aproximando-se do fim, quando Deus iniciará o terrível julgamento dos filhos das trevas. Quando os filhos da luz são apresentados, em tais imaginários milenares, como agentes desta ira divina, uma intolerância violenta dirigida aos estranhos parece justificada, em termos teológicos. Uma forma mais inclusiva de descrever este traço ideológico seria dizer que os fundamentalistas tendem a ser “excludentes”. Quaisquer que sejam as fontes teológicas específicas que a tradição religiosa principal possa (ou não) ter para legitimar um desvio dos procedimentos normais de operação, ou seja, que os fundamentalistas acreditem estar vivendo em dispensação especial – um incomum e extraordinário tempo de crise, perigo, um destino apocalíptico, o advento do Messias, a Segunda Aparição do Cristo, o retorno do Imã Misterioso, etc. Este “tempo especial” é excepcional não só no sentido de ser incomum, mas porque sua urgência exige que os fiéis convictos façam exceções, afastem-se da regra geral da tradição.

Oferece-se aqui uma resposta à pergunta, “Como uma tradição religiosa que normalmente prega apenas a paz, compaixão, perdão e tolerância adota um discurso de intolerância e violência?” A resposta: estes não constituem “tempos normais”. Conseqüentemente, os velhos zionistas religiosos do Ichud Rabbanim de Israel invocavam a norma halakhic de pikuach nefesh, ao sentenciar que os acordos de Oslo ameaçavam a existência de Israel – e o próprio judaísmo. Esta opção “livre-de-fracassar” tinha o efeito de subordinar todas as outras leis às exigências da sobrevivência. O assassinato do Primeiro Ministro judeu Itzhak Rabin foi o primeiro resultado direto dessa sentença. Da mesma forma, o Ayatollah Khomeini, no seu último ano de vida, emitiu a extraordinária sentença de que a sobrevivência da República Islâmica do Irã demandava que partes da lei islâmica que a governava fossem suspensas em deferência aos próprios julgamentos ad hoc do Jurista Supremo (ou seja, de Khomeini).

Os ensinamentos de Sayyid Qutb (1906-1965), um catalisador na ascensão do extremismo muçulmano sunita, exemplifica o padrão ideológico fundamentalista. Professor, ensaísta e inspetor no Ministério da Educação do Egito, Qutb aderiu à Fraternidade Muçulmana em 1951, em sua volta dos Estados Unidos, após três anos de estudos. A Fraternidade, fundada em 1928 na Cidade de Ismailia, no Canal de Suez, por outro professor, Hassan al-Banna, tinha crescido e tornado-se um movimento líder de oposição do Egito, com 500,000 membros atuantes e cerca de um milhão de defensores, com o objetivo de expulsar os britânicos e trazer a sociedade egípcia diretamente ao regime da Sharia (lei islâmica). Crescente violência entre a Fraternidade e o Governo levou ao assassinato de Banna pela polícia do rei, em 1949, bem como a sanções brutais, em 1952 e 1954, pelo regime de Nassar. Enquanto a Fraternidade se reagrupava e respondia à repressão, renunciando à violência e buscando um caminho político gradual, Qutb, preso durante um dos cercos, manteve a chama revolucionária acesa com seu tratado Milestones (“Marcos”), de 1960, que se tornou o manifesto do extremismo sunita.

Em Milestones, Qutb desenvolveu uma interpretação do jihad, a guerra santa islâmica, que se tornaria a doutrina central dos grupos extremistas, tais como a Organização de Liberação Islâmica, do Egito e Jordânia, a Organização Jihad e Takfir wal-Hijra, do Egito, assim como outras células semelhantes no Egito, Norte da África, Líbano, Israel, Arábia Saudita, o Banco de Gaza e os estados do Golfo.[8] A inovação radical de Qutb foi sua aplicação do conceito de Jahiliyya, “o estado de ignorância da orientação de Deus”, a outros muçulmanos (incluindo-se líderes árabes tais como Nasser) que, segundo declarou, tinham abandonado o Islã em favor de filosofias e ideologias ateísticas. “Todo o nosso meio, as crenças e idéias do provo, os hábitos e as artes, as regras e leis são – Jahiliyya, mesmo até onde o que consideramos ser a cultura islâmica, as fontes de referência islâmicas, a filosofia islâmica e o pensamento islâmico, são também conceitos de Jahiliyya!” Como resultado, disse ele, “os valores islâmicos legítimos nunca entram em nossos corações … nossas mentes não são nunca iluminadas pelos conceitos islâmicos, não surge entre nós nenhum grupo de pessoas do calibre da primeira geração do Islã”.[9]

A influência de Maulana Sayyid Abul Ala Maududi (1903-1979) é visível na visão do Islã, de Qutb, como uma alternativa englobadora para a sociedade Jahili. Maududi, nativo de Hyderabad, Índia, foi um pensador sistemático brilhante, escritor prolífico, orador carismático, político arguto e o idealizador da organização Islâmica do Sul da Ásia, Jamaat-I-Islami.[10] Ele criou sozinho o discurso islâmico moderno; seus trabalhos elaboram as implicações sociais e legais de conceitos como “política islâmica”, “economia islâmica” e a “constituição islâmica”. O conceito central de Maududi, baseado na afirmação tradicional do Islã como um modo de vida completo e global, foi o iqamat-i-deen (literalmente, “o estabelecimento da religião”) – a subordinação total das instituições da sociedade civil e do estado à autoridade da lei divina, como revelada no Corão (Qur’an) e praticada pelo Profeta.[11]

O conceito é repetido nas exortações de Qutb, da prisão, para seus Irmãos Muçulmanos. “Devemos retornar àquela pura fonte da qual as pessoas [os antigos seguidores do Profeta Muhammad] extraíram uma orientação – a fonte que é livre de qualquer mistura ou poluição”, escreve ele. “Devemos retornar a ela para de lá extrair nossos conceitos da natureza do universo, da natureza da existência humana e a relação dessas duas com o Perfeito, o Ser Real, Deus Altíssimo. Do [Islã] devemos também extrair nossos conceitos de vida, nossos princípios de governo, política, economia e todos os outros aspectos da vida”.[12] Explícitos no manifesto de Qutb estão todos os elementos do modelo ideológico fundamentalista: o alarme quanto à verificada perda de integridade religiosa; a recusa ao comprometimento com estranhos; o sentido da crise apocalíptica; a inveja e imitação da modernidade secular, justaposta à repulsa a seus excessos imorais e, finalmente, o desejo de construir uma alternativa religiosa inclusiva à secularidade. “Devemos também nos libertar das garras da sociedade jahili, dos conceitos jahili, das tradições jahili e da liderança jahili. Nossa missão não é de nos comprometermos com as práticas da sociedade jahili, nem de sermos leais a ela. … Nosso primeiro objetivo é mudar as práticas dessa sociedade. Nossa meta é mudar o sistema jahili em suas raízes – este sistema que está fundamentalmente em desacordo com o Islã e que, apoiado pela força e opressão, tem nos privado de viver o tipo de vida exigido por nosso Criador”.

Renúncia da chamada sociedade islâmica, para Qutb, era um prelúdio para uma ofensiva jihad contra os infiéis e apóstatas em todo o mundo. O movimento islâmico utilizaria armas e táticas do mundo secular contra isso.

Uma vez que este movimento conflitua-se com a Jahiliyyad, que possui um sistema prático de vida, bem como uma atividade política e material apoiando-o, o movimento islâmico tem que produzir recursos paralelos para confrontar este Jahiliyyad. Este movimento utiliza os métodos de pregação e persuasão para reformar idéias e crenças; e faz uso da força física e Jihaad para abolir organizações e autoridades do sistema jahili …[13]

Em sua apresentação do jihad como uma guerra santa contra apóstatas ou muçulmanos “jahili”, entre outros inimigos da “verdadeira religião”, Qutb efetuou uma ruptura significativa com intérpretes da lei islâmica contemporâneos. Ele justificou suas inovações de maneira fundamentalista. Primeiro, envolveu as doutrinas de um sábio que havia legitimado o extremismo, Ibn Taymiyya (1268-1328), estudioso medieval da escola Hanbalite de jurisprudência islâmica que havia caracterizado os mongóis como “falsos muçulmanos” e abençoou aqueles que lutassem contra eles. Segundo, Qutb resgatou a prática de ijtihad, o uso do próprio julgamento sempre que não haja disponível qualquer texto explícito do Corão, ou do Hadith do Profeta. Finalmente, ele “atualizou” e conferiu uma interpretação extremista de um preceito tradicional – jihad – e justificou a interpretação recorrendo ao “exclusivismo” (o argumento de que o início de “Jihiliyyad” exigiu medidas defensivas extremas). Milestones contém longas passagens de denúncia a interpretações minimalistas do jihad, afirmando que a proibição do Profeta de lutar era apenas uma fase temporária numa longa “jornada”, durante o período Meccan. Jihad não se refere à defesa da pátria, Qutb insiste; é um comando para estender as fronteiras do Islã até os confins da terra, um dever perpétuo dos muçulmanos devotos.[14]

Um marco do discurso dos extremistas religiosos é a ambigüidade calculada da retórica de seus líderes, no que tange à violência. O repertório padrão de um pregador extremista – o uso constante de metáforas e alusões veladas, imagens apocalípticas e retórica inflamada, nem sempre se esperando que sejam tomadas literalmente, ou obedecidas como se constituíssem um volume concreto de instruções – permite ao pregador evadir à responsabilidade por operações fracassadas. Outros ativistas do movimento, em qualquer circunstância, usualmente “operacionalizam” as vastas “permissões” vocalizadas pelo líder extremista.[15] Em Milestones, Qutb faz uso de linguagem eloqüente, facilmente traduzida como legitimada pela violência mortal contra os numerosos inimigos do Islã. Foi interpretada desta forma pelos discípulos intelectuais de Qutb, notadamente o grupo Jihad que assassinou o Presidente Sadat, do Egito.). O legado de Qutb são os quadros de extremistas muçulmanos que criaram novas formas de intolerância violenta e resistência religiosa aos poderes de direito. Hoje, os elementos de sua ideologia aparecem em manifestos e comportamentos de movimentos islâmicos extremistas que cresceram alheios à sua esfera de influência original, tais como o Grupo Islâmico Armado (GIA) que empreende uma campanha terrorista contra o Governo “jahili” da Argélia, desde 1992.[16]

Organizacionalmente, os movimentos fundamentalistas, tais como aqueles inspirados por Qutb, formam-se entre homens líderes, autoritários e carismáticos. Os movimentos começam como enclaves religiosos locais, são cada vez mais capazes de rápida diferenciação funcional e estrutural, assim como de organização de rede internacional, como grupos afins oriundos da mesma ampla tradição religiosa. Eles recrutam soldados rasos das classes trabalhadoras e profissionais liberais, bem como homens e mulheres, mas obtêm novos membros desproporcionalmente dentre homens jovens, educados, desempregados ou subempregados (e, em alguns casos, de universidades e das forças armadas); e impõem códigos estritos de disciplina pessoal, vestuário, dieta e outros marcadores que servem, sutilmente ou não, para diferenciar os membros do grupos de outros.[17]

Ao avaliar a influência da minoria dos fundamentalistas, dentro do islamismo e do Cristianismo, é importante reconhecer que os debates mais intensos e conflituados – e, talvez, em última instância, o de maior conseqüência – estão sendo atualmente conduzidos no âmbito dessas duas próprias tradições, à medida que interagem com freqüência e rapidez, cada vez maiores, com atores seculares, com outras religiões – assim como com seus próprios seguidores, diversos e ideologicamente diferentes. O corrente debate interno, no Islã, sobre direitos humanos, democracia e identidade religiosa oferece um exemplo deste tema.

Fundamentalismo Islâmico e os Direitos Humanos

Nos últimos vinte e cinco anos do século XX, testemunhou-se o estabelecimento de mais de trinta democracias constitucionais em todo o mundo, bem como a proliferação de leis internacionais, tratados, pactos e outros instrumentos dedicados à articulação e proteção dos direitos humanos, dos quais não menos importantes são aqueles especificamente destinados a proscrever a discriminação contra a crença e prática religiosas – mais notadamente, o Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Artigo 18 da Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (CIDCP) e os Artigos 1 e 6 da Declaração de 1981 sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com Base em Religião ou Crença.

Durante o mesmo período, contudo, tornou-se excessivamente claro que essas convenções e leis internacionais eram, em grande parte, irrelevantes para sociedades em que não existisse uma cultura em que os direitos individuais e das minorias fossem valorados. A linguagem dos direitos humanos “universais”, empregada desde que as Nações Unidas promulgaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), tem inspirado resistência de várias posições, tais como as comunidades religiosas que vêem a tentativa de construção de um regime internacional da lei dos direitos humanos como uma nova forma de colonialismo ocidental. O DUDH e subseqüentes convenções impõem meios pós-iluministas do saber e suposições culturais e ideologias ocidentais, dizem os opositores, que são tão universalmente escravizantes quanto qualquer outro conjunto de princípios culturalmente determinados.

Em 1992, durante uma apresentação para acadêmicos, diplomatas e jornalistas em Washington, D.C., Hassan al-Turabi, líder sudanês e muçulmano leigo da Frente Islâmica Nacional, articulou uma versão islâmica da crítica relativista cultural. Turabi, exemplo requintado de um líder fundamentalista islâmico, descreveu o que ele chamou de “O Despertar Islâmico”, o retorno gradual à independência política e autonomia cultural de países de maioria muçulmana, que se estendem desde o Oeste da África ao Sudeste da Ásia. No século XXI, ele predisse, a nação-estado de procedência ocidental secular será suplantada em todo o vasto arco geográfico pelas estruturas, governo e leis da umma (a comunidade universal dos muçulmanos). Um “choque de civilizações” entre o Islã e o ocidente não é inevitável, disse Turabi, enquanto outras culturas não tentem forçar os muçulmanos a submeterem-se aos valores estranhos e obedecer a leis oriundas de fontes não-islâmicas. Podemos falar através de fronteiras culturais sobre “os direitos humanos” ou “a liberação da mulher”, continuou, mas a expressão social desses “direitos” continuarão a variar dramaticamente, pois os muçulmanos extraem o conteúdo desses termos não de filosofias seculares e relativistas do ocidente, mas de fontes sagradas do Islã. Desta forma, as sociedades islâmicas podem evitar as altas taxas de divórcio, uso de drogas e decadência moral verificadas no ocidente, disse Turabi, culpando por esse males a “compreensão falha da América quanto à legítima liberação da mulher”.[18]

Os movimentos islâmicos e os regimes islâmicos, em 1998 – no limiar do novo século – estão procurando um antídoto para o “imperialismo cultural ocidental”, desenvolvendo programas destinados à implementação de lei islâmica que resgate seletivamente os elementos mais restritivos e os códigos penais mais rígidos da sharia. Cruel é o triunfo do Taliban no Afeganistão; a violação, pelo movimento fundamentalista, da liberdade religiosa (através da coação de homens à oração em mesquitas) e suas restrições excessivas contra a educação e outros direitos humanos e civis das mulheres têm suscitado ampla censura de nações ocidentais, assim como de muitos intelectuais islâmicos. A atitude desafiadora do Islã é contagiosa, ultrapassando as fronteiras do Afeganistão até o Paquistão, onde o Primeiro Ministro Nawaz Sharif introduziu uma lei, em agosto de 1998, para a criação de uma nova ordem islâmica no Paquistão e estabelecer todo um sistema legal, com base no Corão e a Sunna do Profeta. Os ativistas dos direitos humanos imediatamente condenaram a emenda constitucional, que obriga o governo federal a impor orações cinco vezes ao dia e recolher o zakat, ou a cobrança anual da dízima. Isso também daria mão mais forte à comunidade majoritária sunita, no país, a qual tem se defrontado em conflitos armados com minorias muçulmanas dos xiitas (Shi’ite), ocasionando centenas de mortes, dos dois lados, nos últimos anos.[19]

O Debate Interno Islâmico sobre os Direitos Humanos

O Islã não é apenas compatível com a democracia; sua própria essência é democrática. Baseada no conceito legal de shura, ou consultas entre os ulema, a versão islâmica da democracia assegura uma ordem política justa e igualitária porque seus procedimentos e princípios obedecem à sharia, ou lei islâmica e, portanto, refletem a vontade de Allah. Assim o dizem certos estudiosos religiosos muçulmanos entrevistados no início dos anos noventa.[20] Uma escola de pensamento islâmico mantém que o Islã é inerentemente democrático porque a sharia permite aos juristas a flexibilidade de empregar julgamento independente (ijtihad) e buscar consenso (ijma’) entre si. A Assembléia Legislativa do Estado islâmico, de acordo com um líder intelectual dessa escola, deve ser verdadeiramente representativo de toda a comunidade através de eleições livres e gerais, incluindo homens e mulheres.[21]

Tem-se aqui um falso Islã, afirma contudo ‘Umar ‘Abdel Rahman, o sheik egípcio cego, acusado de conspiração no ataque com bomba ao World Trade Center (e discípulo e herdeiro intelectual de Sayyid Qutb); isto aponta para a “predileção vergonhosa de nosso sistema governante religioso por apologias; querem embelezar o Islã, para que não sejam acusados de reacionários”. Examinando as mensagens contidas em áudio-tapes de trinta pregadores islâmicos populares, anti-árabes, Emmanuel Sivan encontrou evidência abundante de que a suspeita de Rahman e seu desdém pela democracia, à maneira ocidental, é amplamente compartilhada por milhares de muçulmanos que não são “teólogos ou juristas debruçados minuciosamente sobre tratados eruditos, nem jornalistas escrevendo para consumo externo”.[22] Da mesma forma, o estudo comparativo de Max Stackhouse sobre os direitos humanos em três culturas concluiu que o Islã não possui um conceito básico de direitos inalienáveis e não permite que o indivíduo goze das liberdades de ação e associação característicos de uma democracia.[23]

Quem está correto – os proponentes da compatibilidade do Islã com a democracia de estilo ocidental ou os que negam este argumento? Os defensores da liderança moral do Islã na comunidade internacional, ou seus detratores, que afirmam que os valores centrais ao Islã são antitéticos à DUDH e outros instrumentos e convenções sobre os direitos humanos? Claramente, há elementos de verdade em ambas as descrições do Islã do final do século XX.[24] Ademais, muitas da questões apresentadas sobre o Islã aplicar-se-iam a outras tradições religiosas em várias épocas de suas histórias, inclusive no período contemporâneo – de fato, temos feito essas perguntas sobre a própria religião.

A capacidade do Islã (ou de qualquer outra religião) de conferir legitimidade aos líderes políticos que elaboram políticas conduzentes à tolerância cívica, sem violência, depende da situação de seus líderes religiosos e intelectuais progressistas – suas posições na comunidade religiosa e na nação, a autoridade consistente de suas interpretações da lei islâmica e o apelo popular dessas interpretações. Depende também da flexibilidade da tradição religiosa acerca do tema, a gama de possibilidades contidas nas fontes escriturais e tradicionais. O debate contemporâneo sobre a sociedade islâmica e o futuro da política islâmica demonstra que um compromisso compartilhado com a observância da lei islâmica não gera uniformidade ou mesmo a comensurabilidade de método entre os islâmicos, ou entre os muçulmanos em geral. Como qualquer código legal complexo, a sharia admite muitas interpretações e aplicações diversas, cada qual inevitavelmente seletiva.[25]

A vida e o pensamento de Abdullahi Ahmed An-Na’im ilustram a dinâmica da pluralidade interna do Islã. Na idade aproximadamente dos trinta anos e lecionando Direito Comparado, na Universidade de Khartoum, no Sudão, seu país de origem, Am-Na’im tornou-se líder de um movimento islâmico de reforma, chamado os Irmãos Republicanos. Ele clamava eloqüentemente pelo resgate e a construção de uma lei islâmica que demonstrasse e avançasse sua compatibilidade com os direitos humanos “universais”. Denunciou também o tipo do fundamentalismo islâmico do Presidente Numiery, do Sudão, compartilhado em seus propósitos gerais por extremistas sunitas, da Tunísia ao Paquistão, bem como pelos xiitas escravizados pelo Ayatollah Khomeini, do Irã, como uma tentativa, enganosa e destinada ao fracasso, de impor a sharia como um antídoto para o neo-colonialismo ocidental. Por seu patriotismo, An-Na’im foi preso sem acusações, em 1984. No entanto, na prisão e após sua libertação, ele continuou a insistir que os elementos da sharia, evocados por Numiery e Khomeini – ou seja, as diretrizes do direito penal, as liberdades civis e o tratamento das minorias e mulheres apresentado pelo Profeta em Medina – promoveram “uma auto-identidade islâmica, historicamente ultrapassada, que precisa ser reformada”. A justiça social islâmica e o exercício do poder político legítimo dependem, de acordo com An-Na’im, do resgate dos ensinamentos do Profeta, em Mecca, os quais constituem “a fundação moral e ética” da tradição. “A mensagem de Medina não constitui a mensagem fundamental, universal e eterna do Islã. A mensagem inicial vem de Mecca”, escreveu. “Esta contra-ab-rogação [do código de Medina] resultará na total conciliação entre a lei islâmica e o desenvolvimento moderno dos direitos humanos e as liberdades civis”.

Raro é o intérprete de religião que não afirma manter seus “fundamentos”. Ou melhor, a batalha é sempre sobre o que eles são, onde podem ser encontrados, como e por quem eles devem ser interpretados. Ao exigir o resgate da profecia de Mecca, concluiu An-Na’im, “nós [Irmãos Republicanos] somos os “super-fundamentalistas”.[26]

O Professor An-Na’im mais tarde serviu como Diretor Executivo do Human Rights Watch (Vigilância dos Direitos Humanos), na África e ensinou direitos humanos e direito comparado nas universidades da Europa, África e América do Norte; no momento em que escrevo, ele é Professor de Direito e Pesquisador sobre Direito e Religião na Emory University. Como seu compatriota e colega de exílio sudanês, Francis M. Deng, a feminista islâmica Riffat Hassan, o estudioso Shi’ite Abdulaziz A. Sachedina e vários outros talentosos ativistas e intelectuais muçulmanos, An-Na’im tem-se dedicado à elaboração de um discurso islâmico dos direitos humanos por meio do qual os muçulmanos possam engajar-se com outras tradições de direitos, em diálogo mutuamente útil.[27]

An-Na’im defende a ortodoxia deste projeto, ainda que ele reconheça a considerável oposição a este assunto entre círculos poderosos. “Vejo a possibilidade e utilidade de identidades e cooperações superpondo-se tão integrais a minha fé como muçulmano, de acordo com o versículo 13 do capítulo 49, do Corão”, escreve, traduzindo o versículo como se segue:

Eu [Deus], os [seres humanos] criei como [diferentes] povos e tribos para que possam [todos] conhecer [compreender e cooperar com] cada um; os mais honrados entre vós, aos olhos de Deus, sãos piedosos [bondosos].

Para An-Na’im, este verso significa que “a diversidade humana, ou pluralismo (seja étnica, religiosa, ou qualquer outra) é não somente inerente à ordem divina das coisas, mas também deliberadamente criada para promover a compreensão e cooperação entre os vários povos”. A última parte do versículo, segundo ele, indica que a moralidade de um indivíduo deve ser julgada por sua conduta; não porque pertença a um grupo étnico ou religioso em particular.

Será que esta leitura de Corão reflete as sensibilidades dos muçulmanos presos no fogo cerrado da Bósnia, Kashmir, ou Gaza, e, muito menos, dos que se armaram contra aqueles de diferentes etnias e religiões? Refletiria, de fato, as sensibilidades da maioria dos muçulmanos, em geral? Nos estados islâmicos, onde não há separação formal entre a religião e a lei, mesquita e estado, a sharia (Shari’a) é idolatrada e apresentada (se não consistentemente implementada) como uma formulação final e básica da lei de Deus, não para ser revista ou reformulada por meros seres humanos, mortais e falíveis. O preâmbulo à Declaração Islâmica dos Direitos Humanos (1981) afirma que o “Islã proporcionou à humanidade um código ideal de direitos humanos há quatorze séculos”.[28] “Quando os muçulmanos falam sobre direitos humanos no Islã”, um observador paquistanês comenta, “eles referem-se aos direitos conferido por Allah, os louvados, no Corão Santo; direitos que são divinos, eternos, universais e absolutos; direitos que são garantidos e protegidos pela sharia”.[29] Sempre que haja um conflito entre a lei islâmica e a lei internacional sobre os direitos humanos, de acordo com esta visão, os muçulmanos tendem a seguir a primeira.[30]

An-Na’im prontamente admite que suas escolhas e interpretações de passagens do Corão “partem da premissa de uma certa orientação que pode não ser compartilhada por todos os muçulmanos hoje”. Muçulmanos de “uma orientação diferente”, observa, “podem preferir enfatizar outros versos do Corão que não sustentem o princípio de sobrepor identidades e cooperação com o “estranho não-muçulmano”, mas que discrimine entre “fiéis” e “incrédulos”.[31]

Como e por quem devem ser definidos os princípios de interpretação para uma comunidade transnacional, sem hierarquia centralizada, tal como o Islã? Como e por que critérios são esses princípios revisados? Quem, basicamente, tem a autoridade para arbitrar e mediar as afirmações dissonantes sobre o arcabouço de interpretação e sua aplicação? As várias escolas de teologia e jurisprudência islâmicas, assim como as numerosas opiniões em cada escola, testemunham o fato de que os muçulmanos sempre divergiram, e sempre divergirão, quanto à escolha e interpretação de versos e leis que fundamentem suas opiniões. A história indica que a opinião de uma minoria pode conquistar maior aceitação à medida que as políticas e orientações sociais muçulmanas mudem, assim como a exposição a outras visões de mundo – inclusive as interpretações alternativas do Islã – alterem as percepções muçulmanas dos comportamentos e atitudes que constituam propriamente o caminho certo.[32] Se a força de uma nova idéia torna-se maior onde as circunstâncias sócio-políticas tenham-na tornado plausível, é também factível dizer que as orientações dos muçulmanos com relação ao mundo são influenciadas não só por conquistas concretas, mas também por suas esperanças e esforços para o aprimoramento das condições sócio-políticas existentes.



+ Traduzido por Amelia Maria Fernandes Alves, Ph.D. em Literatura Americana e M. em Filosofia.

* Diretor Associado do Projeto sobre Fundamentalismo, do Instituto Kroc de Estudos Internacionais da Paz – Bolsista. Professor de História da Universidade de Notre Dame.

[1] Na década de 1990, a discussão sobre democracia, direitos humanos e a relação entre os dois tornou-se de rigueur no Oriente Médio, África e Ásia – mesmo para os governos que desejavam evitá-la. Nos Estados Unidos, críticos sociais e autoridades públicas reavaliaram um “dialeto norte-americano dos direitos” que tinha se empobrecido com formulações absolutas e concentração excessiva no indivíduo autônomo e auto-suficiente em detrimento da comunidade. William A. Galston, Liberal Purposes: Goods, Virtues and Diversity in the Liberal State (Cambridge: Cambridge University Press). Michael J. Sandel articula a necessidade de uma filosofia pública fundamentada na moralidade como uma proteção contra o fundamentalismo religioso, em Michael J. Sandel, Democracy and its Discontent: America in Search of a Public Philosophy (Cambridge, Mass.: Belknap Press, 1996), 321-323.

[2] Para uma amostra de opiniões dos principais conservadores norte-americanos sobre a necessidade de uma revitalização da religião na esfera pública, ver “The National Prospect”, Commentary 100, nº 5 (Novembro de 1995): 23-116.

[3] Para um panorama recente do debate, ver John L. Esposito and John O. Voll, Islam and Democracy (New York: Oxford University Press, 1996).

[4] Sulak Sivarksa, Loyal Dissent.

[5] Para um relato detalhado, ver R. Scott Appleby, The Ambivalence of the Sacred: Religion, Violence and Reconciliation (Rowman & Littlefield, 1998).

[6] Ver W. Cole Durham, Jr. and Lauren B. Homer. “Russia’s 1997 Law on Freedom of Conscience and Religious Associations: An Analytical Appraisal,” Emory International Law Review 12, no. 1 (Winter 1998): 101-246; e Harold J. Berman, “Freedom of Religion in Russia: An Amicus Brief for the Defendant,” in idem., 313-40.

[7] Emmanuel Sivan, “The Enclave Culture,” in Martin E, Marty and R. Scott Appleby, eds. Fundamentalisms Comprehended (Chicago: University of Chicago Press) 1995, 16-18.

[8] Amira El-Azhary Sonbol, “Egypt,” in Shireen T. Hunter, ed., The Politics of Islamic Revivalism (Bloomington, IN: Indiana University Press, 1988), 30.

[9] Sayyid Qutb, Milestones. Trans, by International Islamic Federation of Student Organizations (Stuttgart: The Holy Koran Publishing House, 1978), 32.

[10] Mumtaz Ahamd, “Islamic Fundamentalism in South Asia: The Jamaat-I-Islami and the Tablighi Jamaat,” in Marty and Appleby, eds., Fundamentalisms Observed, 465.

[11] Ibid., 465-66.

[12] Qutb, Milestones, 32-33.

[13] Ibid., 38.

[14] Ibid., 111.

[15] R. Scott Appleby, “The Measure of a Fundamentalist Leader,” in Appleby, ed., Spokesmen for the Despised, 19.

[16] Aproximadamente 70.000 vidas foram sacrificadas desde que as eleições foram canceladas. Barbara Smith, “The Horror of Algeria,” The New York Review of Books 45, no. 7 (March 1998).

[17] Rohan Gunaratna, Indian Intervention in Sri Lanka: The Role of India’s Intelligence Agencies (Colombo: South Asian Network on Conflict Research, 1993), 154-9, oferece exemplos de códigos de vestuário e comportamento distintos, dos Tamil Tigers.

[18] Transcrição, Center for Strategic and International Studies Islamic Conference, May 12, 1992. Ver também Hassan Al-Turabi, “The Islamic Awakening’s New Wave,”New Perspectives Quarterly 10, no. 3 (summer 1993): 42-44.

[19] “Rights groups condemn Pakistani leader’s bid to impose Islamic law,” Chicago Tribune, 29 August 1998, 4.

[20] Citado em John Voll and John L. Esposito, “Islam’s Democratic Essence,” Middle East Quarterly (September 1994): 3-11.

[21] John L. Esposito and James P. Piscatori, “Democratization and Islam,” The Middle East Journal 45, no. 3 (summer 1991): 427-440.

[22] Emmanuel Sivan, “Eavesdropping on Radical Islam, “ Middle East Quarterly (March 1995): 13. A citação de Rahman encontra-se na p. 15 do artigo de Sivan.

[23] Max L. Stackhouse, Creeds, Society and Human Rights (Grand Rapids, MI: Eeerdmans, 1984).

[24] O debate sobre o Islã surgiu com particular intensidade na década seguinte ao fim da guerra fria, quando estudiosos e jornalistas tentavam interpretar a violência de ataques com bombas, seqüestros e outros atos de violência dramáticos que acompanharam o crescimento de versões extremistas do Islã. Para um sumário das várias posições, ver John L. Esposito, The Islamic Threat: Myth or Reality? (New York, NY: Oxford University Press, 1992).

[25] Ver, por exemplo, a discussão de John Kelsay sobre o desacordo, envolvendo as declarações de representantes da Arábia Saudita e do Paquistão nas Nações Unidas, com respeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos. John Kelsay, “Saudi Arabia, Pakistan, and the Universal Declaration of Human Rights,” in David Little, John Kelsay and Abdulaziz Sachedina, Human Rights and the Conflicts of Culture: Western and Islamic Perspectives on Religious Liberty (Columbia, SC: University of South Carolina Press, 1988), 33-52.

[26] Akmed An Na’im, “The Reformation of Islam,” New Perspectives Quarterly (Fall 1987): 51.

[27] Ver, entre outros trabalhos nesta linha: Abdullahi Ahmed An-Na’im and Francis M. Deng, eds., Human Rights in Africa: Cross-Cultural Perspectives (Washington, DC: The Brookings Institution, 1990); Francis M. Deng and William Zartman, Conflict Resolution in Africa (Washington, DC: The Brookings Institution, 1991); Leonard Grob, Riffat Hassan, and Haim Gordon, eds., Women’s and Men’s Liberation: Testimonies of Spirit (new York: Greenwood Press, 1991).

[28] Universal Islamic Declaration of Human Rights (London, 1981).

[29] Khan Bahadur Khan, “The World of Islam, “ in Proceedings of the Third World Congress on Religious Liberty, citado em Johan D. van der Vyver, “Legal Dimensions of Religious Human Rights: Constitutional Texts, “ in Johan D. van der Vyver and John Witte, Jr., eds., Religious Human Rights in Global Perspective: Legal Perspectives (The Hague, The Netherlands: Kluwer Law International, 1996), xxx.

[30] Ann Elizabeth Mayer, “Current Muslim Thinking on Human Rights,”in Abdullahi Ahmed An-Na’im and Francis M. Deng, eds. Human Rights in Africa (Washington, 1990), 133; idem, “Law and Religion in the Muslim Mddle East,” American Journal of Comparative Law 35 (1987): 127, 130; Abdullahi A. An-Na’im, “Religious Minorities under Islamic Law and the Limits of Cultural Relativism,” Human Rights Quarterly 9 (1987): 1,10.

 Problemas de governabilidade islâmica aparece em quatro contextos. Primeiro, movimentos militantes e extremistas pedem a imposição e reinstauração da lei islâmica (e.g., no Egito, Argélia, Palestina) ou defendem sua adesão mais estrita (e.g., na Arábia Saudita). Segundo, os regimes do Irã, Sudão e, agora talvez, do Afeganistão sob Taliban têm aplicado a sharia conforme uma visão extremista do Islã político. Terceiro, a Arábia Saudita e outros estados islâmicos da península árabe, nações relativamente livres do poder colonial, ainda aplicam as normas políticas e legais islâmicas tradicionalistas. Finalmente, o restante dos países muçulmanos, que adotaram os sistemas legais e políticos do ocidente, sob tutela colonial, idolatram a lei islâmica em seus códigos e constituições em vários graus. Essas nações vão desde o Paquistão, com sua intensa agitação política sobre a interpretação e implementação da sharia, à Indonésia, nação que se auto-proclamou secular, país de residência de mais de 180 milhões de muçulmanos. Frank E. Vogel, “Islamic Governnance in the Gulf: A Framework for Analysis, Comparison, and Prediction,” in Gary G. Sick and Lawrence G. Potter, eds., The Persian Gulf at the Millenium: Essays in Politics, Economy, Security, and Religion (New York: St. Martin’s Press, 1997), 249.

[31] De fato, não é preciso ser extremista para interpretar o verso citado por An-Na’im como se referindo à diversidade e pluralismo na umma ao invés de situá-la na humanidade, em geral. Ver também os versos do Corão 3:28, 4:139, 8:72-73. Abdullahi A. An-Na’im, “Toward an Islamic Hermeneutics for Human Rights,”233. Violações dos direitos humanos por autoridades islâmicas freqüentemente recebem oposição e crítica dos próprios muçulmanos. Em seu tratado sobre a Fé nos Direitos Humanos (Faith in Human Rights), Robert Traer compilou uma lista impressionante de protagonistas muçulmanos do ideal dos direitos humanos.

[32] Para exemplos, ver Ira Lapidus, A History of Islamic Societies (Cambridge: Cambridge University Press, 1988), 500-8, 911-15.

De fato, An-Na’im acredita que uma nova hermenêutica islâmica dos direitos humanos pode-se tornar uma poderosa ferramenta para os muçulmanos que lutam por uma sociedade mais justa e igualitária. O novo método de determinar o que constitui direitos humanos legítimos para a lei islâmica – se não exatamente métodos mais “democráticos” do que tradicionais – seria mais inclusivo quanto à “compreensão, imaginação e experiência dos povos muçulmanos”.[1] Hoje, em contraste com épocas passadas, a ação dos povos muçulmanos é “simplesmente inevitável” para que se possa compreender as fontes de referências sagradas bem como para que delas se possam extrair normas éticas e princípios legais que regulem o comportamento individual e as relações sociais.[2] Quero dizer que, no limiar do século XXI, os povos muçulmanos vivem inseridos no contexto histórico específico da modernidade cultural – a nova realidade global da interdependência política, econômica e de segurança que molda os padrões pelos quais eles agem com outras culturas e lutam para aprimorar suas circunstâncias concretas. O discurso dos direitos humanos contemporâneo, no Islã, constitui resposta às demandas e oportunidades deste contexto “globalizado”. Progressistas muçulmanos, ao insistir que o Islã se conheça mais profundamente através da interação com outras tradições, têm colaborado com estudiosos do Islã, não-muçulmanos, e iniciado um diálogo com pesquisadores cristãos e judeus acerca de tópicos, tais como “Perspectivas Ocidentais e Islâmicas sobre a Liberdade Religiosa”.[3] Os muçulmanos árabes sunitas têm repetido a reivindicação do Rei Hussein por um diálogo entre as religiões sobre os valores religiosos e humanitários que permeiam as posições das partes no conflito árabe-israelense, tendo participado em conferências interculturais e simpósios sobre a secularidade, o Islã e os direitos humanos nos anos noventa.[4]

Os benefícios da modernidade transcultural inspirou também evoluções internas e um novo discursos dos direitos humanos no Islã do sudeste da Ásia. Abdurrahman Wahid, líder do tradicionalista Nahdatul Ulama, a maior organização islâmica da Indonésia, tem defendido uma política democrática e uma interpretação pluralista do Islã, nas quais os direitos humanos sejam soberanos. Excessivamente crítico das tendências “sectárias e exclusivistas” encontradas na versão do Islã do regime de Suharto (especialmente como constituídas na Associação de Intelectuais Islâmicos), Wahid também se opôs à “tendência para a criação de organizações sociais e, em última instância, de partidos políticos, com bases em comunidades religiosas e culturais”. A ala progressiva do Islã indonésio, que surgiu com o crescimento da classe média islâmica, encontrou uma voz teológica no neo-modernismo, uma escola de pensamento que une a ênfase modernista sobre o pensamento independente (ijtihad) com uma apreciação mais tradicional pelo legado da jurisprudência islâmica clássica. Neo-modernistas como Nurcholish Madjid dedicam-se a desenvolver um enfoque mais aberto, tolerante e pluralista da relação entre o estado e a sociedade islâmica. Entre seus defensores encontra-se uma nova geração de moderados islâmicos, tais como Amien Rais, cientista político formado pela Universidade de Chicago, que liderou a oposição islâmica a Suharto.[5]

A República Islâmica do Irã oferece talvez o exemplo mais marcante da emergência do “debate sobre direitos” islâmicos, sob as condições da modernidade cultural. Com esta defesa de direitos humanos e democracia, brilhantemente apresentada e formulada do centro da tradição das jurisprudências xiita e islâmica (sendo esta maior), Abdolkarim Soroush, filósofo e intelectual público iraniano, despertou um debate político fascinante na casa da primeira revolução “fundamentalista”. Popular entre os jovens e a elite tecnocrática do Irã, mas criticado pela elite religiosa no poder, Soroush questiona a legitimidade política de seus opositores e critica a doutrina de vilayat-i faqih (guarda do Jurista Supremo), que constituiu o centro da ideologia religiosa do Ayatollah Khomeini. Para Soroush uma ideologia religiosamente imposta constitui uma distorção dos valores religiosos. Ele defende os direitos humanos como o verdadeiro critério de governo do estado islâmico – o critério que, de fato, garante a natureza religiosa e democrática do estado.

Como Soroush justifica esta reversão aparentemente radical? Enquanto o Islã como religião é inevitável e eterno, ele afirma que “o conhecimento religioso” (ma’rifat-i dini) – ramo do conhecimento humano produzido por estudiosos engajados no estudo dos textos sagrados xiitas – encontra-se sempre em fluxo, condicionado pela história e adaptável à compreensão científica do momento. Soroush acredita que, moldado na era contemporânea por forte interação cultural e conscientização popular de opções políticas, o conhecimento religioso descobriu que o Islã e a democracia são compatíveis.[6] Ademais, num estado democrático, os direitos humanos não podem ficar restritos a direitos de origem religiosa apenas. Os muçulmanos bem como os não-muçulmanos não extraem seus direitos humanos de suas crenças, mas, como Valla Vakili, discípulo de Soroush, explica, de “sua condição de integrantes de um grupo maior da humanidade”.[7]

Muitos muçulmanos, opositores da democracia referem-se a isto como dimukrasi-yi gharbi (democracia ocidental), identificando-a, portanto, com o estranho ameaçador.[8] Soroush, em contrapartida, considera a democracia uma forma de governo compatível com as culturas de políticas múltiplas, incluindo as islâmicas. Nas sociedades muçulmanas, governos que obtêm sua legitimidade do povo serão necessariamente governos religiosos, comprometidos com o dever de proteger a santidade da religião e dos direitos do homem. Ao defender a santidade da religião, Soroush adverte, o governo não deve privilegiar uma concepção de religião específica, a fim de não sacrificar os direitos humanos em benefício da pureza ideológica. Os critérios que orientam a governabilidade devem ser os direitos humanos ao invés de qualquer ideologia religiosa, em particular. De fato, afirma Soroush, uma sociedade abraça uma religião em grande parte porque acata o senso de justiça dessa sociedade. Hoje, isto inclui o respeito pelos direitos humanos.[9]

Este apelo a critérios externos (ou seja, extra-religiosos) para avaliar a realização da religião com relação a seus propósitos, é talvez o aspecto mais marcante e controvertido do pensamento de Soroush. Constitui um convite – um imperativo – ao diálogo intercultural e interdisciplinar. Assuntos permeados pela política, tais como a relação entre a religião e a justiça, embora enfocados pelo Corão e outros textos religiosos, podem ser definidos para a época atual, Soroush explica, apenas por muçulmanos que iniciem um debate teológico que inclua discursos filosóficos, metafísicos, políticos, seculares e religiosos.

Soroush tem sido um pensador poderosamente influente devido à qualidade de suas idéias – e porque elas vêm de um homem que esteve dentro do governo iraniano. Após freqüentar a escola secundária de ‘Alavi, no Teerã, uma das primeiras escolas a combinar o ensino das ciências modernas e estudos religiosos, ele estudou farmacologia na universidade; depois, na Universidade de Londres, fez seus estudos de pós-graduação em história e filosofia da ciência. Confidente de ‘Ali Shariati, intelectual cujos trabalhos sobre a governabilidade islâmica foram apropriados por Khomeini, Soroush retornou ao Irã em meio à revolução islâmica e assumiu um alto posto no Comitê da Revolução Cultural, responsável por trazer para o Islã o sistema educacional universitário do Irã. Em 1992, Soroush iniciou suas palestras, extensivamente, para platéias leigas e teológicas em universidades e mesquitas de Teerã e em seminários em Qum. Sua educação universitária, bem como suas credenciais revolucionárias e conexões com figuras importantes do governo davam poder a Soroush para falar com uma autoridade compartilhada por poucos entre a inteligência religiosa iraniana.[10] Em 1997, apesar da ameaça de extremistas jovens do Ansar-e-Hezbollah, Soroush aplaudiu publicamente a eleição de Mohamed Khatami. No entanto, ele também criticou o novo Presidente por sua indecisão diante de seus oponentes “fundamentalistas” e conclamou-o a defender os direitos humanos e a liberdade acadêmica.[11]

Soroush, Madjid e An-Na’im fazem parte de uma nova geração de intelectuais muçulmanos formados não pelo sistema de educação religiosa tradicional, mas educados nas tradições intelectuais islâmicas e nas correntes do pensamento ocidental. Uma vez que a autoridade religiosa sofre fragmentação em todo o mundo muçulmano, esses pensadores “pós-fundamentalistas” vêm causando impacto substantivo no pensamento religioso de suas respectivas sociedades. Não há mais uma voz única do tradicional ulama em defesa do Islã, mas muitas vozes dissonantes, cuja existência contribui para a evolução do pensamento e da cultura política das sociedades muçulmanas. Se pensadores como An-Na’im e Soroush continuarem a conquistar corações e mentes no mundo islâmico, será possível alcançar-se um progresso significativo na construção de um regime transcultural dos direitos humanos. A idéia de que os direitos humanos pertencem à humanidade e não a uma religião específica oferece não só uma base de apoio necessário ao diálogo intra-religioso sobre valores, direitos e responsabilidades em um mundo interdependente; ela estabelece também o arcabouço para um frutífero diálogo inter-religioso sobre os direitos humanos.

A redisposição dos direitos humanos como parte da própria humanidade, em vez da identidade religiosa, constituiu uma vitória do Catolicismo Romano no que tange aos direitos humanos, em 1965. A Declaração da Liberdade Religiosa (Dignitatis Humanae, 7 de dezembro de 1965), do Segundo Concílio do Vaticano, proclamou pela primeira vez que “o erro teológico tem direitos”. Em outras palavras, aos não-católicos que vivem num estado católico não podem ser negados os direitos civis e humanos plenos com base na religião, raça, ou qualquer outra característica diferenciadora. Outras comunidades religiosas têm também realizado avanços quanto a um consenso sobre a afirmação de que a humanidade é em si mesma a fonte da universalidade dos direitos humanos.[12] Essa compreensão parece ser condição sine qua non em um discurso de direitos, com nuances culturais suficientes, mas também capaz de conquistar a aceitação de um amplo espectro de comunidades religiosas, étnicas e culturais.

Cristianismo, Fundamentalismos e Direitos Humanos Religiosos: Missão, Perseguição e Tolerância

Os direitos humanos religiosos, segundo muitos, devem estar no cerne de qualquer regime viável de direitos interculturais. O direito à liberdade religiosa, o mais antigo dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos, foi um alicerce da Paz de Vestefália (1648). Nos próximos 150 anos, um número de estatutos pioneiros na América do Norte e Europa idolatraram a liberdade religiosa e, após a Segunda Grande Guerra, o estatuto foi incluído na maioria das constituições em todo o mundo. Não obstante, os direitos humanos religiosos permanecem vulneráveis a diversas variáveis na terra: a história das relações entre a religião e o estado, a estabilidade do regime político, o grau do pluralismo religioso em âmbito local, bem como as atitudes e a influência política da religião, ou religiões dominantes.[13]

Atores e instituições religiosos são defensores e violadores dos direitos humanos religiosos. No século XX, cristãos, muçulmanos e judeus, por exemplo, têm sido acusados de violarem os direitos humanos de outrem; assim como os cristãos, muçulmanos e judeus pertencem a uma minoria de perseguidos em alguma parte do mundo. As minorias muçulmanas na Europa Ocidental, Iugoslávia, nos novos estados da Ásia Central, na Índia, China e na Rússia; os cristãos no Egito, Sudão, Nigéria, Paquistão, Índia e China; os judeus no Oriente Médio Árabe, na Europa e União Soviética; baha’is no Irã; xiitas no Iraque e Líbano; tibetanos, cambojanos e budistas Thai – esta é apenas uma lista parcial dos grupos religiosos e indivíduos perseguidos ou que têm seus direitos civis negados em virtude de suas religiões.

Durante a “era dos direitos humanos”, os estados comunistas ateus da China e da União Soviética reprimiram budistas, cristãos, muçulmanos, judeus e outras minorias religiosas. Após o colapso da União Soviética, antigos comunistas continuaram suas campanhas opressoras contra atores religiosos nos novos estados da Ásia Central, enquanto que líderes comunistas no Vietnã, China, Coréia do Norte e Cuba continuaram suas políticas de perseguição religiosa, da era da guerra fria.[14] Em outros lugares, as religiões nacionalistas apoiaram a opressão mais notória das minorias religiosas. Nas décadas de oitenta e noventa, muçulmanos sudaneses sunitas engenharam a perseguição de cristãos, animistas e seitas muçulmanas, enquanto que extremistas xiitas do Irã visavam os baha’is e dissidentes xiitas. A notória Lei da Blasfêmia, do Paquistão, que proscreve o proselitismo cristão e considera o discurso contra o Profeta uma ofensa capital, refletiu e agravou as tensões sociais entre muçulmanos e cristãos naquela sociedade muçulmana, onde numerosos cristãos vêm sendo expulsos de suas cidades por multidões muçulmanas e têm visto suas casas e igrejas serem destruídas.[15] Nacionalistas hindus da Índia formaram vanguardas jovens (RSS) dedicadas a asseverar a hegemonia hindu sobre os muçulmanos e outras minorias religiosas na Índia; as manifestações grupais e massacres organizados contra os muçulmanos, em 1990-91, após a destruição da Mesquita de Babri, em Ayodhya, foi fruto deste crescente nacionalismo religioso.

O Cristianismo também contribuiu para um clima de discriminação religiosa na antiga União Soviética e em partes da Europa – freqüentemente apoiando ou defendendo a repressão de outros cristãos. Nos anos noventa, a Igreja Ortodoxa Russa pressionou o estado pós-comunista russo a discriminar contra minorias religiosas e a prevenir que outras igrejas e organizações religiosas tentassem atrair seguidores. Na Rússia em 1997, a lei de proteção à liberdade religiosa da Igreja Ortodoxa Russa, em detrimento de todos outros credos, constituiu caso de política doméstica que comprometia as normas dos direitos humanos universais.[16] Da mesma forma, as instituições religiosas estabelecidas na Europa, América Latina e no Oriente Médio focalizaram sua ira na explosão das chamadas “seitas” que competiam por fiéis em suas terras – uma variedade de grupos religiosos que inclui a Igreja de Jesus Cristo dos Santos do Último Dia (Mórmons), a Igreja da Cientologia, as Testemunhas de Jeová e os movimentos cristãos evangélicos independentes. A Bélgica, França, Alemanha e Áustria, em resposta aos relatos de supostas atividades de espécies de cultos, estabeleceram comissões de inquérito sobre as seitas; na Alemanha, a Enquette Commission sujeitou os membros da Igreja da Cientologia e a comunidade carismática cristã a intensa investigação, levando a alguns casos de assédio, discriminação e ameaças de violência contra essas “seitas”.[17] O parlamento austríaco recentemente aprovou lei restringindo as minorias religiosas, com base no julgamento do Governo sobre seu grau de patriotismo e compromisso com a democracia.[18]

Em suma, as liberdades que religiões estabelecidas exigiam para si, elas freqüentemente tentavam negar às outras “seitas”.

Apesar de sinais de acordo formal e ação prática para definir e proteger os direitos religiosos, existe uma variação substantiva na forma pela qual as relações “igreja-estado” são institucionalizadas e a liberdade religiosa observada em todo o mundo. Religiões e estados contribuem para as limitações impostas aos direitos humanos religiosos. Algumas religiões não aceitam o direito de abandonar e adotar outra religião, ou o direito de permanecer sem uma religião; os estados onde tais religiões mantêm controle consideram a apóstase ou a heresia crimes, punindo seus detratores severamente. Outros estados exigem que indivíduos sigam passos formais a fim de mudar sua filiação a comunidade e congregação religiosas reconhecidas e, até mesmo criminaliza as tentativas de induzir outras pessoas a mudarem suas religiões ou adotarem um grupo religioso diferente.[19] “No limiar de um novo milênio”, escreve Natan Lerner, “a tolerância e o pluralismo estão longe de se tornar uma realidade em muitas partes do mundo. A definição do significado e das limitações exatas do direito de mudar uma religião e do proselitismo é crucial para que se alcance maior tolerância e pluralismo”.[20]

“A Grande Comissão” e o Debate Interno Cristão sobre os Direitos

O Cristianismo encontra-se enredado num debate interno sobre como as responsabilidades e os direitos humanos religiosos devem ser compreendidos no contexto de seu compromisso histórico de realizar a Grande Comissão, expressa por Cristo a seus apóstolos: “Portanto ide, e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado” (Mateus 28:19). O fantasma da perseguição religiosa de cristãos suscita a questão fundamental dos direitos religiosos, incluindo a pergunta se há um direito ao proselitismo e um direito correspondente de proteção ao proselitismo.

Como acontece com o Islã, há numerosas formas de Cristianismo no mundo, não só as ramificações maiores como o catolicismo romano, o protestantismo e o ortodoxo, mas uma variedade de orientações teológicas fundamentais em cada uma, assim como numerosos grupos e movimentos que não se enquadram em nenhuma dessas três divisões. As teologias da redenção têm conseqüências sociais dramáticas. O ministro cristão coloca energia e recursos na facilitação de reconciliação entre povos, ou ele “salva almas” pregando aceitação da redentora morte de Cristo na cruz? Ambas opções são plausíveis dentro de uma visão de mundo cristã, mas expressam interpretações diferentes da vontade divina e de diversas orientações para o mundo. Apesar de não serem mutuamente excludentes, estas duas orientações cristãs básicas em relação ao mundo promovem diferentes objetivos pastorais e métodos de lidar com conflitos. Dão margem a pelo menos três enfoques básicos para a transformação de conflitos, cada qual uma expressão de testemunho religioso vivido, cada qual passível de produzir suas próprias e distintas conseqüências políticas e sociais.

O enfoque espiritualista vê o compromisso com a transformação de conflitos como um mandato do Evangelho auto-autenticador, um fim em si mesmo. Está arraigado nas tendências progressistas ou “ecumênicas” que surgiram na linha central do protestantismo, na década de 1920, e no catolicismo romano a partir de 1960. Fomentar o diálogo entre os povos é o modo fundamental da vida cristã em cenários de conflito, para os grupos desta mentalidade. Silsilah é um exemplo de um pequena rede de irmãs e leigas primariamente cristãs romanas que vivem na ilha de Mindanao, ao sul das Filipinas e que se dedicaram à reconciliação com os muçulmanos durante o final da década de oitenta e, agora, nos anos noventa, uma época em que o extremismo religioso ganhou representação na região. Tais grupos vêem a reconciliação como uma espiritualidade, não como estratégia e muito menos como um processo técnico ou profissional. Apesar de conhecedores da literatura e de algumas das técnicas de resolução de conflitos, esses grupos tendem a ter uma organização informal, de baixa manutenção, seus membros freqüentemente vivem um estilo de vida apostólico de pobreza ou humildade. Embora os espiritualistas deixem os resultados concretos para o Espírito Santo, as relações que promovem entre antigos e potenciais antagonistas podem contribuir para a estabilização das sociedades transtornadas por desigualdades econômicas e tensões comunitárias. Em anos recentes, algumas comunidades cristãs de paz afastaram-se de uma confiança exclusiva neste enfoque, embora ele permaneça poderosamente atraente por sua pureza de intenção e expressão espiritual. As históricas igrejas cristãs da paz, por exemplo – a Sociedade dos Amigos (Quakers), os Mennonitas e a Igreja da Irmandade – procuram manter o caráter e a piedade desse enfoque muito embora tenham-se afastado na direção de uma orientação de fins e de transformações do mundo.

Em contraste aos espíritas, o modelo de conversão procura trazer o mundo mais próximo da conformidade com o reino de Deus em Jesus Cristo, primariamente divulgando mensagens de salvação e, onde possível, convertendo pessoas ao Cristianismo. Missões fundamentalistas, pentecostais e evangélicas conservadoras, da época da guerra fria (e após), exemplificaram esta visão de mundo, assim como o fazem os movimentos evangélicos nativos, tais como El Shaadai, os chamados “fundamentalistas católicos” das Filipinas. Organizações da igreja, ONGs e grupos pára-religiosos desta corrente tendem a contar com organização estabelecida, recursos financeiros e sofisticação política. Sua teologia de conflito difere daquela dos espíritas, que tendem a ser pacifistas ou praticantes disciplinados da resistência sem violência. Para os conversivos, o conflito pode ser inevitável em um mundo dividido entre os filhos das trevas e os filhos da luz; “a guerra espiritual” é tema comum.

Os cristãos deste seguimento são aqueles que afirmam que o ato de proclamar sua fé em foro público é um direito humano fundamental e apelam às tradições de direitos humanos ocidentais e instrumentos legais que tornem a missão de campo segura para seus trabalhos da ordem divina. Em sua concepção, a “transformação do conflito” não é irrelevante, mas assume uma finalidade distinta, ou seja, a de remover impedimentos ao “livre mercado de idéias” e à liberdade de associações, de expressão e religiosa. Os católicos romanos, os protestantes evangélicos, os mórmons, os adventistas do sétimo dia e outros que continuam em suas missões de conversão, continuam a arriscar suas vidas.[21]

Embora aderentes ao modelo libertário também esforcem-se para mudar o mundo, eles procuram introduzir uma ordem não-sectária e inclusiva de justiça social e econômica, que acreditam ser condição sine qua non para a paz duradoura. Católicos romanos progressistas e “libertários”, evangélicos socialmente liberais e protestantes convencionais trabalham para esse fim. Defensores de mudança estrutural em nome dos pobres e marginalizados, eles freqüentemente servem a comunidades locais, não-cristãs e cristãs, como educadores e, cada vez mais, como tutores na prevenção e mediação de conflitos. A inovação dos libertários é o “desenvolvimento holístico comunitário”, um enfoque que consiste de se dar uma atenção cuidadosa às relações sociais entre membros da comunidade de diferentes religiões, etnias e origens tribais, bem como a suas necessidades espirituais e psicológicas, a suas variantes culturais e às suas necessidades materiais. Neste contexto, a resolução de conflitos está emergindo como um serviço e abilidade inestimáveis, oferecidas por ONGs religiosas e missionários libertários.

As evoluções do catolicismo romano durante a era dos direitos humanos permitiram que a igreja aprimorasse sua compreensão da distinção entre sociedade e estado e se aproximasse mais das diversas comunidades, formas de associações e agências voluntárias do estado. Um desvio nesse sentido ocorreu na atitude da igreja com relação aos não-católicos. Antes da década de 1960, os católicos da América do Norte e Europa demonstravam a vida missionária sem ambigüidades, como uma vocação especial e distinta dedicada a “salvar almas” em terras estranhas, onde aqueles que não eram batizados viviam na “ignorância invencível” da morte redentora e da ressurreição de Cristo. Era, portanto, preciso que uma pessoa “abandonasse a sua vida” para ser um missionário. Ademais, o missionário era celebrado como um militante espiritual preparado para suportar a prisão, tortura ou morte em território hostil. A linguagem figurativa dos católicos americanos apresentadas em revistas, cartas, catecismos e sermões durante as Grandes Guerras e na Guerra da Coréia utilizavam imagens militares e mostravam de maneira realista a pobreza, a fome, os inimigos e o possível martírio que esperavam o missionário.[22]

Nos anos sessenta, contudo, apareceram sinais de uma mudança nas percepções dos missionários e de suas vocações. Os missionários entenderam, segundo Angelyn Dries, “que algumas das suposições acerca de seus trabalhos eram na verdade antitéticas à formação de uma comunidade cristã”.[23] Missionários franciscanos, de Maryknoll e outros católicos – padres, irmãos, irmãs e, cada vez mais, leigos – começaram a ver “a missão” como algo maior do que o batismo de povos nativos, do estabelecimento de igrejas e da tabulação de número de convertidos com comunicadores; estas medidas apenas não tinham garantido comunidades de paróquias ativas. Entre alguns trabalhadores de campo a ênfase mudou dos trabalhos institucionais tradicionais para serviços em escolas e hospitais a fim de formar pequenas comunidades locais, à luz do Novo Testamento. Como missionários – ou comissionados, como alguns preferiam ser chamados – desenvolveram um respeito mais profundo pela integridade das culturas nativas, os que os apoiavam em suas terras natais, na América do Norte e Europa, começaram a conhecer mais sobre os povos que os comissionados encontravam – suas culturas, sua vida social, atividade econômica, etc.

A nova geração de comissionados sofreu influência das teologias católicas de meados do século XX, que preparavam o caminho para a eclesiologia inclusiva “Povo de Deus”, do Vaticano II e, eventualmente, para um foco na incultura do Evangelho.[24] O Segundo Concílio do Vaticano, embora reafirmasse a necessidade do batismo cristão para a salvação, reconheceu que as pessoas têm uma vida moral mesmo desconhecendo o Deus cristão. Ad Gentes, decreto do Concílio sobre a atividade missionária, declarou que “a Igreja na terra é por sua própria natureza missionária”, mas apresentou uma avaliação positiva de outras religiões e falou de uma “presença secreta de Deus” entre os povos de outras tradições religiosas.[25] Uma vez que o centro de atenções mudou do missionário para o trabalho de Deus junto a todos os povos, a linguagem da conversão foi gradualmente substituída em documentos oficiais, encorajando-se o diálogo solene com seguidores de outras religiões.[26]

Nos anos setenta e oitenta, o impacto dessa nova orientação provocou várias reformas específicas. As palavras apostolado e missões foram omitidas e substituídas por missão. Uma sensibilidade maior para a igualdade de gênero, assim como para os missionários leigos e os costumes locais levaram a uma revisão dos respectivos deveres, responsabilidades e privilégios dos padres, das mulheres religiosas e dos leigos; programas novos ou atualizados de treinamento de línguas e programas de formação de leigos resultaram dessa nova visão. A colaboração aumentou dramaticamente entre teólogos e congregação de religiosos norte-americanos, europeus, latino-americanos, asiáticos e africanos. A antropologia cultural foi introduzida nos currículos dos missionários, assim como teólogos e teologias não-ocidentais, promovidos e publicados pela editora Orbis Books (fundada em 1970 pelos missionários de Maryknoll em resposta à nova ênfase da globalização), tornaram-se leitura obrigatória nos cursos das missões católicas.[27]

O Pontífice João Paulo II, que se tornou Papa em 1978, tem testemunhado uma reavaliação parcial das novas orientações em missiologia, inspirada na preocupação de que os católicos liberais podem ter ido longe demais em termos de um avanço inter-religioso e tenham obliterado as distinções entre o catolicismo romano e outras crenças. Apesar de ter empreendido iniciativas ecumênicas e inter-religiosas significativas durante seu pontificado – encontrando-se pessoalmente com líderes luteranos, anglicanos e ortodoxos, por exemplo, como também forjando novos laços com o judaísmo – o Papa também achou necessário lembrar aos missionários e educadores católicos que Jesus não deve ser comparado com outros fundadores de religiões de forma que o relativize ou eufemize as distintas e, de fato, exclusivas afirmações do Cristianismo. Os cristãos engajados em um tipo de diálogo que acompanha a evangelização católica autêntica, insistiu João Paulo II, devem manter seu firme compromisso com a natureza singular de sua tradição religiosa, inclusive suas afirmações de uma verdade não-negociável.[28]

O catolicismo romano não estava sozinho entre as igrejas cristãs engajadas em debate interno sobre a relação adequada entre fé, proselitismo e missão internacional. De fato, protestantes evangélicos e católicos conservadores tinham preocupações sobre o relativismo e emitiram declarações conjuntas em apoio à evangelização e “testemunho da fé em meio ao ambiente cultural hostil” que os cristãos enfrentavam, nos seus países e no mundo.[29] Eles apontavam com desaprovação os protestantes convencionais e os católicos liberais como tendo redefinido o evangelismo, concluíram os conservadores, de forma a enfraquecer sua finalidade ostensiva – a conversão de não-cristãos ao Cristianismo.[30]

As energias de evangélicos norte-americanos, dedicados à conquista de almas durante a guerra fria não encontraram contrapartida nos protestantes convencionais – congregacionalistas, presbiterianos, episcopais e outros cristãos pertencentes ao que Martin E. Marty identificava, em 1973, como as denominações do “velho domínio”, igrejas que “originalmente tomavam a responsabilidade de relacionar, de forma positiva, a religião à cultura”.[31] O protestantismo convencional havia dominado o movimento da missão estrangeira, no século XIX e na primeira metade do século XX, mas o número de missionários de carreira apoiados por aquelas igrejas caiu de 10.000 para 3.000, entre 1935 e 1980. Os evangélicos, entretanto – batistas, metodistas, presbiterianos, “independentes” e outros que haviam abandonado as igrejas convencionais, no início do século XX, em reação ao modernismo teológico e outros “compromissos” com a cultura convencional cada vez mais secular – colocavam a Grande Comissão e a conquista de almas exatamente no centro da identidade cristã. Eles amplamente compensaram o decrescente interesse dos “ecumênicos”, como os protestantes convencionais foram denominados: de meados da década de 1930 em diante, os evangélicos lideraram um grande aumento no número de missionários norte-americanos – de 11.000 para 35.000, até 1980.[32]

A maior mudança na iniciativa missionária norte-americana começou na década de 1940, quando os fundamentalistas e outros evangélicos desenvolveram o que chamaram de “visão de mundo” – “a completa evangelização do mundo durante nossa vida”.[33] Após a Segunda Guerra Mundial, juntas de missionários conservadores denominadoras e sociedades de missionários não-denominadoras da “fé”, buscando inspiração na vitória dos Aliados, patrocinou uma explosão de missões internacionais. Agências de missões, tais como a Associação de Missões Estrangeiras Evangélicas, patrocinadas pela Associação Nacional de Evangélicos, recrutaram pilotos que haviam voltado da guerra e compraram aviões de bombardeio B-17 para levar provisões e “tropas” de missionários à América Latina, Europa e outros “teatros” missionários da pós-guerra. Milhares de estudantes evangélicos de instituições de terceiro grau, tais como Wheaton College e Columbia Bible College (South Carolina) alistavam-se na Fraternidade Missionária Internacional para divulgar o Evangelho no Japão, China e outras partes da Ásia. O impacto cumulativo dessa atividade evangélica de pós-guerra constituiu, nas palavras do historiador Joel Carpenter, “o grande impulso de crescimento na carreira de dois séculos das missões modernas”.[34]

Donald McGavran, missionário protestante norte-americano na Índia, que foi arrebatado pelo renascimento evangélico de pós-guerra, acreditou que castas, tribos ou grupos homogêneos, nas sociedades não-cristãs do Terceiro Mundo, fossem capazes de adotar o Cristianismo no âmbito de suas espiritualidades tradicionais. Depois de 1965, quando McGavran começou a ensinar suas teorias sobre o crescimento da igreja, na Fuller School of World Mission, missionários fundamentalistas e outros missionários evangélicos norte-americanos pararam de subestimar as crenças dos povos nativos sobre o mundo espiritual, a cura mágica e da fé, e começou a incorporar o “O Evangelho Pleno” – a insistência cristã pentecostal de que a vida do fiel em Jesus Cristo significa tanto compartilhar de seus poderes sobrenaturais como obedecer seus mandamentos e professá-lo como Deus – no alcance missionário. Este pequeno empréstimo de inspiração de seus correligionários evangélicos – os pentecostais imbuídos do espírito[35] – tornou o evangelismo uma força missionária mundial mais efetiva. Por volta de 1984, Fuller oferecia cursos de missões que integrava métodos padrões de evangelização integrados com o Evangelho Pleno; um desses cursos, que incluíam oficina sobre milagres, tinha o título de “Sinais, Maravilhas e o Crescimento da Igreja”.[36]

O renascimento evangélico levou também a outros tipos de diversificação na missão internacional. Bob Pierce, organizador da Juventude por Cristo, em Seattle, liderou grupos de pregadores em viagens através da Índia e China, no final da década de 1940; numa visita de retorno à Ásia, a partir de 1950, ele passou algum tempo na Coréia, durante a guerra, e retornou dessa experiência transformado pelo sofrimento e a necessidade espiritual que encontrou. Depois de organizar, com êxito, manifestações da “Visão do Mundo” (“World Vision”) para oferecer apoio financeiro à presença missionária no sudeste da Ásia, Pience fundou a World Vision, Incorporated, uma organização inovadora estruturada para combinar proselitismo com trabalho de assistência profissional.[37] Hoje a World Vision é uma das maiores agências de assistência desenvolvimento no mundo. Como a Catholic Relief Services – CRS (Serviços Católicos de Assistência), tem ajudado a amenizar o impacto das reduções de ajuda externa, ocorrida enquanto o Governo dos Estados Unidos recuava de seu nível de assistência internacional da pós-Segunda Guerra Mundial e da era do Plano Marshall.[38] Tanto a CRS quanto a World Vision receberam um capital substantivo do financiamento alocado pelo Título IX, do Governo norte-americano, e foi exigido que elas passassem sob numerosos critérios profissionais “seculares” para recebê-los. Ambas agências de inspiração religiosa transformaram-se em sofisticadas operações de assistência e desenvolvimento. Seus intrépidos membros ofereciam conhecimento técnico e cultivavam a liderança nativa para milhares de comunidades locais, em todo o mundo, que sofriam com recursos naturais subdesenvolvidos, irrigação inadequada e outros sistemas de apoio à agricultura, como também com o analfabetismo, ou falta de instrução ou influência no que tange aos instrumentos financeiros, tais como empréstimos bancários de baixos juros. No entanto, diferentemente da CRS, que constituiu seu pessoal profissional nos anos setenta e oitenta, contratando os melhores formandos de universidades disponíveis, sem levar em conta seu compromisso religioso com o catolicismo (ou qualquer outra crença religiosa), a World Vision conseguiu manter sua identidade explicitamente cristã e evangélica através dos anos de evolução e crescimento organizacional. Embora a maioria dos programas internacionais da World Vision se enquadrem nas categorias-padrões de assistência e desenvolvimento seculares, a ONG também destina recursos e programas ao “Evangelismo e Liderança” e trabalha juntamente com comunidades locais cristãs, nos Estados Unidos e em outros países, para estabelecer parcerias duradouras entre as igrejas e as operações de assistência, treinando membros da primeira para se tornarem líderes da segunda.[39] CRS, por sua vez, somente recentemente (e instigada pelos bispos católicos dos Estados Unidos) procurou fomentar desenvolvimento comunitário mais abrangente, que seja cultural e religioso, social e econômico, em sua natureza. Esse passo coloca desafios financeiros e profissionais para a CRS em sua tentativa de expandir seus recursos para atender a uma maior gama de necessidades sociais.

A World Vision e a CRS, de formas diferentes, trazem de volta a questão de proselitismo e direitos religiosos. Com base em entrevistas com membros de ambas ONGs religiosas, acredito poder dizer que há um espírito de colaboração bem como de competição entre elas, devendo-se esta às suas diferentes visões de mundo cristãs e agendas correspondentes para o desenvolvimento de comunidades. A World Vision é, sem apologias, mais confissionária em seu enfoque, vendo o proselitismo específico – testemunho dos valores do Evangelho em seu trabalho humanitário e através da formação da fé explícita em algumas comunidades cristãs – como central à sua identidade e visão. A CRS é menos comprometida com a proteção da identidade católica romana, propriamente dita, e reflete entre seu pessoal atualmente preocupado com a questão (ainda uma minoria na organização) o enfoque católico progressista da missão delineada acima, na qual o diálogo ecumênico, inter-religioso e intercultural tem prioridade sobre a formação de uma comunidade religiosa em particular.

O compromisso religioso da World Vision e a ênfase incipiente da CRS na doutrina social católica colocam essas ONGs religiosas em posição de oferecer poderosa contribuição para a formação de culturas de paz locais. Enquanto os governos recuam de seus papéis, “é bastante plausível que organizações de cunho religioso possam se tornar o único grande setor de financiamento e promoção de iniciativas de desenvolvimento”, observa Judith Mayotte. Quando tais organizações recorrem a suas raízes religiosas para efetuar transformação social, acredita Mayotte, elas tendem a encorajar a comunidade local a “basear suas escolhas de desenvolvimento em seus [próprios] valores mais profundos, inclusive os direitos humanos”.[40]

Esta afirmação é correta, entretanto, quando uma ONG religiosa está comprometida com a construção da igreja como também com o desenvolvimento da comunidade? Em alguns casos, há pouca ou nenhuma tensão entre estes dois objetivos: o fortalecimento da igreja, sem coação, é indubitavelmente o melhor caminho para o desenvolvimento da comunidade. Em lugares onde existe uma intensa competição religiosa, ou onde a religião predominante é intolerante com estranhos, contudo, “o fortalecimento da igreja” pode adquirir a conotação de proselitismo indesejável, gerador de conflito. O teste da World Vision e outras ONGs religiosas é a sua abilidade de diagnosticar o ambiente social e cultural e adaptar sua “missão” adequadamente a fim de evitar a possibilidade de incitar conflitos mortais. Infelizmente, alguns cristãos vêem tais conflitos como o preço de permanecerem fiéis à Grande Comissão.

A relação entre as ONGs cristãs com a divulgação do Cristianismo evangélico na América do Sul, sub-Sahara da África e sudeste da Ásia – e as conseqüências sociais do próprio renascimento evangélico – são pontos questionáveis. Alguns acreditam que as formas do novo evangelismo fomentam condições sociais conduzentes à democracia e ao crescimento econômico, à crítica inflamada daqueles que o vêem como um agente de autoritarismo político, imperialismo cultural norte-americano, e intolerância religiosa. No primeiro caso, o sociólogo David Martin afirma que enquanto o pentecostalismo tem ganho número significativo de seguidores convertidos do catolicismo romano, especialmente no Brasil, Chile, Nicarágua e Guatemala, a nova corrente do protestantismo lembra fortemente os primeiros estágios do metodismo na Inglaterra e América, com uma diferenciação mais avançada entre as esferas religiosas e políticas.[41] Fortemente suspeitando da política em virtude de pagarem o preço da corrupção política por muitas décadas, muitos predicantes latino-americanos adotaram uma visão apocalítica que se resumiu a “um recuo conservador do compromisso com a “libertação”. Os pentecostais absorveram as energias dos movimentos progressistas e revolucionários e os canalizaram para programas de auto-ajuda social e econômica, realizável em assistência econômica mútua, terapia comunitária, locais de lazer e esquemas de segurança”.[42]

Outros estudiosos do renascimento evangélico apresentam uma geneologia alterna e analogia histórica para explicá-lo. “As grandes igrejas neo-pentecostais independentes que estão estabelecendo as tendências globais de culto e crença são essencialmente igrejas da promessa divina calvinista pentecostal”, alegam Steven Brouwer, Paul Gifford e Susan D. Rose. Menos uma forma de resistência do que um recuo para um silêncio apolítico, a expressão neo-pentecostal de não-violência cristã, afirmam seus críticos, mantém regimes injustos e opressores no poder. Em alguns casos, tais como nas Filipinas, pregadores neo-pentecostais endossam ou tornam plausível uma identificação da “Pax Americana” da pós-Guerra Fria com a vontade divina. Essas igrejas e organizações neo-pentecostais, compostas em sua maioria por “pessoas sinceramente religiosas oriundas das classes média e mais pobres”, não operam sob a direção das classes de elite ou de corporações transnacionais. Elas ensinam lições de disciplina religiosa e social às culturas que estão sendo subjugadas pelas “forças da industrialização e do capitalismo de consumo”. No entanto, os novos pentecostalismos da América Latina, do sub-Sahara da África e do sul da Ásia “estão tendo um efeito profundo na promoção de uma aceitação das normas culturais norte-americanas e do tipo de ordem cívica e psíquica que não questiona o governo dos poderosos”.[43]

A cura religiosa e a piedade centrada no Espírito dos pentecostais adaptaram-se prontamente às formas religiosas nativas não só no sub-Sahara da África, mas na América Latina e partes da Ásia, onde evangélicos nas décadas de 1980 e 90 anteciparam o nascer de um novo milênio, proclamando a “Terceira Vaga” do Espírito, em que sinais, maravilhas e milagres estimulam os fiéis a empreender uma batalha espiritual com o demônio em antecipação ao retorno triunfante de Cristo à terra. Na Coréia do Sul, por exemplo, o ministro pentecostal coreano Paulo Yonggi Cho apropriou-se da idéia da “Terceira Vaga” como uma estratégia de crescimento para a igreja. Sob sua liderança carismática, a mega-igreja independente transformou-se na forma organizacional pentecostal predominante do sudeste da Ásia. O próprio Cho é pastor da maior igreja no mundo, a Igreja Central do Evangelho Pleno de Yoido de Seul, que registrou mais de oitocentos mil membros em meados dos anos noventa.[44]

Em face a esta diversidade em todas as regiões do mundo, poucas, se algumas, generalizações sobre o pentecostalismo e as conseqüências sociais das missões protestantes oferecem um guia confiável sobre a situação na terra. A afirmação de que o renascimento protestante, no mundo em desenvolvimento, geralmente fomenta apatia política ou passividade, por exemplo, apesar de correta em muitos casos, não mais se aplica a partes da América Central, onde a Igreja de Deus tornou-se uma forte presença missionária. No final da década de oitenta e nos anos noventa, os missionários da Igreja de Deus na Guatemala, apesar de ainda manterem a centralidade do “batismo no Espírito Santo” e uma disciplina moral estrita para o fiel, treinava os ministros locais sobre o “Evangelho social” – os princípios da obrigação, fundamentada na Bíblia, de buscar a justiça social – aumentando a conscientização de desigualdades sociais, suas conseqüências e meios de resolvê-las. Em países como a Nicarágua e Costa Rica, onde a organização política era menos perigosa, vários pentecostais bíblicos e evangélicos aliaram-se aos movimentos políticos progressistas. Na Guatemala, entre as comunidades pobres de índios e de habitantes de cidades, os pesquisadores encontraram igrejas protestantes de tradições ortodoxas que lembravam “comunidades de base” de catolicismo popular, com suas leituras socialmente progressistas da Bíblia, a ênfase na igualdade de homens e mulheres e vários tipos de arranjos cooperativos econômicos compatíveis com a tradição comunitária Maya. Esses fenômenos, segundo Brouwer e outros, são menos isolados em partes do mundo como a Coréia do Sul, as Filipinas, o sul da África, onde uma maior abertura política levou alguns evangélicos e pentecostais a unirem-se a outros protestantes e católicos na luta contra regimes ditatoriais, pela democratização.[45]

Duas generalizações sobre as novas formas de renascimento protestante são particularmente relevantes para os prospectos do Cristianismo evangélico e fundamentalista como agente dos direitos humanos. Consideradas juntamente, essas generalizações parecem paradoxais. Por um lado, os movimentos e igrejas pentecostais e neo-pentecostais tendem a ser anti-ecumênicos; no mínimo, não são conhecidas por uma abertura, ou cooperação e colaboração com outras entidades religiosas além do círculo carismático, muito menos com grupos e organizações religiosas não-cristãs. Ambos os tipos de “estranhos” são percebidos como necessitando o “Evangelho Pleno” para que não se tornem (ou permaneçam) agentes espirituais do Inimigo.

Por outro lado, a maioria de pentecostais no mundo são mulheres e elas firmemente articularam uma identidade religiosa que abjura violência, quer na política doméstica quer entre nações. Como outras formas de protestantismo evangélico, o patriarcado faz parte da visão de mundo religiosa e o pentecostalismo, em sua grande parte, não aceitou ou acomodou o movimento feminista. Contudo, o pentecostalismo está menos comprometido historicamente com o papel dos gêneros do que o fundamentalismo ou outras formas de Cristianismo evangélico, sendo que alguns dos líderes mais proeminentes daquele movimento são mulheres.[46] Entretanto, o papel das líderes religiosas pentecostais na África, América Latina e Ásia é pouco conhecido e, portanto, merecedor de estudo. Um outro tópico que exige investigação mais aprofundada é a ênfase moral pentecostal na necessidade de restringir a violência no próprio ser e de evitar a violência do cenário político. O pentecostalismo é, em suma, uma tradição religiosa capaz de se tornar um celeiro poderoso de atores religiosos dedicados à resolução de conflitos e guardiães da paz, em nível local?

Conclusão

Cada religião (e suas correntes específicas ou sub-tradições) justifica e defende os direitos humanos de maneiras distintas e com seus próprios termos. Cada uma tem sua própria estrutura teológica e filosófica para a interpretação dos direitos humanos, sua própria constelação de doutrinas e preceitos que modificam o cânone de direitos e seus próprios modelos e defensores dos direitos humanos. As respectivas estruturas, doutrinas, ou modelos de emulação não são prontamente reconciliáveis em cada aspecto; mesmo onde religiões diferentes proclamam essencialmente as mesmas verdades fundamentais iluminadoras, esta unidade básica não é sempre transparente para si mesmas, ou para outros. O desafio da próxima fase na era dos direitos humanos está em que líderes religiosos dessas diferentes religiões e sub-tradições identifiquem e ampliem os princípios comuns que eles compartilham.

O discurso dos direitos humanos forma uma ponte que liga o particular ao universal. Os atores religiosos engajados na transformação de conflitos tem no “debate dos direitos” uma poderosa ferramenta para desmantelar os elementos explosivos da linguagem religiosa de primeira ordem e elevar a memória, o testemunho e a experiência além do mero sectarismo. Ressituando relatos particularistas dentro de um discurso mais amplo, ou mesmo global, ao qual todos os lados conflitantes possam apelar, constitui um meio potencialmente poderoso de redirecionar as paixões de expressões estritamente tribais ou extremistas. A linguagem de deveres-e-obrigações de segunda ordem nunca substituirá a linguagem primária da comunidade religiosa; comunicadores sem a preparação adequada podem apresentá-lo desapropriadamente para parecer rígido, remoto ou condescendente. Para ser utilizado efetivamente, o discurso dos direitos humanos não pode ater-se à superfície do que indivíduos e comunidades consideram sagrados. Mas nas mãos de um tradutor fluente, que pode compreender as sensibilidades dos fiéis ao mesmo tempo que pesa sua conduta à luz das normas universais, o discurso dos direitos humanos pode ser um poderoso instrumento de mediação.

Finalmente, as tradições religiosas com forte alcance missionário deve promover conhecimento de missões, ou teologias de missão, que fomentem o respeito pelas normas dos direitos humanos, inclusive o direito à liberdade religiosa. Todas as liberdades religiosas, por sua vez, devem estimular a prática da tolerância cívica com religiosos de crenças diferentes, incluindo os predicantes e os proselitistas entre eles. Os líderes religiosos devem dar prioridade ao estabelecimento e apoio ao diálogo ecumênico e inter-religioso bem como às iniciativas de cooperação em áreas locais e regionais de conflito religioso e étnico. Cada uma dessas tarefas depende da disposição e abilidade das autoridades religiosas, educadores e líderes comunitários de extrair, articular e aplicar conceitos, normas e práticas religiosas que promovam os direitos humanos e a transformação de conflitos pela não-violência.



[1] An-Na’im comenta: “Na minha opinião, a comunidade de fiéis como um todo deve ser o arcabouço vivo da interpretação, o último árbitro e mediador de regras, técnicas e suposições subjacentes de interpretação. Este parece ter sido o caso durante os estágios de fundação das principais religiões. Com o tempo, entretanto, algumas tenderam a apropriar-se e monopolizar o processo de interpretação e torná-lo numa ciência ou arte técnica e exclusiva. Portanto, o processo de renascimento e reforma religiosos é sempre sobre a quebra do monopólio do clero ou tecnocratas da hermenêutica e a reconquista do direito da comunidade de ser o arcabouço vivo da interpretação de sua própria religião e seu regime normativo”. An-Na’im, “Toward an Islamic Hermeneutics for Human Rights,” 236-37.

[2] No caso do Islã, ressalta An-Na’im, as tradições antigas não estabelecem quisquer exigências especiais ou qualificações para que um fiel interprete o Corão, ou exerça julgamento independente (ijtihad) para extrair normas éticas e princípios legais. Mesmo os fundadores das maiores escolas de jurisprudência islâmica não afirmaram qualquer direito exclusivo ao ijtihad; eles simplesmente declararam suas opiniões para que os muçulmanos, em geral, aceitassem ou rejeitassem. Ao final do terceiro século do Islã, contudo, o processo tinha se tornado exclusivo em virtude de sua natureza técnica e diz-se que o “portão de ijtihad” foi fechado, confinando assim as gerações subsequentes de muçulmanos à condição de serem, como coloca An-Na’im, “seguidores cegos dos “mestres” fundadores da jurisprudência islâmica”. Ibid.

[3] David Little, John Kelsay and Abdulaziz Sachedina, Human Rights and the Conflicts of Culture: Western and Islamic Perspectives on Religious Liberty (Columbia, SC: University of South Carolina Press, 1988).

[4] Advogados e intelectuais muçulmanos egípcios estavam entre os anfitriões entusiasmados de uma conferência internacional sobre a democracia e a lei de direito em 1995, mantida no Cairo, em 1995; eles participaram ativamente de uma discussão de tópicos tais como “secularidade, Islã e direitos humanos.” David Little, “Secularity, Islam and Human Rights, “ Proceedings of the Conference on Democracy and the Rule of Law (December 1997).

[5] Citado em Scott W. Hibbard and David Little, Islamic Activism and U.S. Foreign Policy (Washington, DC: United States Institute of Peace Press, 1997), 102.

[6] Ibid., 22. Sobre Soroush, ver Robin Wright, “Islam and Liberal Democracy: Two Visions of Reformation,” Journal of Democracy 7 (April 1996): 64-75.

[7] Valla Vakili, Debating Religion and Politics in Iran: The Political Thought of Abdolkarim Soroush. Studies Department Occasional Paper Series, No. 2 (New York, NY: Council on Foreign Relations, 1996), 25.

[8] Ibid. Ver também Bernard Lewis, “Islam and Liberal Democracy: A Historical Overview,” Journal of Democracy 7 (April 1996): 52-63.

[9] “Não extraímos [nossa concepção de] justiça da religião” escreve Soroush, “mas aceitamos a religião porque ela é justa”. Abdolkarim Soroush, citado in Ibid,. 27.

[10] Vakili, Debating Religion and Politics in Iran, 9.

[11] Robert Fisk, “Iran’s Leader Urged to Stand Up for Human Rights,” The Independent (London), December 8, 1997, p. 6.

[12] Ver, por exemplo, Michael J. Broyde, “Forming Religious Communities and Respecting Dissenter’s Rights: A Jewish Tradition for a Modern Society, “in Witte and van de Vyver, Religious Perspectives, 203-34.

[13] W. Cole Durham, Jr. “Perspectives on Religious Liberty: A Comparative Framework,” in John Witte, Jr. and Johan van der Vyver, eds. Religious Human Rights in Global Perspective: Legal Perspectives (The Hague, The Netherlands: Kluwer Law International, 1996).

[14] Paul Marshall, Their Blood Cries Out: The Untold Story of Persecution Against Christians in the Modern World (Dallas, Texas: World Publishing, 1997), chapter 4 (pp. 71-96), chronicles “Communism’s Continuing Grip.” Sobre a Ásia Central e a guerra civil entre o governo do Tajiquistão e a oposição islâmica, ver Martha Olcott.

[15] Sobre a Lei sobre a Blasfêmia Paquistanesa, ver “Bishop’s Suicide: A ‘Protest’s Death’,” Origins 28, no. 1 (May 21, 1998): 1,3.

[16] A lei da Federação Russa sobre “Liberdade de Consciência e Associações Religiosas”entrou em vigor em 1º de outubro de 1997. Ela coloca o Islã, o Cristianismo protestante e católico romano, o budismo e o judaísmo numa “segunda categoria” de classificação, abaixo do especialmente privilegiado Cristianismo ortodoxo (russo). Donna E. Arzt, Historical Heritage or Ethno-National Threat? Proselytizing and the Muslim Umma of Russia,” Emory International Law Review 12, no. 1 (Winter 1998): 469.

[17] Advisory Committee on Religious Freedom Abroad Interim Report to the Secretary of State and to the President of the United States (January 23, 1998), 11.

[18] David Little, “Religion and Global Affairs: Religion and Foreign Policy,” SAIS Review 18, no. 2 (Summer-Fall 1998): 27.

[19] Natan Lerner, “Proselytism, Change of Religion, and International Human Rights, “ 478.

[20] Lerner, “Proselytism, Change of Religion, and International Human Rights.”

[21] O regime islâmico do Sudão tornou a conversão ao Cristianismo um crime punido com a morte, enquanto que tropas do governo de Cartum tem coagido brutalmente cristãos a se converterem ao islamismo. Extremistas islâmicos no Egito têm perseguido conversos e cristãos cópticos étnicos, saqueando suas casas e lojas e queimando igrejas. Sete monges ‘Trappist”, o mais velho sendo um médico de oitenta e dois anos, foram tomados como reféns e brutalmente assassinados pelo Grupo Islâmico Armado, da Argélia. No Irã, quatro pastores proeminentes da Assembléia de Deus foram raptados e assassinados. Cristãos na Arábia Saudita também enfrentam discriminação e assédio. No Vietnã e Coréia do Norte, cristãos são sujeitos a prisão, ameaças e confisco de suas casas, são-lhe rotineiramnte negados acesso a Bíblias ou materiais religiosos. Neste contexto, o tema de “guerra espiritual” ressoa poderosamente para muitos cristãos – bem como para os judeus, budistas e outros que sofrem perseguição, ou continuam a ser perseguidos e compreendem desta experiência trágica, em primeira mão, que um regime intercultural de direitos humanos deve ser fundamentado no insuperável direito à liberdade de religião. Para outros exemplos e detalhes sobre os casos mencionados, ver Marshall, Their Blood Cries Out, 45-46; Shea, In the Lion’s den, 27-51.

[22] Angelyn Dries, O.S.F., The Missionary Movement in American Catholic History (Maryknoll, NY: Orbis Books, 1998), 256.

[23] Ibid., 256.

[24] “O zelo missionário, tão freqüentemente concentrado na ação, assim como a salvação de “almas” agora pareciam fora de lugar,” escreve Dries. “Modelos de missão começaram a enfatizar “incarnar” em vez de “implantar”, “estar com” em vez de “fazer por”, “um reino de Deus” em vez de “discurso da igreja”.

[25]Ad Gentes Divinitus, O Decreto sobre a Atividade Missionária da Igreja,” em Austin P. Flannery, ed., Documents of Vatican II (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans, 1975), 823.

[26] Dries, The Missionary Movement in American Catholic History, 257.

[27] Ibid.

[28] John Paul II, Crossing the Threshhold of Hope (New York, NY: A.A. Knopf, 1994), 125-7.

[29] Estes incluíam os Aliados pela Fé e Renovação e os signatários de “Evangélicos e Católicos Juntos: A Missão Cristã no Terceiro Milênio,” uma declaração conjunta emitida pelos l;ideres católicos e evangélicos, em março de 1994. “Somos cristãos que querem trabalhar juntos pela causa de Cristo”, anunciam os Aliados pela Fé e Declaração de Renovação de Finalidade, assinada pelos cristãos protestantes, católicos e ortodoxos. “Queremos ver a mensagem e o ensinamento de Cristo apresentados claramente nas igrejas e para o mundo, bem como ver os indivíduos cristãos e as igrejas cristãs renovadas na relação viva com Deus.”

[30] Logo em 1969, o protestante norte-americano Harold O.J. Brown, evangélico conservador, articulou a lógica da aliança conservadora: “Até o ponto em que um católico e um protestante são ortodoxos”, escreveu ele, “há mais que os une do que os divide, particularmente contra a cultura secular monolítica de hoje”. Harold O. J. Brown, The Protest of a Troubled Protestant (New Rochelle: Arlington House, 1969), 255. Vinte e cinco anos mais tarde, Keith A. Fournier, o “Decano do Evangelismo” católico romano, na Francisca University of Steubenville, Ohio, reprovou seus correligionários católicos romanos, assim como os apáticos cristãos protestantes e ortodoxos, por ignorarem a ordem de divulgar o Evangelho pelo proselitismo. Tais cristãos, sempre que deixam de formar e compartilhar com outros uma relação pessoal com Deus”, Fournier escreve, “não são verdadeiros seguidores de Cristo”. Keith A. Fournier and William D. Watkins, A House United? Evangelicals and Catholics Together (Colorado Springs: NavPress, 1994), citado em Norman L. Geisler and Ralph E. MacKenzie, Roman Catholics and Evangelicals: Agreements and Differences (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1995), 409.

[31] Martin E. Marty, The Fire We Can Light: The Role of Religion in a Suddenly Different World (1973). Para definições subsequentes de convencional, ver Martin E. Marty, A Nation of Behavers (Chicago: University of Chicago Press, 1976) and Wade Clark Roof an William McKinney, American Mainline Religion: Its Shape and Future (1987).

[32] Robert T. Coote, “The Uneven Growth of Conservative Evangelical Missions,” International Bulletin of Missionary Research 6 (July 1982): 118-23. Ver também W. R. Hutchinson, Errand to the World: American Protestant Thought and Foreign Missions (Chicago: University of Chicago Press, 1987), capítulos 6 e 7.

[33] Este slogan foi resgatado do Movimento Voluntário de Estudantes pelas Missões, do final do século XIX.

[34] Joel Carpenter, Revive Us Again: The Reawakening of American Fundamentalism (New York, NY: Oxford University Press, 1997), 177.

[35] Os termos pentecostal, carismático e neo-pentecostal podem ser permutados, dependendo da localização. O termo pentecostal refere-se geralmente à tradição de cem anos do protestantismo do “Evangelho Pleno”, incluindo assim os rótulos de carismático e neo-pentecostal; ou, em outras ocasiões, é usado de forma mais restritiva para descrever as denominações históricas pentecostais, tais como as Assembléias de Deus e a Igreja de Deus. Em muitas áreas da América Latina, a palavra carismática é reservada apenas para um segmento de fiéis distintamente católicos que ainda praticam sua religião na Igreja Católica, ao passo que o termo neo-pentecostal é usada para as mais novas variações do protestantismo pentecostal e carismático; eles pertencem a associações como a Comunhão Internacional de Igrejas Carismáticas, os Ministérios Bíblicos Carismáticos e a convenção internacional dos Ministros da Fé. Para uma discussão terminológica completa, ver Steven Brouwer, Paul Gifford and Susan D. Rose, Exporting the American Gospel: Global Christian Fundamentalism (New York and London: Routledge, 1996), 266.

[36] Ibid., 44. Ver também Donald McGavran Understanding Chruch Growth (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans, 1970). Sobre o Seminário Teológico Fuller, ver George Marsden, Reforming Fundamentalism: Fuller Seminary and the New Evangelicalism (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans, 1970).

[37] Carpenter, Revive Us Again, 182.

[38] Menos de 1 por cento do orçamento federal dos Estados Unidos é alocado para assistência internacional. Entre as nações industrializadas, esta é a menor percentagem do PIB alocada a assistência internacional. Judith A. Mayotte, “Religion and Global Affairs: The Role of Religion in Development,” SAIS Review 18, no. 2 (Summer-Fall 1998): 65.

[39] Em 1996, os funcionários da World Vision, em todo o mundo, eram 7.340 pessoas trabalhando em 103 países, envolvidos em 4.514 projetos: 3.487 eram categorizados como “Assistência a Crianças e Famílias,” 625 eram dedicados ao “Desenvolvimento Transformacional”, 331 ofereciam “Assistência de Emergência e Reabilitação” e 71 enfocavam o “Evangelismo e a Liderança”. Dados da web page da World Vision, em 15 de maio de 1998: http://www.worlvision.org/

[40] Mayotte, “Religion and Global Affairs,” 67.

[41] As maiores penetrações ocorreram no Brasil, Chile, Nicarágua e Guatemala. No Brasil, cerca de 20 por cento da população de 120 milhões são protestantes. Em 1985 havia 15.000 pastores protestantes no Brasil, comparados aos 13.176 padres. Guatemala é agora 30 por cento protestante. David Martin, Tongues of Fire: The Explosion of Protestantism in Latin America (Cambridge, MA: Blackwell, 1990), 50-51. Ver também David Stoll, Is Latin America Turning Protestant? The Politics of Evangelical Growth (Berkeley: University of California Press, 1990).

[42] Martin, Tongues of Fire, 45.

[43] Ibid., 271. Martin reconhece que em alguns casos a mensagem religiosa de uma vida pura e da auto-confiança está subordinada a prerrogativas de transformação cultural que acompanha o desenvolvimento econômico. “Uma sociedade tecnicamente sofisticada, tal como existe na Coréia do Sul hoje, não requer a necessidade de uma esfera intelectual humanista equipada com perspectivas morais, políticas e epistemológicas apropriadas,”escreve Martin. “Ela pode avançar, e avançar espetacularmente, combinando abilidades técnicas instrumentais com a conspícua instrumentalidade na esfera da religião”. Martin, Tongues of Fire, 141. “A explosão pentecostal” ilustra claramente o caráter paradoxal da religião como uma realidade social –ela é extraordinariamente mutável, instável, volátil em suas formas e adaptações culturais; contudo, historicamente coerente, classificável, até mesmo predizível em sua precisamente configurada gama de crenças, rituais e estruturas éticas e organizacionais. O “pentecostalismo” na África, por exemplo, inclui três gerações de igrejas. As igrejas pentecostais mais antigas passaram a ser chamadas de igrejas da “santidade”, porque insistem em um comportamento moral rígido, como sinal preeminente de que o fiel aprecia a vida santificada do Espírito Santo que carrega dentro de si. Novas igrejas carismáticas nativas, também chamadas de “pentecostais” no uso comum, mas mais flexível com respeito aos padrões de vestuário e comportamento, prega a mensagem (conhecida como a “teologia da prosperidade”) de que a reforma moral contribui para a elevação social e à mobilidade econômica. Finalmente, meio pentecostal africano inclui uma geração emergente de igrejas neo-pentecostais que oferecem alternativas progressistas ao conservadorismo social das formas mais antigas do pentecostalismo. Apesar de suas diferenças na composição social e mensagem, todas estas igrejas abraçam o “Evangelho Pleno”.

[44] Ibid., 43-46.

[45] Brouwer, et al. Exporting the American Gospel, 267-68.

[46] Entre as mulheres pentecostais proeminentes encontram-se “fundadoras”tais como Aimee Semple McPherson (1890-1944), fundadora da Igreja Internacional do Evangelho Inflexível. Por ocasião da sua morte, a denominação de McPherson tinha cerca de 400 igrejas nos Estados Unidos e mais 200 no exterior. Seu Instituto Bíblico tinha treinado cerca de 3.000 pastores, missionários e evangelistas, muitos dos quais eram mulheres. Edith L. Blumhofer, “Aimee Semple McPherson,” em daniel G. Reid, Robert D. Linder, Bruce L. Shelley, Harry S. Stout, eds., Dictionary of Christianity in America (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1990);696-97.

 A “ênfase pentecostal na inspiração e vocação divina tem tradicionalmente levado os pentecostais a ignorarem tais injunções como 1 Timóteo 2:12, em favor da mulher com óbvia vocação”. R.G. Robins, “The Pentecostal Movement,” in ibid., 888. Sobre o papel da mulher na liderança pentecostal, ver Edith L. Blumhofer, “A Confused Legacy Ministering Women in the Past Century, “Fides et Historia 22 (Winter/Spring 1990): 49-61. Para um perfil da Women’s Aglow Fellowship, a maior organização evangélica de mulheres no mundo, ver R. Marie Griffith, God’s Daughters: Evangelical Women and the Power of Submission (Berkeley: University of California Press, 1997).

 

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