
O Papel do Conselho de
Segurança
Tarciso Dal Maso Jardim(1)
A manutenção da paz e da segurança
internacionais é papel fundamental do Conselho de Segurança, com
respaldo inigualável no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o
que nos leva a concluir que nenhum tratado pode revogar essa função e,
por via de conseqüência, não há meio de eliminar prerrogativas do
mesmo em casos de crimes de agressão. Entretanto, a fórmula dada pelo
Art. 23 do projeto da CDI é argumento suficiente para pretendermos
retirar o crime de agressão do rol de crimes da CCI. No §2º do Art.
23 menciona-se que ninguém será denunciado por crime de agressão
antes que o Conselho de Segurança determine que o Estado incorreu em
ato de agressão. E no §3º do Art. 23 acrescenta-se que nenhuma
investigação será iniciada, sob o Estatuto da CCI, se versar sobre
alguma questão de quebra de paz ou ato de agressão em análise no
Conselho. Essa fórmula é a consagração da seletividade no seio da
Corte, sendo essa justamente uma das falhas principais dos tribunais ad
hoc que se buscava eliminar na corte permanente.
Nesse particular houve várias propostas
por parte das delegações governamentais, como deixar indeterminada a
relação da Corte com o sistema internacional de solução de disputas,
ou que os poderes do Conselho de Segurança não devem ser maiores do
que os dispostos pela Carta da ONU ou que a relação entre a Corte e o
Conselho não deve afetar a independência e integridade da primeira,
bem como deve zelar pela igualdade entre os Estados.
Entra-se aqui com a discussão do chamado
"trigger mechanism", cuja problemática completa-se com o Art.
25 do projeto. Mas antes de comentar esse dispositivo, cumpre lembrar
que nos tribunais ad hoc (ICTFY E ICTR) o Conselho de Segurança possui
o poder de instituir e de finalizar as atividades, apesar da
independência daqueles nas funções jurisdicionais e nas faculdades de
terminar os casos já iniciados. Todavia, nesses Tribunais o promotor
age com independência dos governos e do Conselho; investiga ex officio
ou com base em outra fonte (como de ONGs) e decide a procedência ou
não da denúncia. Já na CCI o promotor não inicia o processo, não
tem o poder do gatilho ("trigger"), pois o Art. 25 menciona
que somente teria esse poder o Estado Parte na Convenção de Genocídio
(para o crime de genocídio) ou o Estado Parte no Estatuto da CCI, que
aceitou a jurisdição sob o Art. 22 (para o crime de genocídio,
sempre, ou para os crimes que declarou submeter-se à jurisdição da
Corte), ou o Conselho de Segurança (para os crimes de agressão).
Essa composição de "triggering
parties", em que o promotor não está incluído, pode significar a
falência do sistema e certamente significará a seletividade e a
politização da Corte, com Estados não querendo submeter os casos por
fatores diplomáticos (como ocorre no sistema interamericano de direitos
humanos, que garante sua eficácia pelas faculdades da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos) e o Conselho de Segurança
submetendo somente casos selecionados politicamente.
4. Conclusão
Levantamos alguns, entre muitos,
problemas pertinentes à formulação de uma Corte que pretende ser
imparcial e não seletiva. O ponto central colocado nesse trabalho está
na medida em que a CCI será a consagração da personalidade jurídica
internacional da pessoa humana, mediante a responsabilidade penal, ou
será a manutenção do status quo do sistema das Nações Unidas,
utilizando parte do mecanismo da Corte para fortalecer o poder dos cinco
Estados com assento permanente no Conselho de Segurança (EUA, Rússia,
China, França e Reino Unido), que possuem o chamado direito de veto.
As conclusões que podemos chegar é que
há algumas tendências governamentais, além de certos dispositivos do
projeto da CDI, que podem significar a manutenção do status quo.
Acreditamos, por exemplo, que a promotoria deve ter o poder do
"trigger" e que o Conselho poderia levar denúncias à Corte,
em matéria de agressão (se for incluída), mas jamais ter a
prerrogativa de evitar a investigação e o julgamento de casos sob sua
análise. Por outro lado, a promotoria poderia utilizar-se de dados dos
sistemas de investigação e de relatórios, universais e regionais, que
cuidam da proteção da pessoa humana; assim como poderia lançar mão
de informações de ONGs reconhecidas, como a Cruz Vermelha e a Anistia
Internacional, tanto no plano de dados materiais como no de
localização dos indiciados.
Ainda precisamos recordar que as
sentenças internacionais são quase totalmente cumpridas, mas há
sérias dificuldades em matéria penal, principalmente as ligadas à
detenção dos suspeitos. Apelar para a coerção do Conselho de
Segurança seria uma alternativa razoável somente se o sistema fosse
democratizado, o que talvez ocorra até a entrada em vigor da CCI.
Entretanto, vaticínios não são pertinentes à ciência e, enquanto a
democracia não se instaura no plano internacional, o sistema penal
dependerá da cooperação dos estados e, como propomos, deveria
utilizar da força da sociedade civil para ter maior eficácia, em
especial da colaboração de ONGs com crédito no ativismo da proteção
dos direitos humanos e do direito humanitário.
Lembramos, para finalizar, das palavras
de Elias Canetti, para quem
"A aversão dos poderosos pelos
sobreviventes é geral. Consideram toda sobrevivência efetiva algo que
cabe somente a eles: trata-se de sua verdadeira riqueza, sua propriedade
mais preciosa. Todo aquele que se permita conspicuamente sobreviver em
circunstâncias perigosas — e particularmente em meio a muitos outros
— estará se imiscuindo em seus negócios e voltará contra si o seu
ódio."
A Corte Criminal Internacional permanente
deve ser construída tendo em mente os sobreviventes, e não a riqueza
dos poderosos. |