Pessoas com Deficiência e/ou Necessidades Especiais à Luz dos Direitos
Humanos
Dulce Barros de
Almeida
Professora
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás
A partir
da Declaração Universal dos Direitos Humanos cm 1948, pessoas
com deficiências e/ou necessidades especiais tem sido foco
constante de leis especificas para que estas lhes garantam
direitos básicos de cidadania tais como os civis, políticos,
econômicos, sociais, culturais e lingüisticos.
As recomendações
internacionais, no que diz respeito aos “diferentes” do padrão
socialmente determinado e aceito, mio freqüentes. Como nos
afirma Bobbio (1992), vivemos na era dos direitos.
Na década de 50,
foram proclamados os direitos da criança (20112/1959), cujo
Principio 5º dispõe que:
À criança
incapacitada física ou mentalmente, ou
que sofra algum
impedimento serão proporcionados
o
tratamento, a educa $o e os cuidado, especiais
exigidos pela sua
condição peculiar
A década de 60
é fortemente marcada pelas recomendações e influ6ncias da família
Kennedy (BUA) em todo o mundo. A expansão das Associações de
Pais e Amigos dos Excepcionais — APAEs, no Brasil, e a criação
de diversas outras Organizações Não-Governamentais — ONGs, são
também conseqüência da política americana adotada em prol das
pessoas deficientes na ocasião.
Na década de 70,
são declarados e aprovados em Assembléia Geral da Organização
das Nações Unidas — ONU, os direitos do deficiente mental
(1971) e os direitos das pessoas portadoras de deficiências em
1975.
Assim, no inicio
dos anos 80, a ONU proclama o ano de i981 como o “Ano
Internacional das Pessoas Deficientes” — AIPD. Conforme
Carvalho (1997:35), foi o inicio de uma década destinada a
estimular o cumprimento dos direitos dessas pessoas à educação,
à saúde e ao trabalho.
Isto significa
que o que consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
Art. 7º em 1948, foi ignorado ou sequer respeitado. ou seja, de
que todos são iguais perante a Lei e têm direito, sem distinção,
a igual proteção da Lei. Todos tem direito à igual proteção
contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração
e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
O Ano
Internacional das Pessoas Deficientes (1981), contribuiu como estímulo
para a união das forças das pessoas deficientes em todo o
mundo e posterior expando de seu movimento organizado.
Se, até a década
de 70, os portadores de deficiência foram submersos pela história,
permanecendo inertes, alienados e marginalizados das decisões
políticas e administrativas relativas ao seu próprio processo de
desenvolvimento, hoje, essa situação apresenta sinais de mudança.
Uma parcela dessa população deficiente compreende a
necessidade de lutar pela conquista de direitos e percebe as
responsabilidades do Estado para com a categoria, apesar de se
encontrar, como todas as minorias, perplexa frente ao contexto sócio-
econômico e político do país e em fase de redimensionamento
nos seus propósitos (Almeida, 1992).
A partir daí,
inclusive no Brasil, foram observadas mais iniciativas oficiais e
privadas em prol dos deficientes, tendo em vista a cobrança, a
lula e a participação mais efetivas da categoria junto àqueles
que detêm o poder.
Não obstante,
ainda se fez necessário, na década de 90. novas recomendações
internacionais:
-
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990).
Compromisso de garantir o atendimento às necessidades básicas
de aprendizagem a todas as crianças, jovens e adultos;
-
Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para
Pessoas com Incapacidades (1993). Conscientização, saúde. educação,
trabalho, família;
- Declaração de
Salamanca (1994). Todas as escolas deveriam acomodar todas as
crianças independentemente de suas condições físicas,
intelectuais, sociais, emocionais.
Concomitantemente.
o Brasil, como país membro da ONU. procurava em âmbito legal
minimizar a situação das pessoas com deficiência e/ou
necessidades especiais.
As Constituições
vêm se manifestando tanto na esfera federal. estadual e
municipal, com artigos específicos sobre os deficientes; as Leis
de Diretrizes e Bases da Educação ( nacional e estaduais) também
se manifestam com capítulos específicos, utilizando como
terminologia “portadores de necessidades especiais”; a Lei
Federal n.º 7853, de 21/10/1989, regulamentada pelo Decreto n.º
744. de 08/12/1995. apesar de pouco divulgada, dispõe
especificamente sobre o direito das pessoas portadoras de deficiência
e o Estatuto da Criança e do Adolescente (13/07/1990) também
assegura os direitos dos deficientes por meio dos seus artigos.
Como se não
bastasse, diversas outras Leis, de âmbito nacional e local,
foram estabelecidas para se tentar, mais uma vez, “proteger”
os direitos dos deficientes no que diz respeito à reserva de até
20% (vinte por cento) das vagas oferecidas em concurso público
(Lei a? 8.112 de 11/ 12/1990); à concessão de salário mínimo
para os que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção e nem tê-la provida por sua família (Lei n 8.742 de
07/12/ 1993>; à isenção do imposto sobre Produtos
Industrializa dos (IPI) para aquisição de automóveis (Lei n.º
8.989 de 24/02/1995); à reserva de vagas em empresas privadas de
2% a 5%, conforme o número de empregados ( Lei n.º 8.213
de 24/07/1991) e à assistência social para garantir o
atendimento às necessidades básicas, por meio da Lei Orgânica
da Assistência Social (Lei n 8.742/93 ), entre outras.
Não obstante, as
pessoas deficientes e/ou com necessidades especiais continuam
entendendo que os seus direitos são desrespeitados e que estio
assegurados apenas no papel.
Apesar de
entender que as leis especificas se fazem necessárias enquanto
instrumento legal de luta, é do entendimento da maioria que
estas Leis, voltadas para as minorias marginalizadas, fortalecem
o discurso demagógico do Estado e sensibilizam e convencem parte
da sociedade de que o Estado resolve os problemas sociais, apesar
de, em sua maioria, apenas atender aos interesses pessoais de
projeção política e, sobretudo, escamotear a realidade.
Num contingente
de aproximadamente cento e sessenta milhões de brasileiros,
conforme estimativas da ONU, 10% (dez por cento) pode ser
considerado de deficientes, ou seja, 16 milhões de pessoas assim
distribuídas:
- Deficientes
Mentais: 5% = 8 (oito) milhões
- Deficientes Físicos
: 2* = 3 (três) milhões e 200 (duzentos) mil;
- Deficientes
Auditivos: 1,5% = 2 (dois) milhões e 400 (quatrocentos) mil:
- Deficientes Múltiplos:
1,0% = 1 (um) milhão e 600 (seiscentos) mil;
- Deficientes
Visuais : 0,5% = 800 (oitocentos mil).
E. o mais grave,
mediante os dados dos diversos Órgãos (quer sejam federais,
estaduais ou municipais), criados especificamente para tratar das
questões ligadas aos deficientes, o atendimento a estes 16 (
dezesseis) milhões nunca chegou — 10% (dez por cento). Quer
dizer que, aproximadamente 14 (quatorze) milhões e 400
(quatrocentos) mil pessoas permanecem à margem da sociedade,
escondidas ou totalmente desconsideradas quanto aos seus
direitos.
Como então
afirmar que vivemos num país democratizo com tantas injustiças
sociais’?
Como é possível
falar em direitos humanos, sem pratica-los, violentando-os dia a
dia e estimulando cada vez mais a exclusão social?
Como então
conviver com uma sociedade intolerante, preconceituosa e
hierarquizada’?
E preciso encarar
de frente que só com muita mobilização social e vontade política
a situação das minorias do pais poderá ser minimizada.
Estamos aqui nos
referindo não aos deficientes da burguesia liberal ou aos
educandos com necessidades especiais da nova LDB e da Educação
Especial do MEC. Estamos falando de pessoas cegas, surdas, paraplégicas,
paralisadas e infradotadas. que têm suas cidadanias comprometidas
por não terem, sequer, seus direitos básicos atendidos, tais
como o de ir e vir, educação adequada e com qualidade, saúde pública
disponível, emprego e salário dignos e. consequentemente, espaço
no mercado competitivo.
As recomendações
internacionais continuam intensas. 1-loje o movimento é pela
sociedade inclusiva, sendo explicitado pela primeira vez em 1990
pela Resolução 45/91 da ONU:
A Assembléia
Geral solicita ao Secretário Geral uma mudança no foco do
programa da ONU sobre deficiência passando da conscientização
para a ação com o propósito de se concluir com êxito uma sociedade
para todos por volta do ano 2010.
A sociedade para
todos representa, hoje, sonho nosso e de todos aqueles que
acreditam na justiça social, na cidadania plena. nos direitos
humanos e, sobretudo, no direito a ser diferente, que. conforme
Kauchakje (1999). no campo das idéias progressistas traz o
sentido de respeito às singularidades e ao exercício da tolerância
no convívio social. Quer dizer, as formas de convívio dos grupos
minoritários cm relação à sociedade como um todo diz muito do
nível de civilidade desta sociedade.
Não queremos
acreditar que ainda permanecemos utilizando o "leito do
Procrusto” (mitologia grega), onde o importante era salvaguardar
a medida prévia, ou seja, o padrão. Também nos recusamos a
acreditar que a apreensão da diferença no modo de produção
capitalista continua intocável, quer dizer, todos são iguais.
mas há alguns que são mais iguais do que outros”.
A sociedade para
todos é consciente da diversidade humana (origem nacional, sexo,
religião, gênero, cor, idade, raça e deficiência) e se
estrutura para atender às necessidades de cada cidadão. Assim,
resgata-se, ao nosso ver, o princípio maior da Declaração
Universal dos Direitos Humanos que é:
TODOS
OS HOMENS NASCEM LIVRES
E
IGUAIS EM DIGNIDADE E DIREITOS.
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