
CIDADANIA
E RESPONSABILIDADE SOCIAL
Wagner
Rocha D’Angelis
*
Convive-se , hoje
, no país, com a escalada da violência, que em sentido amplo se
entende como todo desrespeito ou violação relativos aos direitos
de cidadania .
E , não por acaso, também
convive-se com o crescimento da miséria, da fome e da
exclusão social .
Concomitantemente
, fala-se , no Brasil
de hoje , das vantagens do Merco-sul
, da cooperação interestatal , e ,
mesmo , da
integração econômica (
sub-regional , latino-americana ou
continental ) .
A miséria e a
fome , que atingem pesadamente boa parte da população
brasileira, como também a dos demais países
- a incidência é bem menor em alguns lugares - , são
conseqüência de uma lógica econômica internacional que
relegou o lado humano a plano secundário. O que nos leva a
afirmar que a ordem econômica , os governos, as instituições e
a sociedade como um todo, não podem mais aceitar ou permitir as
investidas que se cometem para separar o econômico do
social . Divisão
essa que acarreta deixar a realidade com o econômico e a utopia com o
social .
No mundo atual ,
onde a pobreza e a exclusão se expandem, é imperioso colocar o
desenvolvimento social no centro de todo e qualquer tipo de
desenvolvimento, especialmente no
desenvolvimento econômico .
Afinal , não pode
existir o econômico sem o social , pois este é o determinante, e
aquele deve ser sempre subordinado, derivado do social .
Por outro lado ,
e aqui voltando ao nosso chão, não basta investir apenas na
consolidação de blocos
interestatais de mercados e negócios , esquecendo de que
inter- namente precisamos nos integrar .
No Brasil , valendo-nos das palavras do
sempre re-
verenciado Betinho
( Herbert de Souza ), em discurso pronunciado na ONU ,
“ a inte-
gração social, o combate à pobreza
e geração de emprego
desafiam a lógica
econô- mica ” .
Inegavelmente , e os dados estatísticos estão aí para
quem quiser conferir
, vi- venciamos aqui uma das maiores desigualdades sociais do
planeta .
Ora , em qualquer
ponto do mundo e em qualquer época , o alargamento das
distâncias sociais
e a exacerbada
concentração da riqueza são
fatores potenciais da marginalidade e da violência .
Ao se privar
contingentes humanos de seus direitos básicos , bem como arrancar
deles a possibilidade de desenvolverem suas capacidades e viverem
com dignidade , se está negando-lhes
a cidadania e
tornando-os política
e socialmente impotentes
-
o que é , mais que um passo , um decisivo empurrão para
que trafeguem pela via
tortuosa da
violência .
ORDEM
DOS ADVOGADOS
DO BRASIL
SEÇÃO
DO ESTADO
DO PARANÁ
COMISSÃO
ESTADUAL DE
DIREITOS HUMANOS
Cidadania
e responsabilidade social
Ao se manter
pessoas famintas ,
sem saúde , sem escola , sem emprego , sem salário digno , sem moradia , sem segurança , sem esperanças
enfim , se está
com- pactuando com o
aviltamento do
ser humano
e corroborando com a destituição de suas capacidades
naturais . Quando
assim se procede , pela indiferença, pela omissão, pela alienação
, pela discriminação , pelo
mal uso do voto , pelo desvirtuado exercício do poder ,
pela negação da justiça , pela adoção de políticas públicas
excludentes , ali- menta-se
subterraneamente a violência
e , por tabela , as suas
mais amplas
e diver-sificadas
expressões .
Ainda na gestão
passada, ao embasar o plano
de ação da Comissão Nacio- nal de Direitos Humanos da
OAB - 1999/2000, o
relator da matéria ,
advogado Marcos
Antonio P. Colares, assim expressava
o pensamento daquele
colegiado:
“ Os problemas econômicos ocasionadores do crescimento
do desemprego no país alimentam
a violência urbana
e rural . O
descaso com a infância e a adolescência garantem a
proli-feração de agressões à cidadania. A lentidão com que é
processada a reforma agrária, bem como a inadequada utilização dos órgãos de segurança
na questão, garantem a
efervescência do problema. Qualquer iniciativa de reforma
penitenciária não terá su-cesso significativo , sob o aspecto
catalisador, enquanto o conjunto de problemas eco-nômicos e
sociais que mantém o atual sistema de desigualdades não for
solucionado ”
( Voto . CNDH-OAB . Brasília , 07.03.1999 ) .
E , pode-se acrescentar , o
enfrenta-mento da violência
e da fome , em seu sentido macro , exige a efetivação
da justiça social .
Em ambos os casos , o da fome e o da violência , a
busca de solução exige um firme
e conseqüente compromisso , não só governamental , mas
também individual ,
institucional e
coletivo , para com as transformações que efetivamente
resgatem a
dignidade e
garantam a
cidadania a
tantos milhões
de injustiçados
e excluídos .
É
preciso e
é possível mudar .
Que essas mudanças não ocorram somente na ótica e no
campo da economia ! Que
essas mudanças comecem pela negação aos estereótipos que
rotulam de
inevitáveis - apenas porque isso interessa
a uns poucos ou
é indiferente a outros tantos -
algumas decorrências
estruturais .
Mas , para que as
mudanças aconteçam é
preciso vontade política e uma nova mentalidade
. Essencialmente , há que se ter como inaceitável ,
desconfortante
e nada
promissor viver numa
sociedade que banaliza a miséria e a violência , a ponto de
bloquear seu
poder de indignação e de presenciar
passivamente a tragédia cotidiana dos deserdados , como se
tal situação se reduzisse a
fato natural ou
obscura fatalidade .
Por isso , somos
todos imprescindíveis, somos todos chamados a uma
par- ticipação
ativa e co-responsável .
Porém , não bastam discussões acaloradas, discursos
eloqüentes ou
mesmo denúncias contundentes .
Tampouco é suficiente , conquanto louvável ,
a idealização
de campanhas eventuais e/ou
isoladas .
ORDEM
DOS ADVOGADOS
DO BRASIL
SEÇÃO
DO ESTADO
DO PARANÁ
COMISSÃO
ESTADUAL DE
DIREITOS HUMANOS
Cidadania
e responsabilidade social
Se
é certo que o contexto vigente está a
exigir políticas
públicas sócio-econômicas eficazes , também
devem se
tornar sistemáticos
os gestos ético-políticos
solidários de cada pessoa, setor
ou comunidade, numa dimensão integral e sistemática . Independentemente das
profundas reformas buscadas no plano geral , há que se
alavan-car ou
reordenar ações conjuntas
locais em prol da cidadania para todos .
Em outras palavras , e sem a preocupação de quem
tomar a iniciativa, há que se criar um espaço permanente onde o Poder
Público, empresas, instituições oficiais e particulares,
credos e
organismos da sociedade civil em geral, se associem, criem e
executem juntos projetos e/ou programas para soluções
pragmáticas e preventivas a respeito de questões
locali-zadas e
preocupantes .
Nesse particular
, a Comissão
de Direitos Humanos da OAB-PR
e o
Centro Heleno
Fragoso já
estão se
mobilizando , na
tecedura necessária
de par- cerias entre
a sociedade civil e
o Estado , para o desencadeamento do projeto “ Cons- trução
Coletiva da Cidadania ” , cujo marco integrador
deverá
ser o “
Memorial dos Direitos Humanos e
da Cidadania ” - entendido muito
além de
um mero
espaço de
articulação ou
assistência sócio-jurídica , muito
mais que um local de
atendimento e de
pesquisas centradas em valioso banco de dados , e sim , igualmente
, como uma
ofi- cina
de idéias e
programas criativos de
ação voltada
à solução
conjunta de
pro- blemas
que afligem
boa parte
da população
, mas cuja
responsabilidade toca à
so- ciedade
como um todo !
Uma usina
de modelagem
dos direitos humanos pelo exer- cício
responsável de
todos os
setores sociais , de cuja
produção o Estado
não seja
excluído como ator
e se
comprometa como
principal executor
.
Esta
é a
síntese da
proposta que , gestada
em reuniões
conjuntas ao
longo de 2001, após a vitoriosa campanha que levou à
instalação do “Conselho Esta- dual Permanente de Direitos
Humanos do Paraná” ,
se define
como uma
desafio à
construção da
“ paz social
” que
todos almejamos . Qual
será a
sua resposta ?
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O autor é advogado, professor
universitário, Presidente da
Associação de Juristas pela Integração da América Latina (AJIAL),
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de
Curitiba e
Presidente do Centro Heleno Fragoso pelos Direitos Humanos
.
Curitiba
, 2001
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