
Políticas
Públicas Caminho de
Exigibilidade
dos DHESC: Uma experiência de atuação no controle social da política
pública de saúde
CDHPF
- Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo
A
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo foi criada em 1984 e atua,
desde lá na promoção dos direitos humanos numa perspectiva
universal, interdependente e indivisível. E filiada ao Movimento Nacional
de Direitos Humanos e tem abrangência na região planalto, especialmente
em Passo Fundo e nos municípios próximos. Entre os diversos campos
de atuação, a participação em instâncias de controle social de políticas
públicas foi objeto de luta histórica no processo constituinte, do
qual a entidade participou e, depois pela sua regulamentação e efetivação.
A atuação cm saúde, neste sentido se converte numa das experiências
com maior incidência e acúmulo, por isso segue relatada e analisada.
Uma experiência de controle social
A
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) acompanha o
controle social das políticas públicas de saúde na região de Passo
Fundo desde 1990. Neste período, desenvolveu três frentes de ação:
a) acompanhamento da CIMS (Comissão Intersetorial Municipal de Saúde),
depois transformada, passando a integrar o Conselho Municipal de Saúde
(desde sua criação, em 1992); b) contribuição na criação tendo
feito parte da primeira composição e da primeira presidência do Conselho
Regional de Saúde na Sexta Coordenadoria Regional de Saúde do Governo
Estadual (1995-1996), tendo por este motivo também integrado
representando este Conselho o Conselho Estadual de Saúde (no mesmo
período); c) articulação e integração do Fórum Municipal dos Usuários
do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nesta
atuação, o objetivo da CDHPF tem sido historicamente o de contribuir
na qualificação do controle social em políticas públicas, procurando
fazer o monitoramento da garantia do direito à saúde como direito
fundamental do ser humano. Isto porque entende que a consolidação do
direito da saúde se dá através da implantação de políticas públicas.
No caso do direito à saúde o instrumento de política pública construído
pela luta social é o Sistema Único de Saúde (SUS). Imple???menta-lo
amplamente em seus princípios e diretrizes é trabalhar para fazer avançar
a garantia efetiva do direito à saúde. A ação de controle em
sentido amplo, no entender da CDHPF, precisa também contribuir para
que o conjunto da sociedade compreenda que a consolidação dos direitos
humanos passa pela necessidade da efetivação de políticas públicas
implementadas pelo Estado e controladas pela sociedade.
Desenvolver
o controle social implica diversas ações para efetiva-lo. E necessário
atuar com diversos públicos: as entidades que compõe os Conselhos de
Saúde (quando municipal entidades de âmbito municipal, quando
regional com entidades regionais); o conjunto da sociedade civil
organizada. articulando de modo especial as organizações de usuários
do SUS para pensarem as suas estratégias de ação nos Conselhos, nas
Conferências e propondo agendas e lutas; as lideranças sociais diversas,
em processos formativos; e o conjunto da sociedade nos momentos de
informação, conscientização e também nos de confronto de projetos,
fazendo pressão política.
Ao
longo dessa experiência, a CDHPF desenvolveu diversas atividades que,
muitas vezes, se diferenciaram no tempo e outras vezes aconteceram de
forma articulada e concomitante. Entre elas destacamos: a)
Acompanhamento da CIMS; b) Integração do primeiro Conselho Municipal
de Saúde e de todas as demais composições desde sua criação; c)
Articulação e participação do Fórum dos Usuários do SUS de Passo
Fundo; d) Integração e coordenação do Conselho Regional da S???aúde;
e) Coordenação do Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo; f)
Participação assessoria de processos formativos; g) Elaboração e
publicação de cartilhas divulgando a proposta dos SUS e a necessidade
do controle social; h) Participação nas Pré-Conferências e nas Conferências
Municipais de Saúde; i) Articulação a assessoria de reuniões de base
para divulgar as ações do Conselho Municipal de Saúde e para
conscientizar sobre o direito à saúde como um direito fundamental de
todos os cidadãos; j) Participação em mobilizações de enfrentamento
ao poder público municipal seja para garantir políticas propostas pelo
Conselho, seja para garantir mais recursos orçamentários para a Saúde
ou mesmo para ver implementada uma proposta de política construída com
a participação popular.
A
atuação de uma década trouxe acúmulos, aprendizagens e resultados
em diversos níveis.
Internamente,
a CDI-IPF acumulou institucionalmente ampliando sua compreensão das políticas
públicas de saúde, do funcionamento do SUS, sobre a capacidade de
exercer o controle social propositivamente e qualificou a metodologia de
organização de base.
Junto
aos sujeitos sociais e às organizações dos usuários, observa-se uma
maior compreensão do conjunto da sociedade sobre os Direitos Humanos não
somente como direitos individuais ou civis e políticos, mas também
como conjunto das condições ec???onômicas, sociais, políticas,
culturais e ambientais necessárias para que os cidadãos vivam com
dignidade e façam parte da pauta da luta e ação em vista da garantia
efetiva dos direitos humanos.
Tem
ainda avançado a consciência de que saúde não é apenas a ausência
da moléstia, mas sim o conjunto de condições para uma vida digna em
diversos aspectos. Além disso, tem avançado a compreensão de que a
gratuidade e a equidade não são favor ou benesse do poder público,
mas obrigação constitucional e moral.
O
Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo está consolidado enquanto
espaço de defesa do SUS e de controle social das políticas públicas
de saúde4. Reconhecidamente o Conselho Municipal de Saúde
de Passo Fundo é um espaço que possui uma dinâmica interna democrática.
Enquanto na maioria das vezes a composição dos conselhos é feita por
determinação da lei municipal e o seu presidente é cargo nomeado pelo
executivo municipal, em Passo Fundo, a escolha dos conselheiros —
tanto titulares como suplentes — acontece em plenárias abertas e
especialmente convocadas para tal e a Mesa Coordenadora é eleita
diretamente pelos conselheiros em votação direta. Acreditamos que isso
garante ao Conselho a independência necessária para cumprir o seu
papel no controle social. Ao mesmo tempo, é motivo de constantes
disputas com o gestor e com os grupos da saúde privada que advogam a idéia
de que para entender de saúde é necessário ser “doutor”. Essa
disputa já resultou em tentativas de cassação do mandato d???os atuais
conselheiros promovida pelo gestor municipal, o que não foi possível
devido à mobilização social articulada pelo Fórum Municipal dos Usuários
do SUS.
O
Fórum Municipal é o espaço legítimo e autônomo de articulação e
participação de todas as organizações e pessoas interessadas em
defender o SUS como política pública e em promover amplamente o
direito à saúde. Reúne tanto as entidades que participam com
titularidade ou suplência no Conselho como as que não foram escolhidas
para tal, mas que se entendem irmanadas na mesma luta. O Fórum é o
espaço amplo de articulação de ações e de formulação de propostas
e de estratégias, bem como de mobilização da comunidade em geral
para fortalecer o controle social nas instâncias ordinárias (Conselho)
quanto para sua promoção em sentido amplo, através da divulgação e
atuação na capacitação de agentes de garantia dos direitos.
A
participação da CDHPF no campo da saúde é reconhecida pelo conjunto
da sociedade civil, tendo em vista que é uma das poucas entidades que
compõem o Conselho desde a sua criação sendo reconduzida para esse
espaço nas diversas recomposições do Conselho, mesmo em momentos de
grande disputa pelas vagas. Junto ao Fórum, também exerce um papel
estratégico de aportar a temática dos direitos humanos como componente
da política de saúde, atuando de forma permanente na articulação e
mobilização das diversas organizações participantes e marcando
presença nas ações por ele desenvolvidas.
Compreendendo um pouco a experiência
A
CDHPF entende que o controle social das políticas públicas depende de
um conjunto de ações articuladas envolvendo diversos públicos e instâncias.
Ocupar os espaços institucionais criados pela Constituição Federal
de 1988 e das Leis Orgânicas que a regulamentam (no caso da saúde,
Leis 8.080 e 8.142) é um passo significativo, porém que não se esgota
em si mesmo. Os Conselhos, as Conferências, as Audiências Públicas
e outros espaços de participação institucional são fundamentais, são
estratégicos na perspectiva da democratização do Estado e de sua
aproximação das aspirações sociais. Eles podem consagrar pactos de
ação e promover avanços concretos na garantia de direitos. No
entanto, a organização de base e a conscientização da população
para que entenda a saúde como um direitos de todos e, principalmente,
como um direito fundamental. um direito humano, através do qual se pode
concretizar a dignidade humana é o que decisivamente pode tornar este
processo sustentável. Junto a isto, a informação e a formação, seja
para entender as políticas públicas de saúde, seja sua relação com
os direitos humanos, seja para ter a capacidade de exercer o controle
social de forma avaliativa e propositiva, são também ingredientes
estratégicos e exigem atuação concreta das organizações e dos
sujeitos sociais.
A
partir da compreensão de que os Direitos Humanos formam um conjunto de
garantias (positivas, exigíveis, judiciáveis) do ponto de vista econômico,
social, cultural, político, jurídico em vista de ir efetivando
progressivamente — sem admitir retrocessos por nenhum motivo a
dignidade humana. Os direitos humanos são universais, indivisíveis e
interdependentes e neste sentido implicam ações articuladas e consistentes,
estruturais e sustentáveis. E responsabilidade dos Estados a sua
garantia. Portanto, sua consolidação está diretamente relacionada à
efetivação de políticas públicas que criem as condições para
tanto.
Nessa
perspectiva, a atuação da CDHPF pretende, através do controle
social das políticas públicas de saúde, exigir que o Estado, em sua
esfera municipal, cumpra com o papel de elaboração e implementação
de políticas que garantam melhores condições de saúde ao conjunto
dos cidadãos e, ao mesmo tempo, trabalhe junto com a sociedade civil
para que desenvolva amplamente sua capacidade de cumprir com um de seus
papéis mais relevantes em matéria de garantia de direitos que é a
proposições e o controle social da implementação de políticas públicas.
Acredita
que, desta forma, está consoante ao que expressa o MNDH (Movimento
Nacional de Direitos Humanos), ao qual é filiada desde 1984, quando diz
que: “Falar de políticas públicas corno instrumento de efetivação
dos direitos humanos significa também reconhecer que a sociedade civil
organizada, especialmente os m???ovimentos populares, tem um papel de
protagonismo no exercício do controle social e na proposição e
interlocução. Além disso, exige capacidade de monitoramento e avaliação,
em vista de fazer avançar a efetivação da garantia dos direitos”5.
Além
disso, seguindo o mesmo documento do MNDH: “Desenvolver políticas públicas
em direitos humanos implica reconhecer dois aspectos indissociáveis e
complementares: a) direitas humanos são base de todas as políticas públicas
no sentido de que elas vêm para responder à responsabilidade e o
Estado garantir acesso e satisfação dos direitos; b) direitos humanos
exigem políticas públicas específicas, nos sentido de que devem ser
desenvolvidas políticas públicas de direitos humanos. (...) direitos
humanos em todas as políticas públicas e direitos humanos como política
pública”6.
Aprendizagens acumuladas
A
experiência desenvolvida pela CDHPF aponta diversos aspectos de
aprendizagem acumulada que apresentamos como limites e desafios do
ponto de vista da atuação interna, bem como da compreensão de que os
direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes e
concretizados por políticas públicas.
Do
ponto de vista interno, o desafio é ???aprimorar a capacidade de
monitoramento das políticas públicas, com elaboração de indicadores
de satisfação de direitos que, com sua utilização seja possível
ampliar a capacidade de controle social na perspectiva da proposição,
do monitoramento e da avaliação permanentes das políticas.
No
tocante à concepção de direitos humanos pode-se identificar os
seguintes aspectos:
a)
Em relação ao poder público, ainda há muito que avançar para que os
gestores locais entendam e respeitem a legitimidade da sociedade civil,
através dos movimentos populares, exercerem o controle social de forma
plena (deliberativa) sobre a definição e a implementação das políticas
públicas. A persistência de práticas autoritárias, flagrantemente
inconstitucionais, leva ao reforço do paternalismo, de um lado, e ao
enfrentamento político de projetos, de outro, este último aspecto por
si não é ruim, aliás tem sido pedra de toque para avanço da consciência
social em geral e em matéria de direitos. Permanece, nesse sentido, o
desafio de democratizarmos mais o Estado superando a cultura do
autoritarismo, já que direitos humanos implica um diálogo estreito com
desenvolvimento e democracia.
b)
O conjunto da sociedade ainda compreende, em grande medida, as políticas
públicas como benesses do Estado. Essa cultura é fruto da vigência
histórica de um Estado paternalista, clientelista e patrimonialista???. O
desafio é de trabalhar diuturnamente na construção de urna cultura
de direitos. o que implica desconstruir a concepção de Estado
privarizado e controlado por grupos privados e privatistas e afirmar a
participação popular como elemento de constituição da cidadania e de
políticas públicas que efetivem os direitos humanos.
No
que diz respeito às organizações populares é fundamental dar passos
significativos no sentido de fortalecer o processo de organização de
base e o desenvolvimento de instrumentos mais eficazes de interlocução
permanente para ir além de demandas pontuais e dialogue estreitamente
com projetos e processos de desenvolvimento e de democratização da
sociedade e que se convertem em participação ativa e propositiva no
monitoramento dos processos concretos de efetivação dos direitos.
através de políticas públicas.
Notas:
4
Na última escolha de composição do Conselho Municipal tinham 87
entidades usuárias para ocupar 15 vagas. Esse fato demonstra importância
e a preocupação da sociedade civil organizada cm ocupar esse espaço.
A coordenação do Conse???lho Municipal, nas últimas três gestões (seis
anos), é ocupada por um usuário, o que demonstra a hegemonia dos usuários
na composição do conselho bem como a compreensão de que esse espaço
é de fato para o controle social, portanto a sua coordenação deve ser
feita pelas entidades que representam os grupos menos favorecidos e que
mais necessitam da proteção das políticas públicas.
5
Constituição Federal. MNDH. Sistema Nacional de Proteção dos
Direitos Humanos – Proposta do MNDH. Brasília: MNDH, 2001, p. 14.
6
Cf. MNDH. Op. Cit. p. 14.
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