CAMPANHA DA FRATERNIDADE
DE 1999
Tema: A Fraternidade e os desempregados
Lema: Sem trabalho... por quê?
(Texto simplificado
- Redação Final Aprovada).
Recebemos
pedidos para que fosse publicada uma versão simplificada
do Texto-base da Campanha da Fraternidade de 1999.
É o que apresentamos agora, fruto de um esforço
para resumir e especialmente para simplificar
a linguagem. Esperamos que um número bem maior
de pessoas possa ter contato direto com a riqueza
do conteúdo que animará a vivência da Quaresma
e da Páscoa de 1999.
Este
é o terceiro e último ano da fase preparatória
para a celebração do terceiro milênio do nascimento
de Cristo. É o tempo dedicado a Deus Pai e à virtude
teologal da caridade, na sua dupla face de amor
a Deus e aos irmãos e ao sacramento da Penitência.
Deverá leva-nos, por isso, a uma autêntica conversão,
caracterizada pela libertação do pecado e pela
escolha da prática do bem.
A
CF 99 focaliza a situação dos desempregados e
das desempregadas, e nos chama a examinar seus
problemas nas perspectivas do ver, do julgar e
do agir. É assim que procuraremos viver nossa
opção preferencial pelos pobres e marginalizados,
reforçando a promoção dos Direitos Econômicos,
segundo a proposta do Projeto Rumo ao Novo Milênio
no Brasil.
Em
documentos anteriores da CF encontramos, de forma
direta ou indireta, numerosos princípios e orientações
válidas para a de 1999. A palavra trabalho aparece
explicitamente nos lemas da CF de 1978 “Trabalho
e Justiça para todos”, e na de 1991 “Solidários
na dignidade do trabalho”. Este ano a ênfase está
colocada na interrogação: “Sem trabalho ... por
quê?”. O tema Fraternidade e Desemprego
nos chama a atenção para um dos principais problemas
sociais deste final de século e de milênio e nos
desafia a procurar urgentes soluções.
A
evangelização exige “testemunho, serviço, diálogo
e anúncio”. Durante o ano de 1999 e particularmente
no período da Quaresma, devemos perguntar-nos
como contribuir, à luz da Doutrina Social da Igreja,
para a promoção de uma sociedade mais justa, solidária
e fraterna, na qual todos possam ter trabalho
adequado e chegar individual e coletivamente à
plena realização dos ideais cristãos.
Para
enfrentar o angustiante problema do desemprego
que atinge tantas famílias em nosso país e em
várias outras partes do mundo, a CF 99 deseja
levar-nos a refletir sobre o que podemos e devemos
fazer para que homens e mulheres tenham trabalho
garantido. Desejamos fazer isso dentro do
espírito da Quaresma, buscando ouvir a Palavra
iluminadora das Sagradas Escrituras, orando a
Deus-Pai-Trabalhador e agindo na defesa e promoção
dos direitos dos desempregados e das desempregadas.
Invocando
copiosas bênçãos do Pai Eterno, participemos,
com renovado ardor e decisão, deste grande desafio
da Fraternidade: trabalho condigno para todos.
Dom
Raymundo Damasceno Assis
Secretário-Geral da CNBB
Pe.
Francisco de Assis Wloch
Secretário-Executivo da CF
VER
Primeira parte
DESEMPREGO:
causas, fatos, conseqüências;
modelo político e econômico;
o povo em busca de saídas
O
lema desta CF, “Sem trabalho... Por quê?”,
mexe com a vida de todos nós. Nascemos e somos
educados para arranjar emprego e garantir a sobrevivência.
Emprego, salário, estabilidade e aposentadoria
– é esta a linha normal de vida desejada pela
maioria dos trabalhadores. Profissão e
ocupação fazem parte da
identidade, do objetivo e do sentido da
vida para a maioria das pessoas
Na
fala de todo o dia, falamos de emprego
e trabalho como se tivessem sentido igual.
Quando falamos de trabalho, pensamos em emprego.
Por exemplo, por que se diz que uma mulher tem
um "trabalho" quando ensina numa escola
maternal, e que ela "não tem trabalho"
quando cuida dos seus próprios filhos? Mesmo que
tenha um diploma de professora para crianças,
o cuidado dos filhos, aos olhos da sociedade,
nunca é visto como "trabalho". Por quê?
Por que a primeira é paga e a segunda não?
O
"trabalho", em nossa sociedade, é entendido
como uma atividade social, destinada a fazer parte
do movimento de trocas em nossa sociedade. Este
tipo de trabalho recebe o nome de emprego.
Ele depende de um contrato com o empregador, do
pagamento de um salário e entra no quadro da produção
de bens e serviços mercantis. Este é o "trabalho"
que está faltando para muita gente.
Mas
trabalho, no sentido mais profundo, não
está terminando. Ele é "poiesis", isto
é, criação de uma obra. É tudo o que é feito por
meio de atividades artísticas, esportivas, filosóficas
etc., e sua finalidade é a criação de sentido,
a criação de si, de subjetividade, a criação de
conhecimento... O trabalho do criador, do pesquisador
é muito importante, como o é o da mãe de família
e da parteira. Assim mesmo, costuma-se dizer que
eles "não trabalham", "não têm
um trabalho". A idéia dominante de trabalho
está ligada ao emprego ou ao trabalho útil, que
é pago por dinheiro. Neste sentido, o artista
"trabalha" quando dá cursos ou aulas,
ou quando atende a uma encomenda.
No
decorrer da história e nas diferentes regiões
do mundo, muitos povos geraram vida humana digna
sem usar o trabalho assalariado. É o caso, por
exemplo, das sociedades tribais. A atividade dos
índios do Brasil, antes da chegada dos portugueses,
era trabalho. Só não era remunerado nem assumido
pela economia mercantilista que, naquela época,
ensaiava os primeiros passos. As nações indígenas
testemunham um outro modo de se viver em sociedade:
repartem o trabalho e os bens necessários à vida,
sem a troca de trabalho por salário.
No
Brasil Colônia, a base da economia era o trabalho
escravo, não o trabalho assalariado. E nosso país
foi o último do ocidente a terminar com o regime
escravista, em 1888. Na época, o trabalho assalariado
já despontava como a forma que mais servia à sociedade
industrial. Com a entrada dos imigrantes europeus,
que já tinham
alguma experiência de trabalhar em troca de salário,
o Brasil abandonou os ex-escravos negros, deixando-os,
geralmente, sem emprego e sem terra para trabalhar
livremente.
Pouco
a pouco, o capitalismo foi reduzindo o trabalho
humano ao emprego, tornando quase impossível outro
tipo de trabalho. O fruto disso, hoje, é uma situação
terrível: grande número de pessoas não têm chance
de emprego, e ficam sem trabalho remunerado. Perdem
o ponto de apoio fundamental para ganhar o necessário
para viver, para conviver na sociedade e para
desenvolver a própria personalidade. E a maioria
dos negros continua sem voz e vez, quando muito
fazendo os trabalhos mais pesados e sofrendo grande
exploração.
O
desemprego é marca da sociedade industrial. Mas
a falta de trabalho não é coisa nova no Brasil.
Há muito tempo, parte da população que pode trabalhar
vive desempregada. Nunca tivemos um sistema econômico
que criasse oportunidades de trabalho para todos.
Nosso país se desenvolveu voltado para interesses
externos. Desde a extração do pau-brasil até as
grandes exportações de soja, a economia foi dirigida
por poucos, excluindo a muitos. O problema de
hoje é o agravamento dessa história de dependência
e exclusão. Isso aparece no aumento do número
de desempregados e desempregadas em todas as classes
sociais, de modo especial entre os pobres.
O
que conhecemos como "emprego" não é
a única forma possível de relação de trabalho.
Por isso, quando alguns estudiosos falam de "fim
do trabalho", é do fim do emprego que estão
falando. É o "trabalho" típico do capitalismo
industrial que está em crise: o empregado fica
sem emprego. O "trabalho" que o capitalismo
atual está negando para muitos é uma construção
social deste tipo de sociedade. Pode, por isso,
ser mudado ou até mesmo abolido. O que precisamos
ver é se a crise e o quase fim do trabalho assalariado
não podem abrir para novas relações sociais, novas
possibilidades de realização pessoal.
Mas
é muito importante não esquecer que, no momento,
o trabalho assalariado é a fonte principal de
sobrevivência da maior parte da humanidade. É
fonte de integração social, de identidade e de
sentido de vida das pessoas. Por isso, o desemprego
não cria só pobreza ou miséria. Provoca também
migrações de muitas pessoas, com perda de raízes
culturais; mexe com a harmonia familiar e com
a autoconfiança das pessoas desempregadas. São
muitos os que vivem sentimentos de culpa e de
perda de laços sociais. A sociedade como um todo
também sofre: aumentam as tensões sociais, o clima
de violência; e os desempregados/as somam-se à
população que não produz economicamente - crianças,
pessoas idosas etc. -, aumentando o número dos
que dependem dos bens produzidos por um número
cada vez menor de trabalhadores/as.
Um bilhão de pessoas
não têm emprego ou estão subempregadas no mundo.
É isso que nos revela o relatório da Organização
Internacional do Trabalho - OIT - de 1997. Este
número representa, segundo o estudo "O Emprego
no Mundo", cerca de 30% de todos que podem
trabalhar. Vale a pena dar uma olhada nesse gráfico
de fevereiro de 1998:
Taxa
de desemprego em alguns países
A Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostrou,
em abril de 1996, que o crescimento econômico
do continente melhorou nos últimos anos. Mas isso
não foi suficiente para resolver os problemas
da pobreza e do desemprego. Um relatório da Organização
Internacional do Trabalho, divulgado em janeiro
de 1997, mostra que o desemprego aumentou em 1996
na região, e já é o mais alto da década().
Segundo
estudiosos, reunidos na Costa Rica em fevereiro
de 1997, 56% da população latino-americana
só pode encontrar ocupação no mercado informal.
É onde o emprego é mais inseguro, sem garantias
legais. Dos 17 milhões de empregos criados na
América Latina e no Caribe, no período de 1990
a 1995, 84% estão no setor informal. Para se ter
uma idéia, o setor informal é responsável por
50% do Produto Interno Bruto (PIB - que é o total
de produtos e serviços gerados num ano em um país)
de El Salvador e da Guatemala, e por 27% do PIB
da Costa Rica ().
O
nível de desemprego na Argentina, em 1996, foi
de 17%. Isso quer dizer que mais de 6 milhões
de pessoas ou não têm emprego ou estão desempregadas.
Perto de 45% da população em condições de trabalhar
está sem oportunidade de emprego.
O desemprego faz
aumentar “empobrecimento, deterioração social
e crescimento do setor informal", nos diz
o Panorama Social de 1996, elaborado pela CEPAL.
E não é só o desemprego que cresce. Há sinais
de que cresce também o trabalho "inseguro"
e o subemprego. "A situação do mercado de
trabalho é o aspecto mais negativo no panorama
econômico da região (América Latina e Caribe)
em 1996, já que, apesar do crescimento econômico,
o desemprego ainda não começa a baixar, tendo
atingido em 1995 o nível mais alto nos anos noventa".
Os dados abaixo
são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Segundo eles, a taxa de desemprego dobrou
de 1994 a 1998. Mas o DIEESE (Departamento Intersindical
de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos) e
o SEADE (Fundação Estadual de Análise de Dados),
que pesquisam de um jeito diferente o mundo do
trabalho, nos dizem que a taxa de desemprego de
1997 foi de 13,7%, e de 17,2% em março de 1998.
Taxa
de desemprego no Brasil |
|
1990
|
1991
|
1992
|
1993
|
1994
|
1995
|
1996
|
1997
|
1998
|
|
Dezembro
|
3,93
|
4,15
|
4,50
|
4,39
|
3,42
|
4,44
|
3,82
|
5,66
|
7,0
()
|
(%
da PEA) |
“Eu trabalhava com Seguros. Cuidava da área técnica de seguros
da empresa, a
Cooperçucar, há praticamente 20 anos.
A empresa vinha vindo numa restruturação geral
e a gente vinha vendo os cortes, num desses
últimos cortes, eu também entrei. Já estou com
47 anos de idade, com quase 30 anos de serviço,
à beira de uma aposentadoria... Comecei a bater
de porta em porta, e já se vão quatro meses
nesta busca incessante. Quatro meses de todo
dia levantar com a pastinha na mão, bater aqui,
fazer entrevista, conversar com um, conversar
com outro... Tudo quanto é agência que eu vou
tá lotadíssima. Tem agência que a gente chega
e nem é entrevistado. Só deixa o curriculum.
Se tiver vaga, talvez eles chamem para uma futura
entrevista. O primeiro mês você vai, o segundo
você vai, no terceiro mês é que já começa a
te dar uma tensão nervosa, uma ansiedade. Já
no quarto mês, realmente, eu estou me sentindo
com medo de tanta coisa que a gente viu que
tá acontecendo! É muita gente procurando emprego
e há pouco emprego. Existe uma seleção. Praticamente
a gente sente que está sendo mal entrevistado
pela gama enorme de pessoas que buscam o mercado
de trabalho. Eu tô sentindo que teria que recuar
muito em nível de critério salarial, eu tinha
um salário com determinados benefícios. Hoje
eu tô reduzindo isso praticamente a 1/3. (Depoimento
de Artur, recolhido pela Pastoral Operária de
São Paulo).
Desde
a implantação do Plano Real, em 1º de julho de
1994, até o final de 1996, o Brasil já perdeu
755.379 empregos formais. As fontes desses dados
são 497 mil firmas que fornecem diretamente, desde
1965, este tipo de informação ao Ministério do
Trabalho.
Nesse
mesmo período, 147.233 postos de trabalho foram
fechados no setor financeiro. Entre 1993 e 1996,
o número de bancários diminuiu 54%.
A
indústria cresceu, nos três primeiros anos do
Real, 12%. Assim mesmo, o Plano Real não segurou
a queda de emprego também neste setor. O setor
industrial teve perda de 16% no número de trabalhadores,
segundo o IBGE.
O
aumento da produtividade e a abertura de novas
fábricas não impedirão a diminuição dos empregos.
Estudos do DIEESE prevêem que, até o ano 2000,
o número de empregos na indústria automobilística
poderá cair entre 20 e 30%. Em 1997, trabalhavam
no setor 114,1 mil. No ano 2000 o setor poderá
contar com 23 a 34 mil trabalhadores a menos.
De
1996 para 1997 aumentou um pouco a área cultivada
na agropecuária: de 48,635 milhões para 48 milhões
e 842 mil hectares. É isso que nos mostram o IBGE
e o Instituto de Economia Agrícola da Secretaria
de Agricultura do Estado de São Paulo. Mas o número
de empregos no campo caiu no mesmo período: de
7 milhões e 384 mil para 7 milhões e 331 mil.
O Ministério da Agricultura anunciou uma redução
de 8,4 a 10,6% na produção agrícola brasileira
da safra 95/96;
isto é, uma diminuição de 832 mil empregos
diretos e indiretos na atividade agrícola. Isso
significa menor distribuição de renda, aumento
da migração do campo para as cidades médias e
grandes. Segundo uma pesquisa de José Graziano
da Silva, da Unicamp, na safra agrícola de 1997,
200 mil trabalhadores rurais perderam seus empregos().
“Minha
vida foi sempre marcada pelo sofrimento, angústia
e dificuldades de todo o tipo. Trabalhava na
roça quando encontrava serviço, e aquilo que
eu ganhava não correspondia ao serviço que fazia.
Mesmo doente tinha que trabalhar e o que eu
ganhava, mal dava para comer. Vendo o sofrimento
dos filhos, não agüentei mais e resolvi ir para
a cidade. Aqui a situação não melhorou, só fez
foi piorá. Neste mundo, não tem lugar prá gente
não.” (José Luiz, 32 anos, Sem-terra de Itapeva,
SP).
Enquanto
cresce o desemprego, continua ou cresce também
o chamado trabalho escravo. É muito difícil saber
o número, bem como os ramos da economia e as áreas
onde pessoas são submetidas ao trabalho escravo.
A Comissão Pastoral da Terra conseguiu reunir
alguns dados a respeito. Por exemplo, “no Mato
Grosso, em 1995, noticiou-se que havia 89 pessoas
em situação de trabalho escravo. Em 1996, aumentou
para o total de 510 pessoas. No Pará, em 1995,
tínhamos 821 pessoas. Em 96, são 690.” ().
Esses números são apenas um sinal da situação,
pois dificilmente os trabalhadores conseguem denunciar
as práticas ilegais e violentas de trabalho escravo.
O
drama do desemprego atinge principalmente os mais
jovens. Entre 1989 e 1996, a taxa de desemprego
dos jovens entre 15 e 19 anos na grande São Paulo
pulou de 18,8% para 39,8%, e a dos jovens entre
20 e 24 anos passou de 9% para 19,7%. Segundo
dados do PME - IBGE, a taxa de desemprego dos
jovens entre 15 e 24 anos atingiu, em 1997, mais
de 11%, enquanto a taxa de desemprego das pessoas
com mais de 40 anos de idade foi de 3% . ()
“Eu
fiz colegial, normal. Acabei no ano passado.
Nunca trabalhei e agora estou atrás de emprego,
mas sempre eles estão exigindo experiência.
Eu tenho inglês, nível avançado, tenho conhecimento
em computação, mas não tenho experiência. Então
fica mais difícil. O quê eu já procurei! Como
nunca trabalhei, eu procurei de tudo, de recepcionista,
atendente... Mesmo assim sempre a mesma resposta:
“EXPERIÊNCIA!”.
Como eu estou com 18 anos, desse jeito nunca
vou ter experiência, porque ninguém me dá uma
chance. Se me derem uma chance eu vou desenvolver
um bom trabalho! A maioria dos meus amigos está
na mesma situação. Alguma coisa está errada,
alguma coisa tem que mudar. Se não derem chance
pra gente tentar trabalhar, como é que vai ficar?
Nós não somos o futuro?” (depoimento de Roberto
- SP)
Enquanto
muitos jovens não conseguem entrar no mercado
de trabalho, muitas crianças trabalham desde cedo.
Cabe-lhes complementar a renda familiar, especialmente
se os pais estão desempregados. Mesmo com o Estatuto
da Criança e do Adolescente, essas práticas ilegais
se multiplicam, ao lado de outras aparentemente
legais. Por exemplo, sob o rótulo de “aprendiz”,
empresas continuam explorando o trabalho de crianças
e adolescentes.
“No
Brasil, o trabalho infantil, segundo estimativas
oficiais, explora 3,28 milhões de crianças entre
10 e 14 anos, sendo cerca de 1,5 milhão no Nordeste.
Estende-se da cultura do sisal às carvoarias
e olarias, passa pela cana de açúcar e colheita
de laranja, freqüenta certas indústrias e inventa
dezenas de pequenos expedientes pelas ruas das
grandes cidades, inclusive o tráfico de drogas”().
“Eu
queria estudar. Meu sonho é ser advogado”, reclama
Claudionor L. Gomes, 14 anos, cortador de cana,
PE, com renda de
R$ 20
por semana;
“Eu
carrego madeira para queimar, sempre de manhã
antes de ir para a escola”, revela
Rogério S. da Silva, 14 anos, Santa Rita
do Pardo, MS;
“Preferia
caçar rolinha.” diz Jucimar de Jesus, 10 anos
de idade, colhedor de sisal, na Bahia, recebendo
R$ 5,00 por semana.” (cf. Revista Isto é, 30-04-97).
Com
a abertura do mercado brasileiro aos produtos
internacionais, diminuíram muitos empregos tradicionalmente
masculinos, de modo especial na indústria. Isso
aumentou a concorrência em relação aos empregos
oferecidos em maior número às mulheres. Só podia
dar nisso: o desemprego das mulheres aumenta com
maior velocidade. Estudos da Fundação SEADE mostraram
isso em relação à região da grande São Paulo:
o desemprego dos homens, em 1989, foi de 7,5%,
enquanto o das mulheres foi de 10,6%; sete anos
depois, em 1996, o desemprego dos homens foi de
13,5%, e o das mulheres, de 17,2%.
“Eu
sou de Pernambuco e vim para São Paulo em 1971.
A última firma em que fui registrada foi a Flipel.
Eu trabalhava de ajudante, trabalhava em máquina.
Lá fabrica guardanapos, papel toalha, aqueles
guardanapos que vem em balcões. Trabalhei 6
anos nessa empresa, é uma empresa pequena...
Procurei outro serviço, mas não encontrei...
Foi difícil. Andava tudo que era lugar, mas
não encontrava. O pessoal exigia estudo, presença,
pessoas que tem boa presença, pessoas novas,
com menos de 21 anos... Eu tenho 52 anos e estudei
só até a 4ª série. Peguei o dinheiro que recebi
da fábrica, fundo de garantia, tempo de casa,
salário-desemprego. Quando terminou, eu fiquei
sem dinheiro. O meu filho trabalha e me dá dinheiro,
meu sobrinho também trabalha. Eu moro com a
minha irmã e não me falta nada.“ (Depoimento
de Janira, recolhido pela Pastoral Operária
de São Paulo).
Apesar
da dificuldade de emprego, o censo de 1991 mostrou
que as mulheres estão trabalhando em novos tipos
de trabalho. Nota-se uma forte presença em trabalhos
de gerência, com nível superior. Mais da metade
do crescimento da força de trabalho feminina nas
cidades está ligado a atividades manuais de menor
qualificação. Neste sentido, nem sempre a maior
presença das mulheres na economia significa libertação
feminina; pode significar também crescimento da
miséria. E não somente das mulheres. Por serem
contratadas como mão de obra mais barata, seu
emprego termina ajudando a rebaixar a remuneração
média do conjunto dos trabalhadores ().
É
bom relembrar que, em nossa sociedade, a identidade
da pessoa é definida pelo emprego. Por isso, o
fato de ser desempregado/a desorganiza tudo e
mexe com a vida pessoal e familiar. Podem existir,
entre trabalhadores/as envolvidos em iniciativas
de produção “alternativa” de renda, uma boa organização
comunitária e tentativas para que o trabalho humano
não seja só trabalho assalariado. Em geral, porém,
as tentativas individuais de saída e sobrevivência,
os biscates... fazem com que as pessoas não tenham
acesso aos direitos e ao sistema de proteção social.
A insegurança das relações e as incertezas do
mundo do trabalho atingem, em maior ou menor grau,
a todos, e colocam em questão os próprios fundamentos
da sociedade atual.
Segundo
psicólogos especializados, o choque do desemprego
tem o mesmo efeito da morte de um parente. Existem
muitos casos de depressão, e até mesmo de suicídio,
por causa das demissões. Nos EUA, uma série de
estudos notou uma forte ligação entre o crescimento
do desemprego e aumento dos níveis de depressão
e de doenças
psicológicas. Em muitos casos, o desemprego
tem relação quase direta com a doença física.
“Quando eu estou parada a doença pega mais. Quando
eu estou trabalhando, eu não doenço."()
A
pessoa, normalmente, recebe uma formação profissional,
e aprende que o sentido da vida é dado pelo exercício
de uma profissão remunerada. Quando, de repente,
perde o emprego, pode perder também a orientação
vital. Sente-se desligada do mundo. Muitas vezes
se julga culpada,
por causa do preconceito de que o desemprego
se deve à sua incompetência ou falta de adaptação.
“Então,
hoje, um homem com 47 anos de idade, 30 anos
de serviço, à beira de uma aposentadoria, se
vê numa situação dessas. O fator emocional nele
logicamente é muito forte. A pessoa começa a
ficar desconectada, com medo, numa ansiedade
muito grande, na busca do quê fazer. Que alternativa?
Trabalhar em qualquer segmento? Qualquer coisa?
Um serviço mais desqualificado? Ora isto provoca
depressão muito forte. E tem que haver um equilíbrio
muito forte, porque a depressão é muito forte.
Eu, como desempregado, sinto dentro de mim uma
tensão nervosa muito grande, medo, ansiedade,
angústia... Que perspectiva? O que vai ser amanhã?
Vou conseguir? E o que vai ser dos meus filhos?
E a educação, a saúde, a proteção. E eu, como
eu vou ficar? Como vai ficar minha família?”
(Seqüência do depoimento de Artur, recolhido
pela Pastoral Operária de São Paulo).
As causas do grande
desemprego de hoje em dia são muitas, e mudam
nos diferentes países e regiões. Vejamos algumas
delas.
Existe uma causa do desemprego típica dos
dias de hoje: é a chamada “revolução tecnológica".
Ela atinge, de alguma forma, o mundo todo. Ela
torna possível um aumento muito grande da produtividade
sem a necessidade do trabalho do conjunto dos(as)
trabalhadores(as). Assim, a revolução tecnológica
provoca um aumento significativo do desemprego.
Alguns estudiosos
chegam a falar do fim do emprego, e outros acham
que a sociedade baseada no salário estaria chegando
ao fim.
A revolução tecnológica junta dois processos
muito fortes e rápidos: combina a moderna tecnologia
de comunicações com os novos sistemas de computação.
Com isso, as informações analisadas e organizadas
para sua utilização prática com muita rapidez.
Como já não se sabe dizer onde termina a comunicação
e onde começa a computação, inventou-se um nome
para dar conta desse processo: informática.
Essa revolução parece ter uma força inovadora
sem fim. Ela junta uma novidade com outra, encurtando
a vida útil dos produtos num ritmo quase maluco.
Na década de 70, uma novidade industrial durava
dois anos; na década de 80, um ano; já nos anos
90, dura seis meses. Depois disso, ela já não
é mais novidade: a concorrência já a usa também.
Isso é mais visível na indústria eletrônica: uma
novidade dura apenas seis semanas. No setor financeiro,
a inovação pode ter a duração de um vaga-lume:
algumas horas.
Parece que o Governo brasileiro está abraçando
sem reservas essa "revolução tecnológica".
É isso que se nota nas políticas agrária e agrícola
que vem adotando: privilegiam o modelo agro-exportador
de alta tecnologia e apostam na diminuição dos
trabalhadores do campo. Mas
o país tem perto de 25% da sua população
nas zonas rurais, sem nenhuma chance de entrar
no mercado de trabalho urbano.
As
mudanças introduzidas pela tecnologia moderna
baixaram os preços das matérias-primas tradicionais.
Nos anos 90, os preços dessas matérias-primas
caíram 40%, em termos reais, se comparados com
os pagos nos anos 70. Um caso muito revelador
é o dos cabos de cobre, em que a matéria-prima
significava 80% do custo total. Estes cabos são
substituídos por fibras óticas, em que a matéria-prima
significa só 10% do custo total. Mas uma das mudanças
maiores aconteceu com o produto-chave da nossa
década, o microship (peça fundamental para os
microcomputadores): tem como matéria-prima a areia,
que não significa 2% do custo total do produto
final.
O
conhecimento tornou-se o ponto decisivo da produção.
Ele é a principal fonte do valor de um bem. Vivemos
numa economia que tem fundamento na produção do
conhecimento, e não mais nas matérias-primas e
no trabalho físico. O valor real, por exemplo,
de companhias como a Compacq ou a Kodak, a Hitachi
ou a Siemens, depende das idéias, das informações
e das patentes (registros de conhecimentos) que
essas companhias controlam, e não dos caminhões,
linhas de montagem e outras construções que possam
ter. Enfim, a informação é cada vez mais o combustível
que alimentará os motores da economia no século
XXI. Neste final de milênio, o verdadeiro ouro
chama-se conhecimento.
. O Estado de São Paulo,
16-01-97, B-7;
. O Estado de São Paulo,
25-02-97, B-12;
.
Projeção da Secretaria de Política Econômica
do Ministério da Fazenda
.
Cf. Gazeta Mercantil, 09-01-98,C-7;
. CPT, Conflitos no
Campo, Brasil 96, p.50;
.
AMADEO, Edward, Mercado de Trabalho Brasileiro.
Rumos, desafios e o papel do Ministério do
Trabalho, Câmara dos Deputados, 14-05-98,
p. 16;
.
CNBB, Declaração: “Alerta à Consciência da
Nação”, in Comunicado Mensal n.º 515,
Brasília, outubro de 1997.
. “O período 1980/1990: mapeamento
da questão social”, in OLIVEIRA, Jane Solto
- Org. O traço da desigualdade social no
Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, 1993, pp.
20-25.)
Depoimento, no Jornal Nacional,
em 09/02/98.
A
economia atual deixa de ser baseada na compra
e venda de bens e serviços. Ela passa a ter seu
fundamento na rápida circulação do dinheiro. Esse
processo, conhecido como financeirização
da economia,
passa por
todos os países do mundo. É transnacional,
não tem fronteiras. As economias nacionais tornam-se
secundárias frente a esta economia transnacional.
O poder econômico real passa, cada vez mais, das
autoridades públicas e democráticas para os mercados
financeiros anônimos e não controlados.
A grande transformação sócio-econômica do final deste século
é marcada por novos caminhos de acumulação mundial.
Quem define a direção é o capital privado, altamente
concentrado. A parte do capital aplicada na produção
de bens e serviços diminui rapidamente. Ao mesmo
tempo, cresce sempre mais o capital aplicado no
mercado financeiro. Esta parte financeirizada
se mantém sob a forma de dinheiro, e consegue
rendimento com juros, sem ser trocada por outra
mercadoria ou transformada em outro produto.
Este
processo de financeirização mundial, em que o
dinheiro existe para gerar mais dinheiro, pode
ser chamado de "mundialização do capital".
Preferimos essa expressão porque a palavra “globalização”,
muito usada, é vaga e imprecisa. Seria preciso,
pelo menos, falar em “globalização do capital”,
e não de toda a economia. Cada país continua tendo
sua economia própria, mas é invadida e dominada
pelo capital transnacional. É mais correto falar
em “mundialização” porque o capital circula por
todo o mundo conhecido, e não por uma realidade
“global” que não se sabe o que é.
Esta mundialização é marcada, cada vez mais, pelo crescimento
do capital “rentista”: o dinheiro rende sempre
mais, por meio de complicadas aplicações financeiras.
Esta renda financeira é como um parasita. Seu
funcionamento parece depender das necessidades
do próprio capital-dinheiro, cada dia mais concentrado,
em particular nos fundos mútuos de investimentos
e nos fundos de pensão. O capital rentista
cria pouco emprego e reduz oportunidades
de trabalho.
O
poder desse capital-dinheiro é sustentado pelas
instituições financeiras internacionais - Banco
Mundial, FMI etc - e pelos Estados mais ricos
e poderosos do planeta. Isso ficou muito claro
na hora de juntar os 55 bilhões de dólares para
o México, em 1995. Estas instituições fizeram
o papel de "credores de última instância",
impedindo que a bancarrota mexicana provocasse
uma queda nos preços dos títulos financeiros em
todo o mundo.
Hoje,
a repartição e a destino da riqueza no mundo são
comandados pelo capital financeiro. Ele cresceu,
nos últimos quinze anos, muito mais rapidamente
do que o próprio Produto Interno Bruto (PIB) dos
países ricos. Por causa do seu volume, o capital
financeiro dita as regras de comportamento das
empresas e dos centros capitalistas de decisão:
altas taxas de juros, inflação zero, aplicações
de curto e curtíssimo prazo...
Um
exemplo claro desse poder exagerado do capital
financeiro mundial foi dado pelo presidente do
Banco Central da Alemanha, na Suíça, em 1996:
"os políticos estão sob o controle dos mercados
financeiros"; ou seja, "o mercado governa
e o governo administra"().
Fernando Henrique Cardoso afirma que os mercados
de capitais "passaram a atuar como verdadeiros
guardas das gestões nacionais". Para ele,
este mercado age como um "tribunal invisível"
influente, limitando a capacidade de ação dos
governantes().
O
mercado financeiro não existe sem a especulação.
Mais que isso, seu crescimento exige uma especulação
altíssima ().
Ele gera pouco por si próprio. Ele representa
o tipo de campo em que se joga um jogo de soma
zero: o que é ganho por alguém é perdido por outro.
Numa entrevista
de 1996, George Soros, um grande especulador,
disse: "atualmente as finanças internacionais
não obedecem a nenhuma lei. Quando uma atividade
está fora do alcance da lei, o que predomina é
a força, e o estado de coisas em que a força predomina
é chamado de barbárie"().
Chegamos
a grande irracionalidade, mesmo se com aparência
de modernidade. A mundialização financeira esconde
o rosto dos donos e operadores mais importantes,
a concentração da riqueza e do poder que eles
controlam, e esconde também o papel dos próprios
Estados na origem da "tirania dos mercados".
A
atividade financeira não liga para as fronteiras
nacionais e cresce num mundo quase sem regras.
O capital se sente cada vez mais poderoso e presente
em muitos lugares ao mesmo tempo. O tempo futuro
entra, de maneira assustadora, no tempo presente.
"A atividade bancária está se tornando, rapidamente,
indiferente aos limites de tempo, de espaço e
de moeda". Assim, cada vez mais, o mundo
das finanças vai reunindo as qualidades “divinas”
da imaterialidade, imediatez, permanência e multipresença.
E isso vai dando lugar a um novo culto: a “religião
do mercado”().
Mas
não passa de um ídolo com pés de barro. A crise
experimentada pelos chamados tigres asiáticos
mostra a fraqueza desse modelo. A taxa de desemprego
na Coréia do Sul triplicou num ano. Na Indonésia,
20 milhões de pessoas estavam desempregadas no
final de 1997, segundo o Banco Mundial. Isto é
igual a 22% da população ativa. Vários desses
países decidiram expulsar os estrangeiros. A Organização
mundial do trabalho (OIT) está prevendo que o
desemprego poderá dobrar até o final de 1998.
As consequências dessa crise já estão sendo sentidas
em todo o mundo.
Hoje,
o trabalho, no sentido tradicional, já não é mais
tão necessário para produzir riqueza. Basta o
trabalho que está nos aparelhos de tecnologia
avançada, pois eles multiplicam a capacidade de
produção de um número sempre menor de pessoas.
Um estudo da Federação Internacional dos Metalúrgicos
prevê que, dentro de 30 anos, menos de 2% da atual
força de trabalho em todo o mundo "será suficiente
para produzir todos os bens necessários para atender
a demanda total"().
A
agricultura é um ótimo exemplo deste processo.
Um agricultor alimentava quatro pessoas no fim
da 2ª guerra mundial (1945); trinta anos mais
tarde, alimentava 36. A safra agrícola de 1994/1995,
no Brasil, por exemplo, foi recorde: 81,2 milhões
de toneladas de grãos. Dez anos antes, foram colhidos
53,9 milhões de toneladas de grãos. Em dez anos,
a produção brasileira de grãos cresceu 51%; mas
a área plantada caiu quase 10%. Portanto, o aumento
de produção está diretamente ligado ao aumento
da produtividade das lavouras. Ela cresceu, em
dez anos, 64%().
Hoje em dia, produzir mais não é igual a aumento
da área cultivada, ou trabalhar mais. O segredo
está no modo cientifico de provocar maior produtividade.
Até
há pouco tempo, os estudiosos acreditavam que
o setor de serviços seria capaz de dar emprego
ao grande número de pessoas desempregadas pelos
avanços tecnológicos. Contudo, o que se vê, hoje,
são caixas automáticos, home banking, débito direto
via cartão, compras via Internet, escritórios
eletrônicos, "escritórios virtuais",
acabando a carreira de milhares e milhares de
pessoas.
Parece
que a "economia global caminha rapidamente
para a era da fábrica sem trabalhadores"().
A segurança no emprego é coisa do passado. Rompe-se
a ligação mecânica entre tempo de trabalho produtivo
e produção. Não é mais possível medir a produtividade
do trabalho em fábricas em que a produção é comandada
por computador, com apenas alguns supervisores.
Para a economia, já não faz sentido continuar
seguindo a lei do século passado, que ainda vale
até nossos dias - a do trabalho/produção/salário.
A idéia de salário, e de salário mensal, foi interessante
para a civilização industrial. "A nova civilização
informatizada pede que se invente um conceito
novo para assegurar a redistribuição das riquezas
produzidas coletivamente"().
Com
a entrada da chamada reengenharia das empresas,
40% dos empregos serão dispensados, e essa diminuição
pode chegar a 75%. Poderá haver uma diminuição
de até 80% dos chamados gerentes intermediários.
É isso que nos diz Michael Hammer, um especialista
no assunto.
As
empresas, sentindo-se apertadas pelo mercado financeiro,
pelo aumento da competição e pela diminuição das
margens de lucro, decidiram tirar proveito da
parte mais fraca: o alto número de desempregados
ou subempregados e a queda do poder sindical.
Impõem contratos de trabalho mais instáveis. Com
isso, a diminuição do emprego regular deu lugar
ao aumento do uso do trabalho em tempo parcial,
temporário ou subcontratado.
A
estrutura do mercado de trabalho vai tomando a
forma de um círculo: no centro, estão os trabalhadores
integrados. Eles trabalham nas empresas modernas,
em tempo integral. Ocupam uma posição fundamental
para o futuro de longo prazo da organização. Gozam
de maior segurança no emprego,
com boas chances de promoção e de reciclagem,
com pensão, seguro e outras vantagens indiretas.
Mas este grupo de trabalhadores deve ser adaptável,
flexível e, se necessário, geograficamente móvel.
A
periferia desse círculo é formada pelos trabalhadores
semi-integrados. Formam dois subgrupos diferentes:
a)
O primeiro é constituído por empregados
em tempo integral, mas com habilidades facilmente
disponíveis no mercado de trabalho. É o pessoal
do setor financeiro, secretárias, pessoas das
áreas de trabalho manual menos especializado.
Com menos chances de oportunidades de carreira,
esse grupo vive a experiência de uma alta taxa
de rotatividade.
b)
O segundo grupo tem muito mais gente ainda
e inclui empregados em tempo parcial, empregados
casuais, pessoal com contrato por tempo determinado,
temporários, subcontratatados e terceirizados.
Tem ainda menos segurança de emprego do que o
primeiro grupo periférico. Tudo indica que haverá
um crescimento bastante significativo desta categoria
de empregados.
A
tendência atual do mercado de trabalho, portanto,
é diminuir o número de trabalhadores "centrais"
e empregar cada vez mais uma força de trabalho
que pode ser demitida sem custos, quando as coisas
ficam ruins para a empresa.
O que foi apresentado como causas do desemprego
e tendências do emprego é válido também no Brasil?
A resposta é sim, mas existem grandes diferenças
regionais e setoriais. Muitas teorias explicativas
aparecem nos meios de comunicação social. Muitas
vezes, ajudam mais para mascarar a situação de
desemprego do que para esclarecê-la.
Economistas e políticos apontam o crescimento
da economia como primeira saída para resolver
a questão do
desemprego. Segundo alguns, “para reduzir o desemprego,
o único remédio é um forte crescimento econômico,
e este exige um forte crescimento das exportações"().
A retomada do crescimento econômico pode ser boa
coisa. Como saída para questão do desemprego,
porém, é insuficiente. Basta olhar os países mais
ricos do mundo. Houve crescimento econômico, mas
a oferta de emprego diminuiu.
Deve-se a ilusão de importar modelos de
desenvolvimento econômico dos países ricos do
Norte. O economista Ignacy Sachs, nos lembra que
não teremos nenhuma melhora com esta importação.
E completa: "em vez de se iludir com a existência
de uma modernidade universal, é preciso que construam
projetos adaptados ao contexto cultural, social,
econômico e ecológico" de cada país.()
.
O
único desenvolvimento sustentável que tem sentido
é o que se fundamenta numa redistribuição do trabalho.
O desafio é a construção de um projeto de sociedade
que tenha como objetivo a distribuição da produtividade
em benefício de todos, e não mais a produção de
mercadorias. Em outras palavras, uma sociedade
capaz de criar um acordo sobre a prioridade da
produção dos bens necessários para todos.
Alguns
apostam na diminuição da produtividade como saída
para o desemprego. Não se trata, porém, de reduzir
a produtividade, mas de redistribuir seus frutos.
Não se trata de diminuir o pão, mas de servi-lo
em todas as mesas. Tanto melhor se ele é farto:
dará para todos/as, sem exclusão de ninguém.
Mas
é bom questionar a idéia de querer aumento da
produtividade em todas as dimensões da vida humana
e social. Muitos querem aplicar a filosofia da
produtividade em tudo e por tudo. Até mesmo em
instituições religiosas, encantadas com a busca
da “qualidade total”. Como se todas as atividades
humanas, incluídas a cultura, a saúde, a educação,
as relações sociais pudessem ser colonizadas pela
cultura produtivista. Como se cada pessoa tivesse
sido feita no molde do robô, e respondesse do
mesmo jeito aos ritmos sociais. A produtividade,
como no filme "Tempos Modernos", de
Charles Chaplin, arrasta a pessoa humana em sua
esteira. O ritmo da produtividade não é apenas
o ritmo de uma máquina isolada. É o ritmo do conjunto
da empresa, e é o ritmo da existência do assalariado,
que corre sem parar para produzir sempre mais
depressa, num ambiente em que o estresse é tomado
como indicador de eficácia!
Costuma-se
dizer que o desemprego cresce por causa das muitas
leis que protegem o trabalho e o trabalhador.
Para alguns,
uma saída para enfrentar o desafio do desemprego
é "tornar mais flexível o conjunto de regras
relativas às relações de trabalho, de modo a preservar
o número de empregos. Esta flexibilização deveria
possibilitar, por exemplo, que
empresas e trabalhadores negociassem livremente
um leque tão vasto quanto possível de tópicos,
tais como o número de horas extras etc. Deveria
também resultar em menores custos para a contratação
de trabalhadores"().
A proposta não é original. Argentina e Espanha
são os países que mais desregulamentaram o seu
mercado de trabalho. No entanto, em 1997, A Argentina
tinha 20% e a Espanha 24% de taxa de desemprego.
Perto
da metade dos trabalhadores brasileiros empregados
legalmente estão há menos de dois anos no mesmo
emprego. Isto quer dizer que, se fosse mantida
essa velocidade, a cada quatro anos todos os trabalhadores
do país teriam trocado de emprego().
Nas situação atual, isso é alarmante, se comparado
com outros países. É um dos índices de rotatividade
mais altos do mundo. Isso prova que o custo de
demissão, no Brasil, não é alto. É mais barato
demitir e readmitir um trabalhador do que garantir
seu emprego por um tempo mais longo.
Foi
assinado, em janeiro de 1997, o projeto que cria
o contrato por prazo determinado. A idéia que
está por trás é a de que o mercado usa melhor
os recursos. A regulamentação por parte do governo
seria, por isso, um atrapalho para o bom funcionamento
da economia. Quem defende essa lei, afirma: o
contrato temporário de trabalho gera aumento de
empregos, já que a contratação seria favorecida
porque a demissão do trabalhador é mais barata.
"Esta proposta não tem qualquer compromisso
com a melhoria da qualidade do emprego. O trabalhador
que poderia estar no setor "informal"
(sem encargos e sem custo de demissão) agora passa
a ter um emprego "formal" (sem encargos
e sem custo de demissão). Conseguiu-se consagrar
na lei a segmentação do mercado de trabalho"().
Como
já foi demonstrado em outros países, essa medida
será provavelmente um fracasso como tentativa para aumentar
o emprego ().
A própria Confederação Nacional da Indústria (CNI)
reconhece que o contrato temporário "não
vai solucionar o problema do emprego no país"().
Para estudiosos do tema, a nova legislação será
usada pelas empresas muito mais para cortar custos
do que para aumentar empregos.
Tem-se
insistido muito na necessidade de requalificar
os trabalhadores demitidos pelo avanço tecnológico
e pela reengenharia das empresas. Ou seja, os
custos sociais da economia global e do enxugamento
das grandes empresas seriam compensados pelo ensino
e o treinamento profissional. Os trabalhadores,
melhor educados, seriam capazes de tarefas cada
vez mais complexas e valorizadas. Mas o que se
nota é o aumento crescente de demissões de trabalhadores
qualificados. Frente a isso, estudiosos levantam
a seguinte questão: retreinar para quê?
Um estudo realizado em 1993 pelo Departamento
de Trabalho dos EUA mostrou que menos de 20% dos
trabalhadores demitidos e retreinados pelos programas
federais conseguiram novos empregos com remuneração
de, pelo menos, 80% de seus salários anteriores.
A
hora trabalhada, incluindo no cálculo todos os
encargos sociais, é baixíssima, se comparada com
vários países. O custo da mão-de-obra por hora
trabalhada na indústria de transformação, no Brasil,
é de 2,68 dólares, enquanto na Coréia chega a
4,93; na Espanha, a 11,73; nos EUA, a 16,40; e
na Alemanha, a 24,87().
Para quem ganha salário mínimo, esta hora trabalhada
tem um custo de 0,93 centavos de dólar. Se fossem
descontados os salários indiretos, o salário dos
domingos e a tarde de sábado, feriados, férias,
auxílio-doença e aviso prévio - conforme a nova
lei -, o custo cairia para 0,49 centavos de dólar.
A
participação dos salários no valor produzido pela
indústria brasileira é uma das mais baixas do
mundo. Muito abaixo, inclusive, de economias mais
fracas do que a nossa. Os salários são, no Brasil,
apenas 23% do valor agregado na indústria. Segundo
dados da ONU, eles são 37% no Panamá, 38% na Índia,
51% na África do Sul, 69% na Itália e 71% na Noruega.
Essas
comparações deixam claro que a diminuição do chamado
"custo Brasil" não deve ser feito com
o rebaixamento dos salários ou das contribuições
para a seguridade social. Isso pioraria a distribuição
de renda, já desigual demais, e deixaria sem amparo
os que já são pouco assistidos.
Jorge
Mattoso, do Instituto de Economia da Unicamp,
diz que, por enquanto, as empresas só estão mexendo
no emprego para diminuir os custos de sua produção.
Para ele, as causas explicativas do atual crescimento
do desemprego e da ocupação precária no Brasil
são três: a) a forma subordinada pela qual o país
está se inserindo na economia mundial; b) a abertura
econômica indiscriminada e a falta de mecanismos
de combate à concorrência externa desleal; c)
a política econômica atual, especialmente os juros
altos e o câmbio sobrevalorizado.
Não
é absurdo, e até mesmo perigoso, melhorar, por
exemplo, a produtividade num hospital? Não seria
melhor dar
possibilidade às enfermeiras de permanecerem um
pouco mais ao lado de cada enfermo?! É necessário
jogar no olho da rua 22 mil cobradores de ônibus,
com a implantação de catracas eletrônicas em grandes
cidades, como, por exemplo, São Paulo? Por
que não exigir dos hipermercados um número de
empregados por metro quadrado, para recriar o
serviço, a relação, o conselho? Alguém logo dirá
que o custo destes empregos apareceria nos preços.
É verdade, e os consumidores, sem dúvida, passariam
a pagar, em parte, a superação do desemprego.
E isto seria uma aberração?
Pelo
menos nos setores que não entram na concorrência
internacional, toda vez que se quer ganho de produtividade
junto com diminuição de empregos, seria preciso
perguntar-se: além do custo direto, qual
é o custo indireto, qual é o custo social?
Parece bastante racional perguntar-se sobre a
necessidade e a urgência da implantação de cada
ganho de produtividade
que vai gerar um desempregado a mais. Afinal,
estamos numa sociedade já marcada por uma alta
taxa de desemprego.
O
apoio ao setor que ficar com baixa produtividade
pode ser financiado pelos ganhos de produtividade
dos setores de alta produtividade. Manter uma
economia a duas velocidades significa possibilitar
à sociedade tempo para inventar novos jeitos de
repartição do trabalho, de redistribuição do emprego.
Esta decisão permite dar tempo às pessoas para
se adaptarem à nova civilização que vai surgindo,
à civilização do tempo livre.
“Meu nome é Nilma Araújo Oliveira. Sou casada, tenho 32 anos
e moro em Salvador (Ba). Sou professora e sempre
gostei do que faço. Porém já faz 10 meses que
estou desempregada. O motivo da minha demissão
foi a alegação de que houve uma redução muito
grande de alunos, por isso, era necessário reduzir
o quadro de professores. Já enviei muitos curriculuns,
mas até agora nada de concreto. Percebo que
a situação tem piorado muito e o número de desempregados
está muito grande, mas tenho fé que vai melhorar.
Talvez se houvesse uma redução da jornada de
trabalho poderíamos resolver a problemática
do desemprego, porque assim iria aumentar a
oferta de emprego”.(Depoimento colhido pela
Pastoral Operária da Bahia).
A redução da jornada de trabalho está se
tornando a grande bandeira do movimento
sindical em todo o mundo.
É uma luta importantíssima porque é uma maneira
concreta de partilhar a produtividade alcançada
com as novas tecnologias e os novos métodos de
organização da produção. Juntamente com a reforma
agrária,
a redução da jornada de trabalho é uma
das mais importantes saídas para o desemprego.
a)
40 horas semanais. A
CUT propõe a da redução da jornada de trabalho
para 40 horas semanais sem diminuir o salário.
A jornada semanal atual é de 44 horas. Se passar
para 40 horas, pode criar, logo, 3 milhões e 600
mil novos empregos. A Central Única dos Trabalhadores
propõe ainda dar novos passos na diminuição da
jornada de trabalho: chegar a 38 horas no ano
2000, a 36 em 2003 e a 32 horas semanais no ano
2008.
b)
30 horas semanais. A Força Sindical propõe
a de redução da jornada de trabalho de 44 para
30 horas, com diminuição de 10% nos salários e
no lucro líquido das empresas, e de 37,3% nos
impostos. Por esta proposta, os governos deixariam
de arrecadar R$ 9,4 bilhões em impostos, mas a
redução da jornada de trabalho criaria pelo menos
4,4 milhões de empregos. Para a Força Sindical,
a perda de 10% dos salários dos trabalhadores
seria compensada pelo aumento da renda familiar,
com a entrada de um desempregado no mercado de
trabalho, juntando mais um salário à família.
Afinal, serão 4,4 milhões que passarão a ter emprego,
a consumir e, claro, a pagar impostos.
c) O tempo livre.
A redução do tempo de trabalho abre, também, a
possibilidade de um tempo livre para a realização
de atividades feitas a partir da escolha da pessoas.
A criação de espaços onde as normas de vida são
mais livres permite a cada pessoa viver relações
diferentes e decidir com maior liberdade os seus
atos. Depois de três séculos dominados pelo trabalho/emprego,
esta possibilidade de uma ordem
de valores diferente nas atividades humanas marca
o início de um novo tempo ().
Desde
1988, quando a Constituição reduziu a jornada
de trabalho para 44 horas, cresceu muito o número
de trabalhadores que fazem hora extra. No caso
da indústria, em 1988, 21,3% dos operários trabalharam
mais do que a jornada legal. Em 1996, este índice
chegou a 41,4%. No comércio, a porcentagem foi
de 43,4% em 1988, chegando, em 1996, a 55,1%.
O DIEESE calcula que 1,5 milhão de empregos deixaram
de ser criados por causa das 265 milhões de horas
extras trabalhadas entre 1985 e 1996. Por isso,
sem a limitação das horas extras, o impacto da
redução da jornada de trabalho sobre a geração
de empregos será muito diminuído. "Controlar
as horas extras é tão importante quanto reduzir
a jornada de trabalho" - constata o DIEESE().
A
CUT propõe a diminuição de impostos federais,
estaduais e municipais para as empresas que aceitarem
reduzir a jornada de trabalho e fizerem novas
contratações. Junto com a redução da jornada de
trabalho, a CUT apresenta a proposta de se limitar
as horas extras: a quantidade deve ser negociada
com os sindicatos, e nunca poderiam ir além do
limite de 92 horas anuais, perto de 5% da jornada
anual com base nas 40 horas semanais. As horas
extras dariam direito ao pagamento extra e a um
número igual de horas de descanso.
Ignacy
Sachs é economista e dirige o Centro de Pesquisa
sobre o Brasil Contemporâneo na Escola de Altos
Estudos em Ciências Sociais, em Paris. Toda vez
que perguntam a ele como enfrentar o desemprego,
ele responde que é
preciso fazer que o problema do emprego
seja o ponto central nas
estratégias de desenvolvimento de cada
país. Para isto é preciso apostar nos seguintes
setores:
"1.-
a agricultura, principalmente a agricultura familiar,
convenientemente modernizada;
2.-
as agroindústrias, em particular as pequenas e
médias empresas, que trabalham quase sempre para
o mercado local;
3.-
as indústrias de bens de consumo corrente (com
a condição de não permitir que elas desapareçam
sob o impacto da concorrência estrangeira);
4.-
as bioenergias (como o álcool de cana, por exemplo)
e as indústrias transformadoras da biomassa; cada
vez que um barril de petróleo é substituído pela
energia de biomassa, aciona-se um multiplicador
de empregos para produzir esta biomassa;
5.-
as atividades ligadas à redução do desperdício
da energia e da água, à reciclagem de lixos e
à reutilização de materiais, bem como à conservação
das infra-estruturas, dos equipamentos e do parque
imobiliário (uma maneira de economizar o capital
de reposição); estes empregos se pagam, ao menos
em parte, pela poupança das fontes que trazem;
6.-
enfim, os serviços sociais, no sentido amplo do
termo, cujo custo para o Estado poderia ser diminuído
por meio da pesquisa de parcerias com as organizações
da sociedade civil (o privado sem fim lucrativo)
e os usuários"().
O
Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, no documento
Para Uma Melhor Distribuição da Terra -
O Desafio da Reforma Agrária, alerta para
o sentido de urgência ética, de sabedoria política
e de justiça social de uma reforma agrária. Pois,
no Brasil, ela é uma medida indispensável para
enfrentar os problemas sociais imediatos e para
promover um desenvolvimento econômico, político,
social e cultural centrado na qualidade de vida
para todas as pessoas.
“Antes
da desapropriação, em geral, o proprietário,
numa fazenda típica de 1 000 hectares, por exemplo,
contratava de 5 a 6 empregados , sempre por
menos do que o salário mínimo. Depois do assentamento,
numa área desse tamanho são acomodadas em média
100 famílias. (...) Na pesquisa em âmbito nacional
realizada pela FAO, ficou demostrado que, em
dois anos, o trabalhador assentado acumula 350%
a mais de bens do que tinha no início, quando
era sem-terra”. (Depoimento de João Pedro Stédile,
da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra-MST)
Para
alguns estudiosos, a questão do desemprego pode
ser resolvida também pelo apoio à microempresa.
Herbert de Sousa, o Betinho, defendia com muita
força esta posição. Em artigo publicado em junho
de 1997 - portanto, dois meses antes de morrer
-, analisando a questão do desemprego, ele afirmava:
"
A microempresa é uma solução política porque
tem a dimensão da possibilidade humana. A prova
disso é que, de cada 10 empregos criados no
Brasil, 6 são oriundos do setor. Não se trata
de tornar grande a microempresa, mas de fazer
milhares por todo o planeta. A grande empresa
é um dinossauro com data marcada para morrer.
A microempresa é a vida resistindo e renascendo
a cada dia. A microempresa é uma solução econômica
porque torna viável, a partir de 1, 5, 15, ou
20 pessoas, uma determinada atividade produtiva.
É, portanto, generalizável. A microempresa é
uma solução tecnológica porque é capaz de somar
simplicidade com complexidade, por meio da inteligência.
E, principalmente, por estar ao alcance de cada
pessoa que toma a iniciativa e é também uma
empresa-cidadã. A microempresa é uma solução
humana e solidária, porque é o único caminho
existente para gerar trabalho, distribuir renda
e estancar o crescimento da miséria".
A
economia solidária parte da convicção de que é
possível organizar a produção em larga escala
sem ser pelo molde do grande capital. Para isso
é preciso encontrar formas de quebrar o isolamento
da pequena e da micro-empresa e oferecer a elas
possibilidade de cooperação e intercâmbio. A idéia
básica é garantir a cada uma um mercado para seus
produtos, fontes de financiamento, e ainda a orientação
técnica, legal, contábil, etc. através da solidariedade
entre produtores autônomos de todos os tamanhos
e tipos.
A
construção da economia solidária é uma estratégia
contra o desemprego e a exclusão social. Ela aproveita
a mudança nas relações de produção provocada pelo
grande capital para lançar novas formas de organizar
a produção com uma lógica contrária à do mercado
capitalista. Se a economia solidária se firmar
e atingir dimensões significativas, ela competirá
com o grande capital em diversos mercados. Haverá,
com isso, a possibilidade de escolher entre um
modo de produção movido pela concorrência capitalista,
e outro, movido pela cooperação entre unidades
produtivas de diferentes espécies, ligadas por
laços de solidariedade. As pessoas poderão escolher
e experimentar formas alternativas de organizar
sua vida econômica e social
A
questão do mercado é o desafio maior para os produtores
autônomos. Eles não são conhecidos e não dispõem
de uma clientela já formada. Diante dessas dificuldades,
a solidariedade é a solução racional: produtores
autônomos se organizam para trocar seus produtos
entre si; isso dá a todos e a cada um a chance
de colocar a produção sem ser destruído pela superioridade
dos que já estão estabelecidos.
Não
basta trabalhar no campo da economia para enfrentar
a política recessiva e diminuir o desemprego.
É preciso atuar também no plano político. Um exemplo
importante, no Brasil, é a criação da Associação
Nacional dos Trabalhadores das Empresas Autogeridas
- ANTEAG. Ela procura fazer uma ligação entre
luta política e iniciativas das bases nas empresas
geridas pelos trabalhadores. Nos EUA existe lei
e incentivos fiscais para as empresas que transferem
parte ou toda a empresa aos trabalhadores, favorecendo
a autogestão, impedindo a perda dos empregos.
.
Para toda este ponto cf. Pontifícia Comissão
Justiça e Paz. Cf. SALINS, Antoine de, - VILLEROY
DE GALHAU, François, Il Moderno Sviluppo
delle Ativittà Finanziarie alla Luce delle
Exigenze Etiche del Cristianesimo, Pontificio
Consiglio della Giustizia e della Pace, Libreria
Editrice Vaticana, 1994;
. Le Monde Diplomatique,
março 1996, p. 1;
. Discurso de Fernando Henrique
Cardoso, no Colégio do México, Folha de
São Paulo, 21-02-96, 1-6;
. SALINS, Antoine de, - VILLEROY
DE GALHAU, François, Il Moderno Sviluppo...,
op. cit.,
p. 28;
. Revista
Veja nº. 1442, 1-05-96, p. 10;
. HARVEY, David. A Condição
Pós-Moderna, São Paulo, Loyola, 1992;
. RIFKIN, J., op.cit., p.
9;
. Boletim do DESER,
Conjuntura Agrícola 63/1995, p. 9-14;
.
RIFKIN, J., op. cit., p. 8;
.
AZNAR, G., op. cit., p. 107-108;
. HAMMER, Michael - CHAMPY,
James, Reengenharia revolucionando a empresa,
Ed. Campus, Rio de Janeiro, 1994, 9ª ed.,
p. 7.
. DELFIM NETTO, Antônio,
"Ruído e Desemprego", Folha de
São Paulo, 28-02-96, 1-2;
Citado em AZNAR, G., Trabalhar menos....,
p. 53;
. Folha de São Paulo,
28-01-96, 1-8; Folha de São Paulo,
21-02-96, 1-6;
. AMADEO, Edward J., "Emprego:
não legalizar a precariedade", Folha
de São Paulo, 11-02-96, 2-2; Os dados
são da pesquisa feita por Gustavo Gonzaga,
economista e professor da PUC-RJ e divulgada
no Boletim Economia, Capital & Trabalho
do Departamento de Economia da PUC-RJ - Gazeta
Mercantil, 29-01-96, A 5;
.
AMADEO, Edward J., art. cit.;
.
MATTOSO, José Eduardo L., "Desemprego
e Relações de Trabalho", Estado de
São Paulo, 15-02-96, A-2; Veja acima a
citação do exemplo da Argentina e Espanha;
.
Flávio Castelo Branco, coordenador adjunto
de política econômica da CNI - cf. CEPAT
Informa nº. 36-1998, p. 8;
. DIEESE, Anuário dos
Trabalhadores 1996-97, p.168;
FIOCCA, Demian, "A
mão-de-obra custa pouco no Brasil", Folha
de S. Paulo, 14-02-96, 2-2.
GOMES, Ciro - UNGER, Roberto
Mangabeira, O próximo passo. Uma alternativa
prática ao, Topbooks, Rio de Janeiro,
1996, p. 103.
. A redução da jornada de
trabalho aponta para um novo tipo de sociedade.
Sem esta visão mais ampla, a redução da jornada
torna-se uma mera medida pontual para resolver
o problema do desemprego. A redução da jornada
de trabalho é muito mais do que isso. Para
isto veja: AZNAR, G., op, cit; RIFKIN, J.,
op. cit.; Gorz,
A., op. cit.; ARRUDA, Marcos, "O Fio
da Navalha", Prosa & Verbo,
Publicação do Sindicato dos Bancários do Vale
do Rio dos Sinos, RS, agosto 1996, p. 13;
Jacques Robin, Le Monde Diplomatique,
mars 1997, p. 4-5, cuja tradução está em CEPAT
Informa, 27/1997, p. 10-15; AZNAR, Guy,
CAILLÉ, LAVILLE, Jean-Louis, ROBIN, Jacques,
SUE, Roge, Vers une Économie Plurielle.
Un travail, une activité, un revenu pour tous,
Ed. La Découverte & Syros, Paris, 1997;
. Cf. CEPAT Informa,
nº. 27/1997, p. 7-8;
.- SACHS, Ignacy, "Crescimento
tem que ser reorientado", Folha de São
Paulo MAIS 3-03-96 5-13;
A
auto ou a co-gestão não resolve todas as dificuldades.
É verdade que a produtividade aumenta quando os
trabalhadores administram a empresa. Mas é preciso
ter muita criatividade e eficiência para vencer
os obstáculos, entre eles a falta de experiência
gerencial dos trabalhadores. O lucro não é objetivo
máximo da empresa autogerida. Ela procura, antes,
garantir o trabalho.
Os trabalhadores se dispõem a fazer sacrifícios,
às vezes abrindo mão de salários mais altos, para
que todos possam continuar trabalhando. A confiança
e a ajuda mútuas são vitais neste tipo de empresa.
Não há possibilidade de alguns se beneficiarem
em prejuízo dos outros. Os mesmos princípios valem
para cooperativas e iniciativas de comércio: para
dar certo, a prática da solidariedade substitui
a competição.
A
sociedade atual vem reconhecendo um “Terceiro”
Setor(), ao lado do Mercado e do
Estado. São atividades que respondem a necessidades
que não são rentáveis para a economia de mercado.
Não podem ser confundidas com as atividades do
setor terciário da economia, que é o setor de
comércio e serviços (ao lado da agricultura e
da indústria). O Terceiro Setor é um tipo novo
de atividades econômicas. Sua característica é
a proximidade com a vida e entre as pessoas. Têm
o objetivo de cuidar do bem-estar da comunidade,
de preservar o meio ambiente, de cuidar da educação,
da formação etc. O Terceiro Setor se ocupa de
setores abandonados ou pouco valorizados pela
economia de mercado: os empregos de proximidade,
os empregos relacionados
com o meio ambiente, com pessoas que cuidam de
idosos e de portadores de deficiências...
As
atividades do Terceiro Setor apontam para o seguinte:
o trabalho humano não é só trabalho assalariado.
Quanto mais cresce a produtividade do trabalho,
mais diminuem os empregos, baixando a qualidade
de vida de muitos. As novas ocupações do Terceiro
Setor indicam que a sociedade pode tornar-se mais
humana e capaz de apostar no futuro. Ele valoriza,
inclusive financeiramente, sem que sejam trabalho assalariado, as oportunidades de sustento seguro, de contatos
sociais e de desenvolvimento pessoal.
Não
falta trabalho. É preciso encontrar meios e caminhos
para apoiá-lo financeriramente, redistribuindo
a riqueza social. Não dá para negar que nossa
sociedade tem grande necessidade de trabalho no
setor da preservação do meio ambiente e do território,
dos serviços familiares, do cuidado das crianças,
dos tóxico-dependentes, dos idosos, do cuidado
das cidades, dos pequenas consertos... Precisamos
valorizar este tipo de trabalho social útil, sem
deixar de lutar pelo mercado de trabalho regular.
É necessário valorizar o trabalho social doméstico,
a educação dos filhos e outros serviços sociais.
As
Igrejas Evangélica e Católica da Alemanha, no
documento “Por um futuro de solidariedade e justiça”(),
nos lembram: "no que diz respeito à solução
da crise do desemprego, trata-se, definitivamente,
de superar o "predomínio do trabalho assalariado",
e reconhecer e sustentar outras formas de trabalho
necessário às comunidades. Não se trabalha somente
no âmbito das ocupações pagas, mas também em família
e nas atividades, assim chamadas, voluntárias.
Precisamente no âmbito das igrejas e na vida da
comunidade, estas formas de trabalho ocupam um
papel importante. Portanto, deve-se prestar uma
atenção cada vez maior às formas intermediárias
entre o trabalho pago regulado em nível de contratos
salariais coletivos, o trabalho familiar e as
atividades voluntárias".
É
necessário um maior reconhecimento social e político
do trabalho familiar - que deve, igualmente, ser
reconhecido financeiramente. É prioritário o reconhecimento
oficial das atividades voluntárias. Os serviços
voluntários e gratuitos poderiam ser recompensados
de diversas formas: o reembolso das despesas,
a possibilidade de uma formação posterior etc.
Os jovens que desenvolvem algum trabalho voluntário
poderiam, por exemplo, ser preferidos na busca
de oportunidades de estudo, de formação, ou até
mesmo privilegiados no mercado de trabalho.
O
Terceiro Setor traz consigo a redescoberta do
"algo mais" que existe entre o Estado
e o Mercado: uma relação nova entre as pessoas;
um serviço que é prestado aos outros por causa
do valor da
comunidade de vida, do meio ambiente.
Segunda
parte
A
indignação ética e a palavra libertadora de Deus
e da Igreja face ao drama dos desempregados
Na
segunda parte colocaremos frente a frente duas
coisas: o que vimos da realidade social, política,
econômica e cultural em que vivem os desempregados
e desempregadas, e o modo de pensar a sociedade
a partir da ética, da Bíblia, da teologia e da
doutrina social da Igreja. O que procuramos é
o anúncio da sociedade que Deus nos propõe.
Vale
a pena recordar os objetivos da CF'99: a) sensibilizar
as pessoas sobre a situação dos desempregados
e desempregadas; b) denunciar as causas desta
situação, centrando a atenção no modelo existente;
c) anunciar uma sociedade segundo a proposta do
Evangelho; d) buscar perspectivas para superar
o desemprego.
Mesmo
sem ser completa, faremos uma reflexão em três
momentos. Com a luz da parábola dos frutos da
árvore boa ou má, buscaremos algumas raízes estruturais
que causam o desemprego. Em seguida, a parábola
dos trabalhadores desocupados na praça nos ajudará
a levantar critérios evangélicos para uma nova
relação com o trabalho. Na terceira parte, iluminados
pela cena da multiplicação dos pães e peixes,
buscaremos caminhos para enfrentar os desafios
do desemprego e da situação dos desempregados.
Esta reflexão teológica e pastoral procura lembrar-nos
de duas coisas: a necessidade da conversão para
construir uma sociedade de acordo com o Evangelho
e a necessidade da mobilização das energias da
sociedade para construir a civilização do amor.
“Ou
a árvore é boa, e o seu fruto é bom; ou a árvore
é má, e o seu fruto é mau. É pelo fruto que se
conhece a árvore... Quem é bom faz sair coisas
boas de seu tesouro, que é bom. Mas quem é mau
faz sair coisas más de seu tesouro, que é mau!”
(Mt 12, 33 e 35).
Vivemos
um tempo da história com rápidas mudanças. A produção
está sendo feita com tecnologias que precisam
cada vez menos mão-de-obra. Muda, com isso, a
realidade do emprego e do trabalho. O chamado
pleno emprego, com todo mundo trabalhando, está
ficando cada dia mais distante. O que essas mudanças
significam e tornam possível para as pessoas e
para a sociedade? Como entender o desemprego?
Tudo isso preocupa a muitos e é assunto de muitos
estudos.
O
desemprego está atingindo, hoje em dia, a dignidade
da pessoa humana, as famílias e comunidades, a
sociedade toda. Ele impede a solução de muitos
dos problemas que a própria sociedade precisa
resolver. A pessoa desempregada sente-se diminuída
na sua capacidade de agir. Muitas vezes, por não
encontrar trabalho, fica dependente de outros,
fraca psicologicamente e cheia de medo. Ela pode
até alimentar sentimentos de culpa. Atingida na
sua capacidade de produzir e ganhar seu sustento
e da sua família, vive dificuldades em suas relações
pessoais na família e na participação na sociedade,
podendo ser manipulada por pessoas sem escrúpulos.
Existem
poucos casos em que o desemprego foi ocasião de
criatividade, de maior tempo para ficar com a
família, de mudança do tipo de trabalho produtivo.
Na maioria das vezes, ele é uma perda sem volta.
Chega a ser uma tentação forte para a marginalidade,
para a atividade ilegal e para a corrupção social
e política. É um desafio muito grande para as
famílias, em todas as dimensões da vida. Cria
problemas até para os serviços públicos, pois
diminuindo os que podem contribuir, a seguridade
social se vê sem os recursos necessários para
atender a todos.
Na
América Latina, o desemprego, que cresce sem parar,
vai se tornando caminho quase natural para
o empobrecimento, ou para a volta à pobreza. Esta
situação foi definida, nos documentos da Igreja,
como “desumana” (Med. 11, Puebla 29), “anti-evangélica”
(P. 1159), “o mais devastador e humilhante
dos flagelos vividos pelo continente latino-americano"
(P 29, SD 179a).
A
fé cristã vê a situação do desemprego como um
dos rostos da exclusão social. Ele dificulta e,
muitas vezes, impede a vida digna. Está em clara
contradição com o projeto de Deus, descrito no
Gênesis (1,26-28). Deus trata a mulher e o homem
como sua imagem e semelhança: seres com especial
dignidade, com inteligência e compreensão, afeto
e amor, vontade e liberdade, responsabilidade
e sede de felicidade. O desemprego contraria também
o princípio
básico do Ensinamento Social da Igreja: a "destinação
universal dos bens", para que todas as
pessoas tenham vida digna. Deixando de ser conjuntural,
passa a ser uma “situação de permanente violação
da dignidade das pessoas" (cf. P. 41),
e mesmo uma situação de violência institucionalizada
(cf. SRS 37).
A
pobreza da maioria do nosso povo, causado especialmente
pelo desemprego, desrespeita a Constituição da
República Federativa do Brasil, em seu artigo
170: “a ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social”. E entre
os princípios ditados pela Constituição, no mesmo
artigo, vale destacar: soberania nacional,
função social da propriedade, defesa do meio ambiente,
redução das desigualdades regionais e sociais,
busca do pleno emprego.
O
desemprego tem várias causas, como vimos na primeira
parte, o VER. O que procuramos fazer agora é uma
análise, à luz da ética, do sistema neoliberal
exacerbado. Este sistema alimenta um tipo de sociedade
que não tem como medida de tudo a vida, a dignidade
da pessoa e a solidariedade. Por isso, agrava
e torna permanente a situação de desemprego, pobreza
e exclusão. Preconiza políticas que multiplicam
o número de desempregados, aumentam o tempo de
desemprego, e até dificultam encontrar um novo
emprego; concentram a terra e as rendas nas mãos
de poucos; excluem os pobres, considerando as
multidões como "inempregáveis"
e, por isso, sobrantes. O trabalho humano, que
tem por finalidade criar e ampliar a vida com
dignidade, é reduzido, por este sistema, a uma
mercadoria de valor baixo e humilhante.
Este
tipo de neoliberalismo capitalista é iníquo. Sacrifica
a dignidade da pessoa humana e a integridade do
meio ambiente às exigências cegas do mercado.
É iníquo, ainda, porque coloca o dinheiro, na
forma de capital, no centro e acima de todas as
outras realidades, especialmente do trabalho humano
e da própria pessoa humana. De forma astuta, usa
princípios psicológicos e religiosos para se afirmar
e impor como o único caminho de salvação para
o mundo. Procura, com isso, justificar o sacrifício
de uma multidão de excluídos como algo passageiro
e necessário para se chegar a um paraíso futuro,
que viria com o domínio do capital, quando haveria
bens para todos.
Este
tipo de cultura neoliberal coloca no ringue do
mercado o aumento da luta livre entre todos, deixando
que os mais fortes e astutos vençam. A cultura
da luta livre, sem ética e sem moral, trabalha
muito com espetáculos ridículos, com a excitação
dos desejos, especialmente da erótica, da sexualidade
e da violência. Manipula os valores que dignificam
as pessoas e o meio ambiente. Com isso, cresce
a insensibilidade em relação à pessoa e a tudo
que fere a dignidade humana. Uma insensibilidade
importante para que as leis do livre mercado possam
funcionar, dando, a qualquer custo, a vitória
a quem deve vencer.
A
luz da parábola de Jesus sobre os frutos da árvore
boa ou má e os ensinamentos proféticos da Igreja
nos ajudam a chegar à raiz do fato capitalista.
Ele tem como sua raiz má a ideologia, isto é,
os dogmas da eficiência e do lucro. Contestar
a situação e as consequências, sem mexer com os
dogmas, seria ficar no campo da ilusão,
do discurso vazio. Não alcançaríamos o mais importante.
É fundamental ir à raiz do capitalismo sem freios:
a sua compreensão do ser humano a partir da produção
e do consumo, não para a satisfação das necessidades
humanas, mas da pura excitação dos desejos, que
jamais podem ser saciados.
Esta
ideologia exalta ao máximo o lucro financeiro,
passando por cima da ética e da moral. As pessoas
são valorizadas ou condenadas pela sua capacidade
produtiva. Umas, ainda necessárias, porque produzem
a riqueza de uns poucos. Outras, pelo dinheiro
que gastam e pelo espetáculo que são na sociedade.
Os incapazes ou os que perderam a capacidade de
produzir, bem como a maioria dos portadores de
alguma deficiência, vão sendo objeto de feroz
exclusão social. Os espertalhões e os sem ética,
contudo, vão faturando e consumindo cada vez mais.
Os que não conseguem se encaixar no sistema, são
excluídos, desprezados.
No
final do século passado, a Igreja, através da
palavra do Papa Leão XIII, tomou uma posição de
clamor e protesto contra a exploração dos trabalhadores.
Um pequeno número de ricos estava impondo um trabalho
quase servil. Diante disso, ele denuncia: “explorar
a pobreza e a miséria e especular com a indigência
são coisas que contrariam as leis divinas e humanas.
Defraudar o preço devido ao trabalho é crime que
clama ao céu por vingança. Eis que o salário roubado
aos operários clama contra vocês e seu clamor
chegou aos ouvidos do Deus dos exércitos”
(RN n.º 12; cf. Tg 5,4).
O
mundo mudou muito, e o progresso torna possível,
hoje, atender às necessidades básicas de todas
as pessoas da terra. Mas a realidade mostra que
a situação da maioria da população mundial continua
ruim. Fiel à sua missão, a Igreja precisa tomar
partido em favor dos injustiçados, não se omitindo
em relação ao que está acontecendo no mundo da
economia e do trabalho.
Das muitas palavras
da Igreja, destacamos uma condenação firme do
capitalismo sem freios éticos feita pelo Papa
Paulo VI, na Populorum Progressio, em 1967: ele
transforma "o lucro em motor essencial
do progresso econômico, a concorrência como a
lei suprema da economia, a propriedade privada
dos bens de produção como um direito absoluto,
sem limites nem obrigações sociais correspondentes"
(cf. PP
43-80). Trata-se, portanto, de “um sistema
nefasto” (cf. PP 26).
O
Papa João Paulo II nos diz que este
sistema econômico está a serviço da idolatria:
“por
detrás de certas decisões, aparentemente inspiradas
só pela economia e pela política, se escondem
verdadeiras formas de idolatria: do dinheiro,
da ideologia, da classe e da tecnologia” (Solicitudo
Rei Socialis, 1987, n.º 38, 6). Isto quer dizer
que toda forma de vida e a própria vida humana,
só valem alguma coisa se estiverem em função do
ídolo. É por isso que crescem, nesta forma de
sociedade neoliberal: o desrespeito à vida; formas
de exploração e violência contra a natureza e
a pessoa humana; a desvalorização do trabalho
e a sua substituição pela máquina, sem critérios
éticos. Cria-se, assim, uma verdadeira "cultura
da morte".
A
complexa realidade do desemprego nos desafia a
pensar, inventar e criar um novo modelo de sociedade.
Nesta sociedade, a pessoa humana deverá ser tratada
como prioridade, e poderá realizar suas potencialidades
com novas formas de ocupação do tempo e das suas
energias. É preciso deixar claro, então, que o
desemprego é mais do que um problema econômico,
fruto dos avanços tecnológicos. É um problema
político e ideológico. E não tem solução no atual
modelo econômico e político. Na medida em que
se reduz o político e o social ao econômico, e
este ao financeiro, e este ao monetário, o mercado
não só não consegue acertar os desequilíbrios,
mas os aumenta e aprofunda. Os frutos desta árvore
são desastrosos tanto para a pessoa humana, especialmente
para as mulheres e os mais fracos, como para a
convivência social e o meio ambiente.
Muitos
querem uma forte diminuição do Estado, e que intervenha
o mínimo possível no mundo da economia. As relações
de trabalho, e do emprego, deveriam ficar nas
mãos do mercado "livre", da livre negociação,
acima e fora das fronteiras dos países e dos governos.
O mercado seria capaz de resolver tudo e criar
a justiça necessária.
A
realidade, porém, nos revela exatamente o contrário.
O sistema atual está se mostrando incapaz de criar
empregos. Mais do que isso, está diminuindo o
número de postos de trabalho. Outra coisa importante:
no livre mercado, os desempregados não têm condições
nem apoios para a defesa de seus direitos. É necessário,
por isso, um Estado com legislação e com políticas
de emprego e renda que defendam os direitos de
todos, especialmente dos mais fracos, dos desempregados.
A falta destes controles sociais sobre a ganância,
a competitividade, o lucro e a força deixa sem
proteção grandes grupos sociais. As leis devem
marcar o que garante a dignidade das pessoas e
das famílias nas áreas básicas da saúde, alimentação,
habitação, educação, lazer, direitos humanos...
Diante
desta situação social, econômica, cultural e política
da sociedade, a Igreja deve aprofundar sua missão
profética. Não apenas na linha da crítica, da
denúncia, clamor, protesto e condenação. Cabe-lhe
igualmente a missão de anúncio, ânimo, esperança,
reconciliação e salvação. A mensagem evangelizadora,
dada pelo Senhor, não pode ser genérica, desencarnada
da realidade de hoje. Nem pode estar aliada à
ideologia do mercado, ou omissa em relação a ela.
Isto significa que é urgente que a Igreja insista,
mais do que antes, na proclamação do Deus da Vida,
contra este "deus da morte" - um deus
que precisa fabricar e multiplicar os pobres,
os excluídos, os desempregados, os sobrantes,
os desesperados para manter-se e recompensar seus
adoradores.
O
eixo central das relações de trabalho e, por isso,
da vida econômica e social, está na dignidade
da pessoa humana. É isso que nos diz o Concílio
Vaticano II: “a dignidade da pessoa humana,
com sua vocação integral, bem de toda a sociedade,
deve ser respeitada e promovida. O homem, com
efeito, é o autor, centro e fim de toda a vida
econômica e social” (GS 63). A existência
de tantos desempregados e desempregadas é a prova
de que estamos num caminho contrário ao desejado
por Deus e
relembrado pela Igreja.
É
urgente enfrentar esta cultura de egoísmo e consumismo
com uma outra cultura. Estamos falando da
cultura da solidariedade, da sobriedade
e da subsidiaridade. Ela é a favor
da vida e da dignidade humana, de uma sociedade
justa e solidária, e a favor do meio ambiente
preservado. Torna possível um projeto político
democrático e solidário. Coloca em primeiro lugar
a pessoa humana em suas relações fraternas, e
coloca a economia e o mercado a serviço da superação
da pobreza. Ela reorganiza as prioridades na geração
e distribuição de renda, e cria uma nova relação
com o meio ambiente. Ou seja, o que se quer é
uma árvore boa que dê bons frutos.
O
critério fundamental para medir a qualidade de
uma sociedade é a dignidade humana. É justa uma
sociedade que defende e promove a dignidade de
todas as pessoas. As perguntas básicas estão ligadas
com a situação dos pobres e dos mais fracos: em
que medida protege os pobres, os enfermos, os
mais fracos; como é útil para eles, criando possibilidades
de agirem de forma responsável; em que medida
cria e facilita laços de solidariedade. A justiça
zela para que todas as pessoas tenham seus direitos
reconhecidos e para que cumpram com seus deveres.
Cuida que todos tenham o suficiente para levar
uma vida autônoma, digna, responsável; participem
da vida da sociedade e usufruam dos frutos do
trabalho de todos; não sofram qualquer tipo de
discriminação e tenham acesso à informação, à
cultura, à saúde, à educação básica e continuada.
O
coração da ética bíblica e cristã é a justiça
com solidariedade. Por isso, não só a pobreza,
mas também a riqueza deve ser preocupação ética
na política e na economia. O desenvolvimento econômico
que conhecemos aumenta os rendimentos do capital
e prejudica o trabalho e os trabalhadores. Nesta
situação, é indispensável que os mais ricos sejam
solidários com os pobres, fracos e inferiorizados
na hora de repartir a renda, a propriedade e os
bens. Só assim estarão assumindo sua responsabilidade
social. Isso deve ser feito porque não se constrói
estabilidade social sem solidariedade. O abismo
entre ricos e pobres gera consequências perigosas
para a vida em sociedade. Todos somos muito ligados
uns aos outros e com a natureza, e todos partilhamos
o mesmo destino. É fundamental, por isso, que
as relações entre pessoas, grupos e forças sociais,
entre nações e com a natureza sejam regidas pela
solidariedade. Ela qualifica profundamente a justiça.
Uma
qualidade básica de uma sociedade democrática
é a co-responsabilidade. Ela impede tanto independências,
quanto domínios paternalistas e dependências assistencialistas.
É para isso que se precisa da subsidiaridade.
Ela promove a autonomia da responsabilidade pessoal
e das pequenas unidades sociais, cada uma com
as condições para conseguir auto-suficiência e
crescimento; favorece as iniciativas pessoais
e grupais; valoriza as capacidades e a criatividade
social em favor do bem comum; leva a criar estruturas
sociais autônomas e solidárias.
Uma
cultura de justiça e solidariedade só é possível
com um desenvolvimento que garanta a vida também
para as futuras gerações. Precisamos insistir
na co-responsabilidade pela criação como um todo.
Mas precisamos acrescentar outra qualidade: a
sobriedade, na produção e no consumo. Só uma forte
disciplina em relação ao consumo torna possível
um desenvolvimento sem agressão criminosa à terra,
sem criar desertos e sem poluir a água e o ar.
E ela exige que a propaganda não continue hipnotizando
os consumidores com mil promessas e vantagens.
Para que isso aconteça, são indispensáveis decisões
jurídicas, econômicas, políticas e sociais, nascidas
de um acordo ético e moral sobre os direitos humanos
universais, a seguridade social e os direitos
da terra.
É
urgente construir um novo projeto de sociedade,
uma nova árvore com raízes que garantam bons frutos.
Ela terá de levar em conta as mudanças tecnológicas
do nosso mundo. Não se pode voltar aos tempos
da infância da humanidade. E não se pode, ao mesmo
tampo, continuar construindo bases da destruição
da humanidade: desertificando a natureza, poluindo
ar, rios e mares e tratando as pessoas humanas
como coisas e objetos descartáveis. Por isso,
o objetivo primeiro da nova árvore deve ser a
vida com dignidade, a pessoa respeitada e promovida,
uma sociedade justa e solidária.
Esta
nova árvore só é possível a partir de projetos
muito concretos do povo. Pequenas organizações
solidárias vão nascendo e se somando, se articulando,
construindo laços de fraternidade e de cooperação.
Dando importância a valores éticos, elas vão forçando
o Estado e as empresas a se humanizarem. É assim,
por exemplo, que se deve agir no caso do desemprego:
as políticas concretas, como a redução da jornada
de trabalho e o trabalho na economia alternativa,
devem fazer parte de um projeto maior: a construção
de uma nova sociedade. Para isso é fundamental
construir uma nova globalização: globalizar a
justiça, a solidariedade, a subsidiaridade, as
iniciativas e os sonhos que concretizam a caminhada
rumo a esta nova sociedade.
Trata-se de um
caminho de conversão e de vivência da missão cristã:
assumir e testemunhar estes valores, levando-os
a mais pessoas, à política, à economia e aos centros
formadores da opinião pública. Numa sociedade
com forte carga de joio, há campos de trigo crescendo
e se fortalecendo; quanto mais se apoiarem e se
solidarizarem uns com os outros, mais espaços
conseguirão.
(cf Mt 13, 24-30)
Esta
nova sociedade aponta para a partilha igualitária
e solidária da produção e da renda e para a co-responsabilidade
pelo bem comum. É preciso que os bens produzidos
sejam repartidos entre todos, e não só entre os
que produzem ou conseguem apropriar-se deles.
A solidariedade se assenta sobre a dignidade da
pessoa, seja ou não produtora. É por isso que
é antiético que alguns acumulem capital e renda
no mesmo mundo em que muitos não têm o mínimo
indispensável para viver.
É
preciso ter uma nova visão sobre o sentido de
emprego, trabalho e tempo livre. Uma nova visão
da ocupação do tempo, até agora dominado, em todos
os segundos, pelo dinheiro. Esta importante dimensão
humana, o tempo livre, passou a ser um sonho proibido.
A cultura do dinheiro levou as pessoas a se sentirem
culpadas quando não têm todo o tempo ocupado.
Chegam a ficar doentes, sentindo-se desvalorizadas
por estarem sem emprego ou fazendo trabalhos não
remunerados, como é o caso das "donas de
casa".
Precisamos
aprender a valorizar o tempo livre. Ele nos ajuda
a viver a vida em todas as suas dimensões. Precisamos
aprender a aplicar este tempo disponível em causas
que dignificam a pessoa e fazem a sociedade mais
humana: viver com a família; praticar o lazer
e o turismo; dedicar-se a trabalhos sociais, culturais
e comunitários. Na situação atual, pouco favorável
para a maioria, é importante buscar a construção
de gestos ou símbolos que apontem nesta direção.
O desafio maior é superar a idéia de tempo como
mercadoria. É preciso apostar na criação de novos
valores, capazes de apoiar um novo tipo de organização
do trabalho. A discussão sobre emprego, sobre
trabalho e sobre repartição social da produtividade,
provocada pela grande transformação tecnológica
deste final do século XX, vai ajudar muito nesta
direção. E ajudará também o resgate do sentido
do sétimo dia e do jubileu, na cultura judaica
e cristã.
Para
construir a nova sociedade é preciso fortalecer
as raízes da árvore boa, para que dê bons frutos.
Para isso, precisamos:
a)
uma reviravolta no modo de entender o trabalho.
O trabalho
não deve ser visto como castigo. Ou como mão-de-obra
injustamente assalariada, algo que se vende e
é humilhante para a dignidade humana. Precisamos
construir uma noção de trabalho que seja concretização
da visão do homem e da mulher como “imagem e semelhança
com Deus” -
do Deus que “trabalha” com prazer o universo,
criando-o, organizando-o, embelezando-o, tornando-o
habitável. Nesta visão, é o ser humano que dignifica
o trabalho, lhe dá sentido e o controla.
b)
uma revisão atenta das causas do desemprego.
A avareza é um pecado capital. Separa a pessoa
humana de Deus. E a avareza nos leva à idolatria
do dinheiro.
Está comprovado que o ídolo dinheiro cria ao seu
redor uma situação de pecado social e estrutural,
gerador de injustiça. É fundamental, então, atacar
diretamente o pecado de idolatria em relação ao
dinheiro e seus seguidores. O que deve existir
é a primazia da dignidade humana, da justiça e
do amor.
c)
uma mobilização da sociedade brasileira para
definir um novo projeto de Brasil. Ele deve
incluir a defesa da produção e do emprego, e um
novo modelo de distribuição de renda. É urgente
uma revolução nas prioridades, na linha do que
foi indicado na 2ª Semana Social Brasileira():
não aceitar que todos os problemas da sociedade
brasileira se reduzem ao econômico. Não basta
estabilizar a moeda. É preciso que a estabilidade
da economia sirva à prioridade das prioridades,
que é a pessoa humana, garantindo-lhe a satisfação
de suas necessidades básicas.
d)
a promoção de uma cultura da solidariedade().
A resolução da crise social, em que sofrem especialmente
os desempregados e as desempregadas, não será
apenas obra da economia, mesmo sendo ela muito
importante. Esta crise é, antes de tudo, de ordem
ética e cultural. Junto com a busca de soluções
válidas no campo econômico, está em jogo uma tarefa
mais profunda e complicada: fazer acontecer uma
revolução ética. Ela é necessária para que possa
ter chance uma revolução social a serviço da superação
da miséria e da pobreza, isto é, “a serviço da
vida e da esperança”. A solidariedade com os pobres
é o centro e pedra de toque fundamental de toda
cultura.
A
indignação ética e teológica diante da situação
social dos desempregados e dos demais excluídos
nos coloca muitos desafios. Alguns deles são bem
práticos: como romper marcas escravizantes
da atual
economia e como romper com a idéia de que
trabalho é só o emprego. Não se pode mais
aceitar que a renda dos cidadãos
dependa apenas da quantidade de trabalho que a
economia precisa. Não é mais aceitável que o trabalho
remunerado seja a fonte principal da identidade
e do sentido da vida de cada pessoa.
A
situação dos desempregados e das desempregadas
está exigindo uma nova visão de economia social,
de emprego e de trabalho. Indo agora mais ao concreto
da vida, uma sociedade inspirada nos valores do
Evangelho tornaria possível:
a)
que cada mulher e homem, sem discriminação, possa
ganhar a vida trabalhando menos, melhor e com
mais prazer, o tanto que lhe for bom e conveniente,
e recebendo a sua parte da riqueza produzida por
toda a sociedade. Tudo o que é produzido, não
importa por quem, tem uma hipoteca social, pois
todos pertencemos a uma comunidade.
b)
que o trabalho possa ser feito por períodos separados,
sem perder a renda plena durante as pausas. Numa
sociedade que valoriza a solidariedade, isso abre
novos espaços para atividades sem fim econômico.
São atividades com uma dignidade e um valor muito
grandes, para os indivíduos e para a sociedade
no seu conjunto:
a solidariedade, o voluntariado, a cultura, a
oração, a arte...
c)
que as pessoas possam trabalhar por conta própria
ou em pequenas iniciativas de economia alternativa
solidária, tendo garantidos todos os direitos
sociais. O fato de alguém trabalhar para seu próprio
sustento torna possível que outras pessoas sem
estas condições sejam melhor atendidas por toda
da sociedade.
d)
que todos os que têm algum tipo de deficiência
tenham o apoio da sociedade e do poder público
para conseguir trabalhos dignos, adequados à sua
condição e sem discriminação de qualquer tipo.
e)
que as crianças e jovens tenham garantia de: escola,
lazer, saúde, segurança, apoio afetivo, educação
em valores humanos e sociais de convivência fraterna
e solidária e, em tempo oportuno, a orientação
para o trabalho e o engajamento sócio-político.
Questionamentos
e esperanças.
Esta
reflexão ética e teológico-pastoral é ao mesmo
tempo denúncia e indicação de caminhos. Ela
tem, também, a tarefa de provocar mais reflexão,
mais buscas de caminhos e, particularmente,
estimular gestos concretos. Mas existem, é claro,
muitas outras questões provocativas. Selecionamos
aqui apenas algumas para o debate:
a)
Como deve ser uma sociedade na qual o
trabalho de tempo integral de todos(as) os(as)
cidadãos(ãs)
não é mais necessária e nem economicamente
útil?
b)
Quais são as prioridades não econômicas
desta sociedade?
c)
Como deve se comportar a sociedade para
que o crescimento da produtividade e a diminuição
do tempo de trabalho favoreçam a
todos?
d)
Como se pode redistribuir melhor todo
o trabalho socialmente útil, de modo que todos
possam, sim, trabalhar, mas trabalhar menos
e melhor, recebendo uma parte justa das riquezas
socialmente produzidas?
e)
Como
canalizar as energias humanas no tempo livre
para o exercício da gratuidade em favor da vida,
dos mais necessitados de libertação e
amor, na prática de relações humanas construtoras
da alegria de viver e em atividades de defesa
e promoção do ecossistema?
Buscando
mais critérios bíblicos e teológicos para o Julgar,
procuraremos refletir sobre Jesus trabalhador,
sobre a parábola dos trabalhadores desocupados
na praça e sobre o sétimo dia e o Jubileu. Caberá
a cada leitor e aos grupos enriquecerem os dados
e aplicá-los às diferentes situações em que se
dá o desemprego.
A
Igreja tem sua razão de ser no seguimento de Jesus
Cristo, pessoa, mensagem e missão. E seguir Jesus
hoje, nos diz o Documento de Santo Domingo (nº
178), é "fazer o que Ele fez".
No Documento de Puebla, os nossos pastores afirmaram
que Jesus fez sua a causa dos pobres. Segui-lo,
então, é aderir à sua pessoa e "continuar
a luta por sua Causa, continuar o seu Caminho,
comportar-se diante da história como Ele se comportou,
entrar em comunhão de destino com Ele e - muito
provavelmente - enfrentar consequências semelhantes
às que Ele enfrentou. Seguir a Jesus, no sentido
forte da expressão, exige então que se tenha uma
leitura histórico-escatológica da realidade, como
a dele. A Causa de Jesus - chave do seguimento
de Jesus - é o Reino de Deus, e por isso, seguir
Jesus é empenhar-se pelo Reino, que é Vida, Verdade,
Justiça, Paz, Graça, Amor, neste mesmo mundo e
depois da morte. Não se pode seguir Jesus, lutar
por sua Causa e não sentir a necessidade de lutar
contra a configuração de mundo que nega radical
e estruturalmente a utopia de Deus para os humanos".
Este
seguimento de Jesus tem que levar em conta um
dado importante: Jesus é o filho de Deus que se
fez trabalhador, filho do carpinteiro. Antes do
"trabalho" da redenção, trabalhou na
oficina do pai adotivo José e nas ruas e estradas
da Galiléia. Sustentando sua vida, criou condições
de vida para seus concidadãos. Ao assumir, depois,
a atividade de Rabi, Mestre e Pregador do Reino,
continuou o trabalho de outra maneira: não remunerado,
mas gratuito; não de um empregado, mas de serviço
à comunidade, pregando e vivendo a misericórdia,
a atenção e a ação em favor dos mais necessitados.
Na escolha dos discípulos, chamou trabalhadores.
Com eles e com todos falava a língua de quem conhecia
muito bem tanto as várias atividades, quanto a
falta delas. O ofício de trabalhador marcou sua
vida, sua aparência, sua linguagem. Sua "obra"
marcou suas mãos, depois perfuradas pelos cravos.
A coroação de seu trabalho foi a Ressurreição:
como Deus, na origens, "descansou",
assumindo a plenitude da missão cumprida.
Jesus
de Nazaré vem confirmar, com sua vida, mensagem
e missão, o projeto de amor que a Trindade tem
para com o mundo. E especialmente para com as
suas criaturas queridas e preferidas, o homem
e a mulher. Deus, que é Amor, doação gratuita
de si, só pode ter criado a pessoa humana para
o amor, para a gratuidade do amor. A mulher e
o homem existem, por natureza, em função da doação
gratuita de si, na experiência da amizade e do
amor, que os encaminham para a comunhão com Deus,
para a felicidade. A razão humana e o trabalho,
os bens da natureza e os produzidos pela capacidade
humana, só podem ser úteis às pessoas se estiverem
a serviço do que as dignifica, ou seja, do amor.
Entre
as várias parábolas de Jesus sobre a gratuidade
do amor e das relações entre as pessoas, encontramos
preciosidades como, por exemplo, a do Bom Samaritano
e a do Filho Pródigo. Mas por causa do tema da
CF-99, “a fraternidade e os desempregados",
e do lema, “Sem trabalho... Por quê?!”, destacaremos
a parábola dos trabalhadores desocupados na praça.
Jesus propõe um novo modo de regular as relações
de trabalho, junto com uma solução profundamente
humana para a situação dos desempregados. Ele
coloca no centro não o lucro que viria com trabalho
contratado, mas a satisfação das necessidades
de quem trabalha.
Uma
nova sensibilidade.
“O Reino dos céus é semelhante a um pai de
família que, ao romper da manhã, saiu a contratar
operários para a sua vinha. Acertado o preço da
diária, enviou-os à sua vinha. Saiu também pelas
nove horas e viu outros na praça, sem nada fazer.
E lhes disse: “Ide também vós para a minha vinha
e darei o que for justo”. E eles foram. Saiu de
novo por volta do meio-dia e das três horas da
tarde e fez o mesmo. E, saindo perto das cinco
horas da tarde, encontrou outros que lá estavam
e lhes disse: “Como é que estais aqui sem fazer
nada o dia inteiro? Eles lhe responderam: “É porque
ninguém nos contratou!” Ele lhes disse: “Ide também
vós para a minha vinha!”
O
critério da solidariedade.
Pelo fim do dia, disse o dono da vinha a seu feitor:
“Chama os operários e paga os salários a começar
dos últimos até os primeiros contratados”. Chegando
os das cinco horas da tarde, cada um recebeu uma
diária. E quando chegaram os primeiros, pensaram
que fossem receber mais e no entanto receberam
também uma diária. Ao receberem, reclamavam contra
o dono, dizendo: “Os últimos trabalharam somente
uma hora e lhes deste tanto quanto a nós, que
suportamos o peso do dia e o calor!” E ele respondeu
a um deles, dizendo-lhe: “Amigo, não te faço injustiça.
Não foi este o pagamento que acertaste comigo?
Toma, pois, o que é teu e vai embora. Quero dar
ao último o mesmo que a ti. Não posso fazer de
meus bens o que desejo? Ou me olhas com inveja
por eu ser bom?” Assim os últimos serão os primeiros
e os primeiros, os últimos” (Mt 20, 1-15).
O
objetivo primeiro de Jesus, nesta parábola, não
é social, de relações de trabalho. Nem quer resolver
o problema dos desempregados ou dos trabalhadores
desocupados. Mesmo assim aparecem alguns critérios
que merecem ser colocados em destaque para a questão
social: a) do lado dos operários - Jesus
faz uma constatação: estão sem trabalho. E não
faz juízo de valor: não os culpa pela situação
em que se encontram; b) do lado dos empregadores
- Jesus também faz uma constatação: eles não
contrataram os operários, e por isso estão na
praça sem fazer nada. O julgamento, agora,
é claro: os operários estão desocupados porque
ninguém os contratou. c) Jesus
indica a solução - o empregador contrata,
combina o preço justo do trabalho com cada grupo,
mas valoriza a todos por igual. Paga a todos a
mesma diária, tanto aos que foram contratados
nas primeiras horas do dia, como aos das últimas
horas. Jesus propõe um novo padrão de vida social:
unir justiça com misericórdia, justiça com gratuidade.
Temos
aqui duas atitudes unidas: a) justiça:
o pagamento do salário combinado; b) bondade,
misericórdia e gratuidade: o desejo do empregador
de ajudar, e de modo igual, a todos que precisam,
mesmo os que tenham trabalhado menos horas. É
que Jesus parte de novos critérios. Do lado
do empregador, por exemplo: gratuidade, generosidade,
solidariedade, amor. Ele não parte da sua necessidade
de produzir mais, ter lucro, acumular bens. Ele
parte da necessidade do operário sem trabalho.
Do lado dos operários, Jesus não coloca
no centro o mérito dos trabalhadores: uns se julgam
no direito de receber mais que os outros. O que
vale não é a quantidade de dinheiro por diferentes
tempos de trabalho, mas a necessidade básica da
pessoa. A pessoa humana não é só capacidade ou
incapacidade de produzir e consumir. Ela é sujeito
de relações, livre e capaz de amor. Sua dignidade,
em qualquer situação em que esteja, exige um relacionamento
de acolhida, compreensão, diálogo, perdão e misericórdia.
O
que interessa a Jesus é fazer a vontade do Pai
e ensinar aos homens e às mulheres que este é
o segredo da felicidade. A vontade de Deus é a
vida, com dignidade e amor, acima de qualquer
outro valor. Esta é a chave de leitura, não apenas
dessa parábola, mas de toda a intervenção de Deus
na história da humanidade. A medida padrão do
Deus bíblico para a felicidade das pessoa humanas
está resumida no Mandamento maior: "Amar
a Deus sobre todas as coisas” e “Amar o
próximo como a si mesmo”, aperfeiçoada por
Jesus no "amai-vos como Eu vos amei".
Quem cumpre estes dois preceitos consegue construir-se
como pessoa humana e construir uma sociedade com
justiça, solidariedade, fraternidade, sobriedade,
subsidiaridade, progresso e paz. Neste horizonte,
o trabalho e as relações de trabalho estão em
função da qualidade de vida de cada pessoa, de
sua família, da comunidade e de toda a sociedade.
Este
não é só o caminho bíblico. Todas as grandes religiões
do mundo, e também as grandes filosofias de vida,
de uma forma ou de outra, colocam o Amor como
o critério absolutamente primordial para a felicidade
humana.
A
busca da felicidade está descrita na Bíblia de
muitos modos. Um deles está na lei do sétimo
dia. Ele ilumina nossa meditação sobre o trabalho
e o emprego, e sobre a situação dos desempregados
e das desempregadas. Deus, nos diz a Bíblia, trabalhou
durante seis dias. Trabalhou com sabedoria, sentindo
prazer no fruto de seu trabalho: “E Deus viu
que era bom!” (Gn 1, 10. 25) e “muito bom”
(Gn 1, 31). No sétimo dia, Deus descansou. Durante
“seis dias” o trabalho de Deus criou as condições
para a vida, e isso lhe deu satisfação.
A
teologia judaica lê as primeiras palavras do primeiro
livro da Bíblia, “No princípio Deus criou...”,
exatamente no sentido de que Deus, antes de mais
nada, “cria”. Trabalhar criativamente e prazerosamente
é, portanto, prática de Deus. O povo judeu compreendeu
que o trabalho e o descanso são parte integrante
do fato de viver, pois Deus age e descansa, cria
e usufrui, cansa-se e se alegra. A cada dia alegrava-se
com seu trabalho que avaliava “bom”. Ao terminar
sua obra, Deus festejou, porque tudo “era muito
bom”.
O
festejar o resultado do trabalho veio acompanhado
do descanso. Por isso os judeus passaram a dar
um significado muito especial ao sétimo dia, com
alguns conteúdos: a) o descanso; b) a intimidade
da família (presença de todos no lar); c) o devotar-se
a Deus (leitura dos livros sagrados, oração, culto).
De sete em sete anos, esta lei do descanso, para
as pessoas e para a terra, se estende ao ano todo.
É o ano sabático, no qual a terra não pode ser
cultivada e o povo e os animais se alimentam do
que ela espontaneamente produz (cf. Lv 25, 1-7).
A história revela que todos os grupos religiosos
que vem do tronco judaico, entre os quais o cristianismo,
sempre valorizaram um dia dedicado ao descanso
e a Deus (sábado ou domingo), e por isso manifestam
forte resistência ao trabalho neste dia.
Ao
final de sete vezes sete anos, segundo as orientações
do livro do Levítico, acontece o Jubileu. O ano
jubilar, ano da graça do Senhor, celebrado portanto
a cada 50 anos, começa com o toque da trombeta
de chifre de carneiro (yóbbel, símbolo da alegria
e justiça). O conteúdo deste ano jubilar, retoma
e complementa o que é vivido no sétimo dia e no
ano sabático: a) o descanso; b) a intimidade da
família; c) o devotar-se a Deus; d) o perdão das
dívidas; e) a libertação dos escravos; f) a revisão
das propriedades. Esta revisão das propriedades
e a reforma agrária são realizadas, segundo os
textos do Levítico, com vários critérios bem precisos,
tendo como base o próprio agir de Deus
e a justiça. O importante é que ninguém explore
seu irmão (cf. Lv 25, 8-55).
O
descanso não é apenas a recuperação das forças
para trabalhar mais. É a alegria de usufruir,
de gozar o fruto do trabalho-criação. O trabalho
deixa de ser visto como um castigo e um peso,
isto é, como “suor do rosto” (Gn 3,
19). Mais que isso. Ele é resgatado como uma
tarefa alegre de Deus ao criar o mundo, de
sua Sabedoria divina que sente prazer trabalhando
(cf Prov. 8, 23-31), e da situação do homem
e da mulher no Éden, onde o trabalho era prazer
(cf Gn 2, 4-25). O trabalho é, então, aliviado
pela satisfação que causa e pelo prazer que
virá no sétimo dia. É como a mulher que, entre
as satisfações do amor e do sexo e a dor do
trabalho de parto, tudo supera ao ver e ter
nos braços a alegria maior, o filho nascido
(cf. Jo 16, 21).
A
relação do homem e da mulher com a terra,
através do trabalho, não é a de dono absoluto
e escravizador. O mandato bíblico: “multiplicai,
crescei, dominai a terra” (cf. Gn 1, 28)
deve ser lido a partir do dono primeiro e
maior, que é o próprio Deus. A Sagrada Escritura
é insistente sobre este senhorio de Deus:
“a terra é minha”, diz o Senhor em
Lv 25, 23; “ao Senhor pertence a terra
e tudo o que ela encerra!”, rezamos no
Salmo 24, 1. É a Deus que o ser humano presta
contas de como a trata. Isaías denuncia duramente
os que acumulam bens, terra e querem ser donos
de tudo (cf Is 5,8). Colocada a serviço do
homem e da mulher, a terra não pode ser nem
idolatrada, nem demonizada e nem escravizada.
O próprio Deus colocou no coração humano um
“religioso respeito pela integridade da
criação”, conforme o Catecismo da Igreja
Católica, n.º 2415. E, além disso, o homem
e a mulher encontram na natureza motivação,
ajuda e estímulo para a sua relação de intimidade
com Deus. É isso que mostram, por exemplo,
os Salmos.
Assim,
o trabalho é intimidade de amor entre o ser
humano e a natureza. Reduzi-lo a uma mercadoria,
superexplorá-lo, em nome do capital financeiro,
significa romper esta intimidade quase sagrada.
Faz do “dominai a terra” um abusar, um destruir.
Ou seja, um pecado. Portanto, uma reforma
agrária e uma política agrícola, segundo a
justiça, e o devido cuidado com o meio-ambiente
resgatam as relações do homem com a terra
e são, hoje,
importante meio para diminuir o grave
problema do desemprego. São, por isso, uma
urgência ética.
Temos
outro aspecto do Jubileu que é importante
para a situação atual de desemprego e exclusão
social (cf. Lv 25, 23-55). É o conjunto de
leis e orientações sobre o resgate, para diferentes
formas de dívida. A questão é tratada através
de casos muito concretos, para os quais o
direito do resgate tem de ser reconhecido
e executado. Assim, por exemplo, deve ser
resgatado o irmão ou parente empobrecido que
fica devendo; a terra ou casa penhorada; o
judeu escravo de estrangeiro; os parentes
pobres forçados a se tornarem escravos de
outros parentes melhor situados, mas que não
podem ser tratados como escravos. E se não
houver nenhum jeito de resgatar alguém, Deus
obriga que essa pessoa fique livre de todas
as suas dívidas no ano jubilar (cf. Lv 25,54).
Percebemos que há, portanto, um limite de
tolerância por parte de Deus frente situações
injustas praticadas pelas pessoas, em sua
condição de pecadoras.
*
Que significa “resgate das dívidas sociais”,
no caso concreto dos desempregados e das
desempregadas?
*
Como a sociedade e o estado devem agir com
a dívida que contraem com eles e elas, por
não criar oportunidades de
emprego?
*
Como
ficam os desempregados e as desempregadas
com as suas dívidas pessoais, se não têm
como pagá-las?
*
Como rezar, no Pai Nosso, “perdoai as nossas
dívidas assim como nós perdoamos aos nossos
devedores”, se não assumimos realmente a
luta pela justiça social?
O
fundamento e a motivação para estas leis e
orientações é o próprio Javé e a sua justiça:
“Porque eu sou o Senhor, vosso Deus, que
vos libertou (resgatou) do Egito” (cf.
Lv. 25, 38); “Porque a terra é minha e
por isso não pode ser vendida” (cf. Lv.
25, 23); c); “O teu irmão empobrecido não
pode ser vendido e nem tratado como escravo
porque são meus servidores e eu os libertei
do Egito” (cf. Lv. 25, 42, cf Lv 8-55);
d); “Porque é a mim que os israelitas estão
servindo e são meus servidores porque os libertei
do Egito” (cf. Lv. 25, 55). Quem luta
para encontrar solução para esta terrível
crise do desemprego se assemelha a Deus, que
resgata, liberta, salva.
Na
revelação e realização do Projeto de Deus
para as pessoas e a sociedade, impressiona
o realismo com que os profetas defendem a
pessoa humana, especialmente o empobrecido,
escravizado e excluído. É o caso do Profeta
Isaías. Ele denuncia, a um povo marcado pela
religião, que a oração é falsa se não vem
acompanhada da justiça para com o pobre. Isaías
diz que Javé detesta as festas sagradas, o
culto religioso, os cânticos e as ofertas,
quando as mãos dos que dele se aproximam estão
manchadas de sangue, corrupção e desprezo
para com os pobres (cf. 1,11ss). O jejum que
agrada a Deus é soltar as algemas injustas,
desatar as amarras das cangas, dar liberdade
aos oprimidos, despedaçar todo e qualquer
jugo, repartir o pão com o faminto, acolher
em casa os pobres sem teto... (cf. 58, 1ss)
Denúncias desse tipo são repetidas por quase
todos os profetas.
À
luz desta Palavra, portanto, não pode ser
considerada religiosa a pessoa que não cumpre
a justiça; não promove os Direitos Humanos; é corrupta; é omissa frente o
sofrimento de qualquer pessoa; não colabora
para que todos tenham o suficiente para satisfazer
suas necessidades básicas e para uma vida
digna.
O
Verbo divino, que se fez carne e armou a sua
tenda entre nós (cf.
Jo 1,14), não usou
para si o fato de ser igual a Deus,
mas aniquilou-se, esvaziou-se a si mesmo.
Assumiu a condição humana, apresentando-se
como um simples homem e, mais ainda, como
um escravo. Ele humilhou-se a tal ponto que
se fez obediente até à morte, morte de cruz
(cf. Flp 2, 6-8). Nascido em família pobre,
na gruta de Belém, Jesus de Nazaré trabalhou
com suas próprias mãos, desde pequenino, para
conseguir, como todo ser humano, o pão de
cada dia. O duro trabalho em casa, na carpintaria,
no plantio, na colheita e na pesca lhe deram
um grande conhecimento dos usos e costumes
de seu povo. E Ele utilizou-se deles para
cumprir sua missão de comunicador do Plano
do Pai para a salvação da humanidade.
Como
todo judeu fiel, Jesus, além do trabalho,
dedica tempo à família, a Deus e à comunidade.
Está no meio do povo, participa das festas,
visita amigos, vai à Sinagoga e ao Templo.
Observa e analisa as situações e delas tira
lições de vida. Em várias de suas parábolas
Jesus inclui trabalhadores, operários, desempregados,
e por diversas vezes se refere à conflitiva
relação de trabalho. Aos poucos confronta
a realidade, que vê e observa, com a vontade
de Deus, seu Pai. Descobre e denuncia os desvios
que o pecado causou no coração do homem e
da mulher, nas relações humanas primárias,
nas relações sociais, no uso dos bens e do
poder. Repropõe o projeto do Pai. Oferece
o caminho da conversão. Encontra resistência.
É coerente face ao perigo da morte. Oferece-se,
doa-se como resgate, como libertação.
Jesus
se encontra no meio de um povo profundamente
religioso, mas dominado por líderes religiosos
que manipulam a religião para interesses próprios.
O processo de comunhão com Deus tinha sido
desfigurado. Em nome do próprio Deus pessoas
eram desprezadas, caluniadas, perseguidas,
torturadas, escravizadas e mortas. Jesus se
defronta todo o tempo com esta dolorosa situação.
E evidentemente reage, criando fortes conflitos.
No
caso do trabalho, algumas interpretações dos
líderes religiosos não favoreciam a defesa
da vida e da dignidade humana, essenciais
no projeto do Pai. Além do pagamento fiel
da diária ao operário, pois dela depende para
sobrevier, Jesus condena que o sábado seja
usado em prejuízo do bem a uma pessoa. Fica
assim condenada qualquer lei, costume, tradição
e ato religioso que não coloque em primeiro
lugar o Senhor, a vida, a dignidade humana,
os direitos da pessoa, a justiça, a solidariedade
e o amor. Não basta dizer “Senhor, Senhor!”.
É essencial fazer a vontade do Pai, que exige
para todos os seus filhos e filhas “vida
e vida em abundância”.
Jesus
dá o nome de Reino de Deus ao projeto do Pai
sobre a pessoa humana, a sociedade e o mundo.
Ele o propõe de muitas formas, como na parábola
dos trabalhadores desocupados na praça. É
assim que Ele cumpre o seu projeto messiânico,
assumido na sinagoga de Nazaré através da
leitura de Isaías 61,1-2 (Lc 4, 16-21). O
Reino do Pai, anunciado por Jesus, pelo qual
ele dá a vida, tem uma dimensão espiritual,
mas acontece “hoje” e aqui na terra, na vida
concreta das pessoas, na vida do povo. Sua
realização total acontecerá na eternidade
feliz.
Segundo
o evangelista Mateus, o Messias-Cristo reina
aqui na terra e governa um povo que existe,
cresce e atua nesta terra. As parábolas mostram
que a presença do Messias no meio do seu povo
significa o Reino de Deus acontecendo. Jesus
é o Reino em pessoa. Os milagres são sinais
da vitória de Deus, por meio de Jesus, sobre
o pecado e sobre todas as suas conseqüências.
Em especial, vitória sobre o tratamento indigno
dado à pessoa humana, sobre a corrupção religiosa
e política, a fome, as doenças, a injustiça
e a morte.
O
Reino de Deus não é, segundo Mateus, algo
apenas mental, intelectual, interior à alma
humana. Os judeus não entendem essa separação
entre alma e corpo. Os bens prometidos por
Jesus ao novo Israel do Messias são de natureza
material e visível: “herdarão a terra”
(Mt 5,5); “serão saciados” (Mt 5,6).
E os bens, dados pelos Messias, referem-se,
também, a realidades visíveis, materiais (Mt
11,4-5; 12, 18-21). A CF-99, sobre desempregados
e sobre trabalho, nos ajuda a dar o devido
destaque à missão de construir o Reino de
Deus, já aqui na terra. A busca de solução
para a situação dos desempregados é parte
integrante desta missão.
O
Sermão da Montanha (cf Mt 5, 1-26) retoma
e aperfeiçoa a Lei apresentada por Moisés
no Monte Sinai e defendida em sua pureza pelos
profetas. Jesus não vem abolir a Lei e os
Profetas. Vem levá-los à perfeição (cf. Mt
5, 17-19). E esta perfeição, marca registrada
do seu povo, é o cumprimento da justiça:
“bem-aventurados os famintos e sedentos
de justiça, porque serão saciados” (Mt
5, 6); “se a vossa justiça não for maior
do que a dos escribas e fariseus, não entrareis
no Reino dos Céus!” (Mt 5, 20).
A
justiça, segundo Jesus, é essencialmente misericórdia.
Ele, o Messias, declara: “quero misericórdia
e não sacrifício” (Mt 9.13). E misericórdia,
na visão bíblica, é uma atitude maternal,
de acolhida, aconchego, vida. É isso que Jesus
testemunha quando, olhando para o povo, exclama:
“Tenho compaixão deste povo, pois parece
ovelhas sem pastor!” (Mt 9, 36). Ele compartilha
da dor do povo, da sua perda de vida e de
sentido da vida, e procura meios para ajudá-lo
a encontrar saídas para esta situação dolorosa.
Não é possível ser cristão e não se sensibilizar
e se organizar para praticar esta compaixão
evangélica pelo povo sofrido, e nesta CF,
pelos desempregados.
A
misericórdia inclui perdão, até 77 vezes (cf.
Mt 18, 21-22). Como o Pai perdoa, os discípulos
devem perdoar. A medida do perdão de Deus
é a mesma que usamos para com outros: “perdoai
as nossas dívidas assim como nós perdoamos
aos nossos devedores” (Mt 6, 11; cf Lc
11,4) e “se perdoardes, Deus vos perdoará
também” (Mt 6, 14-15). Mateus usa as palavras
gregas “dívida” e “devedores”, ligados à dimensão
econômica da vida (Mt 6, 12). Lucas usa, primeiro,
a palavra "pecado", com um sentido
moral, e depois a palavra "dívida",
com sentido econômico (Lc 11, 4). Pedir perdão
das dívidas, na oração do Pai Nosso, é pedir
condições para manter a vida e a dignidade.
Se não perdoarmos, Deus nos fará pagar até
o último centavo que lhe devemos. É isso que
ensina Jesus na parábola do empregado cruel,
que foi perdoado de uma dívida muito grande,
mas não quis perdoar uma dívida pequena de
um colega (Mt 18, 23-35). E o perdão que Jesus
exige é "de coração", com a gratuidade
do amor (cf. Mt 18, 35).
No
tempo de Jesus, ter uma dívida significava
o risco de tornar-se escravo, ou de vender
os próprios bens e até parentes. Portanto,
ao rezar o Pai Nosso pedimos a Deus a graça
de não cairmos na escravidão
por causa das dívidas; e para isso garantimos
que não escravizaremos ninguém que nos deve
algo.
É muito importante aplicar critérios éticos e teológicos em
relação à dívida internacional e interna,
que tanto mal está fazendo aos países endividados
*
Quais os critérios que devem comandar a
discussão e a busca de solução para este
grave problema que é a dívida
internacional, que torna alguns
povos escravos não declarados de outros?
*
Como o povo deve tratar esta questão da
dívida interna, para que não haja
setores da população escravos de outros?
A
prática concreta de amor aos pobres é o critério-chave
para o julgamento final de cada pessoa, feito
por Deus: “Porque eu estive com fome, com
sede, sem roupa, sem onde ficar, enfermo e
você de mim cuidou... ou... e você
de mim não cuidou!” (Mt 25, 31- 46) Para
nós, que temos o privilégio e a responsabilidade
da fé, é claro que as vítimas do sistema idolátrico
e injusto de hoje devem ser os alvos primeiros
de nossa missão. Estas vítimas, e entre elas
estão os desempregados, serão nossos juizes
no Julgamento Final.
Maria
foi elogiada por Jesus quando disse que ela
é sua mãe porque faz a vontade do Pai. E ela
nos faz o convite: “Fazei tudo o que Ele
vos disser” (cf. Jo 2, 5). Segundo Maria,
isso se torna realidade quando, ao louvar
com alegria ao Deus da vida pelas suas maravilhas
na história pessoal e social, derrubamos os
poderosos e elevamos os humildes, despedimos
os ricos de mãos vazias e saciamos de bens
os famintos. Isso acontece ainda no gesto
concreto do vinho para a festa, de modo especial
para os mais pobres. É o vinho novo da alegria
que vem da presença libertadora de Jesus.
Uma presença que se realiza no gesto concreto
da partilha do pão, da água e da roupa, do
acolhimento e da visita (cf. Mt 25, 31-46).
No “fazei o que ele vos disser” está
a construção de uma nova sociedade segundo
o projeto do Pai, proposto por Jesus Cristo
e sempre lembrado pelo Espírito Santo à Igreja
e ao mundo, por muitos e variados sinais.
E isso exige, então, que seja construído um
sistema econômico-socia que garanta vida digna
para todos.
Maria,
no seu canto Magnificat, repropõe o
Projeto do Pai, com profunda mudança interior
das pessoas e nas relações sociais. Por exemplo:
a) no mundo da política e de economia
- ao dizer que Deus realizará a justiça derrubando
dos tronos os poderosos e elevando os humilhados,
despedindo de mãos vazias os ricos e saciando
de bens os famintos (cf. Lc 1, 51-53); b)
no mundo da ideologia - ao dizer que
Deus “dispersa os orgulhosos pelos pensamentos
de seus corações” (cf. Lc 1, 51); c) no
conceito de história - ao dizer que Deus
cumpre sua promessa “conforme prometera aos
nossos pais, a Abraão e à sua descendência
para sempre” (cf. Lc 1, 55), que “sua bondade
se estende de geração em geração sobre aqueles
que o temem” (cf. Lc 1, 50), e que Deus “se
lembra de sua bondade” e por isso “vem em
socorro de Israel” (cf. Lc 1, 54).
Nosso
Deus assume o dia a dia da história e é presença
providente e misericordiosa nela. Ele a torna
história de salvação, e quer que seja tecida
de relações humanas de justiça e solidariedade;
relações que não permitam a ninguém explorar
outras pessoas, e nem que exista qualquer
espécie de exclusão. Para que isto aconteça,
Deus não admite pensamento orgulhoso. Ou seja,
não admite a ideologia do egoísmo idolátrico,
individual ou de todo o sistema.
Continuando a busca de critérios para
um julgamento ético e teológico sobre a realidade
geradora de desemprego, pobreza, exclusão,
meditaremos agora sobre as atitudes de Jesus,
a opção preferencial pelos pobres e a Doutrina
Social da Igreja. A proposta é a civilização
do amor, seguindo o exemplo das comunidades
cristãs primitivas e da Trindade Santíssima.
Este terceiro momento já nos encaminha para
as pistas de ação.
A prática e a palavra de Jesus nos
ensinam a aproximar-nos da realidade com o
coração aberto às situações humanas. Isso
nos ajuda a captar as necessidades e o clamor
das pessoas que ali se encontram. E podemos
tomar diversas atitudes. Podemos reagir:
dando resposta a uma grande provocação. Podemos
ser acomodados: quando nos adaptamos,
nos acomodamos à situação, e deixamos estar
para ver como fica.
Podemos fugir: fazendo questão de não
se dar conta do que está acontecendo, ficamos
insensíveis, renunciamos a um possível compromisso.
Mas podemos ser pró-ativos: tomando
iniciativa antes que algo ruim aconteça, ou
fazendo acontecer algo bom.
Tomemos apenas um exemplo concreto.
Lemos no Evangelho segundo São Mateus: “Ao
desembarcar, Jesus viu uma grande multidão
e, sentindo compaixão, curou seus enfermos.
Chegada a tarde os discípulos se aproximaram
dele e lhe disseram: “Este lugar é deserto
e já passou da hora. Despede o povo para que
possa ir às aldeias comprar alimentos”. Jesus,
porém, lhes respondeu: “Não há necessidade
de irem embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!”
Os discípulos disseram: “Mestre, aqui nós
só temos cinco pães e dois peixes!” Jesus
lhes disse: “Trazei-os para cá!”. E mandando
a multidão sentar-se na relva, tomou os cinco
pães e dois peixes, levantou os olhos para
o céu, deu graças e partiu os pães e os deu
aos discípulos e estes à multidão. Todos comeram
e mataram a fome. Depois recolheram as sobras,
doze cestos cheios de pedaços de pães. Os
que comeram eram cinco mil homens sem contar
as mulheres e as crianças”.
O texto de São Marcos sobre a mesma
cena introduz dois detalhes interessantes:
a quantidade de dinheiro que seria necessário
para comprar pães para a multidão e a formação
de grupos de cinqüenta ou cem pessoas para
a partilha dos pães e peixes.
Por que esta prática de Jesus em nosso
texto sobe a situação dos desempregados e
das desempregadas numa economia de livre mercado?
Porque a globalização da economia de mercado
nos faz viver também na globalização dos problemas
sociais e na globalização da insensibilidade.
O Evangelho da multiplicação dos pães ilumina
nosso esforço para enfrentar este grave problema.
Jesus vê a realidade da multidão e se deixa
sensibilizar: “ficou tomado de compaixão
porque eram como ovelhas sem pastor” (Mc),
“teve compaixão” (Mt).
Jesus não fica só no sentimento. Ele
age e passa a ensinar (Mc) e a curar os enfermos
(Mt). Este fato aconteceu em dia de semana.
Portanto, muitas pessoas da multidão deviam
estar sem emprego, e por isso podiam estar
com Jesus. É interessante notar que os evangelistas
fazem questão de distinguir mulheres, crianças
e homens. Os homens, que na cultura da época
deviam estar trabalhando para sustentar a
família, são cinco mil. Aquela multidão de
desocupados e sem rumo, fere a sensibilidade
de Jesus e dos seus discípulos.
Ao
perceberem a hora avançada e a fome aumentando,
os discípulos procuram Jesus e pedem que despeça
a multidão. Sabem, por experiência própria,
que poucos têm condições de comprar comida.
É preferível mandá-los todos embora. Que cada
um se vire. Longe dos olhos dos discípulos,
para que não sintam culpa pela impotência
de resolver os problemas. A atitude de Jesus,
porém, é bem outra. Ele não aceita a omissão
e a fuga. Interpela diretamente os discípulos
sobrea solução do problema. Jesus mobiliza
a solidariedade e a partilha, e o milagre
acontece.
Todos matam a fome e, sob orientação de Jesus,
recolhem os pedaços, pois a alimentação é
sempre sagrada.
A Igreja primitiva colocou a solidariedade
e a partilha como o modo prático de viver
a fé cristã, o seguimento de Jesus. São Lucas
apresenta, em Atos 2, 42-47 e 4, 32-37, uma
síntese de como viviam as primeira comunidades
cristãs: o amor levava a uma tal partilha
dos bens que entre eles não havia nenhum necessitado
(Lc 4, 34). Esta prática acompanhou fortemente
os primeiros séculos da Igreja. Além da prática,
temos ensinamentos muito ricos dos Padres
da Igreja, primeiros teólogos do cristianismo.
Na fidelidade ao Evangelho, falaram palavras
duras contra todo e qualquer tipo de egoísmo,
acumulação de bens, exploração do outro, injustiça.
Assim, por exemplo, na questão das relações
de trabalho eles condenam as diferenças de
classe, que fazem os ricos explorarem os mais
pobres através de salários iníquos.
Dos muitos Padres da Igreja, citamos
São João Crisóstomo. Ao comentar o Salmo 18,
refere-se ao rico que morre e deixa casa de
luxo: “Com quantas lágrimas não se edificou
esta casa! Quantos órfãos não terão ficado
nus! Quantas viúvas não terão sofrido iniqüidades
e quantos operários não terão sido lesados
em seus salários!” (Migne em Grego - MG
55,517). Em seu comentário sobre o Evangelho
de S. Mateus, ao falar dos donos de terra,
este santo diz: “E quanto aos que possuem
campos e tiram de lá a sua riqueza? Pode haver
alguém mais iníquo do que estes homens? Se
analisarmos como tratam os míseros e esforçados
lavradores, concluiremos que são mais cruéis
que os bárbaros. Impõem exigências contínuas
e insuportáveis aos que estão consumidos pela
fome e passam a vida trabalhando, sendo obrigados
a suportar os mais penosos trabalhos...”
(MG 58, 591). Um pouco mais adiante, acrescenta:
“Espetáculo miserável! Depois de trabalhar
durante todo o inverno, depois do gelo, das
chuvas e das vigílias, os trabalhadores são
mandados embora, com as mãos vazias e, ainda
por cima, cheios de dívidas...Quem poderá
descrever os negócios que se fazem com eles,
enquanto seus patrões enchem seus celeiros
à custa do trabalho e do suor daqueles infelizes?
Todo o fruto se destina a encher seus tonéis
de iniqüidade!...” (MG 58, 592).
A história nos mostra que a Igreja
é santa e pecadora. Uma parte bem significativa
chegou a aliar-se aos poderosos e cometeu
injustiças - das quais, agora, no Jubileu
do Ano 2.000, ela pede perdão. Uma outra parte,
também significativa, liderada por santos
e mártires, se colocou ao lado dos pobres,
oprimidos e injustiçados de todos os tipos.
Mas é a partir do final do século passado,
com o Papa Leão XIII, que a Igreja retoma
os ensinamentos e as atitudes dos profetas,
de Jesus, dos santos e mártires frente aos
problemas sociais. Cresceu a consciência da
importância da economia e das relações de
trabalho na sociedade. E com isso foi sendo
aprofundado, no século XX, o
Ensinamento (Doutrina) Social da Igreja, com
ricos pronunciamentos oficiais em forma
de Encíclicas,
cartas e outros documentos.
A
Igreja reconhece que, como seres humanos,
necessitamos da economia. Os progressos nos
sistemas de produção e na troca de bens e
serviços tornaram a economia um instrumento
capaz de responder às necessidades de toda
a humanidade. Mas, a situação de gritante
injustiça aumentou muito, principalmente em
nosso século. Isso levou a Igreja a concluir
que há motivos de sobra para uma forte inquietação
e indignação ética e profética, e para propostas
muito precisas.
No documento Gaudium et Spes, o Concílio
Vaticano II, em 1965, nos diz: “Não poucos
homens... parecem como que dominados pela
realidade econômica, de tal modo que toda
a sua vida pessoal e social é impregnada de
um certo espírito de lucro... No momento em
que o progresso da vida econômica, dirigido
e coordenado de maneira racional e humana,
poderia diminuir as desigualdades sociais,
com muita freqüência ele se torna agravamento
das desigualdades sociais ou também, cá e
lá, fator de piora da condição social dos
fracos e de desprezo dos pobres. Enquanto
uma enorme multidão tem ainda falta de coisas
absolutamente necessárias, alguns, mesmo em
regiões menos desenvolvidas, vivem na opulência...
O luxo e a miséria existem simultaneamente.
Enquanto poucos gozam do máximo poder de decisão,
muitos carecem de quase toda a possibilidade
de iniciativa pessoal e de responsabilidade
de ação, encontrando-se muitas vezes a pessoa
humana em condições indignas de vida e de
trabalho” (GS 63).
A Igreja da América Latina procurou
aproximar-se, como Moisés (cf Ex. 3 e 4),
da sarça ardente da realidade de seus povos.
Em 1968, em Medellin, iluminada pela luz da
Sagrada Escritura e dos ensinamentos do Concílio
Vaticano II, ela ouviu “um surdo clamor
que brota de milhões de homens, que pedem
aos seus pastores uma libertação que não lhes
vem de parte alguma” (Medellin, Pobreza,
2). Este clamor é sentido, dez anos depois,
em Puebla, como: ”um clamor que sobe ao
céu, irrefreável e ameaçador” (Puebla,
87-89).
Sensibilizada, mas com
tentações de resistência e fuga, assumiu
a mesma decisão de Javé, frente a escravidão
que o povo vivia: “Eu vi a opressão de
meu povo no Egito. Eu ouvi os gritos de aflição
diante dos opressores. Eu tomei conhecimento
de seus sofrimentos. Desci para libertá-los
das mãos dos egípcios e fazê-los sair desse
país para uma terra boa e espaçosa, uma terra
onde corre leite e mel... O clamor dos israelitas
chegou até mim. Eu vi a opressão... E agora
vai, que eu te envio para que libertes o meu
povo!” (Ex 3, 7-10) Aos poucos, a Igreja
foi redescobrindo na prática, na sua experiência
libertadora, o Projeto Messiânico de Jesus
(cfr. Lc 4, 12-25) e o conteúdo do Julgamento
Final (Mt 25, 31-46). Isso foi dando firmeza
à sua evangélica opção preferencial pelos
pobres, convencida que sem esta opção
ela não é fiel a Jesus. Uma convicção, porém,
que se expressa e cresce por meio de práticas
concretas.
Estamos chegando ao Jubileu dos 2.000
anos do nascimento de Jesus Cristo. Isso leva
a Igreja a se sentir provocada em sua fidelidade
ao Senhor Jesus e ao seu Evangelho. Na carta
em que em que convoca para este Grande Jubileu,
o Papa João Paulo II dá prioridade à questão
social e assim fala da preparação ao ano 2.000:
“Nesta perspectiva e recordando que Jesus
veio “evangelizar os pobres” (Mt 11,5; Lc
7, 22), como não sublinhar com maior decisão
a opção preferencial da Igreja pelos pobres
e os marginalizados? Antes, deve-se afirmar
que o empenho pela justiça e pela paz, num
mundo como o nosso, marcado por tantos conflitos
e por intoleráveis desigualdades sociais e
econômicas, é um aspecto qualificante da preparação
e da celebração do Jubileu. Assim, no espírito
do livro do Levítico (25, 8-12), os cristãos
deverão fazer-se voz de todos os pobres do
mundo, propondo o Jubileu como um tempo oportuno
para pensar, além do mais, numa consistente
redução, se não mesmo no perdão total da dívida
internacional, que pesa sobre o destino de
muitas nações” (TMA 51).
O
Projeto de Evangelização Rumo ao Novo Milênio
(PRNM) aplica ao Brasil a carta do Papa João
Paulo II, Tertio Millennio Adveniente.
Coloca em destaque a luta pelos direitos humanos,
assim distribuídos: os civis em 1997, os sociais
em 1998 e os direitos econômicos em 1999.
Portanto
a CF-99 é uma prática mobilizadora de todo
um processo de luta pelos direitos econômicos,
por uma sociedade justa e solidária. Esta
luta é parte essencial do projeto de evangelização
deste final de milênio e da avaliação da fidelidade
da Igreja ao Senhor Jesus.
A solução do gravíssimo problema da
divida externa dos países pobres é, para a
Igreja, um dos pontos fundamentais dos direitos
econômicos. Cancelada a dívida, os recursos
que não mais serão enviados aos credores devem
ser aplicados pelos países devedores diretamente
na área social: educação, saúde, moradia,
alimentação, transporte, geração de emprego,
etc. Para garantir essas políticas sociais,
é necessário realizar mudanças profundas no
modelo político, econômico e social. Só assim
será possível mudar as relações de trabalho,
gerar mais postos de trabalho remunerado e
ocupar o tempo livre no crescimento pessoal
e na
pesquisa, em cultura e lazer, em serviços
comunitários, principalmente em benefício
dos mais pobres etc. Em todos os trabalhos
sociais, a solidariedade e a participação
são valores e meios fundamentais para a construção
de uma sociedade assentada na justiça.
O drama dos pobres vem se agravando
muito rapidamente neste final de milênio.
Junto com o aumento do desenvolvimento tecnológico
e da riqueza material a favor de alguns, aumenta
o empobrecimento de muitos. Isso é causado
também pelo esquecimento ou pela marginalização
de Deus, e pela busca quase doentia de alguma
expressão religiosa (cf. TMA 52). O interesse
religioso é crescente também entre os pobres.
Isso se deve ao sofrimento em que se encontram
e às injustiças que os atingem. Está provado
que os efeitos dessa situação religiosa caem,
de modo particular, sobre os mais pobres.
Além de serem explorados econômica, política
e socialmente, passam a ser explorados religiosamente.
E isso é feito tanto por grupos que atraem
e prometem soluções aos problemas sociais
através de milagres, como por grupos que injetam
nos pobres a mística do sofrimento, que seria
necessário para não piorar a situação do mundo
atual e para preparar dias melhores, que viriam
com o crescimento econômico. É a idéia do
bolo, que um dia seria repartido. Esta religiosidade
alienada e alienante é mais um crime contra
o povo, pois o torna passivo, resignado, dependente,
dominado e sem esperança.
A CF-99 encontra mais um forte apoio
na Tertio Millennio Adveniente, do Papa João
Paulo II: “Cristo, na própria revelação
do mistério do Pai e do seu amor, revela o
homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação
sublime” (GS 22), que é a de construir “a
civilização do amor, fundada sobre valores
universais de paz, solidariedade, justiça
e liberdade, que encontram em Cristo a sua
plena atuação” (TMA 52). Esta Civilização
do Amor nasce e cresce na força da fraternidade
e da solidariedade. E exige a acolhida do
outro, seja quem for, o diálogo interpessoal
e com grupos diferentes, o diálogo com religiões
e culturas diferentes, e o serviço a favor
da vida, da justiça e da paz (cf. TME 53).
Não existe possibilidade de civilização do
amor sem uma teologia, uma espiritualidade
e uma pastoral que nos comprometam profeticamente
na libertação integral das pessoas, e nos
apontem um novo modelo de civilização, fundado
no testemunho, na palavra e no exemplo radical
de Jesus.
Os três anos de preparação do Jubileu
do Ano 2.000, e o próprio Jubileu, estão centrados
na celebração da Trindade Santíssima. A vida
e o agir das pessoas têm seu começo, razão
de ser e fim na felicidade infinita, eterna
e total da Santíssima Trindade. S. João a
define como Amor: “Deus é Amor” (1Jo
4, 8). Sem a mínima sombra de egoísmo, a Trindade
Santíssima é o exemplo pleno do amor criador,
providente, cuidadoso, misericordioso, libertador.
É comunidade
perfeita e, por isso, reciprocidade, doação.
O Pai criador, o Filho redentor e o Espírito
santificador agem para tornar os homens e
as mulheres participantes de sua felicidade.
Não há entre eles subordinação, conflito de
liberdades, anulação de identidades, e um
não escraviza e nem explora o outro.
Segundo
Jesus, as relações humanas devem inspirar-se
nas relações da Trindade Santíssima.
Seguir
Jesus é, portanto, relacionar-se filial e
confiantemente com o Pai; deixar-se ungir
e conduzir pelo sopro amoroso do Espírito
Santo; e colocar-se ao lado de Jesus, com
a sua comunidade, na construção do Reino do
Pai. Nesta visão teológica, as relações de
trabalho devem colocar em prioridade o ser
humano. O trabalho serve para que o ser humano
se construa como gente e ajude o mundo a caminhar
segundo o coração do Senhor.
Diante da realidade cruel de injustiça,
o Conselho da Igreja Evangélica da Alemanha
e a Conferência Episcopal Alemã nos dizem:
“As igrejas pedem que seja reconhecida
a validade da solidariedade e da justiça como
regras decisivas de uma política econômica
e social com capacidade de futuro e durável”
(...) “A solidariedade e a justiça constituem
de fato o coração de toda ética bíblica e
cristã” (cf. op. cit., n.º 2). Para se
chegar a isso é urgente fazer um processo
de conversão por amor à vida, ao futuro da
humanidade, ao futuro do planeta terra. E
a solidariedade e a justiça, que devem existir
nas famílias, na vizinhança, na pequena comunidade
local, produzirão maiores frutos se atingirem
o mundo todo. Serão fonte da globalização
positiva das relações sociais, políticas,
econômicas, culturais e ecológicas. “É
uma autêntica heresia crer que uma economia
de mercado sem tais deveres, uma economia
de mercado por assim dizer sem adjetivos,
possa responder melhor aos desafios terríveis
da realidade atual” (cf. op. cit. n.º
11).
A própria Igreja, que propõe esta mudança
social, precisa passar por um processo de
conversão. A conversão possibilitará o testemunho,
prática indispensável na evangelização. Ela
é criadora de postos de trabalho e tem patrimônios.
Deve, por isso, em suas instituições, promover
relações de trabalho a partir dos critérios
do Evangelho. Mas é igualmente necessário
que não apoie e denuncie modelos de economia
e políticas que ferem a dignidade humana e
não promovem os direitos sociais.
Cabe
à Igreja ainda dar apoio direto a todos os
que buscam uma sociedade assentada sobre a
justiça. Deve abrir diálogo com eles, fazer
parcerias, num serviço ou diaconia que tenha
sempre como alvo principal os mais marginalizados.
Junto com atividades concretas e locais, necessárias
e urgentes, cabe à Igreja trabalhar politicamente,
em pareceria com outros, por uma real transformação
evangélica da sociedade como um todo. Evidentemente,
a Igreja deve fazer isso a partir de sua identidade,
reforçada por intensa oração, leitura bíblica,
celebração e diálogo, ligando sempre a fé
e a luta social.
A
diminuição do ritmo nas duas rodas do progresso
atual - produzir e consumir - exige equilíbrio,
que só pode vir de uma cultura de justiça,
solidariedade, sobriedade e subsidiaridade.
A terceira parte deste texto base nos ajudará
na busca de ações concretas para colocar o
machado nas raízes da árvore má e para buscar
os meios necessários para plantarmos e cultivarmos
a árvore que produz bons frutos - a nova sociedade
que Deus quer para todos nós e que, com Ele,
ansiosamente esperamos e queremos construir.
“Für eine Zukunft in Solidarität und Gerechtigkeit”,
Bonn, Alemanha, 1997, publicado também
em “Il Regno” 9/97, Bologna, Itália, com
o título “Per un futuro di solidarietà
e giustizia”.
Terceira
parte
a
evangelização exige ação,
pois a fé sem obras é morta.
A partir da análise e da reflexão
sobre a realidade do desemprego, buscaremos,
na terceira parte, sugestões e motivações
para um agir que provoque mudanças. É
importante que elas aconteçam em cada
pessoa e na comunidade, atinjam a política
e a economia. Só assim possibilitarão
transformar a injusta situação em que
se encontram os desempregados, e que ameaça
também os que ainda têm emprego.
Como
vimos no VER e no JULGAR, a solidariedade
é o critério-chave para uma sociedade
verdadeiramente humana. Ela se enraíza
na necessidade que todo ser humano tem
de relacionar-se com as outras pessoas.
É condição indispensável para sermos gente.
É uma atitude que modifica tanto quem
recebe como quem é o autor dos gestos
de solidariedade. Portanto, é um caminho
de mão dupla: dignifica a pessoa que recebe
e a que pratica gestos solidários.
A
partir da fé, o que nos leva a agir para
dignificar a pessoa do desempregado é
o exemplo de Jesus. Ele não se limitava
a ver e sensibilizar-se com as situações
das pessoas, sobretudo dos sofredores.
Ele falava e agia. Sua vida está cheia
de exemplos que mostram isso. Basta olharmos
suas atitudes com os doentes, cegos, aleijados,
leprosos e principalmente com os mais
excluídos, como as mulheres e as crianças.
Em relação aos desempregados, a parábola
dos trabalhadores da vinha nos mostra
que todos os trabalhadores devem ser considerados
como pessoas, com necessidades iguais.
Jesus coloca em destaque a dimensão da
generosidade que deve estar presente em
todas as relações humanas.
“A
fé sem obras é morta, nos diz São Tiago
(Tg 2,17). A situação dos desempregados
é um clamor que exige a mobilização de
nossa fé em obras, em ações concretas.
Falamos de três tipos de ação, que precisamos
realizar ao mesmo tempo: a) atenção direta
às pessoas desempregadas de nossa comunidade;
b) ações mais amplas e articuladas, que
visem melhorar as condições de vida da
grande massa de desempregados/as; c) ações
políticas, que apontem para um projeto
de Brasil para todos, em que todos tenham
vida e vida em abundância (Jo 10,10).
Vale a pena recordar o ensinamento
do Papa Paulo VI, na carta Evangelii
Nuntiandi, sobre a missão profética
da Igreja, que vai além da palavra: “A
Igreja tem o dever de anunciar a libertação
de milhões de seres humanos, entre os
quais há muitos filhos seus; o dever de
ajudar a nascer esta libertação, de dar
testemunho da mesma, de fazer que seja
total. Nada disso é estranho à evangelização”
(EN 82). O compromisso da Igreja em relação
ao trabalho, ao emprego e à situação dos
desempregados, dos empobrecidos, é parte
integrante da sua missão evangélico-libertadora.
Esta Campanha da Fraternidade está
ligada ao “Projeto de Evangelização Rumo
ao Novo Milênio”. O tema e o lema para
as CFs de 1997, 1998 e 1999 foram escolhidos
tendo presente o sentido bíblico de Jubileu:
“o objetivo dos Jubileus bíblicos é
o perdão das dívidas e a restauração do
projeto inicial de um país onde todos
possam viver com dignidade”
(PRNM, n.º 127). “As atividades ligadas
à Dimensão do Serviço deverão incentivar
atos concretos de solidariedade, visando
garantir os meios básicos de sobrevivência
(trabalho, alimentação, moradia) a todos,
começando pelos
mais necessitados” (PRNM,
nº 165). Lembramos ainda que
o planejamento do PRNM para 1999 marca
uma atenção aos Direitos Econômicos.
A CF-99, “A fraternidade e os desempregados”,
está intimamente relacionada com a do
ano passado, com seu lema “educação a
serviço da vida e da esperança”. Em 1998,
deu-se atenção especial a duas dimensões
da vida: à dignidade da pessoa humana,
frente o aumento do desrespeito à vida;
à cidadania, frente o aumento da desesperança
do povo. Sempre numa visão ética e teológica,
a educação foi apresentada como o grande
meio para dar maior importância aos valores
humanos capazes de garantir a dignidade
humana e a construção de relações fraternas
numa sociedade justa e solidária. Para
isso, a educação deve estar presente na
família, na escola, nos MCS, na sociedade
em geral. Foi dado um destaque muito especial
à educação de jovens e adultos (iniciando-se
pelo mutirão de alfabetização) e ao apoio
aos que estão na economia solidária. Viu-se
a importância da escola numa sociedade
cada vez mais informatizada.
Apesar do aumento do número de desempregados, há muitas experiências
em andamento que ajudam a manter viva
a esperança do povo. Elas ajudam, ao mesmo
tempo, na sobrevivência das famílias e
na qualificação das pessoas. Estas iniciativas
não resolvem o problema do desemprego.
Mas é a partir delas que pode crescer
a organização e a busca de saídas que
ataquem as causas profundas e estruturais
do desemprego. Entre muitas outras, citamos
duas bem inspiradoras.
a)
No município de Lagoa Salgada, RN,
iniciou-se um projeto de beneficiamento
de castanha de caju, através da Cooperativa
Mista Agrícola de Lagoa Salgada. Até então
a castanha era vendida “in natura”, e
os agricultores recebiam só R$ 0,42 ao
quilo. Por meio de organização em cooperativa,
as famílias passaram a receber R$ 2,42
ao quilo. As famílias, que antes não tinham
quase nenhuma renda, começaram a receber
mais de três salários mínimos por mês.
A experiência conta com apoio e suporte
da Arquidiocese de Natal, através do SEAPAC,
e financiamento do Programa de Apoio ao
Pequeno Produtor (PAPP).
b)
A “Escola Família Agrícola” tem mostrado
importantes resultados. Ajuda na formação
dos filhos dos agricultores, e consegue
mantê-los no campo, melhorando a produtividade
e a qualidade dos produtos. Além disso,
forma lideranças que participam de sindicatos,
associações, movimentos populares e partidos
políticos. Este tipo de escola teve origem
na França. A maior parte das cem escolas
hoje existentes no Brasil continuam mantendo
essa ligação inicial.
A CF deste ano nos chama, em primeiro
lugar, a uma indignação ética diante da
realidade atual: o aumento do desemprego
estrutural e a situação dos desempregados
são inaceitáveis! A quaresma nos faz um
apelo radical à conversão pessoal e comunitária
e nos dá força para trabalharmos em favor
da mudança desta situação. Que a partir
deste tempo quaresmal nossas atitudes
sejam de misericórdia ativa. Como Jesus,
que sejamos capazes de ir ao encontro
dos caídos à beira do caminho, dos famintos,
dos que estão na praça a espera de uma
chance de trabalho; e que apontemos e
denunciemos, profeticamente e com firmeza,
as causas que geram as principais chagas
de hoje, como a situação dos desempregados.
A CF deverá fazer nascer ações
de socorro imediato aos desempregados
e suas famílias, que muitas vezes passam
fome, estão com problemas de saúde etc..
Mas ela deve fazer nascer principalmente
ações mais amplas, na linha da 3ª Semana
Social Brasileira. São ações que reforçam
a construção de um novo modelo de desenvolvimento,
em que a vida e as pessoas estejam em
primeiro lugar. O que se quer é uma sociedade
em que a economia, regulada pela ética,
esteja a serviço do atendimento das necessidades
básicas de todas as pessoas, prioritariamente
das mais necessitadas.
A grande missão da CF é levar o
Brasil a refletir e a agir sobre as causas
do desemprego, e a não aceitar que a situação
econômica atual é inevitável. À luz dos
princípios éticos e da palavra de Deus,
a Igreja oferece elementos para uma análise
da organização social em que vivemos e
denuncia o que contradiz o bem comum.
Além disso, ela incentiva a todos para
que, como cidadãos, apresentem propostas
de ação ao Governo e à sociedade, e acompanhem
seu andamento e concretização.
O problema do desemprego é estrutural
e atinge todo o mundo. Um solução definitiva
só virá com a mudança das estruturas da
sociedade. Assim mesmo, é importante provocar
o surgimento e apoiar iniciativas que
possam amenizar o problema, ajudar na
sobrevivência e manter viva a esperança
e a organização do povo. Citamos algumas
das iniciativas que vão nessa direção:
a) criar áreas nas cidades para favorecer a localização estratégica
de feiras de pequenos vendedores;
b) conseguir o aumento da taxa de isenção para importação, de 150 para
500 dólares, para pequenos vendedores;
afinal, qualquer turista que viaja para
o exterior já tem a isenção sobre 500
dólares.
c)
o poder público local pode criar frentes
de trabalho para construção de casas populares,
saneamento básico, açudes, limpeza e conservação
de praças, jardins e parques, criando
empregos. E os desempregados podem ser
favorecidos, por meio de leis municipais,
com o não pagamento das taxas e impostos
relativos à água, luz, limpeza da rua.
Além disso, pode ser favorecida sua alimentação
por meio de ticket refeição e de cestas
básicas, bem como sua locomoção com vales-transporte.
Outras formas de manutenção das famílias
dos desempregados são o seguro desemprego
e “bolsa escola”, em dinheiro;
d) favorecer pequenas iniciativas locais, cooperativas, produções artesanais
e caseiras, apoiando-as por meio de crédito,
tipo Banco do Povo;
e)
promover cursos de formação e de requalificação profissional no campo
da gerência e consultoria pública, especialmente
para os que fazem pequenos investimentos.
O processo de reciclagem serve para melhorar
o aproveitamento de certos produtos e,
ao mesmo tempo, como possibilidade de
geração de renda e de novos empregos;
f)
favorecer e incentivar a participação da população nas decisões das
administrações e das câmaras municipais
e no controle de sua atuação. Isso vale
especialmente em relação ao processo do
orçamento participativo e às iniciativas
de geração de emprego;
g)
exigir a criação e o funcionamento dos conselhos paritários municipais
do trabalho, da saúde, educação, criança
e adolescente, das prisões etc. Esses
órgãos são instrumentos importantes para
o povo exigir recursos e para fiscalizar
sua aplicação;
h) apoiar a revisão da lei que permite o trabalho no domingo. Ela beneficia
as grandes redes de supermercados e shoppings,
mas sacrifica os trabalhadores, pois não
lhes permite estar com a família e ter
tempo de lazer. Além disso, ela descaracteriza,
para a maioria dos brasileiros, o Dia
do Senhor.
É preciso mudar o rumo da economia,
fazendo que ela não vise apenas o aumento
da produtividade e do lucro. Para isso,
são necessárias políticas de geração de
emprego, diminuição do tempo de trabalho
e valorização de outras formas de trabalho
social. Como já vimos no VER, existem
algumas propostas dos sindicatos e movimentos
dos trabalhadores para criar empregos
e para colocar as vantagens do aumento
da produtividade a serviço de todos. Vale
a pena recordá-las: a)
a redução da jornada de trabalho, sem
diminuir o salário, já que o aumento da
produtividade permite isto; b)
a redução ou o fim das horas extras, o
que poderia criar milhares de empregos;
c) a realização de uma profunda reforma
agrária. Quanto à esta última, é sabido
que um novo emprego no campo custa três
vezes menos do que na indústria. Como
o Brasil tem grande quantidade de terras
disponíveis e muitas famílias dispostas
ao trabalho agrícola, é um país privilegiado.
O que falta é vontade política para efetivar
uma reforma agrária integral e um política
agrícola adequada à produção familiar.
Um caminho prático e de muitos
resultados na luta contra o desemprego
é a implementação de uma política voltada
para o mercado interno. Para isso é fundamental
a distribuição de renda, e o salário mínimo
é um ponto importante desta estratégia.
A economia passa a ser orientada no sentido
de resolver os reais problemas da população
brasileira: moradia, alimentação, transporte,
saúde, educação e infra-estrutura urbana
e rural. É necessário, para isso:
a) abrir linhas de crédito destinadas à promoção das atividades econômicas
próprias de cada região, sobretudo nas
mais pobres;
b) abrir linhas de subvenção para obras públicas, equipamentos sociais,
mutirões e frentes de trabalho a partir
dos Municípios;
c) fornecer assistência técnica para os pequenos produtores urbanos
e rurais e para o desenvolvimento de políticas
de geração de renda.
Bangladesh, um dos países mais
pobres do mundo, criou, em 1983, o Banco
de Aldeia. É um banco social que faz empréstimos
de até 160 dólares para as pessoas pobres.
94% dos usuários deste banco são mulheres.
Este dinheiro é exclusivamente para criação
de empregos, na sua maioria na área de
serviços, locação de material ou criação
de animais. Funciona em 50% das aldeias
do país e 97% dos empréstimos são regularmente
devolvidos. Algo semelhante pode ser criado
no Brasil, como apoio a milhares e milhares
de pessoas que teriam assim garantidos
seus trabalhos de subsistência básica.
Para vencer o desemprego, é preciso
pressionar os políticos para melhorarem
a legislação trabalhista em favor dos
direitos do povo. Eis algumas medidas,
entre outras: a) o auxílio desemprego,
para garantir ao trabalhador condições
de sobrevivência durante o tempo em que
estiver sem trabalho remunerado; b) leis
que proíbam iniciativas que aumentam o
desemprego, principalmente nos setores
em que a concorrência do mercado globalizado
não se faz presente; c) leis que favoreçam
todas as iniciativas que geram trabalho
e estão voltadas para o atendimento das
necessidades básicas da população da região,
através da isenção de impostos e outros
incentivos; d) leis que regulamentem o
uso das inovações tecnológicas. Em relação
a esse último ponto, o fato de impedir
que se introduza irresponsavelmente postos
de auto-atendimento de combustível e catracas
eletrônicas nos coletivos urbanos pode
ser uma forma de evitar o aumento do desemprego.
Serviços como estes não são pressionados
pela concorrência do mercado globalizado.
Os
avanços tecnológicos, sobretudo no campo
da informática, exigem cada vez mais conhecimento.
Um conhecimento que exige atualização
e renovação todo o tempo. Daí a importância
da formação permanente para requalificar
e preparar profissionalmente os trabalhadores.
É por isso que é preciso melhorar a qualidade
da escola pública e aumentar os anos de
escolaridade para a população de baixa
renda.
Como vão desaparecendo postos de
trabalho na indústria, outros
setores da economia deveriam crescer e
ser valorizados. Temos o costume de chamar
trabalho produtivo só aquele que gera
bens econômico-financeiros, e não o que
contribui para construir uma sociedade
mais humana. A crise do emprego está valorizando
o trabalho social, contrabalançando a
importância exagerada dada ao trabalho
produtivo. As sociedades mais avançadas
gratificam de algum modo este novo tipo
de ocupação das pessoas. É
uma nova cultura a ser incentivada. Citamos
alguns casos:
a) o trabalho familiar, como o das mães de família: valorizar
este tipo de atividade como uma das formas
de geração de novos postos de trabalho,
com algum tipo de gratificação financeira
por meio do poder público;
b) o trabalho social, como cuidar de doentes, idosos, prisioneiros,
deficientes e outros sofredores. Além
do serviço dos técnicos profissionais,
estas pessoas melhoram, e muito, quando
são atendidas por voluntários que lhes
oferecem presença, companhia, conforto,
apoio afetivo;
c)
o trabalho ecológico, como a preservação da natureza e do meio ambiente, zelo por praças,
jardins,
parques, nascentes, promoção de turismo
ecológico etc. Além do cuidado com o meio
ambiente e da garantia dos direitos das
futuras gerações, novas oportunidades
de trabalho são criadas.
Para que tudo isso aconteça, é
fundamental buscar sempre a conversão
para o amor e a justiça. Só assim se conseguirá
que todos tenham oportunidade de vida
em nossa sociedade. Faz parte desta conversão
a opção por um estilo de vida mais sóbrio,
módico, simples, não consumista, que torne
possível que todos tenham as necessidades
básicas atendidas.
A construção de uma economia solidária
exige a busca firme de um novo padrão
de civilização. Ele deverá ter como base
a justiça, a solidariedade, a valorização
da vida e a dignidade humana. É com estes
objetivos que nascem diversas iniciativas
no campo e na cidade, que nos servem como
exemplo: organização
de processos comunitários em favor da
qualidade de vida do bairro (segurança,
recreação infantil, festas, reuniões formativas,
reivindicações junto às autoridades);
organização de mini-empresas autogeridas,
cooperativas para produtos caseiros (roupas,
doces, salgadinhos, pães, artesanatos),
pequenas fábricas de blocos, mutirões
para construção de casa própria na cidade,
transporte solidário e, no campo, cooperativas
de produção e de comercialização de produtos
agrícolas .
No espírito da quaresma, a CF nos
chama a lutar para que a economia seja
regulada pela ética. Só assim
a pessoa será o centro de todos os projetos,
haverá lugar para todos e as questões
sociais terão primazia. Para esta mudança
é fundamental que os valores éticos dignidade
humana, justiça social, solidariedade e caridade entrem no lugar da concorrência, da competitividade
e do lucro. É com eles que se criará um
novo modelo econômico, em que se priorizará
o direito à vida digna, aos demais direitos
humanos e ao meio ambiente.
A política atual é comandada pela
racionalidade econômica, confunde progresso
material com avanço técnico e deixa em
segundo plano os objetivos sociais. De
acordo com a 2ª Semana Social Brasileira
(1993-94), “é preciso uma inversão
de prioridades capaz de enfrentar as exigências
da ruptura com a crença de que o mero
crescimento econômico seja capaz de arrancar
da miséria as grandes maiorias excluídas
do processo de modernização brasileira”().
No caso dos desempregados, por exemplo,
não basta distribuir melhor o que se produz
entre os integrados; é preciso integrar
a todos, no mercado de trabalho e na distribuição
dos bens.
Gigantescos problemas dificultam
a criação de um novo modelo social. Um
deles é a dívida externa. E o cancelamento
da dívida externa, conforme sugere o Papa
João Paulo II na Tertio Millennio Adveniente
(TMA n.º 51), pode ser um dos caminhos
para gerar novos postos de trabalho. Para
isto, a sociedade civil terá tarefa importantes:
a) participar do debate sobre o assunto,
lutando pelo cancelamento; b) cancelada
a dívida, fiscalizar a aplicação dos recursos
provenientes do não pagamento, garantindo
que sejam aplicados no resgate das dívidas
sociais, a serviço de um programa social
sério. Há diversas organizações civis
e Igrejas trabalhando nesse sentido, articuladas
na campanha internacional “Jubileu 2000”.
Já há adesões e mobilizações na Europa,
no Canadá e nos Estados Unidos. O Brasil
está dando um passo importante por meio
dos eventos da 3ª Semana Social Brasileira
sobre o resgate das dívidas sociais
e com o Simpósio Dívida Externa: Implicações
e Perspectivas. É preciso, agora,
dar continuidade às iniciativas que brotam
destes dois eventos.
Representantes de 40 Igrejas cristãs
norte-americanas, reunidos em Denver nos
dias 20 e 21 de junho de 1997, lançaram
um forte apelo em favor do cancelamento
da dívida internacional como uma das formas
de melhorar a vida dos habitantes dos
países pobres. “Estamos conscientes
de que o pagamento de uma dívida que
não pára de crescer tira recursos que
os países pobres poderiam empregar para
a melhoria da saúde, para a água potável,
para a educação e para uma produção que
traga renovação para as comunidades locais”
()
Cresce, na Europa, uma iniciativa
chamada "bancos éticos". Consiste
no seguinte: os pequenos e médios poupadores
só investem em bancos que aplicam os seus
recursos de forma ética. Eles retiram
suas poupanças do banco ao descobrirem
que ele está aplicando recursos na fabricação
de armas ou em negócios que destroem ou
estragam o meio ambiente: grandes barragens,
madeireiras, indústrias poluidoras. Esta
é um jeito de os cidadãos e cidadãs exercerem
o direito de controlar o capital e o mercado
financeiro. Neste sentido, as instituições
religiosas (Paróquias, Dioceses, Congregações
Religiosas, Pastorais e Movimentos) poderiam
cuidar muito mais de seus investimentos,
exigindo dos bancos informações sobre
as aplicações do dinheiro depositado.
Com isso, podem retirá-lo quando estivesse
sendo aplicado de maneira antiética, aplicando-o
em bancos éticos, ou em bancos públicos,
que têm por obrigação mostrar seus balancetes
à sociedade.
Outra frente importante é "tornar
pública e conhecida a proposta de taxar
em 0,5% ou, pelo menos, em 0,1%, todas
as transações financeiras internacionais.
Com os recursos provindos deste mecanismo,
criar um fundo internacional para enfrentar
os problemas da fome e da miséria. Além
de divulgar, é urgente pressionar os poderes
públicos, legislativos, executivos e os
formuladores da política exterior para
que trabalhem em favor desta proposta,
elaborada por J. Tobim, Prêmio Nobel de
Economia, e já assumida por muitas entidades
civis de países desenvolvidos” ( )
Pressionar para que o sigilo bancário
seja submetido ao bem comum é uma frente
de luta fundamental para combater a corrupção
e contribuir para a criação de uma verdadeira
política fiscal progressiva, fundada sobe
a justiça social e a solidariedade. Esta
medida valeria nos casos de corrupção
ou de suspeitas fundamentadas.
O Projeto Rumo ao Novo Milênio
prevê que o ano de 1999 seja dedicado
à caridade e à reconciliação.
As duas exigem gestos concretos de solidariedade
para com os mais necessitados e atenção
às exigências éticas de qualquer modelo
econômico. Assim, são necessárias mudanças
profundas para que aconteça de fato reconciliação.
É isso que aprendemos com as práticas
do ano do Jubileu, no Antigo Testamento,
como foi apresentado no JULGAR: a) devolução
das terras; b) libertação dos escravos;
c) perdão das dívidas. A caridade, hoje,
não pode limitar-se a gestos diretos de
solidariedade para com os desempregados;
ela exige a conversão pessoal e o empenhopor
mudanças estruturais, chegando às raízes
que provocam o desemprego e jogam tantos
trabalhadores no olho da rua. A caridade
é libertadora e atua, por isso, na conquista
dos direitos econômicos relativos ao trabalho,
à terra, à alimentação e à moradia.
A CF-99 convida a enfrentar a pesada
realidade vivida por desempregados e desempregadas.
É, por isso, um tempo oportuno para que
a Igreja toda e cada um dos seus membros
revejam sua posição face ao atual modelo
de desenvolvimento. É um tempo para dinamizar
o dom da profecia. É hora de refletir
seriamente, à luz da palavra de Deus,
sobre as conseqüências que este modelo
produz na vida dos trabalhadores, e de
passar de uma postura de silêncio para
a corajosa denúncia evangélica e para
propostas que ajudem a transformar a sociedade.
Na luta pela construção de um modelo
de desenvolvimento onde caibam todos,
é indispensável apoiar os movimentos populares
e com eles fazer parceria. “Parcerias
com outras organizações da sociedade civil
e instituições públicas devem ser promovidas
com a finalidade de concretizar as propostas
na linha dos direitos civis, sociais e
econômicos, bem como a realização do Jubileu
do ano 2000, como o perdão das dívidas
e o resgate da dívida social no Brasil.
Participar dos conselhos paritários, contribuir
na elaboração de políticas públicas, realizar
fóruns e seminários e marcar presença
efetiva nos momentos-chave das lutas populares”,
é o que prevê o Projeto Rumo ao Novo Milênio
(nº 131).
A exemplo de experiências de geração
de renda espalhadas pelo País, é necessário
ser criativo e descobrir
iniciativas que podem ser assumidas em
cada local. Iniciativas que possibilitem,
além da sobrevivência de grupos de desempregados,
manter viva a esperança na construção
de uma sociedade justa, solidária e igualitária.
É preciso que as comunidades e
movimentos
eclesiais se comprometam com a
causa da reforma agrária.
Ela é um dos campos fundamentais para
resolver o problema do desemprego. Para
isso, que sejam solidários com os Movimentos
Sociais que lutam contra a injustiça social
e pela reforma agrária, acompanhando-os
nas diversas fases de sua organização;
que estimulem e apoiem organizações autônomas
dos assalariados rurais e dos setores
informais de trabalhadores do campo. É
necessária uma política agrícola que favoreça
o trabalhador rural por meio de infra-estruturas
adequadas, financiamentos, garantia de
preços mínimos e escoamento dos produtos.
Merece todo o apoio a agricultura familiar,
que produz alimentos para o mercado interno
e que gera muito mais empregos do que
a lavoura mecanizada e tecnicamente avançada
().
Vivendo a virtude teologal da caridade,
as comunidades eclesiais ajudem a aprofundar
a interligação e a solidariedade efetiva
entre os trabalhadores do campo e da cidade.
Valorizem, também,
iniciativas que aprofundam relações de
solidariedade nas comunidades, como a
participação em mutirões, ajuda em momentos
difíceis e apoio às lutas concretas locais.
É necessário incrementar, nas diversas
instâncias da vida comunitária, nas pastorais,
nos grupos, nos movimentos e na catequese,
bem como nas celebrações, uma educação
que ajude a caminhar para uma sociedade
fraterna, reconciliada e solidária.
A questão do desemprego e o drama dos desempregados/as não
pode, evidentemente, ficar limitada a
uma Campanha da Fraternidade. É um problema
que atinge a milhões de brasileiros e
a toda a sociedade. É fundamental que
os MCS - TV, Rádio, jornais e revistas
-, os políticos, as associações, os sindicatos,
as Igrejas, as escolas, enfim todos os
segmentos sociais, sejam envolvidos no
debate e na busca de caminhos. No caso
da Igreja católica, a CF-99, que teve
dois anos de preparação e terá seu momento
nacional nos 40 dias da quaresma, tem
seus desdobramentos. Como parte da opção
preferencial pelos pobres, é claro que
a situação dos/as desempregados/as faz
parte da vida e missão da Igreja.
Os dados apresentados neste texto
são de 1996 até meados de 1998. É preciso,
por isso, que as comunidades
e movimentos atualizem estes dados.
É uma ação concreta importante para fundamentar
as denúncias que fazem parte da missão
profética da Igreja.
É preciso conhecer para criar laços
de amor. Conhecemos quem está desempregado(a)
em nossa comunidade? É importante, portanto,
fazer um levantamento do número e do
nome dos desempregados/as, vendo quais
são suas necessidades imediatas. Feito
o levantamento, motivar a comunidade e
trabalhar uma dupla articulação: dos desempregados
entre si, para formar grupos de apoio
mútuo e busca de caminhos; e da comunidade
local com os grupos de desempregados,
para apoiá-los.
Como já vimos, incentivar a caridade
assistencial é importante, pois mobiliza
a comunidade para a ajuda imediata aos
desempregados em necessidade. Mas é
preciso atingir a estrutura social,
mudar o modo de as autoridades governarem
e administrarem os recursos públicos,
aplicando-os prioritariamente em favor
dos pobres. Junto com a luta pela criação
de empregos, é bom que os desempregados/as
sejam alvo de políticas especiais: isenção
de alguns impostos, da tarifa de água
e luz, fornecimento de vale transporte
gratuito em suas andanças diárias em busca
de emprego etc.
Neste contexto de crescente desemprego,
a sociedade precisa dar atenção especial
às categorias sociais
mais frágeis.
É o caso dos que são alvo de discriminação:
idosos, mulheres, negros/as, estrangeiros/as
pobres, os portadores de deficiência e
outros. É importante incentivá-los e apoiá-los
para que entrem em suas organizações e
tomem a dianteira na luta contra preconceitos
e discriminações de todos os tipos.
Mesmo
sabendo que só se atenua o problema,
exigir do poder público local que
forneça cestas básicas aos desempregados
e fazer campanhas para que as
empresas também contribuam com esta
ajuda emergencial.
Avaliar
a formação que está sendo dada.
É impensável uma formação cristã alienada
das realidades políticas, econômicas,
sociais e culturais. É indispensável,
portanto, que se inclua logo no processo
de formação de seminaristas, religiosas(os),
padres, bispos e de todos os(as) leigos(as),
uma mística que integre evangelicamente
fé e vida, fé e política, fé e realidade.
No caso da CF-99, a realidade desemprego
e da globalização econômica e financeira,
bem como as
transformações que acontecem atualmente
nas relações de produção precisam
fazer parte da formação dos cristãos.
A reflexão sobre temas sociais
não pode ficar só com as pastorais
sociais. Se a fé sem obras é morta
(cf. Tg 2,17), é claro que a temática
social deve fazer parte da teologia,
da vida da comunidade (Associações,
Grupos, Congregações, CEBs, Movimentos...),
da liturgia, celebrações, catequese
e de outros encontros ou reuniões
nas comunidades. O fato de algum grupo
ter maior responsabilidade sobre determinadas
situações, sobretudo sociais, não
libera os demais de se interessarem
e envolverem nelas.
É importante retomar a proposta
da renda mínima. Trata-se de uma
quantia a ser repassada pelo Governo
a toda pessoa que não disponha de
uma fonte de recursos para viver dignamente.
Vem daí a denominação “renda mínima”
ou “mínimos vitais”. Diversos países
já adotam esta medida, de diferentes
formas. Há no Brasil algumas experiências.
É importante conhecer a proposta e
as experiências, e criar outras, se
for o caso; mas é preciso mobilizar
uma iniciativa popular para
que seja aprovada em lei específica.
E para isso é necessário criar opinião
pública favorável, realizar um mutirão
de coleta de assinaturas e envolver
políticos na causa.
A
solidariedade dos cristãos deve vir
acompanhada de possíveis compromissos
efetivos. Eis algumas exemplos:
apoiar as organizações e as lutas
dos/as desempregados/as; formar grupos
de famílias solidárias, que apóiam
ou adotam uma de desempregados; comprometer
as Igrejas com as crianças e adolescentes
que sustentam a família, com os migrantes
que ajudam suas famílias na região
de origem, e com os trabalhadores
da economia informal para que tenham
seu trabalho reconhecido. Os movimentos
sociais, como de empregadas domésticas,
sem-teto, desempregados, sem-terra,
trabalhadores da construção civil
e outros, necessitam do apoio da Igreja,
das Organizações Não Governamentais
(ONGs) e de outras instâncias sociais.
Todo
este esforço por um mundo justo e
solidário exige da Igreja católica
abertura ao diálogo com o maior
número possível de pessoas e instituições,
como por exemplo, Universidades, ONGs,
outras Igrejas. Por isso, que as comunidades
promovam momentos de encontro para
diálogo, oração e busca de caminhos
com estes grupos a partir da realidade
dos desempregados. É preciso ainda
incentivar a participação política
de cidadãos comprometidos com a luta
pela justiça em instâncias como câmaras
municipais, conselhos e fóruns. É
assim que se pode lutar por leis que
defendam os direitos dos pobres e
exigir respostas urgentes do Governo
para a difícil situação dos desempregados.
Graças a Deus, temos muitas
pastorais sociais no Brasil. A CF-99
é uma preciosa oportunidade para que
as comunidades eclesiais reconheçam,
apóiem e estimulem a criação e/ou
dinamização do maior número possível
de pastorais sociais e movimentos
especializados. Esta é uma forma
de desenvolver um trabalho voltado
para a realidade específica do mundo
do trabalho, em particular com os
desempregados. Merecem todo o apoio
pastorais que lidam diretamente com
trabalhadores, como a Pastoral Operária,
da Terra, dos Pescadores, da Criança
e Adolescente, da Mulher Marginalizada,
dos Migrantes etc. Estas e outras
Pastorais assumem, há anos, o tema
da CF. Alguns exemplos: a Semana do
Migrante, em 99, terá subsídios que
retomarão o tema da CF e o aprofundarão
na perspectiva das migrações. O mesmo ocorre com a Pastoral da Juventude, com a Dimensão
Missionária etc.
Gesto
específico. A
CF-99 propõe que cada diocese ou paróquia
assuma um Projeto
de Geração de Emprego e/ou Renda,
em favor e junto com desempregados/as.
A comunidade apóia e sustenta e as
Pastorais Sociais orientam, assessoram.
Coleta
da Solidariedade. Colocando
em prática a decisão da Assembléia
Geral da CNBB de 1998, a tradicional
Coleta
da Campanha da Fraternidade de 1999
passa a ter uma destinação exclusivamente
social. A totalidade desta Coleta
da Solidariedade será destinada ao
apoio a iniciativas em favor dos mais
empobrecidos. Neste ano, em coerência
com o tema da CF, o resultado da Coleta
será aplicado nas iniciativas que
tenham como objetivo enfrentar o grave
problema do desemprego e da falta
de oportunidades de trabalho.
Fundo
Diocesano de Solidariedade.
Dos recursos doados, 60%
ficarão em cada Diocese,
para apoiar
iniciativas da Diocese como um todo
ou das paróquias e comunidades que
a constituem. Cada Arqui/Dioce098ew
7870 encarregará a Cáritas
Diocesana, ou uma Comissão de Pastoral
Social, de realizar quatro tarefas:
1)
determinar concretamente as iniciativas
que serão apoiadas;
2)
administrar a destinação desse Fundo
Diocesano de Solidariedade;
3)
acompanhar as iniciativas apoiadas;
4)
elaborar um relatório, no final de
cada ano, dando conta dos frutos alcançados.
Fundo Nacional de Solidariedade.
Os outros 40% dos recursos
irão para o Fundo Nacional de Solidariedade,
somando-se à Campanha Permanente de
Solidariedade da Cáritas Brasileira.
A política de aplicação é definida
e acompanhada por um Conselho organizado
pela CNBB. Estes recursos servem,
de modo especial, para reforçar as
regiões mais empobrecidas e para apoiar
os grupos sociais em estado de urgência/emergência
social. No final de cada ano, será
publicado em relatório dando conta
dos frutos produzidos pela aplicação,
em nível nacional, desses recursos.
Com boa motivação, nosso povo
é generoso. São muitas as provas,
como as coletas em favor de R[*/´t5689-/oraima,
do Nordeste e outras. Mas é fundamental
organizar bem a coleta para que alcance
seus objetivos. Sozinhos, nossa colaboração,
mesmo com boa vontade, ajuda pouco,
nestes problemas tão complexos como
o desemprego. Mas se juntamos o pouco
que cada um tem num Fundo de Solidariedade,
estaremos criando a possibilidade
de apoiar e animar muitas iniciativas
dos empobrecidos para melhorar suas
condições de vida, para crescer na
prática da cidadania e para viver
com dignidade e alegria de filhas
e filhos de Deus. A Coleta da Solidariedade
é, sem dúvida, uma das melhores formas
de vivermos a caridade libertadora.
Seremos coletivamente bons samaritanos,
assumindo como nosso próximo os milhões
de brasileiros que vivem em situação
de pobreza e miséria, ajudando a milhares
e milhares de irmãs e de irmãos em
situação de desemprego. Coletivamente,
estaremos apoiando, também, um imenso
trabalho de cidadania para construirmos
o Brasil que a gente quer no Novo
Milênio, isto é,
um país sem exclusão social,
e portanto, bem mais próximo do Evangelho.
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