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(RELATÓRIO PARCIAL) 
RELATÓRIO NACIONAL SOBRE A SITUAÇÃO DOS 
DIREITOS HUMANOS E A REFORMA AGRÁRIA  NO BRASIL  

Elaboração:

Centro de Justiça Global,

 Comissão Pastoral da Terra

 e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Índice 

1. Dados sobre o meio rural no Brasil

2. A atual posição do Governo em relação à reforma agrária

3. Violações de Direitos Humanos no Campo

4. Violência no Paraná

5. O Massacre de Eldorado dos Carajás  

1. A Situação Agrária Brasileira  

 

A concentração de terra no Brasil é uma das maiores do mundo. Menos de 50 mil proprietários rurais possuem áreas superiores a mil hectares e controlam 50% das terras cadastradas. Cerca de 1% dos proprietários rurais detêm em torno de 46% de todas as terras. Dos aproximadamente 400 milhões de hectares titulados como propriedade privada, apenas 60 milhões de hectares são utilizados como lavoura. O restante das terras estão ociosas, sub-utilizadas, ou destinam-se à pecuária. Segundo dados do Incra, existem cerca de 100 milhões de hectares de terras ociosas no Brasil.  
Segundo o censo de 1995, existem cerca de 4,8 milhões de famílias de trabalhadores rurais “sem terra”, ou seja, que vivem em condições de arrendatários, meeiros, posseiros ou com propriedades de menos de 5 hectares. A Constituição brasileira determina que as terras que não cumprem sua função social devem ser desapropriadas para fins de reforma agrária. A função social da terra é determinada de acordo com o nível de produtividade, além de critérios que incluem os direitos trabalhistas e a proteção ao meio ambiente.  
O Brasil produz apenas 75 milhões de toneladas de grãos por ano. Esse número é quatro vezes menor do que a média de produção em países com condições climáticas e de solo iguais ou piores. Segundo o Censo Agropecuário, entre 1985 e 1996, a redução de áreas com lavouras permanentes foi de 2 milhões de Ha e as áreas com lavouras temporárias foram reduzidas em cerca de 8.3 milhões de Ha. De 1980 a 1996 a área cultivada diminuiu 2% e a população aumentou 34%. Na década de 80, o Banco do Brasil investia em torno de 19 bilhões de dólares na agricultura. Entre 1994 e 1998, a média de financiamentos foi de 6 bilhões de reais por ano. Entre 1980 e 1996, a renda média de todos os agricultores diminuiu 49%.

As melhores terras destinam-se à monocultura de cultivos para a exportação como cana, café, algodão, soja e laranja. Ao mesmo tempo, 32 milhões de pessoas passam fome no país e outras 65 milhões de pessoas alimentam-se de forma precária.  Desses 32 milhões que passam fome, metade vive no meio rural. Segundo estatísticas oficiais, cerca de 30 milhões de pessoas migraram do campo para as cidades, no período de 1970-1990. O contingente de trabalhadores rurais diminuiu em 23% de 1985 a 1996. Hoje mais de 77% da população brasileira vive nas cidades.

De acordo com o censo de 1995, existem cerca de 23 milhões de trabalhadores no meio rural, sendo que apenas 5 milhões são classificados como assalariados rurais (permanentes ou temporários). Cerca de 65% dos assalariados rurais não possuem carteira assinada e apenas 40% desses trabalhadores possuem trabalho o ano todo. Muitos desses trabalhadores chegam a trabalhar até 14 horas por dia. Nesse contexto, as mulheres e as crianças são as mais vulneráveis. As maioria das mulheres realizam dupla jornada de trabalho, dedicando-se à produção e ao trabalho doméstico. Muitas mulheres e crianças que trabalham no meio rural não recebem remuneração. Uma pesquisa baseada no PNAD/1995 verificou que cerca de 4 milhões de crianças entre 5 e 14 anos trabalham no meio rural nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país, o que representa mais de 11% dessa população. Somente 29% das crianças que trabalham recebem remuneração. Entre as crianças de 5 a 9 anos, somente 7% recebem remuneração. Um grande número de crianças no meio rural não tem acesso à educação e, entre os adultos, o nível de analfabetismo chega a 70% em algumas regiões.

Segundo o Censo Agropecuário de 1996, realizado pelo IBGE, houve um aumento da concentração de terra nas duas últimas décadas. Em 1970, os estabelecimentos com menos de 100 Ha representavam 90.8% do total de estabelecimentos, detendo 23% da área. Em 1996, esse número foi de 89,3%, detendo 20% da área total. Em contraposição, em 1970, os estabelecimentos com área acima de 1.000 Ha representavam 0.7% do total e detinham 39,5% da área. Em 1996, esses estabelecimentos passaram a representar 1% do número total e acumular 45% da área. Entre 1985 e 1996, constatou-se a diminuição do número de estabelecimentos agrícolas de 5.801.809 para 4.859.865, registrando-se portanto uma diferença de 941.944. Essa diminuição eqüivale a 61% da área total plantada  com grãos na safra de 1997/1998. Entre 1994 e 1998, 400 mil pequenos agricultores perderam suas terras e 800 mil trabalhadores rurais perderam seu emprego. 

Atualmente, os estabelecimentos  agrícolas estão divididos da seguinte forma:  

- 4,3 milhões com áreas inferiores a 100 Ha;

- 470 mil com áreas de 100 Ha a menos de 1.000 Ha;

- 47 mil com áreas de 1.000 Ha a menos de 10.000 Ha;

- 2,2 mil com áreas a partir de 10.000 Ha; e o restante sem declaração.  

De acordo com o Censo de 1996, o nível de produção dividi-se da seguinte forma:  

-         os estabelecimentos inferiores a 100 Ha respondem por 47% do valor total da produção agropecuária;

-         os estabelecimentos de 100 Ha a menos de 1.000 Ha respondem por 32% desse valor;

-         os estabelecimentos entre 1.000 Ha e 10.000 Ha participam com 17% do valor total;

-     os estabelecimentos acima de 10.000 Ha respondem por 4% do valor total.    

Em relação à mão-de-obra, constatou-se o seguinte:  

-          os estabelecimentos com menos de 10 Ha absorvem 40,7% da mão-de-obra;

-       os de 100 Ha a 1.000 Ha absorvem 39,9% da mão-de-obra;

-     os acima de 1.000 Ha absorvem 4,2% da mão-de-obra. 

Constata-se, portanto, que a realização da reforma agrária no Brasil é fundamental para resolver problemas econômicos e sociais no país.  

 

2. A Política de Reforma Agrária do Governo Brasileiro

 

O Governo brasileiro está descumprindo o artigo 11, nº 2, letra “a”, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que estabelece a obrigação aos Estados Partes a obrigação de “Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão  de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais”

Reagindo às recentes pressões políticas desencadeadas por trabalhadores rurais e agricultores familiares em todo o país, o governo federal anunciou, no dia 04 de maio de 2000, um conjunto de medidas relacionadas à questão agrária. Para demonstrar o status atribuído às medidas, o “pacote” foi anunciado no próprio Palácio do Planalto, em coletiva à imprensa da qual participaram o Secretário Geral da Presidência da República e os Ministros da Justiça e do Desenvolvimento Agrário.

No dia 05 de maio, organizações de trabalhadores rurais, articulados principalmente pelo MST, CUT, Contag, MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores, CPT, MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, Frente Sul da Agricultura Familiar e MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra, divulgaram uma nota sobre as medidas do governo, condenando a “desvirtualização” do programa de reforma agrária. Essas entidades reivindicam uma efetiva política de reforma agrária no Brasil, combinada com uma nova política agrícola voltada para os interesses nacionais, e para a democratização dos seus instrumentos.

Entre as medidas divulgadas, o governo não acenou com a possibilidade de novos recursos para a reforma agrária e para o Pronaf. Observe-se a evolução das dotações do Incra durante o governo FHC, em VALORES NOMINAIS: 1995, (1.3 bi); 1996, R$ 1.4 bi; 1997, R$ 2 bi; 1998, R$ 2.2 bi; 1999, R$ 1.3 bi e; 2000, R$ 1.3 bi.

As medidas anunciadas incluem a incriminação aos trabalhadores que realizarem ocupações de terra e prédio públicos, com ameaças de seus alijamentos da política de assentamento e de criminalização das suas lideranças, inclusive, com o anúncio dos seus enquadramentos na Lei de Segurança Nacional.

A liderança do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados divulgou a seguinte análise dessas medidas:

I. Através da 38ª edição da MP nº 2.027, de 04 de maio, o governo acrescentou, à legislação agrária, as seguintes medidas:

Por meio do art. 1º da MP, que altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.365/41, o governo determina que não haverá a incidência de juros compensatórios quando o imóvel objeto de desapropriação possuir grau de utilização da terra e de eficiência da exploração iguais a zero.

A incidência de juros compensatórios sobre imóveis desapropriados para a reforma já constitui inominável imoralidade; descartar essa possibilidade somente para os imóveis TOTALMENTE improdutivos, representa puro embuste destinado a alimentar a propaganda enganosa do governo. O §1º do art. 1º das versões anteriores da MP, ainda que manipulando o fundamento dos juros compensatórios, associado à contrapartida ao lucro cessante, coloca que essas verbas destinam-se a compensar a perda de renda gerada pelo imóvel. Portanto, a novidade do anúncio já estava contemplada nas versões anteriores das MP, pois, se não havia renda é porque não havia produção.

Na prática, a medida não terá qualquer eficácia pois bastará que o latifundiários cultive alguns pés de alface para fazer jus aos juros compensatórios. A propósito, a inutilidade da medida se explica, também, pelo processo, em curso, de substituição da desapropriação, por instrumentos de compra e venda de terra, no bojo da chamada reforma agrária de mercado desenvolvida pelo governo; 

· No art. 2º, a MP, acrescenta o art. 95-A, ao ‘Estatuto da Terra’, instituindo o Programa de Arrendamento Rural, no âmbito do programa de reforma agrária.

Na verdade, trata-se da instituição de mais um instrumento da ‘nova reforma agrária’, sob o controle dos grandes proprietários. A figura do arrendamento não representa nenhuma novidade pois desde o “Estatuto da Terra’ se dispõe do disciplinamento desse instrumento, cujas experiências histórica de efetivação têm sido exemplo de aumento da exploração e miséria dos trabalhadores rurais.

A novidade introduzida pelo governo, veio com o Parágrafo incluído ao artigo, que impede a desapropriação de imóvel que integrem o programa de arrendamento, enquanto se mantiverem arrendados. Até então, de conformidade com o Estatuto da Terra, o art. 30 do Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966, apenas previa que no caso de desapropriação parcial de imóvel rural arrendado, assegurava-se ao arrendatário o direito à redução proporcional da renda ou o de rescindir o contrato. Portanto, os generais da ditadura não tiveram a ousadia do nosso atual Presidente civil.  

A medida, além de claramente inconstitucional, por ampliar, por MP, os casos de insuscetibilidades de desapropriação determinados pelo art. 185, da C.F (pequena, média e propriedade improdutiva), expressa o caráter do ‘pacote’, anti-reforma agrária, reforçando o sentido altamente permissivo da legislação agrária, ao latifúndio. Agora, basta que o latifundiário inscreva o seu imóvel no programa de arrendamento rural que estará imune à desapropriação.

-   O art. 4º da MP incluiu dispositivos (§§6º, 7º, 8º, e 9º) à Lei Agrária (Lei nº 8.629/93). Através dos dois primeiros dispositivos, o governo determina que “o imóvel rural objeto de esbulho possessório ou invasão imotivada por conflito agrário ou fundiário não será vistoriado nos dois anos seguintes à desocupação do imóvel”. Em caso de reocupação do referido imóvel, este prazo será duplicado.

Trata-se de medida requentada, posto que em vigor através do Decreto nº 2.250/97, cujo art. 4º, estabelece que o “imóvel que for objeto de esbulho não será vistoriado enquanto não cessada a ocupação”.

A exemplo do caso anterior, ademais de tentar lançar mão de recurso intimidatório à luta pela reforma agrária, trata-se de ato claramente inconstitucional posto que, não havendo vistoria não há a desapropriação. Como vimos anteriormente, a Constituição não prevê essa hipótese de imunidade à desapropriação de imóvel rural;

Por sua vez, os §§ 8º e 9º, estabelecem que a entidade, organização, pessoa jurídica, movimento, ou sociedade de fato (um grande esforço jurídico para alcançar o MST), que, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos. Caso já tenha recebido os recursos, assiste ao poder público o direito de retenção, bem assim, o de rescisão do contrato, convênio, ou instrumento similar.

Vê-se um esforço de enquadramento das lutas dos trabalhadores rurais, cujo instrumento de pressão, como as ocupações de latifúndios improdutivos encontram legitimidade em jurisprudência do próprio STJ – Superior Tribunal de Justiça. Observe-se, ainda, que o governo estende a medida de excepcionalidade ao conjunto do setor público, ou seja, inclui os poderes públicos estaduais e municipais.

Por sua vez, as restrições ao acesso dos recursos públicos por parte das entidades de trabalhadores têm o nítido e ‘hediondo’ intento de sufocar economicamente as entidades como estratégia de impor-lhes a tutela do governo. Na verdade, mais do que as entidades, as grandes vítimas desse ato do governo serão as famílias de trabalhadores rurais assentados em projetos de assentamentos. 

Inclui art. 2º-A, na Lei Agrária, dispondo que, na hipótese de fraude ou simulação de esbulho ou invasão, por parte do proprietário ou legítimo possuidor do imóvel, será aplicada a pena administrativa de 50 mil UFIRs, e o cancelamento do cadastro do imóvel rural no Sistema Nacional de Cadastro Rural.

O fato da medida é que, apenas agora, o governo resolveu adotar medida no sentido de desincentivar prática fraudulenta de grandes proprietários de terras, ampla e historicamente conhecidas no país.

2. No rumo da política de ‘descentralização’ (eufemismo para o esforço de desfederalização da reforma agrária), o governo promete o envio, ao Congresso, de Projeto de Lei Complementar, estabelecendo a competência para os Estados executarem a reforma agrária, concorrentemente à União. Não dispomos do texto do projeto. Entre as medidas prometidas, foi enfatizado repasse de TDAs aos Estados. O próprio Estatuto da Terra (1964) já forneceu os instrumentos legais para que Estados e Municípios atuem de forma complementar, através de convênios, na implementação das medidas de reforma agrária. Na verdade, o governo pretende dar curso à sua estratégia de desobrigação da reforma agrária, repassando custos financeiros e políticos para Estados Municípios.

3. O governo anunciou que, por Medida Provisória, estenderá os prazos de resgate das TDAs para até 50 anos. Puro embuste; apenas por Proposta de Emenda Constitucional pode-se alterar o limite atual de até 20 anos, de conformidade com o que dispõe o caput do art. 184 da Constituição Federal;

4. O governo enviará ao Congresso Nacional Projeto de Lei Complementar, transferindo os serviços (leia-se, custos administrativos), e a arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR) para os Estados, que deverão instituir Fundos para o financiamento da reforma agrária.

Com a medida, o governo tende a criar a anarquia fundiária no país. Sintomaticamente, o governo negligencia as dimensões ambiental e fundiária do ITR e procura valorizar a dimensão fiscal do tributo que, no entanto, remotamente terá alguma eficácia na prática, dado o maior poder exercido pelo latifúndio na estrutura de poder dos Estados.

 

II - Medidas tidas como em “Defesa da Ordem Pública”  

 

·        Ministério da Justiça atuará, fortemente, para coibir, preventivamente, através da Polícia Federal, a turbação e o esbulho possessório de todos os bens próprios da União, sem prejuízo das ações dos Estados;

·        Governo anunciou a criação da Divisão de Conflitos Agrários e Fundiários no âmbito da Polícia Federal, em Brasília, e representação nas unidades federadas;

·        Dará prosseguimento aos inquéritos já instalados e será implacável, também, com os  novos inquéritos.

Esse conjunto de medidas configura, a nosso juízo, a linha mestre do trato que o governo dispensa aos movimentos populares, baseada na intimidação. Tais atitudes do governo modificam o perfil de sua intervenção na questão agrária. Pelo lado da responsabilização pela execução da reforma agrária, o governo FHC procura se liberar cada vez mais, transferindo-a para Estados e Municípios, conforme atestam as medidas antes comentadas. No entanto, resolveu manter no plano federal a repressão aos atores da luta pela reforma agrária, motivado tanto pelas suas necessidades de demonstração aos setores conservadores, da “preservação da sua autoridade”, como por não contar com a adesão de todos os governadores dos Estados do país às suas convicções autoritárias e repressivas.   

A rigor, quando o governo aciona, preventivamente, a Política Federal para coibir as ameaças e as ocupações de prédios públicos, anuncia, também, a intervenção do governo federal na política de segurança pública dos Estados. Especificamente, com a criação da Divisão de Conflitos Agrários, no âmbito da Polícia Federal, o governo parece sinalizar para a criação de um novo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado durante a ditadura militar. Além disso, a retomada e intensificação dos inquéritos já instalados contra trabalhadores rurais visam a intimidação, através da criminalização das lideranças dos movimentos sociais no país.

3. Violações de Direitos Humanos no Campo:

 

No Brasil, a desigualdade social é um fator histórico no meio rural, decorrente da perpetuação de estruturas fundiárias criadas a partir da colonização. Em conseqüência, verificamos a ocorrência de sérios conflitos sociais e violações aos direitos humanos. Nos últimos 12 anos foram assassinados 1.167 trabalhadores rurais, sendo que somente 86 desses casos foram julgados e 7 dos mandantes foram condenados.

Em seu relatório de 1998, a Comissão Pastoral da Terra registrou um aumento dos conflitos no campo e da violência contra os trabalhadores rurais. Os conflitos saltaram para 1.100, contra 736 em 1997. Eles envolveram 1.125.116 pessoas em todo o país, contra 506.053 em 1997. A região Nordeste apresenta o maior número de casos de conflito (542) e o maior número de pessoas envolvidas (678.593). Em seguida, vem a região Sudeste com 195 conflitos, a região Centro Oeste com 133, a região Sul com 130 e a região Norte com 100. A região Norte aparece em segundo lugar em número de pessoas envolvidas, com 146.953, seguida pelo Centro Oeste com 122.297, a região Sul com 109.048 e a região Sudeste com 68.225.

Em 1998 foram assassinados 47 trabalhadores rurais em conflitos no campo. A região Norte apresenta maior número de casos, com 17 (11 no Estado de Pará), seguida da região Nordeste com 11, a região Sul com 9, Sudeste com 6 e Centro Oeste com 4. O número de trabalhadores assassinados cresceu em 56.67%--em 1997 foram 30. Nesse mesmo ano 46 trabalhadores sofreram tentativas de assassinato, 88 foram ameaçados de morte, 35 torturados 164 agredidos fisicamente, 466 presos e 207 sofreram lesões corporais.

Todavia, a reforma agrária permanece um assunto importante para milhares de brasileiros. Somente em 1998 ocorreram 125 manifestações relativas a questões de terra, de política agrícola e de seca, envolvendo 90.548 pessoas em 23 estados.

Todavia, a reforma agrária permanece um assunto importante para milhares de brasileiros. Somente em 1998 ocorreram 125 manifestações relativas a questões de terra, de política agrícola e de seca, envolvendo 90.548 pessoas em 23 estados.

 O quadro abaixo indica o número de trabalhadores rurais assassinados nos últimos anos:  

Ano
1995
1996
1997
1998
1999

Número de assassinatos
41
54
30
47
42

Em 1998 ocorreram 252 prisões arbitrárias de trabalhadores rurais e em 1999 esse número subiu para 450.  

 

4. Violência no Paraná

 

O Paraná tem sido um dos estados brasileiros com maior incidência de violações contra trabalhadores rurais. No dia 2 de maio de 2000, cerca de 1500 trabalhadores rurais sem-terra foram fortemente reprimidos pela polícia, a caminho da cidade de Curitiba. Eles estavam em 50 ônibus, a 5km da cidade, quando foram barrados por policiais militares na BR-277. Os policiais obrigaram os sem-terra a saírem dos ônibus e deitarem na beira da estrada, apontando armas em direção a suas cabeças. Nesse momento, muitos sem terra foram espancados por policiais. Aqueles que tentaram fugir ou se defender foram atingidos por bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e de chumbo. Os policiais atiraram bombas de gás lacrimogêneo até mesmo dentro dos ônibus, atingindo mulheres e crianças. Um grupo de cerca de 30 sem terra foi perseguido pela polícia durante 2km. Eles acreditam que a polícia utilizou balas de chumbo durante a perseguição, ao mesmo tempo que eram atingidos por bombas de gás lacrimogêneo atiradas de helicópteros. Durante esse percurso, um rapaz teria sido baleado na cabeça e outro no abdômen. Eles continuam desaparecidos. Cerca de 180 sem-terra foram feridos durante a operação. Alguns feridos chegaram a ser ameaçados de morte por policiais militares dentro do hospital.

Durante a operação, o lavrador Antônio Tavares Pereira foi assassinado com um tiro no abdômen. O governo do Paraná reagiu imediatamente diante da morte de Antônio Tavares Pereira, concentrando seus esforços para convencer a opinião pública de que, primeiro, Antônio não era integrante do MST. A versão oficial, defendida pelo secretário de Segurança Pública do Paraná, José Tavares, dizia que Antônio Pereira teria sido encontrado na BR –116 e não na BR - 277, onde ocorreu o conflito. Ele garantiu também que o conflito teve início às 10:40 da manhã, e Antônio chegara ao hospital às 9:09. A versão oficial foi contestada pelo delegado Fauze Hussain da Delegacia de Homicídios de Curitiba, que confirmou a versão do MST, de que o conflito teve início às 8:15 da manhã. Mesmo sabendo do equívoco, o secretário José Tavares insistiu na versão de que a morte não fora relacionada ao conflito com o MST. Pouco depois, o delegado que contestou a versão oficial foi afastado do comando das investigações.

Esse episódio é decorrência de uma política repressiva contra trabalhadores sem terra, a qual tem se agravado principalmente no último ano. Em maio de 1999, a Secretaria de Segurança do Paraná iniciou uma série de despejos em acampamentos de famílias sem terra. Nessa ocasião, o governo estadual acionou grupos de elite da Polícia Militar, como o setor Anti-Seqüestro, o Grupo Águia, os Grupos de Operações Especiais (GOE e COPE), que cercaram as regiões onde havia ocupações de famílias sem-terra. Esses setores da PM estão equipados  com helicópteros, viaturas, cães treinados para ataque a multidões, policiais a paisana, indivíduos encapuzados ou sem tarja de identificação, ambulâncias, escopetas, fuzis, armas automáticas e lança bombas, assim como câmeras fotográficas e de vídeo.

No dia 5 de maio de 1999, o Governo do Paraná iniciou uma grande operação policial para despejar as ocupações de famílias sem terra na região de Querência do Norte. Somente nesta região, a PM realizou 14 despejos, onde foram registrados casos de tortura física e psicológica e de lesões corporais, inclusive contra crianças. Durante estes despejos foram presos 41 trabalhadores, registrando-se casos de tortura e espancamento. Após os despejos, os policiais queimaram pertences, barracos e alimentos das famílias sem terra e destruíram suas plantações.

Nesta mesma região, os assentamentos do MST têm alcançado altos índices de produtividade. A safra de 1998/1999 indicou os seguintes números: 155 mil sacas de milho, na safra 98/99), 70 mil toneladas de mandioca, 150 mil sacas de arroz, 4,2 milhões de litros de leite, gerando cerca de 1,5 milhão de reais em receita (ICM). Estes números repetem-se por todo o Estado do Paraná e revelam a viabilidade da reforma agrária.

Apesar disso, um balanço do ano de 1999, realizado pela Comissão Pastoral da Terra, indica um alto índice de violência contra trabalhadores rurais no Estado do Paraná:

  1. 35 despejos de fazendas, alguns realizados sem mandato judicial, outros realizados durante a noite, em operações da Polícia Especial ou milícias privadas. Pelo menos oito áreas eram fazendas já com processos de desapropriação em andamento. Essas operações foram filmadas pelo serviço secreto da PM. O oficial que divulgou as fitas está sob proteção do Serviço Federal de testemunhas.

  2. 173 trabalhadores foram presos: a maioria sem mandato de prisão.

  3. Dois trabalhadores assassinados e duas tentativas de homicídio. Em nenhum dos casos o inquérito identificou os criminosos, embora nas regiões todos sabem quem são os mandantes.

  4. 20 casos de ameaças de morte.

  5. Seis trabalhadores rurais foram presos e torturados por policiais. Embora a tortura seja condenada com prisão sem fiança, até hoje ninguém foi detido.

  6. Mais de 50 trabalhadores ficaram feridos nas operações de despejos violentos.

  7. Realização de escuta telefônica nos escritórios do MST e nos telefones das cooperativas. A própria Corregedoria da Polícia condenou essa prática, realizada ilegalmente.

  8. O Serviço Secreto da Polícia Militar continua operando prioritariamente contra o MST, violando a Constituição, que proíbe o uso dessa instituição contra movimentos sociais.

  9. Perseguição política e prisão do advogado da CPT Dr. Darcy Frigo. Ele tem recebido ameaças de morte e está sob proteção policial.

  10. Da meta do governo em assentar 3 mil famílias, apenas 880 foram assentadas. Existem 80 acampamentos no estado, com mais de 9 mil famílias.  

A seguinte declaração, registrada pela RENAAP – Rede Nacional Autônoma de Advogados Populares, ilustra as denúncias acima descritas:  

EU, GERALDO JOSE DOS SANTOS, brasileiro, casado, nascido a 20 de julho de 1914, estando hoje com 84 anos, sou agricultor desde es sete anos de idade. Não sei ler nem escrever. Minha esposa, dona Maria Rosa Muniz, conta hoje 77 anos. Temos nove filhos adultos, sendo que alguns deles estavam acampados conosco na fazenda Cobrinco, área pertencente ao Grupo Bradesco e que já tem laudo do Incra de improdutividade, no município de Monte Castelo.

Não temos dinheiro sequer para comprar remédios de que necessitamos, sendo que estamos endividados na farmácia. Minha esposa sofre dos nervos, coração, reumatismo.

Fomos despejados, minha família e mais outras quarenta, na madrugada de sexta-feira, por volta da 1h30min (uma hora e trinta minutos) da madrugada. Estávamos dormindo quando acordamos com todos aqueles policiais encapuzados na altura da porteira, sendo que havia alguns homens, uns 10 (dez), que não usavam farda nem capuz e depois de participar de toda a operação ajudaram a demolir os barracos. Pularam a porteira, dando tiros e jogando bombas e partiram para cima de nós, sendo que levei logo um chute de um policial na altura da costela e, no chão, fui em seguida novamente chutado. Obrigaram os homens e rapazes a ficar deitados naquele chão frio de barriga para baixo, algemados, até as sete horas da manhã. Demoliram nossos barracos, roubaram dinheiro dos sem terra e ficaram zombando de nós.

Eles espancaram vários e outros foram queimados pelas bombas, sendo que muitos têm medo de denunciar por causa da polícia. Um filho meu, de mais de 50 anos que tem problema no coração, ficou quase dois dias perdido no mato, desde que fugiu para não apanhar dos policiais. Outro filho é dono de um trator velho e trabalha com ele há mais de dez anos e todo mundo sabe disso, só que os policiais disseram que era roubado e não querem devolvê-lo.

Peguei R$ 162,00 (cento e sessenta e dois reais) emprestados a juros para plantar feijão. Tínhamos cinqüenta alqueires, sendo que uma parte foi gradeada pelo fazendeiro.

Estou internado no hospital de Monte Castelo com uma costela quebrada e estou urinando sangue. Sinto muitas dores quando me mexo.

A rogo: Cristiane de Lima Martins Ass. Geraldo José dos Santos
OAB 9.755 PB

Esse outro relato, descreve a violência contra trabalhadores rurais no acampamento da fazenda Santa Maria, na região de Ortigueira:

No dia 26 de abril de 1999, ocupamos a fazenda Santa Maria com 30 famílias. Três dias depois, um grupo de 30 policiais fortemente armados chegou ao local, acompanhados de dois Oficiais de Justiça. Os policiais obrigaram todos os acampados a sentar no chão e ameaçaram as famílias para conseguir informações sobre as lideranças do MST. O mais procurado era  Adnilson, mas ele não estava na ocupação naquele momento. Então os policiais retiraram um sem terra do grupo e desapareceram com ele. Após 30 minutos, outro policial voltou e para buscar o Lorival. Uma hora depois, o comandante da operação, Edmauro Assunção, chegou me procurando. Um soldado da P2 me levou por trás da sede da fazenda, enquanto traziam o Lorival, sem que eu pudesse vê-lo. Depois fiquei sabendo que ele tinha sido torturado. Então me levaram até a mangueira do gado. Lá tinham grandes tanques de cimento que serviam de bebedouros para gado. Fizeram-me ajoelhar para que eu falasse quem eram as lideranças que organizavam o MST na região e onde estava o Fusca prata (um veículo usado pelo MST). Quando eu disse que era bóia-fria, tinha chegado recentemente na fazenda, não sabia de nada, começaram a me torturar. Foram duas horas e meia de tortura, das 11h até as 13h30min. Fui algemado — meus braços estão cheios de feridas das algemas. A tortura consistiu em afogamento, enforcamento, espancamento com pisoteio na barriga, tiraram minha roupa e ameaçaram me estuprar como uma cana-de-açúcar. Depois me mandaram correr para que  pudessem me matar — eu não corri. Colocaram-me de joelhos em frente a um monte de esterco de vaca recém-estercado, encostaram uma faca em meu pescoço e me fizeram comer cerca de meio quilo de esterco. Depois me levaram até a viatura onde já estavam os outros presos. Foram três os torturados: eu, o Lorival e o Aristides. Quem nos torturou foi o Grupo de Operações Especiais (GOE) e a P2 (polícia secreta da Polícia Militar).

Chegamos na delegacia de Ortigueira às 15h quase que imobilizados. O delegado, pareceu nos apoiar e repreendeu a polícia militar. Depois chamou a juíza para que denunciássemos as torturas. Ela pediu que nós reconhecêssemos os policiais, mas o GOE e a P2 já tinham ido embora. Então a juíza mandou fazer o flagrante, mas isso é um erro no processo, pois quem nos prendeu foi o GOE e quem fez o flagrante foi a polícia de Ortigueira. Então reforçaram toda a segurança da delegacia, até nos transferirem. No dia da transferência, os mesmos policiais que nos torturam estavam lá para nos conduzir. Foi aí que percebemos que estávamos correndo risco de vida. Chamamos o delegado e falamos que nós não sairíamos da cadeia com os mesmos policiais que nos torturaram. Até o delegado estava desconfiado. Então ele arrumou outro carro, um Santana Quantun. Pedimos também o acompanhamento de um oficial de justiça e um agente da policia civil. Viemos em oito dentro de um carro, de Ortigueira a Ponta Grossa. Estamos presos na cadeia de Ponta Grossa, onde tem uma superlotação de presos. Aqui é horrível. Não é para seres humanos. O nosso medo é que o GOE entre na cadeia e nos mate. Estamos presos em seis pessoas do acampamento.

Valdecir Bordignon

Membro da Direção Estadual do MST/PR

Em relação a esse caso, o Ouvidor Agrário Nacional, Gercino José da Silva Filho, apresentou um relatório ao Conselho de Defesa da Pessoa Humana, em agosto de 1999, o qual afirma textualmente: “não é verdade que os rurículas sofreram violência física ou moral de grande potencial ofensivo, apesar da afirmação, não confirmada por pessoas isentas de interesse na causa, de que um trabalhador tenha sido obrigado a comer esterco.”  Essa declaração demonstra a tentativa do governo brasileiro de procurar esconder graves violações aos direitos humanos, como as descritas no depoimento acima e nos documentos em anexo.

 

5. O Massacre de Eldorado dos Carajás

 

No dia 17 de abril de 1996, aproximadamente às 15 horas, alguns ônibus chegaram a um acampamento de 1500 trabalhadores sem terra, na chamada  “curva do S”,  entre Eldorado dos Carajás e Marabá. Sob o comando do major José Maria Pereira de Oliveira, comandante da 10ª CIPM/1ªCIPOMA, dois ônibus e uma caminhonete, vindos da cidade de Parauapebas, traziam 68 homens armados com duas escopetas, quatro metralhadoras, cinqüenta fuzis e revólveres. Pelo sentido oposto da estrada, vieram outros três ônibus. Sob as ordens do coronel Mário Colares Pantoja, comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar, desembarcaram 200 homens equipados com metralhadoras e revólveres. Nenhum policial estava com a devida identificação. Havia deixado no quartel a tira de pano costurada sobre o velcro que os identifica.

O batalhão de Marabá, sob as ordens do coronel Mário Colares Pantoja, chegou lançando bombas de gás lacrimogêneo. No início, os trabalhadores resistiram jogando paus e pedras. Entretanto, ao ouvirem os primeiros disparos, bateram em retirada. O massacre durou aproximadamente uma hora. Dezenove trabalhadores foram assassinados e outros 69 ficaram feridos.

Foram assassinados os seguintes trabalhadores:  

1. ALTAMIRO RICARDO DA SILVA, 42 anos
2. ANTONIO COSTA DIAS, 27 anos
3. RAIMUNDO LOPES PEREIRA, 20 anos
4. LEONARDO BATISTA DE ALMEIDA, 46 anos
5. GRACIANO OLIMPIO DE SOUZA, 46 anos
6. JOSÉ RIBAMAR ALVES DE SOUZA, 22 anos
7. OZIEL ALVES PEREIRA, 17 anos
8. MANOEL GOMES DE SOUZA, 49 anos
9. LOURIVAL DA COSTA SANTANA, 26 anos
10. ANTONIO ALVES DA CRUZ, 59 anos
11. ABÍLIO ALVES RABELO, 57 anos
12. JOÃO CARNEIRO DA SILVA
13. ANTÔNIO ( conhecido como "IRMÃO")
14. JOSÉ ALVES DA SILVA, 65 anos
15. ROBSON VITOR SOBRINHO, 25 anos
16. AMÂNCIO DOS SANTOS SILVA, 42 anos
17. VALDEMIR FERREIRA DA SILVA
18. JOAQUIM PEREIRA VERAS, 32 anos
19. JOÃO RODRIGUES DE ARAÚJO  

Desde então, outros dois feridos morreram em conseqüência do massacre, Francisco Divino da Silva e João Batista Penha.

Os camponeses com ferimentos mais graves foram transferidos para o Hospital dos Servidores em Belém, Capital do Estado. Foram eles, José Carlos Moreira dos Santos, de 16 anos, alvejado no lado esquerdo da cabeça e com suspeita de lesão cerebral e Rubenita Justiniano da Silva, alvejada na boca, com fratura do maxilar esquerdo. Os demais, Elyomar Pereira da Silva, Domingos dos Reis da Conceição, Marcos Pereira da Silva, José da Natividade, Nilson Pereira de Souza e Michael Jackson Barbosa, foram submetidos a cirurgia devido a fraturas das pernas ou pés. Os advogados e assistentes sociais que procuraram ter acesso aos feridos foram impedidos por uma ordem do Secretário de Segurança Pública determinando que apenas os familiares poderiam visitar os feridos. Quando finalmente foi permitido o acesso aos feridos, observou-se que estavam acompanhados por policiais e eram tratados como criminosos.

A primeira fase do julgamento dos 150 policiais acusados de envolvimento no massacre foi realizada em agosto de 1999, quando três oficiais que comandaram a operação foram absolvidos. Os advogados do MST entraram com um recurso para afastar o juiz Ronaldo Valle do processo, e outro recurso para anular a decisão. Em abril de 2000, o juiz Ronaldo Valle entregou carta ao Presidente do Tribunal de Justiça pedindo seu afastamento do processo. No dia 11 de abril, o Tribunal de Justiça decidiu anular a decisão que absolveu os oficiais. No dia 24 de abril, o Tribunal de Justiça nomeou novo juiz para presidir o processo. Trata-se do juiz JOSÉ MARIA TEIXEIRA DO ROSÁRIO. Este juiz já decidiu causas que envolviam trabalhadores rurais sem terra e todas as decisões foram contrárias ao MST.

Existe um problema de ordem legal com a nomeação. Este juiz manifestou interesse em presidir o julgamento e, em seguida, o Tribunal de Justiça decidiu indicá-lo. Esta forma de indicação feriu o princípio do juiz natural da Constituição Federal. Feriu também o artigo 8, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que diz “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei,...”. Ocorre que o juiz José Maria Teixeira do Rosário manifestou interesse em presidir o julgamento antes do Tribunal de Justiça nomeá-lo. A sua manifestação de vontade espalha sombra duvidosa sobre sua imparcialidade, colocando em risco as garantias de um julgamento justo.

Outra questão que devemos levar em consideração é que os jurados que vão julgar os policiais são todos residentes em Belém. A Polícia Militar faz a segurança pública de todas as pessoas que residem no Estado do Pará, aí incluídas todos os jurados e o juiz. Qualquer policial militar poderá encontrar o jurado na rua, no trabalho ou no lazer e poderá pressioná-lo para que ele absolva seus colegas de farda. Ou, se um dos jurados vier a solicitar segurança, poderá ser pressionado para absolver os demais policiais. Os 150 policiais acusados de envolvimento no massacre continuam exercendo suas atividades rotineiras, o que possibilita casos de coesão.  

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