PRINCIPIOS
RELATIVOS A UMA EFICAZ PREVENÇÃO E INVESTIGAÇÃO DE EXECUÇÕES
EXTRALEGAIS, ARBITRÁRIAS E SUMÁRIAS
Adotados pelo Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas em 24 de Maio de 1989, através
da Resolução 1989/65, e aprovados pela Assembléia Geral das Nações
Unidas em 15 de Dezembro de 1989, através da Resolução 44/162.
Prevenção
1. Os governos proibirão por lei todas as execuções
extralegais, arbitrárias ou sumárias e zelarão para que todas essas
execuções se tipifiquem como delitos em seu direito penal e sejam
sancionáveis com penas adequadas que levem em conta a gravidade de tais
delitos. Não poderão ser invocadas, para justificar essas execuções,
circunstâncias excepcionais, como, por exemplo, o estado de guerra ou
de risco de guerra, a instabilidade política interna, nem nenhuma outra
emergência pública. Essas execuções não se efetuarão em nenhuma
circunstância, nem sequer em situações de conflito armado interno,
abuso ou uso ilegal da força por parte de um funcionário público ou
de outra pessoa que atue em caráter oficial ou de uma pessoa que
promova a instigação, ou com o consentimento ou aquiescência daquela,
nem tampouco em situações nas quais a morte ocorra na prisão. Esta
proibição prevalecerá sobre os decretos promulgados pela autoridade
executiva.
2. Com a finalidade de evitar as execuções extralegais,
arbitrárias ou sumárias, os governos garantirão um controle estrito,
com uma hierarquia de mando claramente determinada, de todos os
funcionarios responsáveis pela captura, detenção, prisão, custódia
e encarceramento, assim como de todos os funcionários autorizados pela
lei a usar a força e armas de fogo.
3. Os governos proibirão os funcionários superiores ou
autoridades públicas de dar ordens que autorizem ou incitem outras
pessoas a levar a cabo qualquer execução extralegal, arbitrária ou
sumária. Toda a pessoa terá o direito e o dever de negar-se a cumprir
este tipo de ordem. Na formação dos funcionários encarregados de
fazer cumprir a lei deverão ser reforçadas essas disposições.
4. Será garantida uma proteção eficaz, judicial ou de outro
tipo aos indivíduos e grupos que se encontrem em perigo de execução
extralegal, arbitrária ou sumária, em particular àqueles que recebam
ameaças de morte.
5. Ninguém será obrigado a regressar, nem será extraditado
a um país onde existam fundados motivos para se crer que a pessoa possa
ser vítima de uma execução extralegal, arbitraria ou sumária.
6. Os governos zelarão para que as pessoas privadas de
liberdade sejam mantidas em lugares de reclusão publicamente
reconhecidos, e se proporcione imediatamente, aos seus familiares e
advogados ou outras pessoas da sua confiança, informação exata sobre
sua detenção e paradeiro, incluídos os translados.
7. Inspetores especialmente capacitados, incluindo pessoal médico,
ou uma autoridade independente análoga, efetuarão, periodicamente,
inspeções dos locais de reclusão, e estarão facultados a realizar
inspeções sem prévio aviso por sua própria iniciativa, com plenas
garantias de independência no exercício desta função. Os inspetores
terão livre acesso a todas as pessoas que se encontrem em tais locais
de reclusão, bem como a todos os seus antecedentes.
8. Os governos farão tudo o que estiver ao seu alcance para
evitar as execuções extralegais, arbitrárias ou sumárias recorrendo,
por exemplo, à intercessão diplomática, facilitando o acesso dos
reclamantes aos órgãos intergovernamentais e judiciais e apresentando
denúncias públicas. Serão utilizados os mecanismos
intergovernamentais para estudar os informes de cada uma dessas execuções
e adotar medidas eficazes contra tais práticas. Os governos, incluídos
os dos países em que se suspeite fundadamente que se produzam execuções
extralegais, arbitrárias ou sumárias, cooperarão plenamente com as
investigações internacionais a respeito.
Investigação
9. Proceder-se-á a uma investigação exaustiva, imediata e
imparcial de todos os casos em que haja suspeita de execução
extralegal, arbitrária ou sumária, incluídos aqueles em que queixas
de parentes ou outras informações confiáveis levem a pensar que tenha
ocorrido uma morte não devida a causas naturais nas circunstâncias
referidas. Os governos manterão órgãos e procedimentos de investigação
para realizar estas indagações. A investigação terá como objetivo
determinar a causa, a forma e o momento da morte, a pessoa responsável
e o procedimento ou prática que a possa ter provocado. Durante a
investigação será realizada uma autópsia adequada, serão
recompiladas e analisadas todas as provas materiais e documentais e serão
colhidas as declarações de testemunhas. A investigação determinará
a morte por causas naturais, a morte por acidente, o suicídio ou o
homicídio.
10. A autoridade investigadora terá poderes para obter toda a
informação necessária à investigação. As pessoas que dirigirem a
investigação disporão de todos os recursos orçamentários e técnicos
necessários para uma investigação eficaz, e terão também faculdade
para obrigar os funcionários supostamente implicados nessas execuções
a comparecer e prestar depoimentos. O mesmo valerá para as testemunhas.
Para tanto, poderão citar testemunhas, inclusive os funcionários
supostamente implicados, e ordenar a apresentação de provas.
11. Nos casos em que os procedimentos de investigação
estabelecidos resultarem insuficientes devido à falta de competência,
à imparcialidade, à importância do assunto ou a indícios da existência
de uma conduta habitual abusiva, assim como naqueles casos em que
ocorram queixas sobre essas insuficiências por parte da família ou que
existam outros motivos substanciais para isso, os governos procederão
investigações conduzidas por uma comissão de investigação
independente ou por outro procedimento análogo. Os membros desta comissão
serão eleitos em função da sua reconhecida imparcialidade, competência
e independência pessoal. Em particular, deverão ser independentes de
qualquer instituição, departamento ou pessoa que possa ser objeto da
investigação. A comissão estará autorizada a obter toda a informação
necessária para a investigação e a conduzirá conforme o estabelecido
nestes Princípios.
12. Não se poderá proceder ao sepultamento, cremação etc.
do corpo da pessoa morta até que um médico, se possível especialista
em medicina forense, tenha realizado uma autópsia adequada. Aqueles que
realizarem a autópsia terão acesso a todos os dados da investigação,
ao local onde foi descoberto o corpo e àquele onde se supõe tenha
ocorrido a morte. Se, depois de haver sido enterrado o corpo, resultar
necessária uma investigação, se exumará o corpo imediatamente e de
forma adequada para a realização da autópsia. No caso de serem
descobertos restos ósseos, deverá ser procedido seu desenterramento
com as precauções necessárias e seu estudo conforme técnicas
antropológicas sistemáticas.
13. O corpo da pessoa falecida deverá estar à disposição
daqueles que realizem a autópsia durante um período suficiente para se
proceder a uma investigação minuciosa. Na autópsia se deverá tentar
determinar, pelo menos, a identidade da pessoa falecida e a causa e
forma de sua morte. Na medida do possível, deverão precisar-se também
o momento e o local em que esta ocorreu. Deverão ser incluídos no
laudo da autópsia fotografias detalhadas, a cores, da pessoa falecida,
com o fim de documentar e corroborar as conclusões da investigação. O
laudo da autópsia deverá descrever todas e cada uma das lesões
apresentadas pela pessoa falecida e incluir qualquer indício de
tortura.
14. Com o fim de garantir a objetividade dos resultados, é
necessário que aqueles que realizem a autópsia possam atuar
imparcialmente e com independência de quaisquer pessoas, organizações
ou entidades potencialmente implicadas.
15. Os reclamantes, as testemunhas, os responsáveis
pela investigação e suas famílias serão protegidos contra atos ou
ameaças de violência ou qualquer outra forma de intimidação. As
pessoas supostamente implicadas em execuções extralegais, arbitrárias
ou sumárias serão afastadas de todos os postos que detenham controle
ou poder direto ou indireto sobre os reclamantes, as testemunhas e seus
familiares, bem como sobre os responsáveis pelas investigações.
16. Os familiares da pessoa falecida e seus representantes
legais serão informados das audiências que se celebrem, às quais terão
acesso, bem como a toda a informação pertinente à investigação, e
terão direito a apresentar outras provas. A família do falecido terá
direito a insistir que um médico ou outro representante seu qualificado
esteja presente à autópsia. Uma vez determinada a identidade do
falecido, se anunciará publicamente seu falecimento, e se notificará
imediatamente a família ou os parentes. O corpo da pessoa falecida será
devolvido a seus familiares depois de completada a investigação.
17. Se redigirá, em um prazo razoável, um relatório por
escrito sobre os métodos e as conclusões das investigações. O relatório
será publicado imediatamente e nele serão expostos o alcance da
investigação, os procedimentos e métodos utilizados para avaliar as
provas e as conclusões e recomendações baseadas nos resultados de
fato e na legislação aplicável. O relatório também exporá
detalhadamente os fatos concretos ocorridos, de acordo com os resultados
das investigações, bem como as provas em que se baseiam as conclusões,
e enumerará os nomes das testemunhas que tenham prestado depoimento,
excetuando-se aquelas cuja identidade deve ser mantida em sigilo para
sua proteção. O governo responderá, em prazo razoável, ao relatório
da investigação, ou indicará as medidas que serão adotadas em conseqüência
dela.
Procedimentos judiciais
18. Os governos zelarão para que sejam julgadas as pessoas
que a investigação identificar como participantes de execuções
extralegais, arbitrárias ou sumárias, em qualquer território sob sua
jurisdição. Os governos farão comparecer estas pessoas ante a justiça,
ou colaborarão para extraditá-las a outros países que se proponham a
submetê-las a julgamento. Este princípio se aplicará com independência
de quem sejam os perpetradores ou as vítimas, do local em que se
encontrem, de sua nacionalidade e do local onde se cometeu o delito.
19. Sem prejuízo do estabelecido no Princípio 3, supra, não
se poderá invocar uma ordem de um funcionário superior ou de uma
autoridade pública como justificativa de execuções extralegais,
arbitrárias ou sumárias. Os funcionários superiores, oficiais ou
outros agentes públicos poderão ser considerados responsáveis por
atos cometidos por funcionários submetidos a sua autoridade hierárquica,
se tiveram uma oportunidade razoável de evitar tais atos. Em nenhuma
circunstância, nem sequer em estado de guerra, de sítio ou em outra
emergência pública, será concedida imunidade judicial prévia às
pessoas supostamente implicadas em execuções extralegais, arbitrárias
ou sumárias.
20. As famílias e as pessoas que estavam sob a dependência
das vítimas de execuções extralegais, arbitrárias ou sumárias terão
direito a receber, dentro de um prazo razoável, uma compensação justa
e suficiente.
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