
O Pacto
Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Carlos Weis*
* Procurador
do Estado de São Paulo, membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos
da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e Mestre em Teoria Geral
do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
INTRODUÇÃO
O tema dos direitos
humanos é central para a compreensão do fenômeno do Estado democrático,
cujo surgimento e evolução sempre esteve relacionado ao limite da
intervenção na esfera individual, bem como, após os movimentos
socialistas e o constitucionalismo social, à satisfação das demandas
coletivas, como agente encarregado de realizar o valor da solidariedade
social.
O recente surgimento dos
sistemas universal e regionais de normas e organismos destinados a promoção
de tais direitos, aliado à atualidade do tema em tempos de globalização
econômica e jurídica, revela sua particular relevância no momento
atual, dada a ratificação pelo Brasil dos principais tratados
internacionais relacionados aos direitos humanos, decorrência do
movimento de redemocratização nacional, marcando um novo momento para
o direito público brasileiro.
Como superação de um
longo período de violação das liberdades fundamentais e de
acirramento das desigualdades sociais, filiou-se o país a um sistema
jurídico que consagra universalmente os valores fundamentais da
dignidade humana e da justiça social, cujas normas destinam-se não a
cristalizar a exclusão e o privilégio, mas a obrigar os Estados a
voltarem suas ações aos esquecidos, aos marginalizados.
A Constituição Federal
de 1988, inspirada pelo ideal de mudança da realidade brasileira,
previu a integração das normas do Direito Internacional dos Direitos
Humanos à legislação interna (art. 5º,§ 2º), tendo como conseqüência
não só a reiteração dos direitos constitucionalmente assegurados,
mas a geração de novos direitos civis e políticos e, sobretudo, econômicos,
sociais e culturais.
Assim, da vinculação do
Direito brasileiro a novos objetivos e valores, aliada ao acesso a um
conjunto de normas jurídicas pouco conhecido, decorre a premente
necessidade do(a) estudioso(a) do Direito se debruçar sobre a nova
realidade, aprofundando seus conhecimentos sobre a natureza, a estrutura
e o conteúdo que informam o sistema internacional de direitos humanos,
tudo a permitir sua efetiva aplicação às relações de direito
interno, conjugando-o com as regras constitucionais e legais, abrindo
novas possibilidades de intervenção do Direito sobre a realidade
social.
Neste contexto, o
conhecimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais torna-se fundamental, eis que suas prescrições em boa parte
ampliam as disposições contidas no Título II da Constituição
Federal de 1988, ou em artigos do Título VIII, versando sobre a saúde,
a educação, a cultura etc. Mais além, o tratado tem a considerável
qualidade de sistematizar a matéria, não apenas por abrigar sob um
mesmo teto todos os direitos sociais, mas por permitir que se enxergue
suas caracterísitcas comuns, bem como sua relação com os direitos
humanos de outra espécie. De fato, como resultado do mesmo esforço que
gerou o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, o tratado ora em estudo forma, com aquele, unidade indivisível,
enfatizando o caráter interdependente e complementar dos direitos
humanos.
1. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos e o nascimento do Direito Internacional
dos Direitos Humanos
Para compreender o
contexto do surgimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), é necessário retornar ao momento de
nascimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, marcado pelo
advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ora completa
meio século de existência.
A motivação de se
elaborar um documento universal sobre direitos humanos acompanha aquela
que inspirou a criação da própria Organização das Nações Unidas,
bem sintetizado no preâmbulo da Declaração Universal de 1948, tendo
em vista que "o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa
resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade
e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de
palavra, de crença e liberdade de viverem a salvo do temor e da
necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem
comum."(1)
Aliado a isso, havia a
necessidade de dar concreção aos direitos humanos e liberdades
fundamentais referidos na Carta da ONU, uma vez que constitui propósito
das Nações Unidas (art. 1º, 3) "Conseguir uma cooperação
internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico,
social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito
aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem
distinção de raça, sexo, língua ou religião".
Assim, a Carta da ONU já
previa no artigo 68 que o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) deveria
estabelecer comissões para a promoção dos direitos humanos, daí
decorrendo a decisão de criação da Comissão de Direitos Humanos (CDH)(2),
aprovada pela Resolução n. 5 (I) de 16 de fevereiro de 1946 e
efetivada pela Resolução E/RES/9 (II) do ECOSOC, de 21 de junho de
1946, esta última já atribuindo-lhe a função de apresentar
"sugestões concernentes às vias e meios para a efetiva implementação
dos direitos humanos e liberdades fundamentais"(3).
No início dos trabalhos,
ainda não se tinha clara a forma definitiva do documento. No final de
1947, a Comissão decidiu utilizar a expressão International Bill of
Human Rights (Carta Internacional de Direitos Humanos) para
designar um conjunto de documentos consistentes em uma declaração, uma
convenção (a ser denominada "Pacto de Direitos Humanos") e
em medidas de implementação. Esta fórmula levou, então, à promulgação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos como o primeiro desses
documentos.(4)
Assim, o significado da
Declaração decorre dos próprios objetivos da criação das Nações
Unidas, relacionados com a reconstrução da ordem mundial fundada em
novos conceitos de Direito Internacional, que se contrapusessem à
doutrina da soberania nacional absoluta e à exacerbação do
positivismo jurídico, que possibilitaram o desenvolvimento de regimes
políticos baseados na hipertrofia estatal e conseqüente repúdio ao
fundamento jusnaturalista dos direitos humanos.
O que se pretendia era
formular um rol atualizado dos direitos humanos que criasse obrigações
para os Estados em decorrência da normativa internacional, o que se
obteve inicialmente com a Declaração Universal e, posteriormente, com
o Pactos de 1966 e demais tratados internacionais, sob os quais Estados
soberanos consentiram em se ver compelidos a respeitar e assegurar os
direitos humanos em seu território, em relação a todas as pessoas sob
sua jurisdição.(5)
Da proclamação e
subscrição da Declaração pelos membros das Nações Unidas, contudo,
não decorreu o surgimento de direitos subjetivos aos respectivos cidadãos,
nem obrigações internacionais dos Estados, como entende a Doutrina
predominante, uma vez que possui natureza jurídica de Recomendação da
Assembléia Geral, com caráter especial, diante de sua solenidade e
universalidade.
2. Os Pactos
Internacionais de 1966:
A aparente cisão dos
Direitos Humanos
Como assinalado, a idéia
inicial existente nas Nações Unidas era a da construção de uma Carta
Internacional de Direitos Humanos, composta pela Declaração Universal
e um pacto internacional, este com natureza obrigacional para o
Estados signatários. Contudo, divergências entre os blocos mundiais
soviético e "ocidental" levaram à adoção de dois tratados
distintos.
Segundo relata Lindgren
Alves,(6) a proposta da formulação de um só pacto abrangente,
defendida pelos países alinhados à União Soviética, foi derrotada
pelo entendimento de que os direitos civis e políticos possuem
diferente natureza que os econômicos, sociais e culturais,
especialmente porque os primeiros seriam de aplicação imediata e,
portanto, passíveis de cobrança, enquanto os demais seriam realizáveis
progressivamente, sem que se pudesse exigir do Estado sua concretização.
Outro argumento prevalecente foi a diferença entre os mecanismos de
supervisão: como os direitos civis e políticos deveriam ser
implementados imediatamente, dizendo respeito fundamentalmente às
liberdades individuais, sua violação poderia ser denunciada a um órgão
fiscalizador (posteriormente denominado Comitê de Direitos Humanos). Já
os econômicos, sociais e culturais se realizariam apenas diante da
cooperação internacional e dos esforços de cada Estado, não sendo
possível, assim, a aplicação do sistema de denúncias.
Na realidade, tais
argumentos serviram ao propósito dos países do bloco liderado pelos
Estados Unidos e potências européias de conservar a noção
individualista liberal dos direitos humanos, diminuindo a importância
das prescrições relativas ao estabelecimento de um padrão digno de
existência social, através da cooperação técnica e financeira dos
países desenvolvidos, o que, de certa forma, garantia a permanência
dos países subdesenvolvidos como fornecedores de produtos primários e
mão-de-obra barata.
Seja como for, a
tentativa de se partir os direitos humanos em duas categorias com importância
desigual foi posta por terra menos de dois anos após a adoção dos
Pactos Internacionais, na Conferência Mundial realizada em Teerã em
1968, na qual se afirmou peremptoriamente a indivisibilidade e a
interdependência dos direitos humanos: "Como os direitos humanos e
as liberdades fundamentais são indivisíveis, a realização dos
direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais
e culturais torna-se impossível."(7)
A respeito, salienta Gros
Espiell que tal divisão teve fundamento em razões processuais, quanto
ao regime de aplicação diferenciado que, salvo poucas exceções, é
requerido para cada tipo de direitos humanos.(8) Este dado, porém, não
implica negar a unidade conceitual destes, sua interdependência e seu
recíproco condicionamento. Ao contrário, trata-se de matéria da mais
alta relevância, a respeito da qual vale a pena se deter por um
momento.
Assim é que as expressões
"interdependência" e "indivisibilidade" têm sido
empregadas reiteradamente por documentos internacionais e escritos sobre
direitos humanos, tais como se fossem sinônimos, o que se explica pelo
desejo de limitar a possibilidade dos Estados construírem interpretações
restritivas dos direitos enunciados, alegando o cumprimento parcial das
normas internacionais sobre a matéria.
Daí que a ONU, mesmo
tendo editado dois pactos internacionais de direitos humanos,
aparentemente separando os direitos humanos em duas classes, fez questão
de afirmar a concepção unitária já em 1968, como visto. Nos anos
setenta, resoluções das Nações Unidas reiteraram esta idéia,
consolidada no item quinto, parte primeira, da Declaração e Programa
de Ação adotada pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
(Viena, 1993), ao afirmar que: "Todos direitos humanos são
universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados."
A indivisibilidade, então,
está ligada ao objetivo maior do sistema internacional de direitos
humanos, a promoção e garantia da dignidade do ser humano. Ao se
afirmar que os direitos humanos são indivisíveis, se está a dizer que
não existe meio-termo: só há vida verdadeiramente digna se todos os
direitos previstos no Direito Internacional dos Direitos Humanos
estiverem sendo respeitados, sejam civis e políticos, sejam econômicos,
sociais e culturais. Trata-se de uma característica do conjunto das
normas e não de cada direito individualmente considerado. Como diz
Dalmo de Abreu Dallari, "Não existe respeito à pessoa humana e ao
direito de ser pessoa se não for respeitada, em todos os momentos, em
todos os lugares e em todas as situações a integridade física, psíquica
e moral da pessoa. E não há qualquer justificativa para que umas
pessoas sejam mais respeitadas do que outras."(9)
A interdependência diz
respeito aos direitos humanos considerados em espécie, ao se entender
que um certo direito não alcança a eficácia plena sem a realização
simultânea de alguns ou de todos os outros direitos humanos. E essa
característica não distingue direitos civis e políticos ou econômicos,
sociais e culturais, pois a realização de um direito específico pode
depender (como geralmente ocorre) do respeito e promoção de diversos
outros, independentemente de sua classificação.
Neste sentido, é
exemplar a menção contida no preâmbulo dos Pactos Internacionais de
1966, a dizer que "em conformidade com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades
civis e políticas e liberto do temor e da miséria não pode ser
realizado, a menos que se criem as condições que permitam a cada um
gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos
econômicos, sociais e culturais."
A respeito, observa J.J.
Gomes Canotilho que mesmo as liberdades negativas, surgidas quando da
formulação dos direitos humanos de matriz liberal, carecem da concorrência
de direitos econômicos, sociais e culturais para a sua realização máxima.
Criticando a "desesperada tentativa" de se fazer sobreviver os
arquétipos liberais em face do processo de objetivação e socialização
dos direitos fundamentais, o constitucionalista português promove uma
adequação temporal daquela noção, ressaltando os seguintes
elementos: "(i) a efectivação real da liberdade
constitucionalmente garantida não é hoje apenas tarefa de iniciativa
individual, sendo suficiente notar que, mesmo no campo das liberdades clássicas
(para já não falar dos direitos sociais, económicos e culturais) não
é possível a garantia da liberdade sem intervenção dos poderes públicos.(...);
(ii) ‘o homem situado’ não abdica de prestações existenciais
estritamente necessárias à realização de sua própria liberdade,
revelando, neste aspecto, a teoria liberal uma completa ‘cegueira’
em relação à indispensabilidade dos pressupostos sociais e económicos
da realização da liberdade."(10)
Tome-se como exemplo a
liberdade de locomoção. Para sua concretização no mundo moderno já
não basta a abstenção estatal ou mesmo sua atividade repressora da
eventual turbação de terceiro, eis que as necessidades objetivas dos
seres humanos implicam o deslocamento rápido em grandes distâncias, não
só no interesse próprio, mas como parte do funcionamento de toda a
sociedade, decorrendo o dever estatal de criar as condições para que o
direito se materialize. Além disso, faz-se necessário que as pessoas
disponham de meios materiais que as permitam exercer seus direitos,
novamente a demandar ações estatais voltadas à realização dos
direitos sociais. Em ambos os casos, as liberdades negativas não mais
se afiguram isoladas, demandando sua eficácia uma série de providências
estatais que, de certo modo, anulam a clássica distinção entre as
‘famílias de direitos humanos’.(11)
José Afonso da Silva
avança sobre tal conceito, relacionando-o ao modelo democrático
instituído pela Constituição Federal de 1988. Assim, os direitos e
garantias previstos no artigo 5º da Carta Política — de natureza
preponderantemente civil e política — "estão contaminados de
dimensão social", o que opera a transição "de uma
democracia de conteúdo basicamente político-formal, para a democracia
de conteúdo social, se não de tendência socializante. Quanto mais
precisos e eficazes se tornem os direitos econômicos, sociais e
culturais, mais se inclina do liberalismo para o socialismo." E
acrescenta: "O certo é que a Constituição assumiu, na sua essência,
a doutrina segundo a qual há de verificar-se a integração harmônica
entre todas as categorias dos direitos fundamentais do homem sob o
influxo precisamente dos direitos sociais, que não mais poderiam ser
tidos como categoria contingente."(12)
Novamente fica evidente
que os direitos sociais, voltados à criação de condições mais
igualitárias de vida, são a condição de verdadeira eficácia das
liberdades clássicas e vice-versa.(13) Daí porque Paulo Bonavides
associa tais direitos ao que chama de globalização dos direitos
fundamentais, que se contrapõe à globalização política neoliberal.
Diz o autor: "A globalização política na esfera da normatividade
jurídica introduz os direitos de quarta geração, que aliás,
correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado
social. São direitos de quarta geração o direito à democracia, o
direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a
concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima
universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas
as relações de convivência."(14)
Por isso, destaca
Alejandro Artúcio que o caráter interdependente dos direitos humanos
implica que se deve conceder aos direitos civis e políticos e aos econômicos,
sociais e culturais a mesma atenção.(15) Novamente, esta característica
aponta para a atualidade dos direitos humanos, afastando qualquer
tentativa de priorização de uma ou outra classe de direitos, o que,
tanto quanto indesejável, violaria a lógica do sistema, eis que não há
mais dúvida de que as exigências das sociedades atuais implicam a criação
de condições mesmo para o exercício das liberdades negativas, caso
ainda se entenda estas como hierarquicamente prevalescentes sobre os
direitos sociais.
Mais recentemente, a noção
de interdependência foi enriquecida com o advento dos direitos humanos
voltados à proteção de bens de interesse de toda a humanidade, como
ao desenvolvimento sustentado, ao meio-ambiente sadio, ao patrimônio
genético, à paz etc., que visam a criar as condições de vida necessárias
ao respeito dos demais direitos humanos.
No âmbito internacional,
o sinal definitivo nesta direção foi a adoção simultânea dos dois
tratados pelas Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, através da
Resolução n. 2.200-A da Assembléia Geral. Curiosamente, os Pactos
entraram em vigor quase ao mesmo tempo, isto é, três meses após o depósito
do trigésimo quinto instrumento de adesão ou ratificação junto ao
Secretário Geral da ONU, o que ocorreu em 3 de janeiro de 1976 para o
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e 23
de março do mesmo ano para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos.(16)
Da análise comparada dos
Pactos, percebe-se a semelhança do preâmbulo — enfatizando a inerência
dos direitos humanos aos seres humanos e a inalienabilidade da liberdade
e da igualdade humanas — e a perfeita identidade do artigo 1º, este
introduzindo o direito à autodeterminação dos povos(17), ausente no
texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas decorrente do
propósito da ONU de desenvolver relações amistosas entre as nações,
baseado no princípio da igualdade de direitos e na autodeterminação
dos povos, constante do artigo 1o da Carta das Nações Unidas.
Ademais, quando da elaboração dos Pactos, o anticolonialismo já se
houvera feito sentir na Assembléia Geral da ONU, que já em fevereiro
de 1952 decidira por sua inclusão, como um direito, no tratado em
elaboração.(18)
Também observa-se
similitude entre os artigos 3º de ambos os tratados, para enfatizar a
obrigação dos Estados signatários de garantir a igualdade entre
homens e mulheres, no gozo dos direitos de que cuidam.
Possui particular relevância
o artigo 5º, comum aos dois Pactos(19), pois cria uma regra de inteligência
própria dos direitos humanos, completamente distinta dos critérios
usualmente utilizados pela hermenêutica em outros ramos do Direito.
Diz, então, que a interpretação dos direitos expressos nos Pactos
deve ser a mais ampliativa possível, voltada à eficácia máxima de
suas previsões. Ao vedar aos Estados ou a particulares a tomada de
atitudes que objetivem limitar ou destruir os direitos assegurados,
indica, a contrario sensu, que a regra geral é a da
maximização dos direitos humanos, somente sendo aceitas as limitações
autorizadas pelo tratado.
Com isso, reforça-se
ainda a idéia de que no campo dos direitos humanos resta superada a
disputa entre as correntes monista e dualista, para se determinar qual a
norma aplicável, como ressalta Cançado Trindade: "Não mais há
pretensão de primazia de um ou de outro, como na polêmica clássica e
superada entre monistas e dualistas. No presente domínio de proteção,
a primazia é a da norma mais favorável às vítimas, seja ela norma de
direito internacional ou de direito interno. Este e aquele aqui
interagem em benefício dos seres protegidos. É a solução
expressamente consagrada em diversos tratados de direitos humanos, da
maior relevância por suas implicações práticas."(20)
Como se vê, o critério
indicado sobrevoa tal parlenda, fundado na noção de que,
diferentemente de outros tratados internacionais, os que versam sobre
direitos humanos não cuidam das prerrogativas dos Estados em suas relações
internacionais, mas objetivam a salvaguarda do ser humano, acima e além
dos interesses estatais.
Em comparação com as
previsões da Declaração Universal dos Direitos Humanos, destaca M.
Franchini-Netto a existência de questões implícitas na Declaração
Universal, desdobradas nos Pactos, "como, por exemplo a que diz
respeito ao direito de fundar sindicatos e ao de sindicalizar-se,
inscrito na Declaração, e que, no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, artigo 8º, § 1º, inciso d, aparece
mais detalhado, (...)."(21)
De outro lado, a diferença
fundamental entre os Pactos é justamente aquela que originou a edição
de dois documentos distintos, estampada nos respectivos artigos 2º:
Enquanto o do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos cria a
obrigação estatal de "tomar as providências necessárias",
inclusive de natureza legislativa, para "garantir a todos os indivíduos
que se encontrem em seu território e que estejam sujeitos à sua
jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto", o tratado
referente aos direitos econômicos, sociais e culturais, também no
artigo 2º, prevê a adoção de medidas, tanto por esforço próprio
como pela cooperação e assistência internacionais, "que visem a
assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno
exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto."
Porém, ainda que se
entenda que tais direitos não possam ser inaugurados imediatamente, por
demandarem uma série de medidas estatais relacionadas com uma política
pública, não se pode daí inferir que não surja para os cidadãos de
um Estado-parte no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais o direito subjetivo de exigir a sua implementação,
especialmente tendo em vista a melhoria de uma situação específica
que viole a dignidade fundamental dos seres humanos, ao se mostrar contrária
aos patamares mínimos estatuídos pelo Pacto ou por outros tratados de
natureza semelhante.
3. O Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
O Pacto divide-se em
cinco partes, concernentes, respectivamente, (I) à autodeterminação
dos povos e à livre disposição de seus recursos naturais e riquezas;
(II) ao compromisso dos Estados de implementar os direitos previstos;
(III) aos direitos propriamente ditos; (IV) ao mecanismo de supervisão
por meio da apresentação de relatórios ao ECOSOC e; (V) às normas
referentes à sua ratificação e entrada em vigor.
3.1. Os direitos previstos
Menos extenso que seu
germano, este Pacto visa a estabelecer, sob a forma de direitos, as
condições sociais, econômicas e culturais para a vida digna.
São direitos econômicos
aqueles relacionados à produção, distribuição e consumo da riqueza,
visando especialmente a disciplinar as relações trabalhistas, como os
que prevêem a liberdade de escolha de trabalho (art. 6º), condições
justas e favoráveis, com especial atenção para uma remuneração que
atenda às necessidades básicas do trabalhador e sua família, sem
distinção entre homens e mulheres quanto às condições e remuneração
do trabalho, higiene e segurança, lazer e descanso e promoção por
critério de tempo, trabalho e capacidade (art. 7º), fundar ou se
associar a sindicato (que é, na verdade, um direito civil) e fazer
greve (art. 8º), segurança social (art. 9º), proteção da família,
das mães e das gestantes, vedação da mão-de-obra infantil e restrição
do trabalho de crianças e adolescentes (art. 10).
Já os direitos sociais e
culturais dizem respeito ao estabelecimento de um padrão de vida
adequado, incluindo a instrução e a participação na vida cultural da
comunidade, como prevêem os artigos 11 a 15, destacando-se a proteção
contra a fome, o direito à alimentação, vestimenta, moradia, educação,
participação na vida cultural e desfrutar do progresso científico
etc.
Questão talvez mais
interessante que comentar as normas substantivas do Pacto, é debater
que tipo de direito subjetivo elas encerram e qual a maneira de se
extrair sua validade e eficácia.
3.2. A questão das
"normas programáticas"
e a eficácia dos direitos
sociais
Uma distinção freqüentemente
apontada entre as duas dimensões dos direitos humanos parece resultar
da própria redação dos Pactos Internacionais sobre o modo pelo qual
os respectivos direitos podem ser exercidos, a que se dedica a Parte II
de ambos documentos. Assim é que no caso dos direitos civis e políticos,
o Pacto põe como regra seu exercício imediato, aparecendo como exceção
aqueles que dependem de medida legislativa para tanto (art. 2º - 2).
Ademais, surge a obrigação para o Estado-parte de colocar à disposição
das pessoas um "recurso efetivo", por meio do qual possa fazer
valer os direitos substantivos previstos na Parte III, mesmo que contra
o próprio Estado (art. 2º - 3).
Em sentido diverso, o
artigo 2º - 1 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais(22) indica que os direitos ali previstos são de exercício
progressivo, a depender do esforço interno e mesmo da "assistência
e cooperação internacionais", a fim de dotar o Estado dos meios
que possibilitem o cumprimento das disposições contidas nos artigos 6º
a 15. Na mesma direção, indica a norma que é facultado aos países em
desenvolvimento não garantir aos estrangeiros os mesmos direitos econômicos,
sociais e culturais que pretendem assegurar a seus nacionais.(23)
Diante da caracterização
legal, que aparentemente desobriga os Estados a darem cumprimento aos
direitos econômicos, sociais e culturais, parte da doutrina sustenta não
serem estes verdadeiros direitos positivos, figurando apenas no campo
dos direitos naturais, como normas morais. Assim é que Maurice Cranston(24),
filiando-se ao pensamento liberal clássico, somente admite como
direitos humanos os direitos civis e políticos. Aos econômicos,
sociais e culturais, argumenta, faltam-lhes alguns requisitos tais como
a praticabilidade, a universalidade e a clareza quanto às obrigações
decorrentes das prescrições, quanto ao seu conteúdo e quem seja o
sujeito passivo.(25)
Quanto a praticabilidade,
agrega-se à crítica Bidart Campos, ao mencionar o que denomina de
"direitos impossíveis", categoria que segundo o autor mostra
a impossibilidade do desfrute de muitos direitos humanos para muitas
pessoas, quando as condições do regime político bloqueiam ou
dificultam o acesso ao gozo daqueles direitos, entre os quais se
encontram fundamentalmente vários de tipo econômicos, sociais e
culturais, ainda que sejam somente direitos por analogia.(26)
Este posicionamento
parece conduzir a uma confusão entre a característica da implantação
progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais com o que se
convencionou chamar de "normas programáticas", eis que o fato
de tais direitos possuírem uma forma própria de revelarem sua eficácia
não significa que sejam meros sinalizadores da ação estatal.(27)
Muitos estudos já foram
produzidos sobre a eficácia e aplicabilidade das normas
constitucionais(28), gerando diversas teorias a respeito, freqüentemente
desvirtuadas pelos aplicadores do direito, que diante de uma norma que não
lhes parece dotada de imediata concretude, preferem esconder-se sob o
manto das "normas programáticas". E com os direitos sociais
esse fenômeno se repete com intensidade.
Sintetizando a doutrina
existente a respeito, é possível vislumbrar a existência de uma divisão
que classifica as normas conforme sua eficácia, decorrendo as que podem
ser aplicadas de imediato, as que dependem de integração legislativa
ordinária para serem aplicadas, ou que prevêem a existência de
legislação infraconstitucional apenas para restringir e delimitar o
alcance da norma que já é de todo aplicável, e por fim normas que são
"programas de ações futuras" (normas programáticas).
As normas que comportam
os direitos sociais, econômicos e culturais (constitucionais ou
derivadas do Direito Internacional) são freqüentemente tidas pelos
diversos aplicadores do Direito como programáticas, a depender das
condições futuras da sociedade e do Estado — como um ideal
constitucionalizado — ou, no máximo, como normas que só poderão ser
aplicadas se houver integração legislativa infraconstitucional.
O primeiro aspecto que
merece ser realçado nesta discussão diz respeito à própria categoria
de normas com as quais se está trabalhando: normas que consubstanciam
direitos. O que caracteriza a existência de um direito é justamente a
possibilidade de exercê-lo e de exigi-lo judicialmente, se necessário
for. Trata-se da distinção usual entre direito e moral. Norma
instituidora de direito que não pode ser aplicada estaria desprovida de
valor jurídico, torna-se preceito moral.
A doutrina, porém, vem
reexaminando tal dogma, chegando já a entender que a Constituição
deve ser entendida como um documento jurídico e, neste aspecto, dotado
de exigibilidade e obrigatoriedade como os demais preceitos jurídicos.
Celso Antonio Bandeira de Mello, em suas conclusões, ressalta que:
"Todas as normas constitucionais concernentes à Justiça Social
— inclusive as programáticas — geram imediatamente direitos para os
cidadãos, inobstante tenham teores eficaciais distintos. Tais direitos
são verdadeiros "direitos subjetivos", na acepção mais
comum da palavra.(29)
Contribuição importante
para o estudo da eficácia e aplicabilidade, que procura ressaltar a
importância de se atribuir efetividade à Constituição, é o trabalho
desenvolvido pelo professor José Afonso da Silva(30). Nele, o
professor tece considerações extremamente oportunas, a começar pela
afirmação de que toda norma constitucional é dotada de eficácia: "Cada
norma constitucional é sempre executável por si mesma até onde possa,
até onde seja suscetível de execução". O professor
dividiu as normas, quanto à eficácia e aplicabilidade em três
categorias: normas constitucionais de eficácia plena, normas
constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia
limitada ou reduzida.
A Constituição Federal
de 1988 trouxe importantes parâmetros para que se possa compreender
melhor o tema da eficácia de suas normas. A primeira regra, reforçando
a idéia da aplicabilidade imediata, como regra geral, está disposta no
§ 1º do artigo 5º, igualmente aplicável em se tratando de tratados
internacionais:
§ 1º - "As normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade
imediata".
Ainda que
topograficamente esta norma seja um parágrafo do artigo 5º , por sua
própria redação a ele unicamente não se aplica. Diferentemente do
que ocorre com a redação do inciso IV do § 4º do artigo 60 (Direitos
e Garantias Individuais), nesse artigo é utilizada a mesma terminologia
do Título II da Constituição: "Direitos Fundamentais", aqui
compreendidos os direitos individuais, coletivos e difusos(31). Assim,
também por força do que dispõe o § 1º do artigo 5º, as normas que
definem os direitos econômicos, sociais e culturais devem ser
interpretadas no sentido de garantir-lhes aplicação imediata, gerando
direitos para seus titulares. Interpretando esta disposição, José
Afonso da Silva, o entende como uma "norma-síntese" da concepção
constitucional de que os direitos humanos (compreendidos os
"direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais, de
nacionalidade e políticos") só cumprem sua finalidade se as
normas que os expressem tiverem efetividade.(32)
Visto, pois, que as
normas definidoras de direitos humanos — constitucionais ou de Direito
Internacional, qualquer que seja seu conteúdo — têm plena
efetividade constitucional, passa o debate a girar em torno da validade
formal (vigência) e da validade fática (eficácia) da norma. Assim,
para que esta adquira vigência e passe a se relacionar com as demais
normas do sistema jurídico, é necessária a concorrência de alguns
requisitos, tais como sua elaboração por um órgão competente formal
e materialmente, e que tenham sido seguidas as prescrições legais
concernentes ao processo de sua produção.(33) No caso do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, não resta dúvida de que as normas
constantes de tratados internacionais ratificados pela Brasil cumpriram
os requisitos formais que possibilitam sua vigência como norma jurídica
de direito interno, conforme dispõe o artigo 5º, § 2º da Constituição
Federal de 1988. Ademais, neste aspecto não há qualquer diferença
entre os direitos civis e políticos e os econômicos, sociais e
culturais, pois formalmente ambos emanam de tratados internacionais
elaborados pelos órgãos competentes, tendo seguido os trâmites legais
na sua edição e ratificação.
A diferença reside, então,
no campo da validade fática (eficácia). Há uma conhecida celeuma
entre os que separam radicalmente os aspectos formais e materiais de
existência da norma e os que reputam à eficácia uma condição de vigência
daquela. No segundo caso — mais problemático, tendo em vista a
atribuição de significado jurídico aos direitos econômicos, sociais
e culturais — diz Maria Helena Diniz, seguindo Hans Kelsen, que toda
norma deve possuir um "mínimo de eficácia", ou seja, a
possibilidade da norma poder ser obedecida e não aplicada pelos
tribunais, ou, se desobedecida pelos indivíduos a ela subordinados, ser
aplicada pelos órgãos jurídicos.(34) Duas possibilidades se colocam:
a norma ser obedecida espontaneamente (e os obrigados devem ter
capacidade de fazê-lo) e não necessitar da coerção; a norma não ser
respeitada e ter possibilidade de ser deduzida em juízo, com execução
forçada, se caso.
Verificando o campo das
obrigações geradas pelos direitos econômicos, sociais e culturais,
observa Louis Henkin que a redação dos Pactos Internacionais não deve
induzir o leitor a somente ver direitos no de direitos civis e políticos,
eis que o de direitos econômicos, sociais e culturais, ao invés de
falar dos direitos que a pessoa possui, fala em obrigações estatais.
Em ambos os casos — e especialmente no segundo — não se trata de
uma mera aspiração, pois o tratado cria uma clear and firm
obligation, devendo o Estado prosseguir na implantação dos
direitos econômicos, sociais e culturais progressivamente — isto é,
sem interrupção ou retrocesso — até o limite de sua capacidade técnica
e financeira.(35) Desta forma, as normas citadas possuem plena eficácia,
pois os Estados têm a capacidade de cumprí-las — e muitas vezes o
fazem — sem necessidade de coerção judicial ou, no caso preciso dos
direitos humanos, de recurso aos organismos internacionais destinados ao
seu monitoramento e aplicação.
Neste sentido, a
dicotomia verificada na comparação dos respectivos artigos 2º dos
dois Pactos — normas auto-executáveis e de implantação progressiva
— não deve ser entendida como de tipo dualista (mutuamente
excludente), mas pluralista, que procura classificar e combinar
realidades complexas e distintas. Trata-se de uma diferença de
perspectiva, pois as premissas e as finalidades dos direitos civis e políticos
e dos econômicos, sociais e culturais são totalmente diversas (mas não
necessariamente opostas). Em conseqüência, a eficácia de uma ou outra
dimensão dos direitos humanos é alcançada por meios distintos,
possuindo um significado próprio.
Essa mudança de
perspectiva se inicia na própria concepção do ser humano, que passa
de ente abstrato para sujeito de direito socialmente situado, surgindo
novas personagens com demandas específicas, tais como as crianças, as
mulheres, os idosos etc. Com a mudança do papel que a sociedade atribui
ao Estado, o aparecimento dos direitos sociais opera a transição entre
o Etat gendarme e o welfare state: enquanto o primeiro
modelo requer a redução de seu poder ao mínimo indispensável, o
segundo tem como pressuposto a ampliação de suas possibilidades de ação,
a fim de reduzir a desigualdade material entre as pessoas e os grupos
sociais. Ressalta Norberto Bobbio que este novo contexto é propício à
multiplicação dos direitos humanos, uma vez que o "homem
natural" tem, em suma, apenas o direito à liberdade. Já o homem
situado, fruto das tensões da história e de suas condições materiais
de existência, possui outras demandas, cujo atendimento passa por soluções
muito mais complexas, não bastando para sua sobrevivência o simples
catálogo dos direitos fundamentais clássicos.(36)
Em face disso, Celso
Lafer destaca que, do ponto de vista dos que estão submetidos ao poder ex
parte populi, a transição dos direitos civis e políticos para os
econômicos, sociais e culturais requer a adoção de técnicas jurídicas
distintas a ensejar a fruição daqueles novos direitos, adequadas à
promoção dos indivíduos na sociedade, através da ampliação dos
serviços públicos.(37) Em vista disso, é possível afirmar que os
direitos civis e políticos extraem sua validade fática pelo simples
ato de serem positivados, sendo eficazes diante da simples omissão
estatal. A eficácia das normas de direitos sociais, de outra forma,
depende da ação estatal, geralmente complexa e que requer ações
coordenadas, dando-se de forma progressiva e limitada pelas
possibilidades materiais. Essa diferença quanto ao modo de concretização
dos direitos humanos sociais não lhes retira o dado de vincular
juridicamente a atividade estatal, em dois sentidos precisos: o
pri-meiro, como decorre da redação do artigo 2º - 1 do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de criar
uma efetiva obri-gação de "adotar medidas (...) até o máximo de
seus recursos disponíveis", a significar o dever de executar avanços
concretos em um prazo determi-nado; o segundo, de criar um empecilho ao
retrocesso da política social do Estado que, tendo alcançado um certo
nível de proteção dos respectivos direitos, não pode retroceder e
com isso baixar o padrão de vida da comunidade.(38)
Neste sentido, a própria
estruturação do Estado brasileiro para o fim de "erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais"(39), decorre da obrigatoriedade das normas de direitos
econômicos, sociais e culturais (constitucionais ou de Direito
Internacional), que vinculam as políticas públicas, não se podendo
pensar atualmente que tal se dá como simples liberalidade do governo. O
modo e a intensidade pela qual os entes federados cumprem as obrigações
decorrentes das normas definidoras de direitos econômicos, sociais e
culturais não pode ser confundido com a eventual opção do
administrador público em buscar a elevação das condições de vida
dos grupos sociais marginalizados ou excluídos. E a existência de
diversos serviços públicos destinados a atender a essa finalidade nos
campos da saúde, educação, moradia etc., demonstra o quanto as normas
de direitos econômicos, sociais e culturais produzem efeitos no mundo fático,
certamente possuindo aquele "mínimo de eficácia" mencionado.
Portanto, sendo os
direitos civis e políticos distintos dos econômicos, sociais e
culturais quanto aos objetivos que cada conjunto se propõe a alcançar,
não se pode comparar a qualidade da eficácia que as normas de um ou de
outro tipo apresentam, valendo frisar que a dos sociais se aufere na
medida em que os Estados adotam as medidas de que fala o artigo 2º - 1
do Pacto Internacional respectivo. E a realização parcial dos direitos
econômicos, sociais e culturais não pode ser diminuída diante da
eventual plenitude dos civis e políticos numa tentativa de estabelecer
uma dualidade de exclusão, em que apenas um dos grupos apresenta normas
"verdadeiramente" jurídicas.(40)
Traz mais um ingrediente
a essa discussão a interessante observação de Norberto Bobbio quanto
ao constante surgimento de novos direitos sociais, em decorrência de
seu próprio atendimento e diante do aprimoramento tecnológico das
sociedades, no sentido de que "as exigências que se concretizam na
demanda de uma intervenção pública e de uma prestação de serviços
sociais por parte do Estado só podem ser satisfeitas num determinado nível
de desenvolvimento econômico e tecnológico; e que, com relação à própria
teoria, são precisamente certas transformações sociais e certas inovações
técnicas que fazem surgir novas exigências, imprevisíveis e inexeqüíveis
antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido. Isso
nos traz uma ulterior conformação da socialidade, ou da não-naturalidade,
desses direitos."(41)
Daí porque certos
direitos somente surgiram recentemente. A preocupação com o
meio-ambiente decorre, assim, da progressiva deterioração das condições
de vida, do avanço técnico na capacidade de verificar e estimar esse
processo e de um avanço do pensamento humano, hoje capaz de perceber a
importância da manutenção dos ecossistemas para a própria preservação
da espécie humana, tendo como conseqüência o surgimento de novos
valores a serem tutelados. O mesmo pode ser dito quanto aos direitos
mais recentemente positivados, como os da criança, da mulher, da pessoa
portadora de deficiência etc.
É bem verdade que se os
direitos econômicos, sociais e culturais — em regra geral — forem
submetidos ao único critério da exigibilidade forçada, para se
verificar se tem ou não eficácia, pode-se perceber com clareza que os
direitos civis e políticos encontram-se mais protegidos. Tal se explica
pela distinta atitude que se espera do Estado na relação jurídica
decorrente do Direito Internacional dos Direitos Humanos, sendo
infinitamente mais simples ordenar a sustação de uma atividade que
lidar com o problemas envolvidos na consecução de uma obrigação de
fazer.
Não se pode ainda
esquecer os dados sociológicos em questão, a revelar que os direitos
sociais rompem o padrão jurídico liberal, cujas garantias têm em
vista a proteção de direitos individuais. Os novos direitos, de outro
lado, carregam consigo demandas daqueles que não têm seus direitos
reconhecidos ou viabilizados, em face da inexistência de condições
materiais que assegurem sua fruição, geralmente identificados em
interesses que transcendem a esfera individual. Esta novidade só
recentemente tem sido acompanhada pelo surgimento de estruturas
processuais que possibilitam a defesa judicial de pretensões originadas
dos referidos direitos econômicos, sociais e culturais.
No sistema internacional,
igualmente caminha-se para a superação da noção de que esta classe
de direitos tem característica de implementação gradual, enquanto os
direitos civis e políticos seriam de cumprimento imediato. Assim,
segundo relata Cançado Trindade(42), nas Nações Unidas, o Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tem elaborado sucessivos
estudos e pareceres, no sentido de dar maior concreção às obrigações
internacionais assumidas pelos Estados, tais como o aprimoramento do
sistema de relatórios (para permitir uma avaliação sobre os avanços
de cada país nesta área), criação de uma "assistência técnica"
internacional, para auxiliar países subdesenvolvidos, fixação de
obrigações mínimas de cumprimento imediato, e a dar prioridade ao
atendimento às necessidades de grupos sociais em condições desfavoráveis.
Da mesma forma, ao
interpretar as obrigações geradas pelo mencionado artigo 2º - 1 do
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a
Subcomissão sobre Prevenção de Discriminação e Proteção de
Minorias das Nações Unidas propôs a criação de rapporteurs para
investigar situações especiais (como pobreza extrema e direito à
habitação adequada), enquanto o Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais vem insistindo na fixação de padrões mínimos de
cumprimento do Pacto e de cooperação internacional, bem como na criação
de garantias no âmbito do direito interno, a fim de que tais direitos
possam ser submetidos à apreciação judicial.
O esforço em garantir a
justiciabilidade dos direitos sociais também tem se dirigido a dar
maior precisão e clareza aos textos internacionais dos quais se
originam, a fim de que se possa deles extrair direitos subjetivos
individuais, coletivos ou difusos, dedutíveis judicial ou
internacionalmente(43) Disso resulta uma tentativa de se encontrar
alguns parâmetros que possibilitem avaliar se um Estado está cumprindo
as obrigações decorrentes dos tratados internacionais sobre a matéria,
o que passa pela identificação de quais normas de direitos sociais são
exeqüíveis imediatamente, como assinalado pelo "Princípio n.
8", extraído da reunião realizada em Maastricht em junho de 1986,
organizada pela Universidade de Limburg, pela Comissão Internacional de
Juristas e pelo Instituto
Urban Morgan da
Universidade de Cincinnati (Ohio).(44) Nesta direção, a verificação
atenta da legislação internacional revela que há casos em que
direitos econômicos, sociais e culturais são fruíveis imediatamente,
enquanto alguns direitos civis e políticos não o são.
No primeiro caso, é notável
o direito à livre escolha profissional e o direito a fundar sindicato
ou a filiar-se ao de sua escolha (Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, artigos 6º - 1º e 8º - 1, a). Nesses
casos, a vedação ao exercício do direito constitui uma violação à
concepção abstrata do ser humano, que neste sentido é livre e igual
aos demais, não podendo merecer tratamento discriminatório, sem que
para tanto se espere senão a omissão estatal.(45)
Em sentido oposto,
veja-se o caso de direitos civis que necessitam de medida legislativa do
Estado signatário de tratado internacional, sem a qual o direito nele
previsto carece de validade. O exemplo evidente é o do sancionamento da
tortura, previsto já no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(art. 7º) e na Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que somente ganhou status
jurídico com a edição da Lei Federal n. 9.455/97.(46) Mais além, há
ainda direitos humanos liberais, que requerem medidas do Poder Executivo
para que se realizem, como o "direito irrenunciável de ser
assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não,
segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio,
nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei." (Convenção
Americana de Direitos Humanos, art. 8º - 2, e). Trazendo a norma
ao caso brasileiro, se um Estado-membro não der cumprimento ao que prevê
o artigo 134 da Constituição Federal, restará completamente
inviabilizado o direito previsto, afetando inclusive o consagrado
direito à ampla defesa.
4. CONCLUSÃO
O que se acabou de
examinar conduz à aproximação crescente entre as duas dimensões de
direitos humanos, em face de sua complementariedade recíproca e de suas
características específicas, longe das quais não há como compreender
todos os seus desdobramentos e o sentido da existência de um sistema
internacional de normas e organismos no mundo contemporâneo.
Assim, os direitos econômicos, sociais e
culturais possuem um duplo grau de eficácia, na medida em que são
condição de verificação efetiva dos direitos civis e políticos, ao
mesmo tempo em que revelam um compromisso jurídico dos Estados em
transformar a realidade na direção indicada pelos direitos assegurados
pelo tratado. Mais além, a doutrina processual vem caminhando no
sentido de reconhecer interesses jurídico transindividuais, criando
mecanismos de dedução das lides correspondentes, o que contribui para
tornar os direitos aqui tratados exigíveis judicialmente, como o são
os civis e políticos.
__________
(1) Os textos das declarações
e tratados internacionais transcritos em português foram extraídos da
coletânea Instrumentos
internacionais de proteção dos direitos humanos editada pela
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo em 1996.
(2) Sobre a gênese e o
desenvolvimento da CDH/ONU, vide: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Tratado
de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1997. p. 35-40; e LINDGREN ALVES, José Augusto. Os
direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva/ Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 1994. p. 73-75.
(3) Diz o artigo 7o da Resolução:
"Considering that the purpose of the
United Nations with regard to the promotion and observance of human
rights, as defined in the Charter of the United Nations, can only be
fulfilled if provisions are made for the implementation of human rights
and of an international bill of rights, the Council requests the
Commission on Human Rights to submit at an early date suggestions
regarding the ways and means for the effective implementation of human
rights and fundamental freedoms, with a view to assisting the Economic
and Social Council in working out arrangements for such implementation
with other appropriate organs of the United Nations."
(4) Cf. UNITED NATIONS.
The United Nations and human rights., New York: United Nations
Department of Public Information, 1984. p. 24.
(5) Este conceito remete ao caput
do artigo 5o da Constituição Federal de 1988, segundo o
qual: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade." Esta concepção aparentemente
restritiva da proteção dos direitos fundamentais pelo Estado
brasileiro, amplamente criticada pela Doutrina, colide com as obrigações
contraídas pelo Brasil ao ratificar, entre outros, o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966), conforme o
teor de seus artigos 2o (2) e 2o (1), respectivamente.
(6) Ob. cit., p. 48-50.
(7) Proclamação de Teerã,
parágrafo 13 (cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção
internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e
instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 123).
(8) GROS ESPIELL, Hector. La
adopción por las Naciones Unidas, en 1966, de los dos pactos
internacionales de derechos humanos y el protocolo facultativo al
derechos civiles y politicos: recuerdos y reflexiones. Boletim da
Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Rio de Janeiro, v.
48, n. 98/100, p. 93, jul./dez. 1995.
(9) DALLARI, Dalmo de Abreu. Viver
em sociedade. São Paulo: Moderna, 1995. p. 13.
(10) Direito constitucional.
5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 517.
(11) A expressão é de
Genaro R. Carrió e substitui, com vantagens, a já criticada idéia de
"gerações de direitos humanos." (Los derechos humanos y
su protección:distintos tipos de problemas. Buenos Aires:
Abeledo-Perrot, 1990. p. 26).
(12) Curso de direito
constitucional positivo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 1996. p. 182.
(13) Sobre o tema, diz Máximo
Pacheco G.: "En el proceso de progresiva internacionalización
de la promoción, garantia y protección de los derechos humanos, el
Derecho Internacional no se ha limitado a encarar la promoción de los
llamados derechos civiles y políticos y a procurar su garantía y
protección sino que ha dirigido su atención y su conseguinte
normatividad a los derechos económicos, sociales y culturales. Solo el
reconocimiento integral de éstos puede asegurar la existencia rela de
aquellos ya que, sin la efectividad del goce de los derechos económicos,
sociales y culturales, los derechos civiles y políticos se reducen a
meras categorías formales; y, a la inversa, sin la realidad de los
derechos civiles y políticos, sin la efectividad de la libertad,
entendida en su más amplio sentido, los derechos económicos, sociales
y culturales carecen, a su vez, de verdadera significación."
(Los derechos fundamentales de la persona humana. Estudios Basicos de
Derechos Humanos, San José, CR, v. 2, p. 93, 1995).
(14) Curso de direito
constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 524.
(15) Universalidad,
indivisibilidad, e interdependência de los derechos econômicos,
sociales y culturales, y los derechos civiles y políticos. Breves
nociones de los mecanismos de suoervisión a nivel universal y regional.
In: SEMINÁRIO SOBRE DERECHOS ECONÔMICOS, SOCIALES Y CULTURALES,
Genebra, CIJ, 1996, p. 19.
(16) Segundo dados de 1995, o
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi ratificado por
127 Estados, enquanto o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais por 129 (THE UNITED NATIONS BLUE BOOKS
SERIES. The United Nations and human rights. 1945-1995. New York:
United Nations, 1995. v.7).
(17) "Art. 1º - 1.
Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse
direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram
livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. 2. Para a
consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente
de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações
decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio
do proveito mútuo e do Direito Internacional. Em caso algum poderá um
povo ser privado de seus próprios meios de subsistência. 3. Os
Estados-partes no presente Pacto, inclusive aqueles que tenham
responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios
sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação
e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta
das Nações Unidas."
(18) Cf. The United
Nations and human rights. New York: United Nations, 1984. p. 31.
(19) "Art. 5º - 1.
Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada no
sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito
de dedicar-se a quaisquer atividades ou de praticar quaisquer atos que
tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no
presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas
nele previstas."
(20) Direito internacional e
direito interno: sua interação na proteção dos direitos humanos. In:
SÃO PAULO (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Grupo de Trabalho de
Direitos Humanos. Instrumentos internacionais de proteção dos
direitos humanos. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria
Geral do Estado, 1996. p. 43.
(21) Os direitos humanos
na ONU. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, s.d.
(22) "Art. 2º - 1. Cada
Estado-parte no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por
esforço próprio quanto pela assistência e cooperação
internacionais, principalmente nos campos econômico e técnico, até o
máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar,
progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos
direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção
de medidas legislativas."
(23) No sistema regional
americano observa-se fenômeno semelhante, pois a Convenção Americana
de Direitos Humanos contém um único dispositivo referente aos direitos
econômicos, sociais e culturais, o artigo 26, que sozinho compõe o Capítulo
III do Tratado. Emblematicamente, o artigo refere-se aos direitos de
"desenvolvimento progressivo", reportando-se à Carta da OEA
para que se lhes extraia o conteúdo. A mencionar, ainda, a aprovação
em novembro de 1988 do Protocolo Adicional à Convenção Americana de
Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, mais conhecido como "Protocolo de São Salvador".
Sua entrada em vigor deve ocorrer tão logo seja ele ratificado pelo mínimo
de onze países pertecentes à Organização dos Estados Americanos.
(24) O que são direitos
humanos. São Paulo: Difel, 1979. p. 65.
(25) Sobre a universalidade
distinta dos direitos econômicos, sociais e culturais em relação àquela
consagrada aos direitos civis e políticos, vide o tópico próprio, no
Capítulo 4.
(26) Teoria general de los
derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991. p. 334.
(27) Uma crítica a esta
teoria é formulada por Flavia Piovesan (Direitos humanos e o direito
constitucional internacional, 3. ed., São Paulo: Max Limonad, 1997,
p. 195 e ss.). Há, ainda, quem ligue a questão à possibilidade do
direito ser deduzido por via judicial em caso de descumprimento, como no
dizer de Enrique Pedro Haba (Tratado básico de derechos humanos.
San José, C.R:, Juricentro, 1986. v. 2, p.904). Esta colocação
atribui aos direitos econômicos, sociais e culturais características
que somente são próprias dos direitos civis e políticos, não podendo
servir como argumento para afastar a validade formal e fática daquelas
normas jurídicas. É o que se verá a seguir.
(28) Ver a esse respeito os
estudos de Maria Helena Diniz, Norma constitucional e seus efeitos
2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992; de Celso Bastos e Carlos Ayres
Britto, Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais.
São Paulo: Saraiva, 1982; de Celso Antonio Bandeira de Mello,
Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social.
Revista de Direito Público, São Paulo, v. 57-58, p. 232-256,
jan./jun. 1981.
(29) Ob. cit., p. 255.
(30) Aplicabilidade e eficácia
das normas constitucionais. 2. ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1985. p. 66.
(31) Ainda que assim não
fosse, os direitos econômicos, sociais e culturais são geradores de
direitos individuais, como sustenta, v.g., Celso Lafer, A
reconstrução dos direitos humanos:um diálogo com o pensamento de
Hannah Arendt. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
(32) Aplicabilidade e eficácia...,
ob. cit., p. 444.
(33) DINIZ, Maria Helena. Compêndio
de introdução à ciência do direito. 8. ed. atual. São Paulo:
Saraiva, 1995. p. 353.
(34) Ob. cit. supra, p. 361.
(35) The age of rights.
New York: Columbia University Press, 1990. p. 33.
(36) A era dos direitos.
Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 68 e ss.
(37) Ob. cit., p. 129.
(38) Cf. TEXIER, Phillipe. El
Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales. In:.
SEMINÁRIO SOBRE DERECHOS ECONÔMICOS, SOCIALES Y CULTURALES, Genebra,
Comissão Internacional de Juristas, 1996. p. 32.
(39) Constituição Federal,
artigo 3o, III.
(40) Se a validade fática
dependesse da concretude plena dos direitos, nem mesmo os civis e políticos
poderiam ser considerados vigentes, pois é notória sua violação diária
pelos órgãos estatais destinados a garantir a segurança pública,
noticiada pelos meios de comunicação. Vê-se então que, mesmo neste
campo, a eficácia é relativa, próxima do "mínimo indispensável",
o que, afinal, não pode ser utilizado para diferenciar as duas dimensões
dos direitos humanos.
(41) A era dos direitos, ob.
cit., p. 76.
(42) La protección
internacional de los derechos económicos, sociales y culturales.
Estudios Básicos de Derechos Humanos, San José, C.R., v. 1, p. 57,
1994.
(43) A propósito, Roberto
Garretón M. destaca que a falta de precisão da tipificação das
obrigações decorrentes dos tratados que versam sobre direitos econômicos,
sociais e culturais tem levado a Comissão de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos a convocar seminários de
especialistas para aclarar o conteúdo particular desses direitos. (La
sociedad civil como agente de promoción de los derechos económicos,
sociales y culturales. Estudios Básicos de Derechos Humanos. San
José, C.R., v.5,1996, p. 51-83).
(44) Cf. ARTÚCIO, Alejandro,
ob. cit., p. 26.
(45) Norberto Bobbio comenta o
sentido da relação igualdade-liberdade na formulação liberal, para
extrair seu duplo significado (presente no artigo 1o da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, como comentado no capítulo 4). Assim,
os seres humanos têm igual direito à liberdade e têm direito a uma
igual liberdade. (A era dos direitos, ob. cit., p. 70).
(46) É evidente que não se pode dizer que a
tortura era permitida no Brasil até o advento da citada lei, pois o
Direito Penal a sancionava como modalidade de lesão corporal. Ocorre
que a tortura agride bens jurídicos que vão além da violência física,
podendo se dar diante da agressão moral ou psicológica. Ademais a
tortura afeta não só a dignidade da vítima, mas viola a própria noção
de Estado de Direito, sempre que praticada por agente público, a seu
mando ou com sua aquiescência, como na maioria dos casos. Daí porque
pode-se afirmar que a proibição da tortura, prevista
internacionalmente, somente ganhou eficácia plena no país
recentemente.
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