
Cidadania e
direitos num mundo globalizado: algumas notas para discussão
Marcos César Alvarez
UNESP/Marília
alvarez@mii.zaz.com.br
Resumo: o artigo discute
questões relativas ao impacto da globalização no campo da
cidadania e dos direitos a partir da análise de bibliografia
recente sobre o tema.
Palavras-chave: cidadania
– globalização – direitos – desigualdade – exclusão.
"(...) os direitos não
nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer.
Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que
acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o
progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros
homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou
permite novos remédios para suas indigências: ameaças que são
enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios
que são providenciados através da exigência de que o mesmo
poder intervenha de modo protetor.(...) Embora as exigências de
direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases
ou gerações, suas espécies são sempre – com relação aos
poderes constituídos – apenas duas: ou impedir os malefícios
de tais poderes ou obter seus benefícios."
Norberto Bobbio
Introdução
Cresce, no debate atual sobre os
efeitos da assim chamada globalização na sociedade brasileira,
uma discussão mais conseqüente que busca caracterizar a complexa
relação existente entre as transformações econômicas,
sociais, culturais e políticas que ocorrem em âmbito mundial e
seus desdobramentos no plano da cidadania e dos direitos. Começa-se
a sair de uma visão simplista acerca destas transformações –
compartilhada paradoxalmente tanto por apologistas quanto por
alguns críticos da globalização – que se limitava a constatar
as novas características da economia mundial, considerando-as
como "fatos irreversíveis" que se refletiriam
automaticamente nas demais esferas sociais, para análises mais
rigorosas que buscam delimitar melhor os diferentes conjuntos de
transformações em curso e as opções políticas que a partir
deles se desenham.
O objetivo deste artigo consiste
justamente em identificar – através de uma breve revisão
bibliográfica, voltada sobretudo para textos recentemente
publicados no Brasil – algumas questões presentes neste debate
acerca da relação entre globalização e cidadania. Iniciaremos
nossa reflexão com uma discussão do próprio termo
"globalização", para a seguir expor os novos obstáculos
que se apresentam para a expansão da cidadania na
contemporaneidade.
A "globalização"
como problema
Ao se discutir a relação entre
globalização e cidadania, o primeiro ponto a ser ressaltado é
que o termo "globalização" deve ser empregado apenas
com muitas reservas. Isto porque a própria vulgarização do
termo – utilizado indiscriminadamente no discurso político e
nos meios de comunicação de massa na atualidade – torna-o
praticamente destituído de significado analítico mais
consistente. Tanto parece ser assim, que a maioria dos trabalhos
conseqüentes sobre o tema começam inevitavelmente por uma definição
mínima do que se entende pela expressão e, muitas vezes, essas
definições são bastante díspares.
Adotando um ponto de vista mais
descritivo, podemos dizer que o termo globalização tem sido
utilizado sobretudo para caracterizar um conjunto aparentemente
bastante heterogêneo de fenômenos, que ocorreram ou ganharam
impulso a partir do final dos anos 80 – como a expansão das
empresas transnacionais, a internacionalização do capital
financeiro, a descentralização dos processos produtivos, a
revolução da informática e das telecomunicações, o fim do
socialismo de Estado na ex-URSS e no Leste europeu, o
enfraquecimento dos Estados Nacionais, o crescimento da influência
cultural norte-americana, etc. – mas que estariam desenhando
todos uma efetiva "sociedade mundial", ou seja, uma
sociedade na qual os principais processos e acontecimentos históricos
ocorrem e se desdobram em escala global:
"Ocorre que o globo não é
mais exclusivamente um conglomerado de nações, sociedades
nacionais, estados-nações, em sua relações de interdependência,
dependência, colonialismo, imperialismo, bilateralismo,
multilateralismo. Ao mesmo tempo, o centro do mundo não é mais
voltado só ao indivíduo, tomado singular e coletivamente como
povo, classe, grupo, minoria, maioria, opinião pública. Ainda
que a nação e o indivíduo continuem a ser muito reais,
inquestionáveis e presentes todo o tempo, em todo o lugar,
povoando a reflexão e a imaginação, ainda assim já não são
"hegemônicos". Foram subsumidos, real ou formalmente,
pela sociedade global, pelas configurações e movimentos da
globalização. A Terra mundializou-se, de tal maneira que o globo
deixou de ser uma figura astronômica para adquirir mais
plenamente sua significação histórica." (Ianni, 1996,
p.13-14)
Se entendemos, numa aproximação
inicial, a globalização deste modo, um primeiro ponto a
ressaltar é que, sem nenhuma dúvida, essa constituição de uma
verdadeira "história mundial" não é uma novidade
absoluta, mas sim resultado de processos cujas origens remontam à
própria constituição da modernidade, sendo que a reflexão
sociológica clássica, para ficarmos apenas no âmbito de uma
disciplina, já havia abordado tais processos. Por exemplo, as
comemorações recentes acerca dos 150 anos do Manifesto Comunista
indicam com razão que Marx e Engels já haviam apontado para a
constituição de uma sociedade mundial, fruto da expansão do
capitalismo (cf. Marx, 1996). E Max Weber, por sua vez, tematizou
exaustivamente o processo de universalização dos valores
ocidentais e suas conseqüências em termos de racionalização da
cultura no mundo moderno (cf. Weber, 1992).
Assim, ao contrário do que a
vulgarização do termo globalização parece insinuar, não se
trata de um processo radicalmente novo – ao menos no seu efeito
de conjunto, a produção de uma sociedade mundial – e nem de
algo para o qual as análises clássicas não tenham apontado
anteriormente.
Outro aspecto a ser criticado,
presente em muitas análises sobre o tema, é a visão
predominantemente economicista das transformações históricas
que estão ocorrendo neste final de século. Para muitos
analistas, as transformações econômicas repercutiriam
automaticamente no conjunto da sociedade, devendo todas as demais
esferas sociais se adequarem cegamente aos imperativos da economia
de mercado mundializada. Aqui também os clássicos da sociologia
poderiam contribuir para uma visão menos reducionista da questão,
pois nem mesmo Marx via a relação entre a estrutura econômica e
a superestrutura social, política e cultural de modo tão
simplista, ao passo que Weber e outros autores enfatizaram a
complexidade da sociedade moderna, estruturada em torno de esferas
de ação cada vez mais autônomas, o que inviabilizaria qualquer
teoria que tentasse reduzi-la a um único motor de transformações.
Um terceiro aspecto a ser
criticado, é a idéia de que a globalização seria um processo
homogêneo, que tenderia a se expandir e uniformizar todas as
sociedade do planeta. Ora, por um lado, a constituição de uma
economia global na atualidade e o conseqüente enfraquecimento dos
Estados nacionais não aponta para a constituição de um espaço
social cada vez mais uniforme e indiferenciado, onde todos
compartilhariam os mesmos valores e costumes universais. Pelo
contrário, o que vemos é um renascimento de valores locais, de
reivindicações culturais e políticas regionais, anteriormente
sufocadas no interior do Estado-nação, sendo que, neste aspecto,
a sociedade global "pode ser muito menos
‘pausterizadora’ das culturas nacionais do que as tradicionais
nações" (Dowbor, 1996, p. 63). Em outras palavras, as
transformações históricas que estão ocorrendo na atualidade não
eliminam a dialética existente entre o local e global, apenas
redefinem as formas de articulação entre estes diferentes
planos.
Por outro lado, a globalização
também não pode ser vista como um processo homogêneo sobretudo
porque um dos seus principais efeitos consiste justamente em
aumentar as desigualdades sociais e a exclusão social, tanto no
interior das nações quanto no plano internacional. No interior
das nações percebe-se claramente um distanciamento cada vez
maior entre os indivíduos que podem usufruir dos benefícios de
uma economia globalizada e aqueles que estão condenados ao
desemprego e à marginalidade. No plano das relações entre as nações,
por sua vez, nem todas apresentam a mesma capacidade de adaptação
aos novos rumos da economia globalizada, o que também aumenta a
distância entre as nações ricas e as nações pobres.
Portanto, muito mais do que um
processo de homogeneização crescente, sinônimo de uniformização
e igualdade em termos mundiais, a globalização parece levar ao
crescimento das desigualdades e da exclusão social. E é neste
plano justamente que o tema da globalização coloca em cheque a
noção de cidadania, pois se o conjunto de processos que chamamos
de globalização tende a aumentar as desigualdades sociais e a
exclusão tanto no plano local quanto no plano global, então a
expansão da cidadania – que na definição clássica de
Marshall (1967) consiste na possibilidade dos indivíduos
participarem igualmente como membros integrais de uma comunidade
– estaria frontalmente ameaçada pelas transformações históricas
ocorridas neste final de século. Como afirma Kuntz (1995), o
suposto movimento histórico irreversível em direção a uma
igualdade cada vez maior entre os homens, pressuposto na noção
de cidadania, parece estar sendo negado pela experiência histórica
da última década, quando reformas políticas adotadas em
diversos países em nome da globalização têm levado à restrição
crescente do universo da cidadania e dos direitos. Vejamos mais
detalhadamente como a globalização pode implicar na erosão da
cidadania e na crise da própria concepção que temos acerca da
modernidade como era dos direitos.
Globalização e erosão da
cidadania
A sociedade moderna, seguindo uma
tradição de pensamento que tem suas origens no Iluminismo, tem
sido freqüentemente definida como a era dos direitos e da
cidadania. Já Kant, em seu célebre texto O que é
Esclarecimento, publicado originalmente em 1783, identifica a
época moderna como aquela que tornaria possível ao homem atingir
finalmente a maioridade, ou seja, o homem poderia libertar-se da
tutela da tradição ao fazer uso público e livre da razão (cf.
Kant, 1987).
Kant sabia que não vivia ainda
numa época plenamente esclarecida, mas acreditava que a
modernidade abriria as possibilidades para que cada vez mais os
homens usassem livremente a razão para guiar suas vidas. E, como
afirma Piovesan (1995), esse ideal de liberdade em Kant implicará
também num conceito de igualdade, já que todos teriam o direito
– que deveria ser garantido pelo Estado – de exercer
publicamente sua liberdade. Assim, e muito simplificadamente,
podemos dizer que Kant, testemunhando em seu tempo a contestação
dos regimes absolutistas e a reivindicação da soberania popular,
formula a idéia de que a modernidade tornaria possível uma
afirmação crescente da igualdade entre os indivíduos, embora
esta estivesse restrita, neste momento, ao plano dos direitos
civis, que hoje chamamos de primeira geração de direitos.
Evidentemente, como afirma
Benevides (1994, p. 6), a idéia moderna de cidadania será
marcada desde sua emergência por ambigüidades significativas,
tanto em termos teóricos quanto práticos. Mas a expansão dos
direitos políticos no século XIX e dos direitos sociais no início
do século XX irá corroborar parte do otimismo de Kant em relação
às possibilidades de ampliação da cidadania na modernidade. A
própria idéia de gerações de direitos, freqüentemente
utilizada a partir da segunda metade do século XX, se estruturá
a partir de uma concepção praticamente evolutiva da cidadania, e
a teorização de Marshall é a que provavelmente ganhou maior
notoriedade e melhor exemplifica, no campo das Ciências Sociais,
o credo otimista em face das possibilidade de ampliação da
igualdade no mundo moderno.
Marshall, escrevendo em 1949,
defende que existe uma clara tendência na sociedade moderna em
direção a uma igualdade social cada vez mais ampla, tendência
esta que historicamente se desdobraria em diferentes gerações de
direitos: a primeira geração seria constituída pelos direitos
civis, ou seja, aqueles necessários ao exercício da liberdade
individual, construídos sobretudo ao longo do século XVIII; a
segunda geração seria constituída pelos direitos políticos,
que dizem respeito ao exercício do poder político, consolidados
no século XIX; e a terceira geração de direitos, os direitos
sociais, referentes ao bem-estar econômico e social, formulados já
no século XX.
Assim, mesmo tendo atrás de si os
horrores da Segunda Guerra Mundial, Marshall vê como inevitável
o triunfo subseqüente da cidadania, o que implicaria numa regulação
também irreversível da liberdade do mercado competitivo (cf.
Marshall, 1967, p.63). Entretanto, como vimos, a grande questão
colocada neste final de século pelo conjunto de transformações
econômicas, sociais e políticas que denominamos globalização,
diz respeito a se ainda podemos ou não ver com otimismo esse
impulso crescente em direção à igualdade, supostamente inscrito
na sociedade moderna. O próprio controle do mercado, que para
Marshall parecia uma conquista definitiva da cidadania, se vê
subitamente ameaçada pela globalização econômica: "
(...) é como se o mercado, depois de mais de um século de sujeição
a amarras de tipo institucional, se libertasse e voltasse a
comandar o processo, com seu potencial de iniqüidade amplamente
restaurado" (Kuntz, 1995, p. 154).
Ao levantar algumas da principais
discussões atuais em torno dessa questão, podemos perceber que a
maioria dos autores apontam três séries de acontecimentos
principais que estariam levando à crise da cidadania.
A primeira diz respeito ao
enfraquecimento crescente dos Estados nacionais diante do avanço
da economia global. Como afirma Dowbor (1996), enquanto os
instrumentos de política econômica dos Estados permanecem tendo
apenas alcance nacional, as dinâmicas financeiras já são
mundiais. As recentes crises econômicas ocorridas em diversos países
devido à fuga de capitais especulativos, que são cada vez mais
voláteis e se deslocam com extrema facilidade de um local para
outro, ilustram bem este problema, ao mostrarem como a própria
soberania dos Estados está ameaçada por uma economia mundial
cada vez mais autônoma e desregulamentada.
Ora, esta erosão da soberania dos
Estados nacionais pode levar também à conseqüente erosão da
cidadania, já que historicamente as diferentes gerações de
direitos foram reconhecidas e asseguradas no âmbito destes mesmos
Estados. Enfraquecidas as instituições estatais de âmbito
nacional voltadas para assegurar e promover os direitos civis, políticos
e sociais, os valores da cidadania se vêem ameaçados pelos
imperativos da economia globalizada e sua ênfase na
produtividade, na competitividade e na livre circulação de
capitais (cf. Faria, 1997).
A saída antevista por muitos
analistas diante dessa erosão crescente da cidadania remete
justamente à possibilidade de recompor a cidadania não mais no
âmbito das nações, mas sim em âmbito mundial:
"(...) A globalização
coloca, pois, um desafio; imaginar a política dentro de parâmetros
universais e mundializados. Isso significa que o debate sobre a
cidadania, realizado em termos tradicionais, se esgotou. É necessário
ampliá-lo e percebermos o mundo como uma ‘sociedade civil
mundial’." (Ortiz, 1997, p. 275)
Entretanto, essa sociedade civil
mundial necessitaria de instituições políticas e jurídicas que
funcionassem também em âmbito mundial, capazes de efetivar as
demandas pela igualdade agora no plano global. Held (1994) propõe
a constituição de uma federação de Estados e organismos democráticos
que defenderia em âmbito global um núcleo de direitos básicos e
que seria capaz de se impor aos interesses particulares dos
Estados nacionais.
A proposta de Held, além dos
problemas relativos ao como se daria a constituição dessa
federação de Estados democráticos, já aponta para uma outra
dimensão da crise da cidadania neste final de século: de que
modo se poderia definir esse núcleo de direitos básicos a serem
aplicados em todas as sociedades do planeta? Pois, paradoxalmente,
numa sociedade cada vez mais globalizada, na qual finalmente se
poderia vislumbrar a constituição uma cidadania planetária,
imediatamente se coloca o problema do questionamento dos valores
supostamente universais nela incorporados. Pois os valores clássicos
da cidadania são criações do Ocidente, e nunca foram totalmente
assimilados pela maioria dos países da América Latina, África e
Ásia. O modelo de gerações de direitos de Marshall, por
exemplo, dificilmente poderia ser utilizado para descrever a história
brasileira, já que no Brasil "a cidadania permaneceu
parcial, desequilibrada, excludente" (cf. Benevides,
1994, p.8) e apenas com a redemocratização dos anos 80 foi
iniciado um movimento mais significativo de expansão da
cidadania.
Assim, no momento em que
supostamente a cidadania poderia se afirmar em todo o planeta, a
questão que emerge é se os valores da igualdade nela formulados
poderiam ser efetivamente implantados e aceitos por todas as
sociedade e culturas. Santos (1997), ao discutir o problema da
globalização dos assim chamados direitos humanos, aborda parte
desse problema. Segundo este autor, os direitos humanos só
poderiam se efetivar legitimamente numa sociedade global se
enfrentassem o desafio do multiculturalismo, ou seja, se fossem
definidos não mais como direitos abstratos e universais, de
acordo com a tradição ocidental, mais sim redefinidos a partir
dos valores locais das diversas culturas. Santos admite a
dificuldade de tal proposta, já que o modo de concretizar essa
redefinição teria de ser constituído historicamente para além
do recurso falacioso da suposta afirmação de direitos
supostamente universais.
Os dois desafios anteriormente
citados – referentes à crise do Estado-nação e aos desafios
do multiculturalismo – remetem a preocupações mais genéricas
despertadas pelas transformações econômicas, sociais e
culturais ocorridas na sociedade deste final de século. No
entanto, as transformações mais recentes da economia mundial estão
colocando um terceiro desafio no campo da cidadania, que atinge
uma geração específica de direitos: os direitos sociais. Kuntz
(1985) trabalha mais detalhadamente esta questão. Como bem lembra
este autor, as transformações econômicas e políticas dos últimos
15 anos colocaram em xeque sobretudo o Estado keynesiano que
construído ao longo do século XX viabilizou garantias de
trabalho, de remuneração, de condições mínimas de segurança
econômica e de oportunidade de acesso ao mercado para grande
parte da população dos países mais industrializados. Justamente
essa ação do Estado no sentido de promover uma justiça
distributiva vêm sendo criticado pelos que defendem a necessidade
de desregulamentação total da economia mundial. Assim, os
direitos sociais tendem a ser limitados ou anulados, já que se
constituíram sobretudo como mecanismos compensatórios, como
formas de limitar as desigualdades produzidas pelo mercado (cf.
Kuntz, 1985, p.152).
Como dissemos, enquanto as questões
anteriores apontavam para desafios mais gerais e de longo prazo
que podem ameaçar a expansão da cidadania, a desmontagem dos
direitos sociais vêm sendo realizada nos últimos anos em várias
países e com nítido apoio eleitoral, acarretando crescimento
maciço dos índices de desemprego e aumentando, consequentemente,
a desigualdade e a exclusão social.
Se juntarmos todos os desafios
anteriormente citados, parece haver razão suficiente para afirmar
que o assim chamado processo de globalização está colocando em
xeque as promessas colocadas desde o início da modernidade em
termos da expansão da cidadania e dos direitos. Restaria indagar,
no entanto, se temos uma crise incontornável dos valores da
igualdade ou se ainda podemos reafirmar, como defendem diversos
autores, a cidadania em âmbito finalmente planetário.
Considerações finais: da
cidadania à exclusão?
Fala-se com freqüência que com o
avanço da globalização estaríamos caminhando no sentido da
constituição de uma sociedade de excluídos. Entretanto, ocorre
com o termo exclusão o mesmo processo de esvaziamento de sentido
que citamos anteriormente com respeito ao termo globalização. Na
verdade o termo exclusão tem sido utilizado principalmente como
um instrumento ético e político de denúncia diante da crescente
erosão da cidadania promovida pela assim chamada globalização,
como afirma Oliveira (1997, p. 60). Em termos analíticos, o termo
precisaria ser melhor definido de tal modo que as especificidades
dos processos contemporâneos de exclusão pudessem ser melhor
identificados, pois também a exclusão é multidimensional,
podendo adquirir diferentes feições econômicas, políticas e
culturais, com defende Nascimento (1997, p. 89-90).
Se é certo também que o processo
de erosão da cidadania se agrava neste final de século, como
vimos anteriormente, não é possível afirmar com a mesma certeza
que estaríamos diante do esgotamento dos valores igualitários
que emergiram com a modernidade. Pois, embora o otimismo
iluminista com respeito à evolução da cidadania já não possa
mais ser sustentado neste final de século, uma perspectiva
puramente pessimista, que vê na globalização o fim da era dos
direitos, apenas repetiria o antigo erro, agora com sinal trocada.
Afinal, a história do século XX tem se mostrado muito mais
complexa e imprevisível do que previam os modelos clássicos de
análise da sociedade, desacreditando todos aqueles que se
apegaram a qualquer tipo de filosofia da história. Seria mais
prudente, portanto, seguir as considerações de Bobbio (1992),
citadas no início deste artigo: os direitos nascem quando novos
desafios são colocados para os homens e o mundo contemporâneo
coloca o desafio da criação de uma cidadania global que possa
fazer frente às novas formas globais de poder e de dominação e
que possa concretizar, ao menos em parte, as promessas de
igualdade social colocadas desde a emergência da modernidade.
Resta considerar que o debate que
tentamos resumir aqui adquire ainda maior importância no Brasil,
pois o país enfrenta os novos desafios da globalização sem nem
mesmo ter viabilizado plenamente o acesso à cidadania clássica
para o conjunto da população. A superação desse duplo desafio
dependerá, sem dúvida, do aprofundamento das discussões acerca
das transformações sociais globais presentes neste final de século.
Abstract: this article
discusses questions about the impact of globalization in the field
of the citizenship and the rights based on recent bibliography
concerning the theme.
Key words: citizenship –
globalization – rights – inequality – exclusion.
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