FILOSOFIA
PRAGMÁTICA, PRAGMÁTICA SOCIOLÓGICA E DIREITOS
HUMANOS
Ubiracy de Souza Braga*
1 – Pragmatismo e Verdade
“Os
americanos ainda não criaram uma civilização,
no sentido profundo e completo que atribuímos
à palavra civilização. O que eles criaram é uma
metrópole de força” (Discurso pronunciado em 17 de
janeiro de 2002, 11º ano pós-guerra do Golfo Pérsico
iniciada por George Bush).
Saddam Hussein
Algumas circunstâncias
levaram-me a redigir um texto sobre pragmatismo.
A primeira, vale lembrar, é que não escrevo para
especialistas. Com os anos passandos,
cada vez mais, com a institucionalização da ciência, da filosofia, da sociologia etc., estes
falam do lugar que sua especialidade lhe valeu,
com jogos táticos de linguagem entre porta-vozes
e autoridades simbólicas numa economia produtivista.
“Conhecimento” é, para o pragmático, como “verdade”,
simplesmente um elogio feito às crenças que pensam
estar bem justificadas. Ou seja, para o pragmatismo,
uma corrente filosófica que surgiu na segunda
metade do século 19, o conhecimento tem um caráter
essencialmente prático. O conhecer, nas suas múltiplas
formas, não tem a finalidade de chegar ao conhecimento
das verdades teóricas, mas é um processo de adaptação
ao ambiente, visando assegurar a sobrevivência
do homem.
A segunda é que o pragmatismo através do
relativo sucesso de Richard Rorty nos meios acadêmicos
e a variedade dos assuntos que aborda, pode ser
visto como mais um teórico da moda. Kant tem toda razão quando acha
melhor sermos “tolos da moda” do que ser “contra
a moda” – mesmo que certamente continue sendo
uma tolice levar demasiado a sério as “coisas
da moda”. Para Lipovetsky (1989) nos últimos cem
anos tudo se passa como se o enigma da moda estivesse
grosso modo resolvido. Esse consenso de fundo
dá lugar, conforme seus analistas, a nuanças interpretativas,
a leves desvios, mas, com poucas variantes, a
lógica inconstante da moda, assim como suas diversas
manifestações, são invariavelmente explicadas
a partir da noção de estratificação social e das
“estratégias mundanas de distinção honorífica”.
O que importa é que para o autor,
“A moda tornou-se um problema esvaziado
de paixões e de desafios teóricos, um pseudoproblema
cujas respostas e razões são conhecidas previamente;
o reino caprichoso da fantasia só conseguiu provocar
a pobreza e a monotonia do conceito” (Lipovetsky,
1989: 10).
Mais
do que isso, recolocada na imensa duração das
“manifestações de vida”, para lembramos de Simmel
(para quem o conhecimento, é entendido como resultado
sempre parcial de uma atividade interpretativa
do sujeito que conhece), é preciso redinamizar,
inquietar novamente a pesquisa da moda, objeto
fútil, fugidio, o que poderia estimular ainda
mais a razão teórica. Daí que, a moda é uma realidade
historicamente condicionada e característica do
Ocidente e da própria concepção de modernidade.
Nesse sentido,
“a moda é menos signo das ambições de classes
do que saída do mundo da tradição, é um desses
espelhos onde se torna visível aquilo que faz
nosso destino histórico mais singular: a negação
do poder imemorial do passado tradicional, a febre
moderna das novidades, a celebração do presente
social” (Id., ib.).
Além disso, é
“moda” esta intenção filosófica, porque abraça
temas que vão desde questões essenciais de filosofia
analítica, amadurecidos com exemplaridade em seu
A filosofia e o espelho da natureza (Philosophy and the Mirror of Nature, 1979)
à defesa das democracias ocidentais, inclusive
com o homem diante da guerra e da morte. Tende
a ser avaliado pelos próprios especialistas como
um diletante “que fala muito do que conhece pouco”.
Como não registrar o desconforto das posições
assumidas por Rorty diante da chamada “guerra
fria” (economia de guerra) sem levar em conta
a destruição e morte que ela acarretou no Vietnã,
na América Latina, e ainda, posteriormente com
relação à Bósnia e ao apoiar a invasão de Kosovo
pelas tropas americanas e seus aliados na Europa?
Daí os mal-entendidos, mas que fazem parte dos
riscos assumidos por Rorty na defesa de sua concepção
da tarefa de filósofo.
Desnecessário
dizer que Rorty tornou-se um dos mais estimulantes
pensadores da atualidade porque conseguiu imprimir
à sua escrita a questão etnobiográfica. Se é verdade que para
os historiadores a história
de vida tem seu fundamento no quadro da história
oral, também é verdade que alguns autores
apreendem outras denominações para a história
de vida como etnobiografia, porque do ponto de vista
da pesquisa, o conteúdo do material recolhido
reflete o tempo e o ambiente político e social do narrador. Isto é importante
porque Rorty vincula seu neopragmatismo à sociedade
e cultura americana. Para Lipset (1966, 1970),
a classe intelectual limitada a escritores e artistas
criadores, professores universitários, funcionários
públicos da alta categoria e a advocacia que tem
sido a ocupação mais importante para aqueles que
possuem educação superior, colocam-se em antagonismo
político aos “titulares do poder”
e pode resultar também de algum senso de
frustração por não haver lugar para eles na velha
sociedade. Ipso facto,
“Seus novos valores não coincidem
com aqueles que os colocariam em posições destacadas
nas velhas hierarquias locais. Estes valores estão
contidos numa ideologia, e a ideologia que os
intelectuais perfilham é a do populismo” (...) “A conseqüente tensão entre os intelectuais
e as forças dominantes da nova nação pode representar
um esforço à formulação de um adequado auto-retrato
nacional. Assim é que todas as nações novas enfrentam
o problema de incorporar os seus intelectuais
aos seus sistemas de Governo”(Lipset, 1966:87;94).
No artigo “Trótsky
e as Orquídeas Selvagens”, ele diz como aproximou-se
da filosofia, antecipando a originalidade de sua
posição etnobiográfica no cenário intelectual
de hoje. Ou seja, refletiu sobre como conciliar
a responsabilidade em relação aos demais seres
humanos e os sentimentos pessoais que nutrimos
pelas pessoas ou coisas que amamos. Para ele,
o que determina a escolha de um ponto de vista
sobre o sujeito e o mundo são os objetivos pragmáticos visados e não a posse de uma
teoria fundada em exigências lógicas ou achados
empíricos incontestáveis. Concluiu que não há
qualquer necessidade racional para que esses dois
pólos coincidam. Rorty redescobriu, assim, o pragmatismo
filosófico da cultura norte-americana como epicentro
das democracias ocidentais e que terá uma forte
influência no pensamento sociológico da Escola
de Chicago, como veremos adiante.
Finalmente, o
que poderemos interpretar sobre este representante das representações da modernidade
no âmbito do pragmatismo da cultura americana?
Talvez, para lembrarmos do presente, o fato de
que o pragmatismo americano diante da invasão,
destruição e extermínio, com a nova guerra contra
o Iraque, serviu como baluarte para uma cultura que, relacionando
pragmatismo e verdade, pragmatismo e política
e pragmatismo e religião consagraram a máxima
de Weber sobre a utilização dos fins: “Na nossa
concepção, ‘fim’ é a representação de um resultado
que se converte em causa de uma ação” (Weber,1982:99).
Não há resposta satisfatória tanto para a filosofia
pragmática quanto para a pragmática sociológica
vis-à-vis a argumentação weberiana. Esse
é o suposto de nossa pesquisa.
Em assim sendo
Richard Rorty afirma que,
“Mas não há nada de errado com a
democracia liberal, nem como os filósofos que
tentaram ampliar seus escopos. Só há algo errado
com a tentativa de ver seus esforços como falhas
em alcançar algo que eles não estavam buscando
– uma demonstração da superioridade ‘objetiva’
de nosso modo de vida frente a todas as outras
alternativas. Não há, em resumo nada de errado
com as esperanças do Iluminismo, as esperanças
que criaram as democracias ocidentais. O valor
dos ideais do Iluminismo, para nós, pragmáticos,
é justamente o valor de algumas instituições e
práticas que eles criaram” (Rorty, 1997:51).
Assim, termos
como ‘poder’, ‘interesse’, ‘dominação’, ‘realidade
material’ etc., são indispensáveis à análise do
autor, pois verdadeiro é aquilo que nos habituaram
a aceitar como verdadeiro, pela força ou pela
persuasão dos costumes. Enfim, a análise lingüística
daquilo que nos habilita a descrever o mundo de
uma forma ou de outra não exclui a análise de
como fomos levados a crer na verdade de tal descrição. Para efeitos
da ação, só existem eventos sob descrição. E a
descrição preferida do intérprete será a mais
adequada às suas convicções éticas e não a mais
iluminada pela Razão.
Rorty insiste
na utopia pragmatista da verdade, em seu livro
“Pragmatismo: a Filosofia da Criação e da Mudança”,
dando continuidade a voga da filosofia norte-americana
por ele reconhecida. Ele é um dos responsáveis
por isso, tanto no papel de participante ativo
quanto no de propagador dessa linhagem que ele
próprio afirma, remonta a Emerson, James e Dewey,
entre outros.
Contudo, no livro
Objetivismo,
relativismo e verdade. Escritos Filosóficos,
(Philosophical
Papers – Objectivity, Relativism & Truth,
1995), ele adverte: “o pragmatismo parece-me,
como eu disse, uma filosofia antes da solidariedade
que do desespero”, (...) pois têm “o desejo de
alcançar a maior concordância intersubjetiva possível,
o desejo de estender a referência do pronome ‘nós’
tão longe quanto possível” (...) Além do que para
eles, “o pragmático, dominado pelo desejo por
solidariedade, só pode ser criticado por levar
sua própria comunidade muito
a sério” (...) “o pragmático não tem uma teoria
da verdade, muito menos uma teoria relativista”
(Rorty, 1995:45 e ss).
2 - Pragmatismo
e Política
“Eu assumo a responsabilidade por tomar a decisão,
a difícil decisão de formar uma coalizão para
remover Saddam Hussein, porque a inteligência
– não apenas a nossa inteligência mas a inteligência
deste grande país [continuou Bush, se referindo
à Blair e seu país] (...) expôs um argumento claro e irresistível de
que Saddam Hussein era uma ameaça à segurança
e à paz”. (George W. Bush, New York Times, 18.07.2003).
Com a guerra contra o Iraque, no Golfo
Pérsico, quase “esquecemos” que a vitória eleitoral
de George W. Bush como presidente dos EUA deu-se
por decisão da Corte Suprema, que optou por cumprir
prazos em detrimento da recontagem dos votos num
condado da Flórida, estado cujo governador era
o irmão de Bush. Voto decisivo no colégio eleitoral
já que no número absoluto de votos Bush não sairia
vitorioso. Os próprios reclamos da imprensa norte-americana
foram atropelados pelo atentado terrorista de
11 de setembro às torres do World
Trade Center e, a partir de então, Bush filho
comprometeu-se com a missão de vingar o pai que não conseguira
na outra Guerra do Golfo (1991) retirar Saddan
Hussein do poder, no Iraque.
Cercado de assessores fundamentalistas, comprometido tanto com
a indústria do petróleo quanto com a de armamentos,
George W. Bush, que escapara do serviço militar,
agora vai à guerra (2003) disposto a impor a sua
vontade, sobretudo após o ataque ao povo afegão,
a substituição de governo no Afeganistão e a insatisfatória
resposta a Osama Bin Laden, um ex-aliado, a quem
responsabilizara pelo ato de 11 de setembro de
2001.
Para nós, política é regulação da existência
coletiva, poder decisório, luta entre interesses
contraditórios, disputa por posições de mundo,
confrontos mil entre forças sociais, violência
em última análise. Só que a produção política
(os processos políticos) se diferenciam radicalmente
da produção econômica porque usa eventualmente
suportes materiais, tais como armas, livros, processos,
papéis onde se inscrevem as ordens, os atos de
gestão, as sentenças ou as leis, mas não é uma
produção material. Porque consiste em decisões
imperativas.
Assim, é também diferente da produção
simbólica porque se exercita sobre o interesse
dos agentes sociais, quando não sobre o seu próprio
corpo; corresponde a atos de vontade que regulam
atividades coletivas; disciplina práticas sociais.
Não produz mensagens, discursos; produz obediências, obrigações, submissões,
direitos, deveres, controles. Poder é uma
relação social: de mando e obediência. As decisões
tomadas politicamente se impõem a todos num dado
território ou numa dada unidade social. Convertem-se
em atividades coercitivas (esfera da segurança),
administrativas (esfera da administração), jurídico-judiciárias
(esfera da justiça) e legislativas (esfera da
deliberação). Simplificadamente, processo político
diz respeito a pergunta: “Quem pode o quê sobre
quem?” Eis a grande questão do processo político,
do confronto entre forças sociais, da sujeição
de vontades a outras vontades (Srour,1987, passim).
Mutatis mutandis, não bastassem os contornos de uma tragédia shakespeareana,
a alusão a mitologia grega é procedente. Ela diz
que Hefestos, conforme determinação de Zeus, criou
sua primeira mulher dando a ela tudo o que de
melhor poderia dar. Nomeou-a Pandora. Entretanto,
Zeus deu a Pandora uma caixinha que continha todas
as possíveis maldades do mundo com a expressa
ordem de zelar por ela e nunca abri-la. Em caso
contrário, isso acarretaria toda a sorte de calamidades.
Incapaz de conter a sua curiosidade, Pandora abriu
a caixa libertando um inaudito sofrimento que
faz a humanidade sofrer até hoje. Pois esse é
o caso: George W. Bush destampou a sua caixa de
Pandora (Cerqueira Filho e Neder, 2003).
Talvez
seja possível admitir com o homem diante da guerra
e da morte, no Golfo Pérsico em 1991 (com o pai)
e 2003 (com o filho), a repetição de nomes: Bush
em inglês alude a bucha, como metáfora
de guerra. E regiões, marcadas como emblemas no
capitalismo globalizado, a recorrência ao nome
do pai. E mãe-pátria, há dois séculos ao menos,
como representação da colonização e a idéia de
subserviência de povos.
Pai ainda, onde incide a violência doméstica
em uma complexa operação física fantasiada com
as drogas eletrônicas (armas inteligentes) e o
terrorismo de Estado. E psíquica, (a internalização
da lei) de ''fora (EUA) para dentro (Iraque)'',
com a configuração de pátrias degradadas. O Estado
de exceção tornou-se uma prática freqüente entre
as nações contemporâneas, atingindo desde o 3º
Reich até o USA Patriot Act.
O fracasso da busca por provas contundentes
de armas de destruição em massa, cuja existência
assegurou o argumento em defesa da guerra contra
o Iraque, foi apoiada em documentos falsificados e fontes inconsistentes e sombrias, como
ficou confirmado com os escândalos tanto no Parlamento
inglês, onde foi solicitada a deposição do premier
Tony Blair [que respondeu “em silêncio”], ou ainda,
sobre a “culpa” de “acusação falsa” contra o Iraque, da Casa
Branca e CIA, conforme o artigo publicado em El País intitulado “Casa Branca e CIA
culpam-se mutuamente sobre acusação falsa contra
Iraque” (12.07.2003). Além disso, para usar a
noção de “metrópole de força”, utilizada no discurso
de Saddam Hussein após o massacre de 1991 no Golfo
Pérsico causado pelo pai George Bush, de acordo
com o Financial
Times,
“A derrubada do regime iraquiano retirou dali
um tirano sanguinário e cruel que invadiu dois
países vizinhos, empregou armas de destruição
em massa contra o Irã e seu próprio povo e causou
milhões de mortes. A queda de Saddam Hussein representa
o único benefício inquestionável desta guerra
– embora como afirmara ainda no mês de maio o
vice-secretário de Defesa americano, Paul Wolfowitz,
não era uma razão para ‘colocar em risco a vida
dos garotos americanos, ao menos na escala em
que colocamos’” (Financial Times, 16.07.2003).
O
Editorial do Financial
Times insiste na idéia de que
“argumentou, de modo consistente, que a melhor
alternativa para desarmar Hussein seria dar continuidade
às inspeções determinadas pela resolução 1441
do Conselho de Segurança da ONU. Ao interromper
prematuramente estas inspeções, Bush e Blair debilitaram
o órgão internacional mais capacitado para conter
a proliferação de armas de destruição em massa”
(Id., Ib.).
Ora,
se sociologicamente admitimos anteriormente que
“‘fim’ é a representação de um resultado que se
converte em causa de uma ação”, tal argumento
já teria sido justificado enquanto motivo para
a guerra. Um argumento sutil defendia que, “existisse
ou não tal equipamento, Hussein pretendia adquirir armas de destruição
em massa. Noutras palavras, já estava sendo justificada
em termos preventivos – e não em termos
de proteção”. O jornal El
País admitiu que “seria ilusório pensar que
não transmitiram essas dúvidas à Casa Branca nos
meses seguintes”. De outra parte, que o secretário
de estado Colin Powell foi mais perspicaz ou mais
cauteloso, mesmo defendendo W. Bush afirmando:
“quando revisamos minha apresentação na ONU, uma
ou duas semanas depois do discurso do presidente,
achamos que não era mais adequado usar esse exemplo”
(Id., Ib.).
Fora da idéia de nacionalismo, a partir
da competição entre nações, foi o filósofo Simmel
quem chamou atenção para o fato de que, ''a luta
contra uma potência estrangeira dá ao grupo um
vivo sentimento de sua unidade'', e além disso,
é ''um fato que se verifica quase sem exceção.
Não há, por assim dizer, grupo - doméstico, religioso,
econômico ou político - que possa passar sem esse
cimento''. Essa atividade intelectual, porque
psíquica e de preparação psicológica, quase exclusivamente
entre homens, pode representar com o homem diante
da guerra um crime contra a humanidade, individual
ou coletivamente com o intuito de destruir, total
ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial,
militar, ou religioso.
Estamos diante do mito de banhos de sangue
que para a gramaticalidade do lingüista Chomsky
(e Herman), a partir da guerra do Vietnã, explica
porque se deve continuar a matar em grande escala.
Mas isso só foi possível com a passagem da produção
de massa e da economia de mercado para as sociedades
de conhecimento baseadas na informação e comunicação.
Com a generalização dos conflitos aparentemente iniciados com os atentados
ao WTC e Pentágono, amplamente divulgados pela
mídia norte-americana e de resto na Europa,
refletimos noutra oportunidade, não propriamente
sobre a questão de uma nova
guerra no Afeganistão, mas sobre duas ou três
noções correlatas que nestes dias "escapam" ao
gravíssimo problema dos dispositivos discursivos
editados na e pela informação globalizada.
A
palavra terrorista,
em primeiro lugar, não pode, de certo, ter reconhecimento para o confronto de entidades
"terroristas de manutenção das tradições e sobre
ocupações de terra", historicamente constituído.
A maioria dos estudiosos erra quando considera
um ato "terrorista" isolado, praticado por um
grupo religioso fanático. E concordar
com a idéia de que derrubar o WTC é um ato de
guerra histórico equivalente ao que ocorreu
em Saravejo em 1914 é, conforme entendemos, apressado.
Difícil concordar ainda, como alguns afirmam,
que em NY explodiu a primeira guerra da globalização.
Nada!
NY construiu o que Marc Augé problematizou como
"ego ficcional". Isto é, cúmulo de um fascínio
que se aciona em toda relação exclusiva com a
imagem, porque é um ego sem relações (est un moi sans relations) e, por isso
mesmo, sem suporte identitário, suscetível de
absorção pelo mundo de imagens onde ele pensa
poder reencontrar-se e reconhecer-se. Slavoj Zizek
denominou-o de fantasia
paranóica americana máxima, isto é, um paraíso
consumista,
onde um indivíduo percebe um espetáculo
encenado para convencê-lo de que ele vive em um
mundo real. Exemplo: O filme "Tempo Fora dos Eixos"
(Time Out of Joint).
Dias depois dos atentados de 11 de setembro
é que, parado no drive
thru do McDonalds, na cidade de
Fortaleza, Brasil, nos deparamos com Vinny que a nossa filha Bianca de 2 anos
de idade brincava. Tratava-se de propaganda da
empresa, uma figurinha com a rubrica de Walt Disney
que divulga "Atlantis - O Reino Perdido (nos cinemas)".
Literalmente refere-se a : "Vinny. Nome: Vincenzo Santorini. Apelido: Vinny. Função: especialista em demolições. Missão: explodir as coisas. Hobbies: fazer as coisas explodirem. Características: explosivo. Comentário: 'Eu gosto apenas de explodir
as coisas'".
Na década de 1960, em segundo lugar, uma
canção de Dylan,
"Subterranean Homesick Blues", quando ela
diz: "Não é preciso um meteorologista para dizer
de que lado sopra o vento..." (You
don't need a Weatherman to Know which way
the wind blows...) inspirou um movimento da juventude
norte-americana que se propunha a destruir a sociedade
pela violência.
O movimento surgiu como a facção militante dos
40 mil estudantes da Studentes Democratic Society (SDS). No
Congresso nacional do SDS em Chicago (1969) essa
facção tornou-se dominante e conseguiu expulsar
os marxistas não-violentos. Adotaram uma política
de violência imediata com o nome Weathermen
e foram os autores de bombas atiradas em bancos,
tribunais, universidades etc.
Análises importantes, todavia provisórias,
têm sido feitas a respeito, no caso dos Estados
Unidos. O primeiro talvez a chamar a atenção,
naquele momento, tenha sido o escritor Gore Vidal,
talvez melhor que os autores de Banhos
de Sangue (Bains
de sang constructifs dans le sang et la propagande,
1973) ainda que estes tenham demonstrado até que
ponto o governo dos Estados Unidos anteriormente
tenham se envolvido em crimes praticados na Guerra
do Vietnã.
Vidal divulgou em El
País (Madri) parte do conteúdo das cartas-correspondências que mantinha com
o terrorista norte-americano Timothy, pouco antes
da violência letal atribuída ao Estado. Dizia
ele,- contra o terror de Estado, - que melhor
teria ocorrido ao terrorista explodir bombas para
efeito
simbólico de destruição de prédios, sem vítimas,
p. ex., o próprio Pentágono.
No que se refere especificamente ao confronto
contra os afegãos e a utilização de imagens, como
sabemos, o Corão proíbe a reprodução
de figuras humanas e sagradas. Para os fundamentalistas,
a interdição, feita há 1.300 anos, vale para fotos
e imagens transmitidas pela TV. Porque querem
preservar, a todo custo, o que construíram: as regras e normas do islamismo professado
por Maomé.
Embora o país tenha sido devastado nos
últimos 200 anos por uma dezena de conflitos,
três guerras contra a Inglaterra até sua independência
em 1919, um golpe de estado que derrubou o rei
em 1973, e ainda,
em 1979 a então URSS - União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, devastou o país permanecendo
em guerra por dez anos. Quando estes foram expulsos,
assumiu o poder a milícia islâmica Taliban, que significa estudante, no dialeto
pashto,
a segunda língua da região. O grupo foi criado
em 1994 por um movimento estudantil radical. O
“império” americano realizou uma "guerra longa"
contra o Afeganistão como anunciaram pela mídia.
No caso do Iraque, nestes dias e em termos de
submissão das vontades, a guerra foi considerada
“rápida” na contabilidade americana porque culminou
com a morte de dez mil militares, aproximadamente
três mil civis e dezesseis jornalistas em pouco
mais de vinte dias.
Daí a terceira questão e breve, que diz
respeito a duas definições weberianas entrelaçadas ao espírito do capitalismo. Todavia trata-se
apenas de uma intuição. Weber em 1904/05 afirmava
o seguinte: "Ninguém sabe ainda a quem caberá
no futuro viver nessa prisão [o capitalismo vencedor] ou se,
no fim desse tremendo desenvolvimento, não surgirão
profetas inteiramente novos, ou um vigoroso
renascimento de velhos pensamentos e idéias, ou
ainda se nenhuma dessas duas - a eventualidade
de uma petrificação mecanizada caracterizada por
esta convulsora espécie de auto-justificação"
(sich-wichtig nehmen).
O fato é que estes últimos homens poderiam
ser designados de acordo com Weber, como "especialistas
sem espírito, sensualistas sem coração, nulidades
que imaginam ter atingido um nível de civilização
nunca antes alcançado". E em contraposição, o
carisma, que particularmente refere-se
a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo,
poder intelectual ou de oratória. O sempre novo,
o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento
emotivo que provocam constituem a fonte da devoção
pessoal. Representam eles a dominação do profeta,
do herói guerreiro e do grande demagogo. É uma
relação social especificamente extracotidiana
e puramente pessoal. O pressuposto indispensável
para isso é "fazer-se acreditar". Se "lhe falha
o êxito, seu domínio oscila".
A impressão que temos diante da mídia norte-americana e de resto na Europa,
para não falarmos no Brasil, quanto ao nome de
bin Laden [bin em letra minúscula significa
"filho de"] é que, como justificativa para o fim
da economia de guerra - ou a chamada "guerra
fria", os conflitos mundiais perderam sua matriz
político-ideológica e ganharam desde a guerra
contra o Golfo Pérsico (1991) mediações culturais
e religiosas, de "suposta" rivalidade entre emblemas
como Ocidente e Oriente, entre cristãos, judeus
e islâmicos. Ele assim [bin Laden] passa a ser
o que Weber intuiu: "não surgirão profetas
inteiramente novos?".
Finalmente, repetimos, ainda um exemplo
sobre o gravíssimo problema dos dispositivos discursivos editados na e
pela informação
globalizada. A pergunta é, para lembrarmos de
Michel Foucault (1984a, 1984b): “Que saber se
forma a partir daí?”. Posto que não se trata de
determinar se essas “produções discursivas” e
esses “efeitos de poder” levam a formular a verdade,
ou, ao contrário, mentiras destinadas a ocultá-lo,
mas revelar a ‘vontade de saber’ que lhe serve
ao mesmo tempo de suporte e instrumento, quando
interessa-nos levar em consideração, “quem fala,
os lugares e os pontos de vista de que se fala,
as instituições que incitam a fazê-lo”, que armazenam
e difundem o que se diz, em suma o ‘fato discursivo’
global.
Mark Bowden, que dispensa apresentação
sobre sua imersão jornalística no ideário europeu
e americano é um típico exemplo. No artigo, “Mil
e uma histórias que traçam o perfil de Saddam
Hussein”, nitidamente inspirado em “As Mil e Uma
Noites” (Las Mil y Una Noches, 1985), particularmente
no conto “A História do rei Schahriar e de seu
irmão o rei Schahzmán” (Historia
del rey Schahriar y de su hermano el rey Schahzmán),
ele endossa tudo que o jornalismo mundial faz
enquanto “capital da notícia”, modalidade que
Marcondes Filho (1986) explica a notícia “como
mercadoria”, “como veículo ideológico” e “como
agente político”. Ele fantasia a narrativa a partir
de uma idéia de “profeta e tirano árabe com origens
humildes”. Citaremos alguns trechos, com breves
comentários.
Para
o articulista, Saddam Hussein, o ‘Ungido, o glorioso
líder, descendente direto do profeta’ presidente
do Iraque, presidente de seu Conselho da Revolução,
marechal de seus exércitos, doutor de suas leis
e Grande Tio de seu povo, costuma acordar por
volta das 3h da manhã. Ele nunca dorme mais do
que quatro ou cinco horas por noite, mas “ele
tem 65 anos, mas ninguém pode ver que ele está
envelhecendo: o seu poder baseia-se no medo, não
no afeto”.
Saddam
é um “tirano
[que] não pode se mostrar curvado, frágil, grisalho
(...) Quando ele precisa fazer um discurso, os seus conselheiros
lhe fornecem um texto com letras enormes
(...) O seu problema nas costas o faz mancar ligeiramente;
por isso, ele evita ser visto ou filmado andando”. Ele tem longos braços e mãos grossas e
fortes. No Iraque, o tamanho de um homem ainda
é importante, e Saddam impressiona. Com 1 m88,
ele domina os seus conselheiros. O seu peso varia
entre 95 e 100 quilos”.
Como “presidente vitalício”, passa todos
os dias longas horas em um de seus escritórios,
alternadamente, acompanhado por seus agentes de
segurança.
Saddam lê com voracidade e se interessa
por muitos assuntos. Entre outros, ele nutre uma
paixão pela história do mundo árabe e a história
militar, embora,
recorra a “‘ghosts writers’ para alimentar
um fluxo ininterrupto de discursos, artigos, livros
de história de filosofia; a sua obra também comporta
livros de ficção. Mas ele “parece ter escrito
e publicado duas fábulas românticas (...) antes
de publicar os seus livros, Saddam os distribui
discretamente para escritores profissionais iraquianos,
e pede seus comentários e sugestões. Ninguém ousa
ser sincero”.
De
acordo com o articulista, o que quer Saddam? “Deseja
acima de tudo ser admirado, reverenciado e ficar
para a história”. Afirma ele que,
“a sua biografia oficial em 19 volumes
é uma leitura obrigatória para os funcionários
iraquianos; Saddam também encomendou um filme
de seis horas sobre a sua vida, intitulado “Os
Longos Dias” e dirigido por Terence Young, mais
conhecido por ter sido o diretor de três filmes
de James Bond.
Saddam disse à sua biógrafa que ele não
se interessava por aquilo que pensam dele, e sim
apenas o que pensariam dele dentro de 500 anos.
A busca tenaz e sangrenta de Saddam pelo poder
parece ter por única origem a vaidade” (sic).
Finalmente,
Mark Bowden, “patina” em dois argumentos preconceituosos,
mas também pragmáticos para um certo jornalismo,
com base em alguns historiadores europeus e americanos:
“Apesar de se
extasiar com a rica história da Arábia, Saddam
reconhece a superioridade do mundo ocidental em
dois campos. O primeiro é a tecnologia do armamento
(daí os seus esforços incansáveis para importar
material militar avançado e para desenvolver armas
de destruição maciça). O segundo é a arte de tomar
e de manter o poder. Ele se tornou admirador de
um dos dirigentes mais tirânicos da história:
Joseph Stalin” (sic).
3 - Pragmatismo e Religião
“A miséria religiosa é, ao mesmo tempo, a expressão
da miséria real e o protesto contra a miséria
real. A religião é o suspiro da criatura oprimida,
o sentimento de um mundo sem coração, assim como
é o espírito de uma condição sem espírito. Ela
é o ópio do povo”. (Karl Marx)
Entendidas
algumas idéias gerais sobre “pragmatismo e verdade”
e “pragmatismo e política” , passemos agora, mesmo
que provisoriamente, ao exame da relação “pragmatismo e religião”
tomando como referência as expressões: ‘guerra
limpa’; ‘guerra tecnológica’, ‘guerra justa’;
‘guerra contra infiéis’, entre outros.
Os
episódios de 11 de setembro em Nova Iorque recolocaram
em pauta o conceito de “guerra justa”, pragmaticamente pensado como auto-defesa. Diante da ineficácia simbólica,
da idéia de ‘guerra limpa’, ‘guerra tecnológica’,
onde não haveria mais “banhos de sangue” a ser
exibido, nem combate “corpo a corpo”. Em verdade
este conceito foi elaborado pela cristandade ocidental no século XII, a
partir da expansão da sociedade européia ocidental
através das lutas contra os hereges, das investidas
das cruzadas e da criação da Inquisição. De modo
que, “estamos
diante de um embate ideológico travado no interior
da teologia política ocidental que percorreu vários
séculos” (Cerqueira Filho e Neder, 2003).
A
idéia de ‘guerra justa’, lembram os autores, também
pode ser admitida como ‘guerra contra os infiéis”,
erigida a partir do expansionismo da igreja romana,
católica, no qual as cruzadas condensam toda a
sua magnitude. Situa-se neste enquadramento ideológico
a expansão marítima e colonial da cristandade
européia para a América, Ásia e África, a partir
do século XVI, num quadro onde a escravidão
e o tráfico de escravos de africanos e
indígenas não devem ser esquecidos.
Para os que nos interessa, “a idéia de
‘guerra justa’ implicou, como implica ainda, ser
uma absolvição moral da guerra e daqueles que
a decidem e praticam” (Id., Ib.). Mas decidem,
em primeiro lugar, porque a guerra hoje é vista
pelo ''espelho emocional das sociedades''. A televisão
amplifica a personalização exacerbada dos comportamentos.
E para um líder político, o virtual permite mostrar
um tipo particular de proteção: a imunidade midiática.
E em segundo lugar porque o ''novo império'',
é uma empresa plutocrática que exerce poder simbólico
sobre a sociedade civil mundial e propõe-se a
administrar e hierarquizar as diferenças numa
economia geral de comando.
Daí que a radicalização
política ocorre de forma mais aguda na década
de 1990. Os fatores que contribuíram para tal
fato foram, o fim da política internacional de
“equilíbrio entre blocos”, representado, no plano
simbólico, pela queda do Muro de Berlim, que havia
garantido, bem ou mal, que os conflitos permanecessem
confinados em fronteiras imaginárias, ou seja,
para que a guerra imperialista fosse percebida
como “localizada”. Assim, a velocidade com que
ocorreu o desmantelamento do bloco socialista
deveu-se a uma conjunção de variáveis desfavoráveis
à articulação de um novo “equilíbrio”.
Estas variáveis desfavoráveis
representaram, de acordo com Cerqueira Filho e
Neder (2003) de um lado, os governos republicanos
nos EUA (Reagan e Bush, pai – meados da década
de 1980/meados dos 90). Estes governos desancaram
a voracidade expansionista e o exclusivismo do
“império”, impedindo, inclusive a formação da
Comunidade de Estados Independentes (CEI) na antiga
URSS, então proposta por M. Gorbachev. Com receio
dos partidos comunistas do Iraque e do Irã, por
exemplo, que eram organizações políticas fortes
até o início do processo de distensão política
na região, apoiaram (militarmente) forças políticas
ligadas a grupos fundamentalistas islâmicos, até
então minoritários em vários países asiáticos
(dentre eles o Irã e o Iraque).
De outro lado:
“a eleição de João Paulo II como “papa polonês” da
Igreja Romana deu uma guinada à direita na inserção
política da cristandade ocidental e interferiu
diretamente na velocidade do desmantelamento do
bloco socialista na Europa oriental (a partir
da Polônia), dificultando uma repactuação política
em termos internacionais. Todavia, foi muito mais
fraco o tom, para não falar em omissão, do Papado
Romano na condenação moral das carnificinas entre
cristãos greco-ortodoxos e muçulmanos nos Bálcãs.
Mesmo no conflito palestino-israelense a omissão
ronda a presença do Vaticano. Também na América
Latina, os efeitos desta guinada fizeram-se presentes,
através do esvaziamento político da teologia da
libertação, com desdobramentos significativos,
sendo o caso da Nicarágua o mais emblemático” (Cerqueira Fº e Neder, 2003).
Estes episódios repetimos, demonstram
porque o genocídio, a vitimização de civis (seja
pela guerra convencional, seja pela guerra de
guerrilha ou pelo terrorismo), e a tortura, começaram
a ganhar a condenação moral da sociedade civil
internacional, que vem progressivamente reclamando,
no tempo presente, por um Tribunal Penal Internacional. Porque tem
sido importante declarar direitos universais que
devem ultrapassar as barreiras dos Estados constituídos.
E além disso, retomar o processo de elaboração
do conceito de dignidade
humana e dos direitos fundamentais que se
constituem como sua garantia, como condição para
a consolidação de uma vida estável e digna de
ser vivida em todo o planeta.
4 – Pragmatismo e Sociedade
“Pelo que sei , só Comte sabia o
que ele ia fazer durante todo o resto da vida”.
Florestan Fernandes
(1978:3).
Conquanto saibamos que as questões referentes
à vida social e aos produtos culturais da atividade
humana permeiam as ciências sociais e as humanidades
em geral, não podemos concordar com Giddens e
Turner (1999) quando afirmam: “não consideramos
a teoria social propriedade de nenhuma disciplina”.
Ao contrário, entendemos que toda “teoria social”
é propriedade de uma disciplina. Por quê? Uma
disciplina pode ser definida como uma
categoria que organiza o conhecimento científico
e que institui nesse conhecimento a divisão e
a especialização do trabalho respondendo à diversidade
de domínios que as ciências recobrem. Apesar de
estar englobada num conjunto científico mais vasto,
uma disciplina tende naturalmente à autonomia
pela delimitação de suas fronteiras, pela linguagem
que instaura, pelas técnicas que é levada a elaborar
ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias
que lhe são próprias.
A organização disciplinar instituiu-se
no século 19, principalmente com a formação das
universidades modernas e, depois, se desenvolveu
no século 20, com o progresso da pesquisa científica.
Isto significa que as disciplinas têm uma história:
nascimento, institucionalização, evolução,
decadência. Esta história inscreve-se na da
Universidade que, por sua vez, inscreve-se na
história da sociedade. Portanto, o estudo da disciplinaridade,
da organização da ciência em disciplinas, é decorrente
da sociologia das ciências, da sociologia do conhecimento, de uma
reflexão interna em cada disciplina e, também, de um conhecimento extremo.
Ipso facto
a
sociologia do conhecimento pretende identificar
os nexos que existem entre as dimensões racional
e histórica do conhecimento, e os sujeitos individuais
e coletivos junto com os elementos culturais de
conteúdo cognitivo predominante, tais como se
processam em práticas e saberes sociais constituídos
no âmbito das ciências naturais e sociais, doutrinas,
crenças, explicações racionais etc., que foram
elaboradas e
expressas pelos mesmos sujeitos. A sociologia
do conhecimento, portanto, tem por objetivo estudar
a gênese social do saber,
distinguindo dois conceitos epistêmicos que, embora
a linguagem cotidiana não se aperceba manifestam
sentidos diversos como saber – “ter por verdadeiro”, e conhecer -, como representação de uma
“convivência do falante com aquilo que fala”,
analisando as relações que ocorrem entre as estruturas
da sociedade e as formas de conhecimento, como
também tentar demonstrar analiticamente o modo
como tais formas se influenciam reciprocamente.
Não basta situar-se como analista social no interior
de uma disciplina para “conhecer” os problemas
que lhe são concernentes. Assim, o leitor que
busca consenso quanto à natureza e os objetivos
de quaisquer teorias sociais não se sentirá desapontado.
Só depois do golpe militar desencadeado pela intervenção
norte-americana no Chile, tendo como prócer o
general Haig, com a destruição da Casa de La Moñeda e a deposição de Allende em
1973, é que o sociólogo Alain Touraine escreveu
posteriormente em “Pour la Sociologie” (1974)
sobre a exigência principal do conhecimento sociológico:
“o reconhecimento de que o sentido da ação não
é jamais dado inteiramente pela consciência do
ator”, lembrando que “o conhecimento não prepara
a ordem de amanhã”.
Isto é importante na medida em que o pragmatismo enquanto uma filosofia da
ação serviu como fonte filosófica da Escola de
Chicago. E do ponto de vista da teoria sociológica,
o real significado do “interacionismo simbólico”
e sua fecundidade teórica só podem ser compreendidos
quando contrastados com a velha Escola de Chicago,
a quem dão continuidade. O interacionismo simbólico
é visto como a continuação de certas partes do
pensamento e obra do heterogêneo grupo interdisciplinar
de teóricos da Universidade de Chicago que exerceram
certa influência na sociologia americana entre
1890 e 1940, durante a fase de institucionalização
propriamente dita da disciplina.
De acordo com Joas,
“A dificuldade maior reside no fato de a Escola
de Chicago – que pode ser descrita como combinação
de uma filosofia pragmática, de uma orientação
política reformista para as possibilidades da
democracia num quadro de rápida industrialização
e urbanização, e dos esforços para transformar
a sociologia numa ciência empírica, sem deixar
de atribuir grande importância às fontes pré-científicas
do conhecimento experimental – ser apenas uma
relação parcial, do ponto de vista teórico, das
possibilidades inerentes à filosofia social do pragmatismo”
(Joas, 1999:131).
Mas,
o nome dessa linha de pesquisa sociológica e sociopsicológica foi cunhado em 1938
por Herbert Blumer. Seu escopo são os processos
de interação – ação social caracterizada por uma
orientação imediatamente recíproca -, ao passo
que o exame desses processos se baseia num conceito
específico de interação que privilegia o caráter
simbólico da ação social.
O pragmatismo
desenvolveu o conceito de ação, por que é uma
filosofia da ação, mas não como Talcott Parsons,
e, pelo menos segundo a interpretação que este
lhe deu, ou os pensadores clássicos em sociologia
considerando aqui Marx, Durkheim, Weber e Simmel
no quadro do utilitarismo. Decerto, o pragmatismo
não se mostra menos crítico em relação ao utilitarismo
do que os clássicos em sociologia.
Todavia, não
ataca o utilitarismo devido ao problema da ação
e da ordem social, mas por causa do problema da
ação e da consciência, já que no plano da teoria,
se é que podemos pensar assim, a teoria pragmática
da ordem social é, pois, orientada pela concepção
do controle social no sentido de auto-regulação
e solução de problemas coletivos. Essa concepção
da ordem social é moldada por idéias sobre democracia
e estrutura de comunicação nas comunidades científicas.
Rorty foi quem melhor percebeu isso. A real importância
desse tipo de ordem social, nas modernas sociedades,
suscita um dos principais problemas da filosofia
política pragmática e da sociologia baseada nessa
filosofia.
O
conceito de ação
desenvolvido pelo pragmatismo emerge a partir
da idéia de superar os dualismo cartesianos. Ou
seja, resumidamente, os pragmáticos põem em dúvida
o sentido da dúvida cartesiana. Melhor dizendo,
nada mais é do que a defesa de autoridades inquestionáveis
contra a reivindicação emancipatória do “eu pensante”.
É portanto, um pleito em defesa da verdadeira
dúvida, em defesa do enraizamento da cognição
em situações
concretas. A noção central cartesiana do eu solitário
que duvida sucumbe, conforme Joas, à idéia de
uma busca coletiva da verdade para solucionar
os problemas reais encontrados no curso da ação.
Poder-se-ia atribuir a essa transformação o mesmo
significado histórico concedido à filosofia de
Descartes. O que muda, para esta concepção é toda
relação entre cognição e realidade. O conceito
de verdade já não expressa a correta representação
da realidade na cognição, que pode ser considerada
uma espécie de metáfora de uma cópia; expressa,
antes, um aumento do poder de agir em relação
a um ambiente.
Isto
quer dizer que, todas as etapas da cognição, da
percepção sensorial, através da extração lógica
de conclusões até a auto-reflexão, devem ser agora
concebidas de outra maneira. Charles Pierce encetou
esse programa. William James que parece ter influenciado
Simmel com suas teorias, aplicou-o a um bom número
de problemas, principalmente de natureza religiosa
ou existencial. Movido pelo desejo de mostrar
a impossibilidade de encontrar soluções universalmente
válidas para esses problemas, James estreitou,
e portanto debilitou de um modo decisivo, a idéia
básica do pragmatismo. Contrariamente a Pierce,
formulou o critério de verdade em termos dos resultados
realmente obtidos, não dos resultados esperados.
Em sua psicologia, James não considerou a ação
como ponto de partida, mas o puro fluxo da experiência
consciente. Formulou, entretanto, análises extraordinariamente
profundas e intrigantes que mostravam a seletividade
da percepção e a distribuição da atenção como
função dos objetivos do sujeito.
Contudo,
a influência decisiva do pragmatismo na sociologia
começou com John Dewey e George Herbert Mead que
passando inicialmente pelos contorno de uma psicologia
funcionalista, pretendia interpretar todos os
processos e operações psíquicas – não apenas as
cognitivas – segundo sua eficácia para a solução
dos problemas encontrados pelas pessoas no curso
da conduta. Tal empresa significava a rejeição das
abordagens epistemológicas ditas tradicionais,
utilizadas na interpretação dos fenômenos psíquicos,
e uma crítica a todas as psicologias que, em maior
ou menor grau, acatam tais posturas filosóficas.
A crítica de Dewey e Mead, volta-se sobretudo
contra as teorias que reduzem
a ação a uma conduta determinada pelo meio.
Entretanto, o modelo de ação utilizado nessa crítica
revela também a modificação do significado da
intencionalidade em comparação com as teorias
que vêem a ação como a concretização de fins
predeterminados. Para Joas,
“no pragmatismo, justamente porque ele considera
todas as operações psíquicas à luz de sua eficácia
para a ação, é impossível sustentar que a determinação
de um fim seja um ato consciente per se, que ocorre
fora dos contextos da ação. Ao contrário, a determinação
de um fim só pode ser o resultado de ponderações
sobre as resistências que uma conduta variamente
orientada em diversas
direções encontra. Ao ser impossível acompanhar
simultaneamente todos os impulsos ou compulsões
que levam à ação, ocorrerá um motivo dominante
que, como se fora um fim, sufocará os demais ou
lhes concederá eficácia apenas num grau subordinado”
(Joas, 1999:136).
A
crítica de que esse modelo reduz o conceito de
ação de um modo instrumentalista ou ativista perdeu
sua “plausibilidade”, graças ao interesse que
Dewey e Mead tinham pelas brincadeiras infantis,
não só porque queriam promover uma reforma educacional,
mas também porque as brincadeiras lhes serviam
como modelo de uma ação sujeita a um mínimo de
obstáculos para sua realização. Para Dewey, o
pragmatismo era nada menos que uma maneira de
criticar aqueles aspectos da vida americana “que
tornam a ação um fim em si mesmo e têm dos fins
uma visão muito estreita e muito prática”. Ou
seja, somente na ação a imediaticidade qualitativa
do mundo e de nós mesmos nos é revelada.
Mas
a objeção principal para nós, diz respeito ao
desenvolvimento das idéias de Dewey e Mead, reiteradas
por Joas em comparação com a abordagem utilitarista,
quando afirma:
“a teoria pragmática da ação inaugura novos
campos de fenômenos e, ao mesmo tempo, torna necessário
repensar os campos conhecidos – e os faz de um
modo que não encontra precedentes na crítica feita
pelos pensadores da sociologia clássica ao utilitarismo”
(Joas, 1999:137).
O
próprio Giddens reviu este aspecto posteriormente
com o sugestivo título de seu livro “Política,
Sociologia e Teoria Social: Encontros com o Pensamento
Social Clássico” (Politics,
Sociology and Social Theory. Encounters with Classical
and Contemporary Social Thought, 1995) quando
afirma no
capítulo “A Sociologia Política de Durkheim”:
“...Durkheim não estava, como freqüentemente
se afirma, preocupado acima de tudo com a natureza
da ‘anomia’, mas antes com a exploração da complexa
inter-relação entre as três dimensões da ‘anomia’,
‘egoismo’ e ‘individualismo’. A divisão do trabalho
social constituiu
o pensamento de Durkheim a esse respeito,
e ele não se desviou posteriormente da posição
defendida naquela obra, embora não tenha elaborado
completamente algumas de suas implicações senão
bem mais tarde. A conclusão substancialmente mais
importante a que chegou Durkheim em A divisão
do trabalho social foi a de que a solidariedade
orgânica pressupõe um individualismo moral: em
outras palavras, que ‘é errado contrastar uma
sociedade que vem de uma comunidade de crenças
(solidariedade mecânica) com outra que tem uma
base cooperativa (solidariedade cooperativa),
reconhecendo apenas na primeira um caráter moral
e vendo na segunda simplesmente um agrupamento
econômico’. A fonte imediata desse individualismo
moral, tal como explicitada por Durkheim em sua
contribuição para a discussão pública a respeito do
caso Dreyfus, estava nos ideais gerados pela Revolução
de 1789. O individualismo moral não pode de modo
algum ser confundido com o egoísmo (ou seja, com
a busca do interesse próprio), tal como postulado
na teoria econômica clássica e na filosofia utilitarista.
O crescimento do individualismo, derivado da expansão
da solidariedade orgânica, não deveria ser necessariamente
equiparado à anomia (a condição anômica da divisão
do trabalho era um fenômeno transitório, que se
originava precisamente do fato de que a celebração
de contratos estava insuficientemente governada
pela regulação moral” (Giddens, 1998:106-107).
Finalmente,
se o pragmatismo era nada menos que uma maneira de criticar aqueles aspectos
da vida americana que tornam “a ação um fim em
si mesmo” e tem “dos fins uma visão muito estreita
e muito prática”, e ainda, “que a escolha da ação
como ponto de partida da reflexão filosófica não
significa que o mundo decaiu ao nível de simples
material à disposição das interações dos agentes”,
diante de uma guerra pós-imperialista que define
a ação a partir do “mercado”, o particular
“mercado das nações” como idealização principesca,
seu peer
ranking, como não admitir a idéia de ação
como um fim em si mesmo, como fantasia de um país
que dá tiros nos próprios pés.
Assim, talvez
seja possível pensar numa história e numa lógica
da dramaturgia do desprezo - de base psico-política
- como ingrediente constitutivo da fantasia de
“Príncipe perfeito” que, num afã, de responder
ao absolutismo do mercado, se coloca no lugar
de idealização narcísica diante do extermínio
humano, da possibilidade da destruição das imagens
e na crença de um ter por verdadeiro suficientemente
válido, mas apenas no plano subjetivo.
Notas
1. Seymour Martin Lipset, A Sociedade Americana. Uma Análise Histórica
e Comparada. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1966, “O Papel dos Intelectuais”, pp. 86-94; O
Homem Político (Political Man). Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1967; capítulo X – “Os Intelectuais
Americanos: Sua Política e ‘Status’”, pp. 326-362;
Talcott Parsons, A
Sociologia Americana. Perspectivas, Problemas,
Métodos. São Paulo: Editora Cultrix, 1970,
Parte I, “Componentes dos Sistemas Sociais”; pp.
25-119.
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______________, artigo: “Ataque anti-EUA no Iraque
mostram estilo ‘clássico de guerrilha’”, 17.07.2003.
Revista
Depoimento do Exmo. Sr. Presidente dos Estados Unidos
da América George W. Bush para a revista “A Voz”:
“Todas as pessoas querem fidelidade”.
Resumo: O presente artigo pretende analisar
a partir do pragmatismo de Richard Rorty, as representações
da modernidade no âmbito da cultura norte-americana.
Tal reflexão deve-se ao fato de que diante da
destruição, extermínio e crimes de guerra cometidos
com a nova ocupação militar no Iraque, serviu
como baluarte
para uma cultura que, relacionando pragmatismo
e verdade, pragmatismo e política e pragmatismo
e religião consagrou a máxima de Weber calcada
na idéia de que “‘fim’ é a representação de um
resultado que se converte em causa de uma ação”.
Não há resposta satisfatória tanto para a filosofia
pragmática quanto para a pragmática sociológica.
Além disso, este episódio demarcou, do ponto de
vista da sociedade civil mundial, uma condenação
moral com o pedido de formação de um Tribunal Penal Internacional contra o
consórcio anglo-americano representado
por Bush-Blair.
Palavras-chave: filosofia
pragmática;
pragmatismo e verdade; pragmatismo e política;
guerra preventiva; consórcio anglo-americano.
Abstract:
The present article intends to analyse starting
from Richard Rorty's pragmatism, the representations
of the modernity in the ambit of the North American
culture. Such reflection is due to the fact that
before the destruction, extermination and war
crimes made with the new military occupation in
Iraq, it was good as rampart for a culture that,
relating pragmatism and truth, pragmatism and
politics and pragmatism and religion consecrated
the maximum wearing from Weber in the idea that
" 'end' is the representation of a result that
turns into cause of an action ". There is not
satisfactory answer so much for the pragmatic
philosophy as for the pragmatic sociological.
Besides, this episode to demarcate, of the point
of view of the world civil society, a moral condemnation with the request of
formation of a International
Penal Tribunal against the Anglo-American
consortium represented for Bush-Blair.
Word-key:
pragmatic philosophy;
pragmatism and truth; pragmatism and politics;
preventive war; Anglo-American consortium.
* Sociólogo (UFF), Doutor em Ciências (USP). Professor
e pesquisador da Coordenação do Curso de Ciências
Sociais da Universidade Estadual do Ceará – UECE.
Mail: usbraga@hotmail.com
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