Políticas
Públicas: Planejamento, Desenvolvimento e Fiscalização
Conselhos Gestores e
Democracia Participativa — O papel do Ministério Público
Luiza
Cristina Fonseca Frischeisen
Membro
do Ministério Público Federal, Mestre em Direito do Estado pela
PUC/SP, dou tornada em Teoria Geral e Filosofia do Direito na USP
1.
Constituição e aprimoramento da democracia
A
Constituição estabelece como fundamentos da República Brasileira a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais
do tr2balho e o pluralismo político.
Cidadania
é o exercício efetivo de direitos individuais, políticos e sociais
assegurados na Constituição.
A
soberania sob a qual a República Federativa do Brasil está fundada
é aquela que emana do poder do povo, que o exerce através de seus
representantes ou diretamente.
O
exercício da soberania popular e da cidadania passam pela participação
da população na formulação e implementação de políticas públicas,
em especial das políticas públicas sociais.
O
pluralismo político realiza-se não somente através do pluralismo
partidário, mas também através da existência de associações
civis para a defesa de diversos interesses e grupos existentes na
sociedade brasileira.
Por
seu turno, a implantação efetiva dos direitos sociais depende da
realização de políticas públicas, cujas linhas gerais também estão
estabelecidas na Constituição.
A
participação da sociedade civil na elaboração de tais políticas públicas
é fundamental para que as mesmas se tornem eficazes. E ai está o papel
dos Conselhos Municipais, gestores de políticas públicas.
A
Constituição previu a participação popular na elaboração na
formulação, dentre outras, das políticas públicas da saúde, assistência
social, educação e direitos da criança e do adolescente. Essa
participação se dá através dos conselhos respectivos, em especial
dos Conselhos Municipais, aqueles que mais próximos estão dos
interesses da comunidade.
Na
realidade, estamos diante do aprimoramento da própria democracia, que
não se esgota no ato de votar. A democracia no Brasil não é mais tão
somente representativa, mas também direta (através dos mecanismos de
plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei) e participativa
(através da presença da sociedade civil nos diversos conselhos
gestores de políticas públicas).
Note-se
que a Constituição Federal não é meramente uma carta de princípios
e, portanto, estabelece normas e estrutura instituições visando o
cumprimento de seus princípios e regras, bem como a aplicação de sanções
àqueles que os descumprem, ou seja, a Constituição estabelece
mecanismos de autodefesa.
2.
O Ministério Público e a defesa da Constituição
Nesse
sentido, como um de seus mecanismos de autodefesa, a Constituição
Federal em seu artigo 127 define o Ministério Público corno instituição
permanente, essencial ã função jurisdicional da justiça e que tem
entre suas atribuições a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Por
outro lado, o artigo 129 da Constituição Federal estabelece que são
funções institucionais do Ministério Público zelar pelo efetivo
respeito pelos poderes públicos e dos serviços de relevância pública
aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias
para a sua garantia.
Para
que o Ministério Público possa exercer suas funções de promoção e
fiscalização da efetiva implantação do ordenamento constitucional
e legal por quaisquer dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário),
bem como em quaisquer das esferas da administração (Federal, Estadual
e Municipal), pelo setor público ou privado, a Constituição Federal
assegura-lhe autonomia funcional e administrativa, podendo — observado
o disposto no artigo 169 —propor ao Poder Legislativo a criação e
extinção de seus cargos e serviços auxiliares. Ressalve-se que o
Ministério Público forma seus quadros através de concurso público.
No
exercício de suas atribuições constitucionais e legais, o Ministério
Público pode atuar junto ao judiciário ou não. Exemplificando, quando
alguém pratica um crime, será acusado por um membro do Ministério Público,
que oferecerá uma denúncia perante o Judiciário, e se a denúncia
for aceita, o processo terá seguimento.
Entretanto,
quando o Ministério Público age na defesa de direitos sociais, como
aqueles relativos à saúde, à educação, os direitos das crianças e
dos adolescentes, das pessoas portadoras de deficiência, poderá agir
extra-judicialmente ou perante o Judiciário.
O
Ministério Público pode, por exemplo, sabendo, que em determinada
cidade, não existe um conselho municipal criado por lei, operar para
que tal conselho seja criado e passe a funcionar regularmente.
Nesse
sentido, poderá instaurar um procedimento administrativo, por
iniciativa própria ou por representação de qualquer pessoa, e atuar
junto ao prefeito, aos vereadores, associações locais e com a população
para verificar as razões pelas quais o referido conselho não existe e
estará, então, agindo extra-judicialmente (nos autos de um inquérito
civil público ou procedimento administrativo correIato).
Poderá,
também, propor uma ação civil pública contra aqueles que tinham a
obrigação de criar o conselho e não o fizeram, que tramitará perante
o judiciário e, nesse caso estará atuando judicialmente.
3. Ministério
Público e Conselhos, possibilidades de uma
atuação
conjunta
Os
conselhos gestores de políticas públicas são uma consequência do
princípio da participação da sociedade civil na elaboração e
implementação de políticas públicas relativas aos direitos sociais,
estabelecido na Constituição Federal.
A
Constituição Federal prevê em vários artigos inseridos no título Da
Ordem Social a participação democrática na formulação, implementação
ou gestão de políticas públicas, entre outras, das áreas da saúde,
da assistência social, das crianças e adolescentes e da educação.
As
políticas públicas relativas aos direitos sociais encontram-se
reguladas por leis ordinárias, que junto com a Constituição Federal
integram o ordenamento jurídico brasileiro, que visa precipuamente
estabelecer uma sociedade na qual a cidadania seja não apenas um
direito, mas realidade.
Assim,
se cabe ao Ministério Público atuar na defesa dos interesses sociais e
na defesa da ordem jurídica, caberá a essa instituição zelar pela
efetiva implementação e funcionamento dos conselhos gestores de políticas
públicas, bem como das diretrizes e ações aprovadas
As
leis federais que regulamentam a existência e implantação dos
conselhos prevêem, em regra, que o Ministério Público zelará pelos
direitos assegurados nas referidas leis.
E
ainda, como cabe aos conselhos atuar na fiscalização dos gastos das
verbas públicas destinadas aos municípios quer pela União Federal,
quer pelos Estados, e ainda dos próprios orçamentos municipais, para
a efetivação de políticas públicas específicas, as leis prevêem
que tais verbas só poderão ser repassadas se os conselhos e fundos
existirem, e se os municípios tiverem os planos municipais de políticas
públicas em cada uma das áreas.
Como
cabe ao Ministério Público atuar na defesa do patrimônio público e
social, essa atuação também se refere a verificar se os conselhos
gestores de políticas públicas existem, pois podem auxiliar nessa função.
O
Ministério Público tem como uma de suas funções defender o patrimônio
pública e isso inclui verificar e apurar denúncias sobre mau uso de
verbas públicas.
Atualmente,
grande parte das verbas públicas relativas às políticas públicas
sociais é repassada pela União Federal ou estados aos municípios no
sistema chamado “fundo a fundo”, ou seja, são verbas carimbadas,
se destinadas, por exemplo, à assistência social, não podem ser
usadas na educação e vice-versa.
Assim,
o papel dos conselhos é fundamental, pois tendo acesso às contas
correntes dos fundos, podem detectar irregularidades e acionar o Ministério
Público.
Cabe
ainda aos conselhos verificar se as entidades, públicas e/ou privadas,
que, eventualmente, sejam beneficiadas por verbas públicas dentro de
planos das administrações, estão, de fato, aplicando-as na forma em
que afirmaram que o fariam em seus planos de trabalho, aprovados
anteriormente pelos órgãos da administração.
Nesse
sentido, os conselhos são muito importantes para o Ministério Púbico,
pois podem auxiliar no papel de fiscalização das políticas públicas
da administração, em qualquer dos níveis da federação — União,
Estados e Municípios.
Entretanto,
a importância dos conselhos está também no seu papel de
fortalecimento da participação democrática da população ria formulação
e implementação de políticas públicas sociais, pois a participação
democrática não se esgota na eleição de chefes do executivo e de
membros do legislativo.
Tal
participação é fundamental para o Estado Democrático de [Direito e
da nossa República e o fortalecimento da democracia em nosso país
passa necessariamente por uma atuação conjunta entre Executivo,
Legislativo e Conselhos Gestores de Políticas Públicas.
4.
O trabalho do Ministério Público
Em
todos os municípios existe pelo menos um representante do Ministério Público,
que poderá ser encontrado em sua sede própria ou no fórum da cidade.
O
Ministério Público existe para defender a sociedade de forma coletiva,
e não para defender o direito ou interesse individual de uma única
pessoa.
Existindo
um fato que caracterize violação de direitos assegurados no
ordenamento jurídico brasileiro, que atinja várias pessoas ou de um
ato ilícito da administração, qualquer pessoa pode se dirigir ã sede
do Ministério Público local e protocolar uma representação por
escrito ou marcar uma audiência, para que seja ouvido pelo
representante do Ministério Público, e se for caso, ter o depoimento
tomado por escrito.
O
acompanhamento da representação poderá ser feito pelo número do
protocolo da entrega dos documentos, ou pelo número do procedimento no
qual foi prestado o depoimento.
Na
hipótese das normas relativas aos conselhos não estarem sendo
cumpridas, ou as diretrizes dos conselhos não estarem sendo
implementadas, quando a lei obrigar a tanto, o Ministério Público
poderá promover, por exemplo, uma ação civil pública. A ação civil
pública é prevista na Constituição Federal e na Lei n0 7.347/85.
A
Constituição Federal em seu artigo 129, incisos III e IX, estabelece
ser função do Ministério Público promover o inquérito civil público
e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem
como outras funções, que forem conferidas por outros diplomas legais.
A
Lei n0 7.347/85 prevê a possibilidade do Ministério Público
propor uma ação de natureza civil face àqueles que causarem danos
ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor estético,
histórico, turístico e paisagístico, patrimônio público e qualquer
outro interesse difuso ou coletivo e ainda por infração da ordem econômica
e da economia popular, que visa uma obrigação de fazer ou não fazer
ou uma condenação em dinheiro para a defesa de direitos
A
ação civil pública também pode ser proposta por associação, que
esteja constituída há pelo menos um ano (requisito que em alguns casos
poderá ser dispensado) e inclua entre suas finalidades a defesa dos
interesses e direitos sociais acima mencionados.
Existem
outras leis que prevêem ações civis coletivas, como a Lei n0 7.853/89,
que estabelece a Política Nacional das Pessoas Portadoras de Deficiências
e o Código do Consumidor ,Lei n0 8.078/90.
Já
o inquérito civil público, que pode ou não anteceder a ação civil pública,
só pode ser instaurado pelo Ministério Público como instrumento de
investigação, para se verificar se determinado direito coletivo foi
violado ou não.
O
Ministério Público promove também ações de improbidade. A ação de
improbidade foi criada em 1992 pela Lei no8.429/92, que regulamentou
dispositivos do artigo 37 da Constituição Federal, visando punir os
administradores dos patrimônio e dos bens públicos, (1uand~J
esses cometem atos lesivos ao erário ou enriquecem ilicitamente, ou
seja, quando cometem atos considerados em desacordo com a probidade
administrativa. O mau uso de verbas públicas pode caracterizar ato de
improbidade.
Esse
tipo de ação não pode ser movida por associações, e portanto, as
denúncias dever ser encaminhadas ao Ministério Público ou aos próprios
órgãos de fiscalização e controle da Administração.
5.
Participação e Fiscalização
Estas
parecem ser as palavras-chave na construção do Estado Democrático de
Direito, pois estamos em um momento em que a Democracia Representativa
(na qual elegemos os membros do Legislativos e Chefes do Executivo),
passa a conviver com mecanismo de Democracia Direta e de Democracia
Participativa (na qual participamos ativamente da elaboração e
implementação das decisões políticas, sem que a primeira seja
substituída por essas últimas. São tempos de coexistência.
Já
não é mais possível falar-se em Estado Democrático de Direito, sem
se falar na participação constante da população na elaboração das
políticas públicas, quer seja através dos Conselhos Gestores, quer
seja de outros mecanismos como o Orçamento Participativo.
Nesse
contexto, no qual não podemos nos esquecer do pluralismo político e da
importância da atuação das Organizações Não Governamentais para a
efetiva implementação e o exercício dos direitos assegurados na
Constituição.
Estamos,
assim, em um momento de mudança de práticas políticas, de aprendizado
de novas formas de cooperação entre Administradores Públicos,
membros do Legislativo e sociedade civil.
Todos
temos que nos capacitar para essa nova forma de democracia, na qual as
responsabilidades devem ser divididas entre Governo e Sociedade Civil,
devendo os administradores dos bens e serviços públicos estar
cientes da fiscalização constante quer da população, quer das
instituições como o Ministério Público e das consequências do mau
uso da coisa pública.
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