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D
ireitos Humanos Universais 
e Particularidades Nacionais

Michael Freeman*  

 

O Paradoxo dos Direitos Humanos  

Ideais Morais e Realidades Políticas  

Universalismo, Nações e Culturas  

O Ressurgimento de Relativismo Cultural depois da Guerra Fria  

Universalidade e Diversidade: Expectativas para o Século XXI  

 

 

O Paradoxo dos Direitos Humanos

A idéia de direitos humanos universais é, do ponto de vista moral (em oposição a um ponto de vista legal), paradoxal. De um lado, a idéia parece ser obviamente moral. O caso paradigmático de violação dos direitos humanos é o programa nazista para exterminar os judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje em dia há plena concordância de que se trata de um caso puro de atrocidade. Mais recentemente, o sistema de apartheid na África do Sul e os “campos de morte” no Camboja, sob o regime de Khmer Vermelho, têm sido condenados, quase universalmente, como óbvias violações de direitos humanos. Toda pessoa com conhecimento sobre os assuntos internacionais deveria ter uma lista de tais assuntos.[1] Obviamente algumas pessoas não consideram essas ações uma atrocidade. Temos evidências que alguns nazistas acreditavam que tinham o dever moral de livrar o mundo dos judeus. Não há dúvida de que alguns brancos sul-africanos acreditavam que o apartheid era moralmente justificável e, para alguns ativistas do Khmer Vermelho, seus assassinatos eram legítimos. Todavia, quando condenamos uma ação ou uma política como uma violação dos direitos humanos, estamos afirmando, pelo menos, duas proposições: 1) que muitas pessoas considerariam a ação ou a política moralmente errada; e 2) a considerariam profundamente errada. É nesse sentido que muitas pessoas ficariam profundamente chocadas por uma ação ou política que constituísse a ‘obviedade moral’ da idéia de direitos humanos universais.

A outra parte do paradoxo é que a idéia de direitos humanos universais, apesar de sua obviedade moral, é muita controversa. Podemos observar isso se analisarmos cada uma das palavras chaves na frase ‘direitos humanos universais’. Direitos humanos são universais. A primeira frase do Artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que ‘todos seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos’. A idéia de direitos humanos universais parece pressupor a doutrina filosófica do universalismo ético. Essa é uma doutrina familiar no Ocidente. Tem sua origem na filosofia estóica. Constitui a base filosófica da religião cristã. Teve a sua mais completa articulação teórica na filosofia de Kant. Essa filosofia influenciou fortemente os fundadores das Nações Unidas e os idealizadores da Declaração Universal dos Direitos Humanos.[2] Mas a doutrina de universalismo ético é controversa. Alguns a vêem como uma forma de ‘imperialismo cultural’, isto é, uma expressão da hegemonia cultural do Ocidente. Outros negam a possibilidade de uma ética universal e sustentam que toda moralidade nasce de culturas particulares, e desde que existem, obviamente, diversas culturas no mundo, deve haver muitas moralidades. De acordo com esse ponto de vista de ‘relatividade cultural’, depreende-se que a idéia de direitos humanos não é, de todo, universal ou deve haver diferentes concepções de direitos humanos em culturas distintas. Uma variação do tema cultural relativista é que existem diferentes concepções nacionais de direitos humanos.[3]

O conceito do ‘humano’ pode parecer menos problemático, se deixarmos de lado controvérsias bem conhecidas sobre o aborto e os supostos direitos do feto e a questão dos direitos dos animais. A objeção ao conceito do ‘humano’, no entanto, é similar às reivindicações do universalismo ético. Edmund Burke levantou essa objeção na sua crítica clássica da doutrina dos Direitos do Homem, que foi proclamada na Revolução Francesa. Burke disse que encontrou ingleses, franceses e espanhóis e podia reconhecer que tinham direitos. O Homem, contudo, que ele nunca encontrou, e o Homem poderia não ter direitos.[4] O ponto de vista de Burke conserva considerável força hoje em dia. Não obstante o compromisso oficial da comunidade internacional à idéia de direitos humanos universais, muitas nações estão ligadas a suas concepções de direitos humanos que estão enraizadas, como Burke teria almejado, em suas histórias particulares.

Igualmente controversa é a idéia de ‘direitos’. A palavra ‘direitos’ na língua inglesa está associada à palavra ‘direito’. Alguma coisa é ‘direita’ se é correta ou verdadeira. Uma ação é, moralmente falando, direita, se for requerida, ou, pelo menos, permitida pela moralidade. A passagem de ‘direito’ para ‘direitos’ é, contudo, arrojada e controversa. Provavelmente, todas culturas têm uma concepção de certo e errado, mas o conceito de ‘direitos’ é moderno e ocidental. Ações ou políticas são certas ou erradas, mas pessoas têm direitos. A linguagem dos direitos é possessiva. Alguns filósofos rejeitaram esse traço possessivo do conceito de ‘direitos’. As pessoas não têm direitos no sentido do modo como têm cabeças. Diz-se que os direitos são, portanto, místicos. Podemos, certos opositores admitem, ter direitos legais, mas eles derivam de sistemas legais particulares, e não são universais. (Críticos dos direitos humanos universais normalmente ignoram a existência do direito internacional, mas, desde que estou aqui preocupado com o status ético dos direitos humanos, só tomarei nota dessa estranha omissão superficialmente). Além disso, muitas das culturas do mundo estão firmadas em deveres e não em direitos, e, mesmo no Ocidente, são muitos os que argumentam que a ênfase nos direitos, e não nos deveres, conduz a uma sociedade egoísta e desordenada. Para essas objeções, existem duas respostas simples. Primeiro, dizer que uma pessoa tem um direito não é reivindicar que esteja de posse de alguma ‘coisa’ metafísica estranha. É dizer que, de acordo com uma norma ética que estamos invocando, as pessoas têm, moralmente, direito a alguma coisa, e que alguém tem a obrigação de provê-la. Por exemplo, se dizemos que toda criança tem o direito a cuidado físico e emocional, estamos reivindicando que as crianças têm, moralmente, o direito àquele cuidado, e que alguém é obrigado a provê-lo. Esse relato do que são os direitos mostra que o debate direitos-versus-deveres é falso. A linguagem dos direitos nunca é um completo discurso moral, e sempre requer um relato correspondente dos deveres. O discurso internacional dos direitos humanos enfatiza os direitos em detrimento dos deveres, porque é endereçado ao problema de abuso do poder, principalmente por governos. A ênfase nos direitos do discurso pode, entretanto, ser um obstáculo ao diálogo entre defensores dos direitos humanos e aqueles que estão acostumados com as moralidades baseadas no dever.

A idéia de direitos humanos universais é controverso, portanto, porque 1) parece basear-se na doutrina filosófica controversa do universalismo ético; 2) fixa direitos para os seres humanos abstraídos de seus contextos sociais; e 3) enfatiza a posse de direitos em detrimento dos deveres das pessoas. Existem dois outros traços da idéia que a tornam controversa. O primeiro deles é seu individualismo. O Artigo 27 da Declaração Universal, por exemplo, afirma que ‘todos’ têm ‘o direito de participar livremente na vida cultural da comunidade’. O direito é atribuído aos indivíduos; às comunidades como tais não são atribuídos direitos na Declaração. Esse individualismo da idéia de direitos humanos é controversa porque parece censurar aqueles que subscrevem um código moral mais comunitário e porque é precisamente a ênfase nos direitos de indivíduos que é valorizado pelos liberais ocidentais. O segundo dos traços adicionais do conceito de direitos humanos que o torna controverso é sua qualidade igualitária. Todos os seres humanos, diz o Artigo 1 da Declaração, são iguais em dignidade e direitos. Algumas interpretações de direitos iguais têm um difundido apoio na comunidade internacional: por exemplo, a proibição de discriminação racial. Outras interpretações - por exemplo, o status igual do homem e da mulher - não são aceitas em muitos cenários culturais.

A idéia de direitos humanos universais é, portanto, moralmente forte porque está conceitualmente ligada a noções de justiça, decência e prosperidade humana, e estende essas noções a toda humanidade. É, contudo, ao mesmo tempo, controversa porque parece ser culturalmente ‘imperialista’, abstrair o ser humano real do seu contexto social e nacional, para encorajar o egoísmo e minar a ordem social, ao marginalizar responsabilidades sociais, ao privilegiar o indivíduo às expensas da comunidade e ao desafiar hierarquias sociais que estão profundamente enraizadas em muitas culturas. Aqueles filósofos que criticam a idéia dos direitos humanos por abstrair o indivíduo do seu contexto social podem ser eles mesmo criticados por abstrair o conceito de direitos humanos do seu contexto histórico e político.[5] O qüinquagésimo aniversário da Declaração Universal de Direitos Humanos parece uma oportunidade apropriada para recordar que a idéia de direitos humanos em si tem um contexto, e que para entender o significado e proposta da idéia é necessário entender esse contexto. Contextos, contudo, não são estáticos. Os cinqüenta anos de 1948 a 1998 manifestam tanto continuidade como mudança, e é provável que a concepção de direitos humanos reflita isso. A inserção da idéia no seu contexto mostrará que se trata de um ideal dinâmico que é designado para servir necessidades e objetivos humanos extremamente práticos e fundamentais. Mostrará, igualmente, porque precisa ser uma idéia tanto política quanto moral, poderosa e controversa. Assim, o paradoxo de direitos humanos será resolvido.

Ideais Morais e Realidades Políticas

O conceito de direitos humanos está intrinsecamente e intimamente associado à Organização das Nações Unidas. A Carta da Organização das Nações Unidas declara, no segundo parágrafo de seu preâmbulo, que um de seus principais objetivos é ‘reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana, nos direitos iguais de homens e mulheres e de grandes e pequenas nações’, um compromisso que é repetido em três das quatro propostas da ONU dispostas no Artigo 1. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pela Assembléia Geral em 1948.[6] A Declaração afirma que é ‘um padrão comum de realização para todos povos’ pelo qual ‘todo indivíduo e toda organização da sociedade’ deverá lutar, através do ensino e da educação, para promover o respeito pelos direitos humanos e, através de medidas nacionais e internacionais progressistas, assegurar seu reconhecimento e cumprimento universal e efetivo. O preâmbulo da Declaração sustenta que o reconhecimento dos direitos humanos ‘é a base da liberdade, justiça e paz no mundo’, que ignorância e desprezo pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros ‘que ultrajaram a consciência da humanidade’, e que a Declaração é um meio ‘para promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações’.

Cumpre enfatizar o fato bem conhecido de que a idéia contemporânea de direitos humanos é associada à ONU, logo, os filósofos ocidentais cépticos com relação à idéia e os políticos e intelectuais não ocidentais, que a questionam como ‘imperialista’, muitas vezes ignoram o fato que, desafiando a idéia, estão desafiando a ONU em si. Por outro lado, os defensores dos direitos humanos freqüentemente aceitam esse fato como certo. Mas a Organização das Nações Unidas é uma instituição social que, como todas instituições sociais, não se justifica por si mas requer uma ideologia legitimadora convincente, se de suas declarações é esperado um peso moral. A ONU reluta para declarar seus fundamentos filosóficos básicos, uma vez que procura legitimidade num mundo de diversas culturas. Tem, todavia, metas políticas e morais, e estas requerem alguma justificação racional. Os textos da Carta e da Declaração Universal sugerem quais são esses fundamentos ilusórios.

As palavras de abertura da Carta da ONU afirmam que ‘nós os povos das Nações Unidas’ estamos determinados a salvar gerações sucessivas do flagelo da guerra, etc. Na tradição ocidental, essa abertura tem duas conotações claras sobre os compromissos filosóficos da Organização. A primeira é que ela reivindica legitimidade democrática. A Carta afirma que os povos do mundo têm os objetivos que a Carta proclama. Seus governos são os agentes desses povos. A segunda implicação é que povos são a unidade de justificação fundamental da nova ordem mundial que a Carta foi designada para promover. Essa ênfase em ‘povos’ pode ser contrastada com os estados que têm sido os sujeitos tradicionais de direito internacional, e os indivíduos, que, como já vimos, são os sujeitos dos direitos humanos. A ideologia legitimadora auto-anunciada da ONU é a de soberania popular ou nacionalismo democrático.

O primeiro parágrafo do Artigo 1 da Carta declara que o primeiro objetivo da ONU é a manutenção da paz internacional e, para a consecução desse fim, a resolução de disputas internacionais ‘em conformidade com os princípios de justiça e direito internacionais’. O segundo parágrafo expressa que o segundo objetivo é ‘desenvolver relações amistosas entre as nações baseadas no respeito do princípio de direitos iguais e autodeterminação dos povos’ (ênfase minha). O Artigo 2 diz-nos que a organização está baseada no ‘princípio da igualdade soberana de todos seus membros’, e os Artigos 3 e 4 revelam que os membros da ONU são estados. A idéia de que os membros de uma organização global dedicada à paz no mundo, por meio do direito internacional, deveriam ser (somente) estados se ajusta, perfeitamente, ao direito internacional tradicional. O que menos se ajusta é que essa organização de estados deveria se legitimar pela referência à soberania dos povos e se comprometer com a promoção dos direitos humanos de indivíduos. A ontologia legal da ONU reconhece um mundo de estados. Sua ontologia política extrai a legitimidade desses estados da vontade de seus povos. Sua ontologia moral assume um mundo de indivíduos e seus direitos. A ONU assume que, em princípio, esses três mundos ontológicos são mutuamente compatíveis. Na realidade não são. Com o benefício de cinqüenta anos de compreensão tardia, sabemos que a soberania dos estados, a autodeterminação dos povos e os direitos humanos dos indivíduos podem colidir entre si. Esse fato encontra-se no cerne tanto da problemática dos direitos humanos como de vários problemas da ordem mundial contemporânea.

A ONU está baseada em outra suposição, colocada em dúvida por aqueles que são cépticos com relação à idéia de direitos humanos universais. A organização chama-se Nações Unidas, embora possa ser dito que ela não é constituída por nações (mas, antes, estados) nem tampouco é unida. A Declaração Universal, no seu preâmbulo, refere-se à ‘família humana’, que sugere que a humanidade constitui um grupo pequeno, íntimo e que se apoia mutuamente. Hoje em dia, referimo-nos usualmente à ‘comunidade internacional’. Esse discurso de família e comunidade é refutado por aqueles que duvidam da autoridade moral da ONU e da idéia de direitos humanos universais, e que o fazem precisamente porque sustentam que não existe uma comunidade internacional[7]. Sob esse ângulo, que é parcialmente sociológico e parcialmente ético, comunidades genuínas são, de fato, a fonte para unir princípios e normas morais[8]. Tais comunidades são, contudo, baseadas em valores e convicções compartilhadas, que falta à chamada ‘comunidade internacional’. Ironicamente, são precisamente os povos do mundo que interpretam mal o conceito de comunidade internacional. A ONU, sob esse ponto de vista, é uma associação de países de elite que reivindica legitimidade apelando ao princípio de soberania popular, mas que o faz em níveis variados. Assim, na realidade, de acordo com a visão céptica, alguns estados elites da ONU não representam seus povos, e alguns o fazem, representando povos que são indiferentes ou mesmo hostis a algumas das idéias morais contidas na Carta e na Declaração Universal.

Essa crítica pode ter alguma validade ao ressaltar um grau de hipocrisia e confusão intelectual na justificação ideológica da ONU. A crítica é, contudo, confusa em si devido ao fracasso para distinguir adequadamente o ideal e o real. Essa distinção é necessária para uma defesa aguda da ONU e seus princípios. A ONU está baseada na idéia Kantiana de que ideais morais levam a obrigações para lutar por sua realização, por mais difícil que possa ser tal tarefa, com a única garantia de que o objetivo não pode ser, comprovadamente, irrealizável. O real imoral é um desafio para o ideal ético mas não uma refutação deste.[9] A paz mundial foi, para Kant, tal ideal. No seu famoso ensaio sobre a paz perpétua, Kant sustentou que os povos do mundo tinham já ‘entrado, em vários graus, numa comunidade universal’, que havia se desenvolvido a um ponto onde uma violação de direitos em uma parte do mundo era sentida em toda parte. A idéia de um ‘direito cosmopolita’ (diríamos, agora, de direitos humanos universais) não era, portanto, fantástica.[10] Até que ponto existe, na realidade, uma comunidade moral cosmopolita mesmo agora é, em parte, uma questão empírica. Até mesmo comunidades locais de pequena escala são, muitas vezes, empiricamente, mais divididas do que aparentam ser para o observador externo e do que o observador externo acredita que sejam.[11] Os processos complexos que resumimos com o conceito ‘globalização’ tornaram os povos do mundo muito mais interdependentes do que eram no tempo de Kant. Assim, interdependência e diversidade caracterizam comunidades em vários níveis, do local ao nacional para o global. O conceito de ‘comunidade internacional’ deveria, portanto, ser observado como um ideal Kantiano com uma base empírica na interdependência global, uma quantidade considerável de cooperação internacional, assim como diversidade cultural. Os povos do mundo constituem uma comunidade a ponto de requererem uma ordem normativa comum. Essa ordem - da qual a Carta da ONU é o documento fundamental – deveria ter como seus principais objetivos a paz, o respeito pela diversidade cultural do mundo, e a proteção dos direitos humanos. A Declaração Universal de Direitos Humanos deveria ser vista como uma proposta harmonizada para um código legal moral da comunidade internacional. Aqueles que são cépticos quanto à idéia de direitos humanos universais deveriam assumir o peso de demonstrar que o mundo estaria melhor sem esse código. É significante que, não obstante sua retórica de ‘imperialismo cultural’, eles raramente tentam fazer tal demonstração.

Não existe um ‘fundamento filosófico’ acordado de direitos humanos, e, dados os compromissos filosóficos diversos dos diferentes povos do mundo (e os desacordos filosóficos consideráveis que existem, até mesmo, no âmbito de culturas nacionais únicas), não deveríamos esperar encontrar um.[12] A doutrina de direitos humanos é uma moralidade com padrões mínimos, não um sistema moral amplo. Firma-se não num sistema acordado de verdades morais, mas num consenso sobre duas proposições morais: 1) todos têm o direito a condições mínimas de uma vida digna de ser vivida; 2) certas liberdades e proteções são necessárias para tal vida. Porque os direitos humanos são fundamentalmente importantes, os defensores dos direitos humanos são, algumas vezes, tentados a apresentá-los como uma espécie de religião global. A idéia que a doutrina de direitos humanos é uma moralidade mínima, não abrangente, tem, todavia, duas vantagens poderosas. Primeiro, abre o espaço para relacionar direitos humanos a outras partes da moralidade, tais como os deveres e as virtudes. Segundo, deixa bastante espaço para a rica diversidade cultural do mundo, que é um bem em si, e também refuta o peso comum do ‘imperialismo cultural’ com o qual é confrontada a idéia de direitos humanos. Desse modo, o universalismo dos direitos humanos pode ser compatível com o respeito à diversidade cultural, porque os defensores dos direitos humanos podem tolerar ou celebrar todas as culturas, com a condição de que elas não oprimam e aviltem aqueles que estão sob o seu poder. A moralidade que não permite crítica externa da ‘cultura’ em referência a um respeito pela pessoa humana está preparada para colaborar com o mal radical. A idéia de direitos humanos universais coloca-nos a um barreira mínima a essa espécie de colaboração.

Universalismo, Nações e Culturas

Temos visto que a Carta das Nações Unidas baseia-se numa ampla e otimista pressuposição de que a soberania dos estados, a autodeterminação dos povos e os direitos humanos dos indivíduos são compatíveis entre si. Baseia-se, igualmente, num paradoxo, ou ambigüidade, sobre nacionalismo. O massacre nos anos 20 e 30 pelo nacionalismo extremo de direita, na forma de fascismo, que culminou na Segunda Guerra Mundial, desacreditou a idéia de ‘nacionalismo’ entre muitos intelectuais ocidentais. O nacionalismo moderno tinha sido associado com democracia na era da Revolução francesa, e com o liberalismo em muitos países no século dezanove. O século vinte conferiu ao ‘nacionalismo’ conotações de xenofobia e agressão que ainda permanecem.[13] A Organização das Nações Unidas afirmou, porém, o valor positivo das nações no seu próprio nome, e sua Carta baseia-se em princípios como a autodeterminação dos povos e relações amistosas entre as nações. A ONU faz, implicitamente, uma distinção entre nacionalismo bom e ruim. O fascismo foi um nacionalismo ruim. Democracias liberais e movimentos anti-coloniais e anti-racistas praticam o bom nacionalismo. De acordo com a ideologia da ONU – e, portanto, da ‘comunidade internacional’ - nações e nacionalismo são endossados como bens políticos junto com os direitos humanos universais. Contudo, embora o bem das nações e do nacionalismo possa ser um valor universal, como pode o princípio ou direito da autodeterminação nacional - o universalismo ético pode endossar o valor de identidades nacionais e do direito à autodeterminação nacional - nações demandam compromissos morais particulares (se as nações têm um valor ético, como um cidadão do Reino Unido tenho algumas obrigações éticas para com os meus compatriotas que eu não tenho para com os brasileiros), e isso suscita a questão de como as obrigações particulares produzidas pelas nações se relacionam com os direitos universais que todos seres humanos possuem.

O pensamento da ONU dissimula o problema do nacionalismo com o conceito, normalmente usado, mas, não obstante ilusório, de “estado nação”. Esse conceito assume que não existe problema na relação entre os estados (os sujeitos tradicionais do direito internacional e os únicos membros das Nações Unidas) e nações (cujo direito à autodeterminação é reconhecido pela ONU) porque cada estado representa uma nação, e cada nação é representada por um estado. Assim, a ontologia política e legal da ONU reconhece um mundo de estados-nação. Essa ontologia derruba a autodeterminação das nações para a soberania dos estados. Isso seria conveniente se a realidade não desafiasse essa manobra lógica. Sociologicamente, estados e nações são diferentes. Estados são instituições políticas que clamam, com maior ou menor sucesso, o controle de um território determinado, com coerção se necessário. Nações são comunidades culturais que podem ou não se identificar com estados particulares.[14] Muitos estados contemporâneos são multinacionais (incluindo-se democracias estabelecidas tais como o Reino Unido e o Canadá), e quase todos são poliétnicos.[15] O fato de que vários estados membros da ONU não são estados nação é reconhecido pela ênfase e avaliação positiva dada à ‘construção da nação’ em muitas sociedades. As relações política, cultural e moral entre estados e nações são, por conseguinte, muito mais complexas do que o conceito de ‘estado-nação’ indica e o direito internacional reconhece.

O nacionalismo é, de outro modo, incômodo para o universalismo ético. As duas grandes ideologias políticas dos tempos modernos - liberalismo e marxismo - foram ambas universalistas. O liberalismo enfatizou o indivíduo universal e seus direitos. O marxismo enfatizou a luta de classes universal. Tanto o liberalismo quanto o marxismo fizeram, várias vezes, acordos com o nacionalismo, e em vários lugares, quando as circunstâncias forçaram-nos a isso. Quando a Guerra Fria terminou no período de 1989-1991, alguns interpretaram precipitadamente o fato como a derrota do marxismo e o triunfo do liberalismo.[16] O que emergiu tem sido a persistência de identidades étnicas e nacionais como a base de conflitos violentos, gritantes violações de direitos humanos e ameaças à ordem internacional.[17] A comunidade internacional, comprometida com seu mito de estado-nação, teve dificuldade para entender e, assim, resolver os problemas resultantes.[18]

Tanto quanto é verdade que cada estado, no mundo contemporâneo, não representa uma nação, o princípio de autodeterminação nacional é, claramente, uma ameaça ao sistema global de estados. No entanto, tanto quanto os princípios da ONU, e talvez aqueles dos direitos humanos universais, exigem respeito pelas pessoas e suas culturas, há o caso da autodeterminação cultural. De acordo com certos argumentos recentes, as identidades das pessoas são constituídas por suas culturas, das quais suas culturas nacionais são um importante, embora não exclusivo, componente e o respeito pelas pessoas requer, portanto, a proteção política de suas culturas.[19] Isso suscita um problema para a idéia de direitos humanos universais. Pois, se somos obrigados a respeitar ‘culturas’, e reconhecemos que existem várias, diversas culturas no mundo, a idéia de direitos humanos universais parece ainda ameaçada pelo relativismo cultural.[20] Esse ‘relativismo’ deve, contudo, ser analisado à luz de duas importantes considerações. Primeiramente, os problemas de direitos humanos geralmente surgem de alegações sobre o comportamento de governos (ou agências sociais de alguma forma associadas com governos). Os governos freqüentemente se defendem contra a crítica internacional apelando para o princípio legal de soberania do estado. Misturam, freqüentemente, isso com o apelo ao relativismo cultural. Convém a tais governos confundir esses dois princípios uma vez que podem, desse modo, apelar, ao mesmo tempo, para o direito internacional e para os (supostos) compromissos culturais de seu próprio povo. Todavia, os princípios não são somente diferentes; eles são mutuamente inconsistentes, pois a soberania dos estados é um princípio legal universal, e, como tal, é minado por um apelo ao relativismo cultural. Segundo, é fácil exagerar o quanto a diversidade cultural realmente ameaça a idéia dos direitos humanos universais: existem, provavelmente, poucas culturas, por exemplo, que endossam o assassinato político de civis, prisões arbitrárias, detenções sem julgamento, julgamentos injustos ou o abuso de crianças. Mesmo onde a cultura local (como distinta da política governamental) apoia violações de direitos humanos (por exemplo, discriminação contra as mulheres), a cultura deveria ser examinada para se verificar se a intervenção, que é informada pelos princípios dos direitos humanos já sensíveis aos compromissos culturais genuínos do povo envolvido, poderia levar a melhorias de longo prazo e estáveis no seu bem estar. A doutrina do relativismo cultural não oferece uma proteção imparcial para a ‘cultura’; privilegia os interesses dos poderosos sobre os dos fracos, que podem não ter alternativa (através de falta de recursos materiais e educacionais) para a aceitação das normas culturais dominantes.[21]

O Ressurgimento de Relativismo Cultural depois da Guerra Fria

A idéia de direitos humanos universais recebeu a aprovação oficial da ‘comunidade internacional’ em conseqüência do fascismo e no período pré-Guerra Fria. A Declaração Universal foi adotada pela Assembléia Geral da ONU, com abstenções do bloco soviético, Arábia Saudita e África do Sul. Essas abstenções prenunciaram três tipos de desafio para o princípio da universalidade: conflito ideológico levando a diferentes interpretações ideológicas e manipulação política cínica da idéia de direitos humanos; objeção à idéia de direitos humanos universais de perspectivas culturais não ocidentais intrinsecamente misturada com os interesses de elites governamentais;[22] e o desprezo de ‘estados desonestos’. Dessas abstenções, a última suscita problemas práticos muito difíceis de execução da lei para a ONU e outras agências internacionais, mas poucas de questões de princípio. O fim da Guerra Fria eliminou uma grande barreira ideológica para a promoção dos direitos humanos, exceto num pequeno número de ‘países dinossauros’, tais como Cuba e Coréia do Norte. Isso deixa a diversidade cultural e, especialmente, diferenças entre culturas ocidentais e não ocidentais como o principal problema teórico confrontando a implementação global dos direitos humanos na véspera do século vinte e um. A abstenção da Arábia Saudita na votação da Declaração Universal e muitos relatórios de imprensa recentes podem sugerir que o Islã é agora o principal inimigo dos direitos humanos.[23] Trata-se, porém, quando muito, de uma perigosa simplificação. Existe o apoio aos direitos humanos no âmbito da comunidade islâmica, e esse fato deveria ser apoiado ao invés de ignorado ou antagonizado. O desafio não-ocidental à universalidade dos direitos humanos não vem só do Islã.

Em abril de 1993, representantes de estados asiáticos, no final de uma reunião realizada em Bangkok para preparar a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos da ONU, prevista para acontecer em Viena, em junho de 1993, emitiram uma declaração na qual reafirmaram seu compromisso com os princípios contidos na Declaração Universal de Direitos Humanos ‘assim como a completa realização de todos os direitos humanos no mundo inteiro’. Eles avançaram, contudo, em ‘[r]econhecer que, enquanto os direitos humanos são universais por natureza, precisam ser considerados no contexto de um dinâmico e envolvente processo de definição de normas internacionais, tendo-se em mente o significado de particularidades regionais e nacionais e várias experiências históricas, culturais e religiosas’.[24] A própria Declaração de Viena reafirmou o princípio de que todos direitos humanos são universais, mas repetiu a qualificação de Bangkok de que ‘o significado de particularidades nacionais e regionais e várias experiências históricas, culturais e religiosas deve ser considerado’.[25] A Declaração de Bangkok tem sido amplamente interpretada, tanto na Ásia quanto no Ocidente, como um desafio por parte dos asiáticos ao princípio da universalidade dos direitos humanos. Um artigo no Foreign Policy, por exemplo, intitulado ‘Asia’s different standard’ - ‘o padrão diferente da Ásia’, declarou que a Declaração de Bangkok fixou ‘um ponto de vista asiático distinto sobre direitos humanos’.[26] Joseph Chan, um filósofo político da Universidade de Hong Kong, escreveu sobre o ‘desafio asiático para os direitos humanos universais’.[27] O debate sobre a suposta concepção asiática de direitos humanos foi mesmo interpretado com base na tese de Huntington sobre o choque de civilizações. James Tang, um acadêmico na área de relações internacionais da Universidade de Hong Kong, escreveu que ‘valores ocidentais parecem ser estabelecidos num curso de colisão com tradições asiáticas e prioridades econômicas na forma de um “choque de civilizações”.[28]

O tão conhecido desafio dos ‘valores asiáticos’ à universalidade dos direitos humanos foi interpretado por muitos ativistas de direitos humanos e alguns acadêmicos, tanto na Ásia quanto no Ocidente, como uma defesa ideológica de regimes autoritários mais do que uma expressão de preocupação pela cultura asiática.[29] A própria idéia de ‘valores asiáticos’ foi contestada com base no fato de que a Ásia é, em si, muito diversa culturalmente, contendo muitas das ideologias políticas e religiões mais importantes do mundo.[30] As questões foram mais tarde confundidas pela afirmação do Senhor Ali Alatas, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, na conferência de Viena, de que o relativismo cultural não tinha nenhuma aplicação para os direitos humanos universais,[31] e pela afirmação do Dr. Mahathir Mohamad, Primeiro Ministro da Malásia e um dos defensores mais sinceros da doutrina dos ‘valores asiáticos’, de que os chamados ‘valores asiáticos’ eram valores que foram outrora muito defendidos no Ocidente; em outras palavras, os ‘valores asiáticos’ eram muito similares aos valores conservadores ocidentais, ao enfatizarem a autoridade e deveres mais do que a liberdade e direitos.



+ Tradução de Janete Ferreira Carneiro.

* Departamento de Governo e Centro de Direitos Humanos, University of Essex, Wivenhoe Park, Colchester C043SQ, United Kingdon, tel. 44 1206 873598; E-mail: freema@essex.ac.uk.

[1] Para o uso do conceito de “maldade radical” no contexto latino-americano, ver Carlos Santiago Nino, Radical Evil on Trial (Yale University Press, 1996).

[2] James Bohman and Matthias Lutz-Bachmann eds, Perpetual Peace: Essays on Kant’s Cosmopolitan Ideal (The MIT Press, 1997)

[3] Para uma crítica de universalismo ético do ponto de vista nacionalista, veja David Miller, On Nationality (Clarendon Press, 1995). Miller aceita uma concepção limitada de direitos humanos universais.

[4] Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France (Penguin, 1968).

[5] Alasdair MacIntyre, After Virtue (Duckworth, 1985). Para uma crítica de MacIntyre da falência para contextualizar a idéia de direitos humanos, veja Michael Freeman, ‘The Philosophical Foundations of Human Rights’, Human Rights Quarterly (August 1994), pp. 491-514.

[6] James Nickel, Making Sense of Human Roghts: Philosophical Reflections on the Universal Declaration of Human Rights (University of California Press, 1987), pp. 1-6.

[7] Miller (veja nota 2) afirma que não existe uma comunidade internacional de modo que tais obrigações de justiça distributiva (como diferente das obrigações de reparação por injustiça ou obrigações humanitárias) são devidas por nações ricas às nações pobres, embora ‘direitos básicos’ possam ser reconhecidos em razão da nossa ‘humanidade comum’.

[8] Para uma excelente pesquisa de debates filosóficos sobre essa questão, veja Stephen Mulhall and Adan Swit, Liberals and Communitarians (Blackwell, second edition, 1996).

[9] Para uma introdução útil ao idealismo e realismo em teorias de relações internacionais, veja Terry Nardin e David R. Mapel eds, Traditions of International Ethics (Cambridge Press, 1992).

[10] Hans Reiss ed., Kant’s Political Writings (Cambridge University Press, 1977), pp. 107-8. Para uma expressão recente de uma idéia similar, veja Onora O’Neill, Towards Justice and Virtude: A Construtive Account of Practical Reasonig (Cambridge University Press, 1996).

[11] Michael Carrithers, Why Humans Have Cultures: Explaining Anthropologyand Social Diversity (Oxford University, 1992).

[12] Michael Freeman, ‘The Philosophical Foundations’ (nota 4). Estou agora mais céptico sobre ‘fundamentos filosóficos’do que quando escrevia esse artigo.

[13] Miller, que defende nacionalismo (veja nota 2), prefere o termo ‘nacionalidade’, desde que aceita que ‘nacionalismo’ tem conotações desagradáveis que não deseja defender.

[14] Miller (veja nota 2), pp. 18-19; Anthony D. Smith, National Identity (Penguin Books, 1991), pp. 14-15.

[15] Willian H. McNeill, Polyethnicity and National Unity in World History (University of Toronto Press, 1986).

[16] F. Fukuyama, The End of History and the Last Man (Penguin Books, 1992).

[17] Smith, National Identity (veja nota 13).

[18] Kamal S. Shehadi, Ethnic Self-determination and the Break-up of States (Brassey’s, 1993).

[19] Miller, On Nationality (veja nota 2); Yael Tamir, Liberal Nationalism (Princeton University Press, 1993).

[20] Miller, On Nationality (veja nota 2); p. 75; Joseph Chan, ‘A Confucian Perspective of Human Rights’, in Joanne R. Bauer and Daniel ª Bell eds., The East Asian Challenge to Human Rights (Cambridge University Press, no prelo).

[21] Thomas Pogge, ‘Cosmopolitanism and Sovereignty’, Ethics (October, 1992), p. 68; Onora O’Neill, ‘Justice, Gender, and International Boundaries’, in Martha C. Nussbaum and Amartya Sen eds, The Quality of Life (Clarendon Press, 1993), pp. 303-323.

[22] No verão de 1993, o Ministro do Interior da Arábia Saudita explicou a um jornalista holandês, que o perguntou sobre a prisão e o desaparecimento de alguns ativistas de direitos humanos, que não era necessário levantar questões de direitos humanos na Arábia Saudita, uma vez que se tratava de uma sociedade perfeita baseada na estreita adesão aos ensinamentos do Islã. Veja Philip Windsor, ‘Cultural Dialogue in Human Rights’, in Meghnad Desai and Paul Redfern, eds, Global Governance: Ethics and Economics of the World Order (Pinter, 1995), p. 181.

[23] Isso pode ser inferido no livro largamente discutido de Samuel P. Huntington, The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order (Simon & Schuster, 1996), embora o livro se preocupe com a segurança do Ocidente mais do que com a promoção de direitos humanos.

[24] James T. H. Tang ed., Human Rights and International Relations in the Asia-Pacific Region (Pinter, 1995), p. 205.

[25] United Nations General Assembly, Vienna Declaration and Programme of Action (A/CONF.157/23, 1993).

[26] Bilahari Kausikan, ‘Asian Different Standart’, Foreign Policy (1993), pp. 24-41.

[27] Joseph Chan, ‘The Asian Challenge to Universal Human Rights: A Philosophical Appraisal’, in Tang ed., Human Rights and International Relations (veja nota 24), pp. 25-38.

[28] James T. H. Tang, ‘Human Rights in the Asia-Pacific Region: Competing Perspectives, International Discord, and the Way Ahead’, in Tang ed., Human Rights and International Relations, p. 2.

[29] Kenneth Christie, ‘Regime Security and Human Rights in Southeast Asia’, political Studies (Special Issue, “Politics and Human Rights”, 1995), pp. 204-18.

[30] Michael Freemann, ‘Human Rights and Real Cultures’, Netherlands Quarterly of Human Rights (March 1998), pp. 25-39.

[31] Ali Alatas, Declaração na Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, Viena, 1993, in Tang ed., Human Rights and International Relations (veja nota 24), pp. 228-9.

Seria um erro, todavia, descartar o ‘desafio asiático’ à universalidade dos direitos humanos como sendo, meramente, uma defesa ideológica de regimes autoritários ou como sendo intelectualmente confusa, embora fosse ambos. Existem duas razões particularmente fortes para considerar tal desafio mais seriamente. A primeira é que o desafio é parte do que tem sido chamado ‘a revolta contra o Ocidente’, ou seja, a resistência de povos não ocidentais ao imperialismo político, econômico e cultural e hegemonia pós-colonial do Ocidente.[1] Essa resistência tem sido encorajada pelo notável sucesso econômico de várias sociedades do Leste asiático nos últimos anos, embora tenha sido, de algum modo, abafada pela corrente crise financeira (1997-98). Essa resistência está completa de complexidades que precisam ser claramente analisadas, pois os sucessos econômicos do Leste Asiático têm sido, em grande medida, produzidos pela sua participação na economia capitalista global com suas tecnologias normas e valores associados. Isso não significa que essas sociedades devam, seja de um ponto de vista sociológico seja ético, abandonar suas próprias culturas e incorporar, por completo, as do Ocidente. Certamente não existe nada na doutrina de direitos humanos que lhes demande fazer isso. Parece, no entanto, inconsistente reivindicar as vantagens diplomáticas e econômicas de se pertencer à comunidade internacional enquanto, ao mesmo tempo, se esconde sob o slogan de ‘valores asiáticos’ com objetivo de evitar as obrigações de tal adesão em relação à proteção dos direitos humanos de seus próprios povos. É, de qualquer modo, irônico que líderes políticos asiáticos, que nos informam que suas culturas enfatizam deveres mais do que direitos, devam afirmar seus direitos na comunidade internacional e ser relutantes no cumprimento de seus deveres. Na realidade, as posições dos governos asiáticos, como as declarações do Senhores Alatas e Mahathir mostram, estão longe da rejeição, em princípio, da idéia de direitos humanos universais. Não há dúvida de que sua postura é influenciada pelo ressentimento pós-colonial contra a dominação ocidental (e especialmente a dominação americana), mas entre dominação e resistência há um espaço para o diálogo intergovernamental e intercultural. Isso é reconhecido, em princípio, tanto no Ocidente quanto no Oriente, e a questão real é como pode ser cumprido de um modo que seja, ao mesmo tempo, sensível e efetivo culturalmente em termos de proteção dos direitos humanos.

A segunda razão para considerar seriamente o desafio asiático é o intenso debate entre acadêmicos e ativistas de direitos humanos que tem acontecido desde que a Conferência de Viena deu lugar a uma versão, de ‘segunda geração’ mais cuidadosa, da tese dos ‘valores asiáticos’. Alguns acadêmicos asiáticos discutiram que a causa dos direitos humanos não pode ser promovida em sociedades com tradições culturais fortes e arraigadas, tais como o Confucionismo na China ou o Islamismo na Malásia, apelando, num primeiro momento, a princípios supostamente universais, que são percebidos, por muitos naquelas sociedades, como valores ocidentais ‘estrangeiros’. A causa dos direitos humanos tem de ser feita mostrando-se que tradições culturais nativas são fundamentalmente compatíveis com direitos humanos e elas deveriam ser interpretadas de modo a harmonizar com os direitos humanos, a fim de reconciliar seus compromissos morais mais profundos com as realidades políticas, sociais e econômicas do mundo contemporâneo. Essa luta tem que ser travada, originalmente, não pela ‘comunidade internacional’(que é percebida, por muitos, como sendo os EUA num leve disfarce), nem por ativistas ocidentais de direitos humanos, mas por ativistas asiáticos nativos que terão de conduzir um diálogo interno com intérpretes conservadores de suas próprias culturas.[2] Essa estratégia tem várias vantagens. Primeiro, os argumentos pelos direitos humanos terão maiores chances de sucesso se firmados na cultura à qual a maioria dos povos já está profundamente ligada. Segundo, os defensores dos direitos humanos, ao adotarem esse enfoque, não podem ser acusados de ser agentes intromissores ou agentes de tais intromissores. Terceiro, ativistas nativos conhecem suas próprias culturas e, desse modo, sabem como conceber os argumentos de direitos humanos para aqueles que estão comprometidos com aquelas culturas. Quarto, e de nenhum modo menos importante, a luta pelos direitos humanos dos nativos será um ato de auto-emancipação e não de benevolência caridosa de poderosos estrangeiros. Como tal, tanto tem um maior valor moral quanto provavelmente terá um efeito mais duradouro.

Neste enfoque “internalista” da promoção dos direitos humanos, há muito o que merece apoio, em termos de princípio e de estratégia pragmática. O princípio do respeito à dignidade humana e autonomia, que é o fundamento da doutrina dos direitos humanos em si, apoia a preferência pela autodeterminação ao invés da intervenção externa.[3] De modo pragmático, os nacionais são mais propensos a mudar a cultura e desafiar governos autoritários (como eventos recentes na Indonésia demonstraram) do que estrangeiros. O enfoque suscita, porém, alguns problemas. O primeiro é que confunde a psicologia da persuasão com a ética dos direitos humanos. O caso internalista repousa, primariamente, na sua força persuasiva. Teorias éticas deveriam, porém, ter dois componentes: 1) um conjunto de princípios justificadores; 2) uma psicologia moral que mostre que as pessoas poderiam ser motivadas a agir de acordo com aqueles princípios. A justificativa precisa anteceder a motivação, pois, do contrário, podemos ser bem sucedidos em motivar as pessoas a implementar os princípios errados. Assim, é preciso que haja algum caso pré-cultural para que os direitos humanos façam sentido e para justificar a estratégia internalista de promoção dos direitos humanos.

A segunda razão para preocupação acerca do enfoque internalista da promoção dos direitos humanos é que ele repousa em pressuposições muito otimistas acerca das possibilidades racionais e psicológicas de reconciliação de culturas tradicionais com a idéia e implicações de direitos humanos universais. Enquanto o enfoque pode apresentar algum mérito acadêmico e ser plausível psicologicamente, pode ser um tanto vulnerável para contra-atacar tradicionalistas em ambas frentes. Apelos a princípios supostamente universais não constituem nenhuma garantia contra o sucesso de tais contra-ataques, mas o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana, independente de raça, nacionalidade, religião, gênero, crenças políticas, etc, é moralmente potente em si mesmo, e possui a vantagem de ter sido reafirmado várias vezes pela “comunidade internacional”. Isso sugere que distinção interna/externa um tanto clara que os internalistas adotam pode não ser a base mais útil para a defesa dos direitos humanos, e que os argumentos internalista e externalista deveriam ser combinados.

A terceira objeção a um enfoque puramente internalista da promoção dos direitos humanos é a mais séria para aqueles preocupados com a implementação universal dos princípios dos direitos humanos. Embora os internalistas pareçam caminhar, em algum sentido, para a reconciliação dos três princípios da ONU dos direitos humanos, auto-determinação nacional e soberania estatal, cuja compatibilidade mútua é tão problemática, eles o fazem somente confundindo as categorias de “cultura”, “nação” e “estado”. Pois, mesmo que seja verdade que o Confucionismo é a cultura dominante na China e o Islã na Malásia, certamente não são as únicas culturas daquelas sociedades poliétnicas e muitos problemas de direitos humanos surgem da dominação de uma cultura sobre as outras na mesma sociedade. Internalistas culturais pressupõem o mito do estado-nação. Ao fazê-lo, estão, ironicamente, correndo o risco de cometer o mesmo erro que os relativistas culturais freqüentemente atribuem aos defensores dos direitos humanos – aquele do “imperialismo cultural” – pois estão ignorando a verdadeira diversidade cultural dos estados-nação contemporâneos. Ignorar a diversidade cultural dos estados-nação na teoria cria o risco da supressão de culturas minoritárias na prática. Assim, embora nem todas culturas sejam compatíveis com o respeito aos direitos humanos, e, portanto, choques entre culturas atuais e princípios universais de direitos humanos sejam possíveis, a idéia de direitos humanos universais, ao se enfatizar o imperativo do respeito pela dignidade de todos seres humanos, se coloca em oposição a todas formas de opressão pelos estados, nações dominantes ou culturas hegemônicas.

Universalidade e Diversidade: Expectativas para o Século XXI

Agora que a Guerra Fria foi superada, três processos tornaram-se especialmente salientes na política e economia globais: 1) a introdução ou re-introdução da democracia e um compromisso oficial com os direitos humanos em muitas sociedades nacionais nas quais regimes autoritários cometeram severas violações aos direitos humanos; 2) o progresso continuado, embora um tanto inconstante, do capitalismo global; e 3) a explosão de várias formas de fundamentalismo religioso e fanatismo étnico-nacionalista. O último desses processos, que é onipresente e aparece nas democracias por longo tempo estabelecidas, constitui um grave perigo à proteção estável dos direitos humanos. As implicações do capitalismo global aos direitos humanos são, sem dúvida, complexas e não bem compreendidas de modo suficiente. O capitalismo favorece uma ordem legal estável, que é uma condição necessária para a proteção dos direitos humanos, mas sabemos que é propenso a colaborar com regimes autoritários estáveis que criarão o ambiente para lucrarem. Dada a aparente derrota da versão soviética do socialismo, o futuro dos direitos humanos pode depender, em larga medida, da habilidade do capitalismo de garantir uma distribuição razoavelmente justa de oportunidades de vida tanto no âmbito das sociedades nacionais específicas quanto entre sociedades espalhadas pelo globo. Se o socialismo, pelo menos no momento, está se retraindo, a demanda por justiça social não está, e certamente existem elos conceituais entre a justiça social e direitos humanos (especialmente com relação aos direitos sociais e econômicos), e provavelmente existem também elos empíricos, pois o extremismo político se alimenta de desigualdades extremas, sejam culturais sejam materiais.

A luta da Guerra-Fria entre o capitalismo e o comunismo sobre os direitos humanos foi substituída por um embate sobre “cultura” entre democracia liberal, autoritarismo e fanatismo. O fanatismo tem uma força política na sua capacidade de apelar a emoções e ressentimentos profundos. O autoritarismo político tem a vantagem de que, algumas vezes, pode manter a ordem e garantir os bens econômicos, embora sua habilidade de fazer qualquer dos dois é freqüentemente exagerada. A causa dos direitos humanos não pode ser defendida com sucesso se for abstraída de preocupações econômicas e culturais. A importância inquestionável dos direitos civis e políticos não deveria nos conduzir a negligenciar os direitos econômicos, sociais e culturais. O slogan da ONU de que todos os direitos humanos são “divisíveis” deveria ser levado a sério. Por muitas razões isso é mais facilmente falado do que praticado. Em primeiro lugar, os direitos humanos, empiricamente, são indivisíveis, uma vez que certos direitos econômicos, sociais e culturais podem ser alcançados às expensas de direitos civis e políticos. Em segundo lugar, muitos estados e suas classes dominantes têm estado relutantes para considerar seriamente direitos econômicos e sociais no âmbito de suas próprias sociedades, e muitas nações ricas têm sido relutantes para considerar a questão da justiça social seriamente. A atual ideologia econômica neo-liberal da moda pode trazer benefícios, mas não a todos indivíduos nem a todos os povos. Em terceiro lugar, o problema da justiça global é difícil de ser solucionado, econômica e politicamente. Aqui a linguagem dos direitos humanos alcança seus limites. Edmund Burke, um crítico sensível da idéia de direitos, nos lembrou que não podemos comer os Direitos do Homem[4]. A proclamação dos direitos não deveria ser um substituto do trabalho árduo de se encontrar as melhores políticas políticas e econômicas para eliminar as piores formas de tirania social e econômica do mundo.

O mundo dos estados, nações e indivíduos não desaparecerá no futuro próximo, e não há nenhuma boa razão para se desejar que tal aconteça. Embora estados despóticos constituam os piores inimigos dos direitos humanos, estados governados pelo respeito às leis são ainda os defensores primeiros dos direitos humanos. O nacionalismo, também, pode ser a fonte de severas violações aos direitos humanos, mas as chamadas “nações éticas” podem mobilizar seus povos na causa dos direitos humanos[5]. Os indivíduos são os principais, se não os únicos portadores dos direitos humanos, e, embora o individual e o coletivo sejam vistos de modo diferentes em diferentes culturas, o abandono da base individual dos direitos humanos (por exemplo, pela causa dos direitos da minoria, da comunidade ou culturais) é igualmente perigoso e tende a levar à tirania de algumas coletividades sobre alguns indivíduos. As forças da globalização estão constantemente cruzando as fronteiras dos estados e nações. Essas forças são difíceis de se submeterem ao controle democrático, e estão consequentemente ameaçando a proteção dos direitos humanos[6]. A globalização beneficia alguns e exclui outros, não somente de benefícios materiais mas também da cidadania social, lhes negando, assim, seus direitos humanos básicos e encorajando respostas extremistas, que, por seu turno, podem levar a soluções governamentais autoritárias. A ideologia neo-liberal que acompanha a globalização econômica também está, de acordo com alguns comentaristas, esvaziando o estado, e enfraquecendo, assim, a capacidade do estado tanto de proteger diretamente os direitos humanos (especialmente direitos sociais e econômicos) quanto de controlar os poderes privados (por exemplo, corporações multinacionais o esquadrões da morte) que podem estar violando os direitos humanos mais ou menos fora da jurisdição do estado.[7]

A idéia de direitos humanos universais tem sua origem na teoria política proposta por John Locke no final do século dezoito, na Inglaterra. Locke estava preocupado em defender o interesse que todo indivíduo tinha em levar uma vida de dignidade contra o abuso do poder pelos governos. Em 1948, as Nações Unidas, em conseqüência da guerra contra o fascismo, também estava preocupada, primordialmente, em proclamar, promover e proteger os direitos humanos dos indivíduos contra a perseguição por parte dos governos. Existia, portanto, uma forte continuidade entre as preocupações fundamentais de Locke e da ONU em 1948. O período entre esses dois marcos testemunhou, porém, o surgimento do capitalismo industrial e dos movimentos socialistas e dos trabalhadores. Os anos 30 também foram tempos de depressão econômica e extrema privação em muitos países. A Declaração Universal incluiu, conseqüentemente, alguns direitos econômicos, sociais e culturais básicos, que são reforçados pela Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. Havia a proposta de inclusão de direitos minoritários na Declaração Universal, mas foi rejeitada[8]. No período 1948-1991, o discurso internacional dos direitos humanos foi dominado tanto pelo confronto da Guerra Fria entre capitalismo liberal-democrático e socialismo totalitário quanto pelo movimento mundial em favor da libertação anticolonial. Depois da Guerra Fria, na era prematuramente denominada “a nova ordem mundial”, encontramos um mundo complexo: democratização e compromisso oficial com a proteção dos direitos humanos em muitas sociedades nacionais; derrocada do estado, conflitos étnico-nacionallistas e severas violações dos direitos humanos em outros; disputas entre a idéia de direitos humanos universais e a resistência de particularidades nacionais e étnicas; globalização e demandas crescentes por autonomia local (nacional ou regional). A Guerra Fria foi superada e a política global tornou-se fluida. Conseqüentemente, são fortes, e sem precedentes, as razões para otimismo e medo.

Filósofos políticos propõem ideais pelos quais somos convidados a nos empenhar. A Declaração Universal dos Direitos Humanos propôs, em 1948, um conjunto de princípios morais, políticos e legais como “um padrão comum de resultado” para todos os povos. Os governos do mundo reafirmaram os princípios da Declaração Universal na Conferência Mundial das Nações Unidas de 1993, em Viena, mas qualificaram essa reafirmação exigindo que particularidades históricas, culturais, religiosas, nacionais e regionais sejam consideradas. Ao mesmo tempo, porém, que o compromisso com o universalismo corria o risco de ser diluído por alguma forma de relativismo, vários novos direitos foram reconhecidos: os direitos ao desenvolvimento, à paz e a um ambiente limpo e seguro, os direitos das mulheres, crianças, deficientes físicos, trabalhadores migrantes, minorias e povos indígenas. Existe o risco de que reivindicações pelos direitos e aspirações pelos direitos em muito se sobreponham às capacidades de governos nacionais e da comunidade internacional atendê-los, e isso pode incendiar o cinismo e o relativismo, já difundidos, com relação à idéia dos direitos humanos universais[9]. Podemos combater o cinismo, que é amigo da tirania, e enfrentar o desafio do relativismo, que é mais complexo porque suscita questões legítimas de como princípios universais deveriam ser articulados com particularidades nacionais, ao lembrar a distinção essencial entre ideais, que deveria nos dar coragem de não sermos cínicos, e as realidades duras e complexas do mundo, que exigem soluções práticas. Ideais sem realismo prático são, quando muito, fúteis e, no pior dos casos, perigosos. Realismo sem ideais deixará muito da humanidade sem esperança daquela vida de dignidade que a idéia dos direitos humanos prometeu desde o tempo de Locke.

A Declaração de Viena de 1993 exigiu da comunidade internacional “ter em mente” particularidades históricas, culturais, religiosas, nacionais e regionais na implementação dos direitos humanos universais. Lida de modo literal, essa ordem não é excepcional. Todo indivíduo humano, todo grupo humano, toda nação, todo estado é particular, e possui uma história particular e um caráter particular. O imperativo do respeito pela pessoa humana, que é a base da doutrina dos direitos humanos universais, exige de nós “ter em mente” que todo indivíduo humano vive em grupos sociais e nações, e dentro da jurisdição dos estados, quando as soluções para os problemas práticos de implementação dos princípios dos direitos humanos em circunstâncias sociais reais são trabalhadas. O estado-nação reconheceu o direito internacional e estarão imbuídas da responsabilidade primordial pela proteção dos direitos humanos no futuro próximo. Cada um fará sua parte no seu modo particular: julgamentos podem ser justos no Reino Unido e na França sem que os procedimentos do julgamento sejam os mesmos nessas duas sociedades nacionais. De modo similar, a solução para problemas suscitados por minorias culturais pode ser diferenciada em distintos estados-nações porque o termo geral “minorias culturais” oculta problemas diversos de relacionar, de modo justo, os interesses legítimos de minorias com aqueles da sociedade mais ampla. Particularidade nacional, que pode ser celebrada tanto como uma contribuição ao tesouro cultural do mundo e um recurso poderoso para a proteção dos direitos humanos, também pode ser uma desculpa para um governo autoritário e perseguição cultural. A luta para harmonizar a promoção dos direitos humanos universais com os valores positivos das culturas nacionais será uma campanha dura e prática a ser levada a cabo pelos movimentos e organizações da sociedade civil, por líderes e oficiais governamentais esclarecidos, e por alianças transnacionais complexas, que serão intergovernamentais, não-governamentais e, crescentemente, uma combinação das duas. A causa dos direitos humanos é uma causa de princípios, instituições e povos. O século XX tem sido, de diferentes maneiras, uma desgraça à raça humana. Está culminando numa mistura de confusão e esperança. A causa dos direitos humanos exige pensamento claro, sabedoria e coragem. A vocação do teórico político é tentar prover o pensamento claro. A sabedoria nós pedimos, acima de tudo, aos líderes políticos mundiais. Mas o destino dos direitos humanos no século XXI dependerá, talvez, em sua grande parte, da coragem dos povos do mundo. Os últimos eventos do século XX sugerem que a situação justifica, no mínimo, um otimismo cauteloso de nossa parte.



[1] Hedley Bull, ‘The Revolt Against the West’, in Hedley Bull and Adam Watson eds., The Expansion of International Society (Clarendon Press, 1984), capítulo 14.

[2] Chan, ‘A Confucian Perspective’(veja nota 20); Norami Othman, ‘Grounding Human Rights Arguments’ in Nonwestern Culture: ‘Shariá’ and the Citizenship Rights of Women in a Modern Islamic Nation-State’, in Bauer and Bell eds, The East Asian Challenge of Human Rights (veja nota 20).

[3] Para uma defesa desta concepção de direitos humanos de um ponto de vista latino-americano, veja Carlos Santiago nino, The Ethics of Human Rights (Clarendon Press, 1991).

[4] Burke, Reflections (nota 4). Vale salientar que o conservador Burke e o comunista revolucionário Marx concordavam neste ponto. Para uma exposição recente, eficaz, de uma crítica similar da retórica dos direitos, veja Onora O´Neill, Faces of Hunger: An Essay on Poverty, Justice and Development (George Allen and Unwin, 1986), e Towards Justice and Virtue (nota 10, acima).

[5] Para uma discussão sobre direitos de grupos, veja Michael Freeman, “ Are There Collective Human Rights?”, Political Studies (Special Issue, “Politics and Human Rights”, 1995), pp.25-40.

[6] David Held, Democracy and the Global Order: From the Modern State to Cosmopolitan Governance (Polity Press, 1995).

[7] Francisco Panizza, “Human Rights in the processes of Transition and Consolidation of Democracy in Latin America”, Political Studies (Special Issue, “Politics and Human Rights”, 1995), pp.168-88; Katarina Tomasevski, Between Sanctions and Elections: Aid Donors and Their Human Rights Performance (Pinter, 1997).

[8] Patrick Thornberry, International Law and the Rights of Minorities (Clarendon Press, 1991).

[9] Philip Alston, “Conjuring up New Human Rights: A proposal for Quality Control”, American Journal of International Law (July 1984), pp. 607-21.

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