
PROJETO
DE DECLARAÇÃO AMERICANA
SOBRE OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
Aprovado pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos
em 26 de fevereiro de 1997, em sua 13330 sessão,
durante o 951 Período Ordinário de Sessões
PREÂMBULO
1. As instituições indígenas e o fortalecimento nacional
Os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (doravante
denominados Estados),
Recordando que os povos indígenas das Américas constituem um segmento
organizado, diferenciado e integrante da sua população e têm direito
a fazer parte da identidade nacional dos países, com um papel especial
no fortalecimento das instituições do Estado e na realização da
unidade nacional baseada em princípios democráticos;
Recordando também que algumas das concepções e instituições democráticas
consagradas nas Constituições dos Estados americanos têm origem em
instituições dos povos indígenas e que muitos de seus atuais sistemas
participativos de decisão e de autoridade contribuem para o aperfeiçoamento
das democracias nas Américas; e
Recordando ainda que é necessário desenvolver contextos jurídicos
nacionais para consolidar a pluriculturalidade de nossas sociedades;
2. Erradicação da pobreza e direito ao desenvolvimento
Preocupados com as frequentes privações que sofrem os indígenas
dentro e fora de suas comunidades no que diz respeito aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais e também com o fato de seus povos
e comunidades serem despojados de suas terras, territórios e recursos,
ficando assim privados de exercer, em particular, seu direito ao
desenvolvimento segundo suas próprias tradições, necessidades e
interesses;
Reconhecendo que os povos indígenas sofrem grave empobrecimento em várias
regiões do Hemisfério e que suas condições de vida chegam a ser
lamentáveis; e
Recordando que, em dezembro de 1994, na Declaração de Princípios da Cúpula
das Américas, os chefes de Estado e de Governo anunciaram que, em
consideração à Década Mundial dos Povos Indígenas, concentrariam
suas energias em melhorar o exercício dos direitos democráticos e o
acesso aos serviços sociais dos povos indígenas e de suas comunidades;
3. Cultura indígena e ecologia
Reconhecendo o respeito dedicado ao meio ambiente pelas culturas dos
povos indígenas das Américas, bem como sua especial relação com o
ambiente, com suas terras e recursos e com os territórios onde habitam;
4. Convivência, respeito e não-discriminação
Reafirmando a responsabilidade dos Estados e dos povos das Américas no
sentido de acabar com o racismo e a discriminação racial, para
estabelecer relações marcadas por harmonia e respeito entre todos os
povos;
5. O território e a sobrevivência indígena
Reconhecendo que, para muitas culturas indígenas, suas tradicionais
formas coletivas de controle e uso de terras, territórios, recursos, águas
e zonas costeiras são uma condição necessária à sua sobrevivência,
organização social, desenvolvimento e bem-estar individual e coletivo,
e que essas formas de controle e domínio são diversas e idiossincráticas
e não coincidem necessariamente com os sistemas protegidos pelas
legislações comuns dos Estados que habitam;
6. A segurança e as áreas indígenas
Reafirmando que, nas áreas indígenas, as forças armadas devem limitar
sua atividade ao desempenho de suas funções e não devem ser causa de
abusos ou violações dos direitos dos povos indígenas;
7. Instrumentos de direitos humanos e outros avanços do Direito
Internacional
Reconhecendo a proeminência e a aplicabilidade, aos Estados e povos das
Américas, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos e dos demais instrumentos
sobre direitos humanos do Direito interamericano e internacional; e
Recordando que os povos indígenas são sujeitos do Direito
Internacional e tendo presentes os progressos alcançados pelos Estados
e pelos povos indígenas, especialmente no âmbito das Nações Unidas e
da Organização Internacional do Trabalho, com os diversos instrumentos
internacionais, particularmente o Convênio N1 169 da OIT; e Afirmando o
princípio da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos e
da aplicação, a todos os indivíduos, dos direitos humanos
internacionalmente reconhecidos;
8. O gozo dos direitos coletivos
Recordando o reconhecimento internacional de direitos que somente se
podem gozar coletivamente; e
9. Progressos jurídicos nacionais
Levando em conta os avanços constitucionais, legislativos e
jurisprudenciais conseguidos nas Américas no sentido de garantir os
direitos e instituições dos povos indígenas,
DECLARAM:
PRIMEIRO CAPÍTULO. POVOS INDÍGENAS
Artigo I. Âmbito de aplicação e definições
1. Esta Declaração aplica-se aos povos indígenas, bem como àqueles
cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de
outros segmentos da comunidade nacional e cujo status jurídico é,
parcial ou totalmente, regulado por seus próprios costumes e tradições
ou por regulamentos ou leis especiais.
2. Na determinação dos grupos a que se aplicam as disposições da
presente Declaração, deverá considerar-se como critério fundamental
a autoidentificação como indígena.
3. Nesta Declaração, o uso do termo "povos" não deve ser
interpretado no sentido de ter implicação alguma para outros direitos
que se possam atribuir a figuras designadas por esse mesmo termo no
Direito Internacional.
SEGUNDO CAPÍTULO. DIREITOS HUMANOS
Artigo II. Plena vigência dos direitos humanos
1. Os povos indígenas têm direito ao pleno e efetivo gozo dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais reconhecidos na Carta da OEA, na
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos e em outros instrumentos internacionais
sobre direitos humanos; e, nesta Declaração, nada pode ser
interpretado no sentido de limitar, restringir ou negar de qualquer
forma esses direitos ou no sentido de autorizar ação alguma que não
se coadune com os princípios de Direito Internacional, inclusive o dos
direitos humanos.
2. Os povos indígenas têm os direitos coletivos indispensáveis ao
pleno gozo dos direitos humanos individuais de seus membros. Neste
sentido, os Estados reconhecem o direito dos povos indígenas, inter
alia, a sua ação coletiva, a suas próprias culturas, a professar e
praticar suas crenças espirituais e a usar seus idiomas.
3. Os Estados assegurarão a todos os povos indígenas o pleno gozo de
seus direitos e, com relação a seus procedimentos constitucionais,
adotarão as medidas legislativas e de outra natureza que forem necessárias
para efetivar os direitos reconhecidos nesta Declaração.
Artigo III. Direito de pertencer aos povos indígenas
Os indivíduos e comunidades indígenas têm o direito de pertencer aos
povos indígenas, de acordo com as respectivas tradições e costumes.
Artigo IV. Personalidade jurídica
Os povos indígenas têm direito a ter sua plena personalidade jurídica
reconhecida pelos Estados, no contexto de seus sistemas jurídicos.
Artigo V. Repúdio à assimilação
1. Os povos indígenas terão o direito de preservar, expressar e
desenvolver livremente sua personalidade cultural, em todos os seus
aspectos, livres de qualquer tentativa de assimilação.
2. Os Estados não adotarão, apoiarão ou favorecerão política alguma
de assimilação artificial ou forçada, de destruição de uma cultura
ou que implique possibilidade alguma de extermínio de um povo indígena.
Artigo VI. Garantias especiais contra a discriminação
1. Os povos indígenas têm direito a garantias especiais contra a
discriminação, que se possam requerer para o pleno gozo dos direitos
humanos reconhecidos internacional e nacionalmente, bem como às medidas
necessárias para permitir às mulheres, homens e crianças indígenas
exercerem, sem discriminação, direitos civis, políticos, econômicos,
sociais, culturais e espirituais. Os Estados reconhecem que a violência
exercida sobre as pessoas por razões de gênero ou idade impede e anula
o
exercício desses direitos.
2. Os povos indígenas têm direito a participar plenamente da definição
dessas garantias.
TERCEIRO CAPÍTULO. DESENVOLVIMENTO CULTURAL
Artigo VII. Direito à integridade cultural
1. Os povos indígenas têm direito a sua integridade cultural e a seu
patrimônio histórico e arqueológico, que são importantes tanto para
sua sobrevivência como para a identidade de seus membros.
2. Os povos indígenas têm direito à restituição de propriedades
integrantes desse patrimônio de que tenham sido despojados ou, quando
isto não for possível, a uma indenização em termos não menos favoráveis
que a praxe do Direito Internacional.
3. Os Estados reconhecem e respeitam as formas de vida dos indígenas,
seus costumes, tradições, formas de organização social, instituições,
práticas, crenças, valores, vestuário e idiomas.
Artigo VIII. Concepções lógicas e linguagem
1. Os povos indígenas têm direito a seus idiomas, filosofias e concepções
lógicas como componentes da cultura nacional e universal e como tais os
Estados deverão reconhecê-los, respeitá-los e promovê-los,
consultando os povos interessados.
2. Os Estados tomarão medidas para promover e assegurar a transmissão
de programas de rádio e televisão em idioma indígena em regiões de
alta presença indígena, bem como para apoiar a criação de emissoras
de rádio e outros meios de comunicação indígenas.
3. Os Estados adotarão medidas efetivas para que os membros dos povos
indígenas possam entender e ser entendidos em relação a normas e
procedimentos administrativos, jurídicos e políticos. Nas áreas de
predomínio lingüístico indígena, os Estados empreenderão as
atividades necessárias para estabelecer essas línguas como idiomas
oficiais e colocá-las em situação de igualdade com idiomas oficiais
não-indígenas.
4. Os povos indígenas têm direito a usar seus nomes indígenas e a tê-los
reconhecidos pelos Estados.
Artigo IX. Educação
1. Os povos indígenas terão direito a: a) definir e aplicar seus próprios
programas, instituições e instalações educacionais; b) preparar e
aplicar seus próprios planos, programas, currículos e materiais didáticos;
e c) formar, capacitar e acreditar seus professores e administradores.
Os Estados devem tomar medidas para assegurar que estes sistemas
garantam igualdade de oportunidades educacionais e docentes para a
população em geral e complementaridade em relação aos sistemas
educacionais
nacionais.
2. Quando os povos indígenas assim o desejarem, os programas
educacionais serão ministrados em línguas indígenas e incorporarão
conteúdo indígena e lhes serão proporcionados também o treinamento e
os meios necessários ao completo domínio da língua ou línguas
oficiais.
3. Os Estados garantirão a estes sistemas educacionais igualdade em
termos de qualidade, eficiência, acessibilidade e todos os outros
aspectos, em relação aos previstos para a população em geral.
4. Os Estados incluirão em seus sistemas educacionais nacionais conteúdos
que reflitam a natureza pluricultural de suas sociedades.
5. Os Estados proporcionarão a assistência, financeira e de outra
natureza, necessária à aplicação prática das disposições
constantes deste artigo.
Artigo X. Liberdade espiritual e religiosa
1. Os povos indígenas terão direito à liberdade de consciência, de
religião e de prática espiritual e de exercê-las, tanto em público
quanto no âmbito privado.
2. Os Estados tomarão as medidas necessárias para impedir tentativas
de conversão forçada de povos indígenas ou de imposição de crenças
contra sua vontade.
3. Em colaboração com os povos indígenas interessados, os Estados
deverão adotar medidas efetivas para assegurar que seus lugares
sagrados, incluídos os locais de sepultura, sejam preservados,
respeitados e protegidos. As sepulturas sagradas e relíquias de que se
tenham apossado instituições estatais deverão ser devolvidas.
4. Os Estados garantirão o respeito do conjunto da sociedade à
integridade dos símbolos, práticas, cerimônias sagradas, expressões
e protocolos espirituais indígenas.
Artigo XI. Relações e vínculos familiares
1. A família é a unidade natural básica da sociedade e deve ser
respeitada e protegida pelo Estado. Em conseqüência, o Estado
reconhecerá e respeitará as diversas formas indígenas de família,
casamento, nome de família e filiação.
2. Para pronunciar-se acerca dos melhores interesses do menor em matérias
relacionadas com a adoção de filhos de membros de povos indígenas e
em relação a matérias relativas a rompimento de vínculo e outras
circunstâncias semelhantes, os tribunais e outras instituições
pertinentes considerarão os pontos de vista desses povos, inclusive as
posições do indivíduo, da família e da comunidade.
Artigo XII. Saúde e bem-estar
1. Os povos indígenas terão direito ao reconhecimento legal e à prática
de sua medicina tradicional, tratamento, farmacologia, práticas e promoção
da saúde, inclusive da prevenção e reabilitação.
2. Os povos indígenas têm direito à proteção das plantas de uso
medicinal, dos animais e minerais essenciais à vida em seus territórios
tradicionais.
3. Os povos indígenas terão direito a usar, manter, desenvolver e
administrar seus próprios serviços de saúde, bem como de ter acesso,
sem discriminação alguma, a todas as instituições e serviços de saúde
e atendimento médico acessíveis à população em geral.
4. Os Estados proverão os meios necessários para que os povos indígenas
consigam eliminar situações de saúde reinantes em suas comunidades
que sejam deficientes em relação aos padrões aceitos para a população
em geral.
Artigo XIII. Direito à proteção ambiental
1. Os povos indígenas têm direito a um meio ambiente seguro e sadio,
condição essencial para o gozo do direito à vida e ao bem-estar
coletivo.
2. Os povos indígenas têm direito a ser informados sobre medidas que
possam afetar o meio ambiente, inclusive recebendo informações que
assegurem sua efetiva participação em ações e decisões de política
capazes de afetá-lo.
3. Os povos indígenas têm o direito de conservar, restaurar e proteger
seu meio ambiente e a capacidade de produção de suas terras, territórios
e recursos.
4. Os povos indígenas têm direito a participar plenamente da formulação,
planejamento, ordenação e execução de programas governamentais de
conservação de suas terras, territórios e recursos.
5. Os povos indígenas terão direito a assistência de seus Estados com
a finalidade de proteger o meio ambiente e poderão solicitar a assistência
de organizações internacionais.
6. Os Estados proibirão e punirão e, em conjunto com as autoridades
indígenas, impedirão a introdução, abandono ou depósito de
materiais ou resíduos radioativos, substâncias e resíduos tóxicos
que contrariem disposições legais vigentes; bem como a produção,
introdução, trânsito, posse ou uso de armas químicas biológicas ou
nucleares em áreas indígenas.
7. Quando o Estado declarar que um território indígena deve ser área
protegida, as terras e territórios estiverem sob reivindicação
potencial ou real por parte de povos indígenas e as terras forem
sujeitas a condições de reserva de vida natural, as áreas de conservação
não devem ser objeto de forma alguma de desenvolvimento de recursos
naturais sem o conhecimento fundamentado e a participação dos povos
interessados.
QUARTO CAPÍTULO. DIREITOS DE ORGANIZAÇÃO E POLÍTICOS
Artigo XIV. Direito de associação e de reunião e liberdade de expressão
e pensamento
1. Os povos indígenas têm os direitos de associação, reunião e
expressão conforme seus valores, usos, costumes, tradições
ancestrais, crenças e religiões.
2. Os povos indígenas têm direito a reunir-se e a usar seus espaços
sagrados e cerimoniais, bem como o direito de manter pleno contato e
realizar atividades comuns com seus membros que habitem o território de
Estados vizinhos.
Artigo XV. Direito de autogoverno
1. Os povos indígenas têm direito a determinar livremente seu status
político e a promover livremente seu desenvolvimento econômico,
social, espiritual e cultural e, por conseguinte, têm direito à
autonomia ou autogoverno em relação a vários assuntos, inter alia
cultura, religião, educação, informação, meios de comunicação, saúde,
habitação, emprego, bem-estar social, atividades econômicas,
administração de terras e recursos, meio ambiente e ingresso de não-membros,
bem como a determinar os recursos e
meios para financiar essas funções autônomas.
2. Os povos indígenas têm o direito de participar sem discriminação,
se assim o desejarem, de todos os níveis do processo decisório
referente a assuntos capazes de afetar seus direitos, suas vidas e seu
destino. Tal direito poderá ser exercido diretamente ou por intermédio
de representantes por eles eleitos conforme seus próprios
procedimentos. Terão igualmente o direito a manter e desenvolver suas
próprias
instituições decisórias indígenas e à igualdade de oportunidades de
acesso a todas as instituições e foros nacionais.
Artigo XVI. Direito indígena
1. O direito indígena deverá ser reconhecido como parte da ordem jurídica
e do contexto de desenvolvimento social e econômico dos Estados.
2. Os povos indígenas têm o direito de manter e fortalecer seus
sistemas jurídicos e de aplicá-los aos assuntos internos de suas
comunidades, inclusive os sistemas relacionados com assuntos como a solução
de conflitos, para prevenir o crime e manter a paz e a harmonia.
3. Na jurisdição de cada Estado, os assuntos referentes a pessoas indígenas
ou aos seus interesses serão geridos de modo a proporcionar aos indígenas
o direito de plena representação, com dignidade e igualdade perante a
lei. Isso incluirá a observância do direito e dos costumes indígenas
e, se necessário, o uso de sua língua.
Art. XVII. Incorporação nacional dos sistemas legais e de organização
indígenas
1. Os Estados promoverão a inclusão, em suas estruturas
organizacionais, de instituições e práticas tradicionais dos povos
indígenas, consultando-os e obtendo seu consentimento.
2. As instituições relevantes de cada Estado que sirvam aos povos indígenas
serão concebidas consultando os povos interessados e com sua participação,
de modo a reforçar e promover a identidade, a cultura, as tradições,
a organização e os valores desses povos.
QUINTO CAPÍTULO. DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E DE PROPRIEDADE
Artigo XVIII. Formas tradicionais de propriedade e sobrevivência
cultural. Direito a terras e territórios
1. Os povos indígenas têm direito ao reconhecimento legal das
distintas modalidades e formas de posse, domínio, uso e gozo de seus
territórios e propriedades.
2. Os povos indígenas têm direito ao reconhecimento de sua propriedade
e dos direitos de domínio sobre suas terras, territórios e recursos
que ocupem historicamente, bem como ao uso daqueles a que tenham tido
igualmente acesso para realizar suas atividades tradicionais e obter seu
sustento.
3.
i) Ressalvado o disposto em 3. ii), quando os direitos de
propriedade e uso dos povos indígenas decorrerem de
direitos preexistentes à existência dos Estados, estes
deverão reconhecer esses títulos como permanentes,
exclusivos, inalienáveis, imprescritíveis e não embargáveis.
ii) Tais títulos somente serão modificáveis de comum acordo
entre o Estado e o respectivo povo indígena, com pleno
conhecimento e entendimento por parte deste último sobre
a natureza e atributos dessa propriedade.
iii) Nenhum elemento de 3.i) deve ser interpretado no
sentido de limitar o direito dos povos indígenas a atribuir a
titularidade dentro da comunidade segundo seus costumes,
tradições, usos e práticas tradicionais, nem afetará qualquer
direito comunitário coletivo sobre os mesmos.
4. Os povos indígenas têm direito a uma estrutura legal efetiva de
proteção a seus direitos aos recursos naturais de suas terras,
inclusive no tocante à capacidade de usar, administrar e conservar tais
recursos e no que tange aos usos tradicionais de suas terras e a seus
interesses em terras e recursos, como os de subsistência.
5. Se a propriedade dos minerais ou dos recursos do subsolo pertencer ao
Estado ou se a este couberem direitos sobre recursos existentes na
superfície, o Estado estabelecerá ou manterá procedimentos para a
participação dos povos interessados em determinar se os interesses
desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de executar ou
autorizar qualquer programa de prospecção, planejamento ou exploração
dos recursos existentes em suas terras. Os povos interessados deverão
participar dos benefícios decorrentes dessas atividades e receber, por
qualquer dano que sofram em
conseqüência dessas atividades, indenização em termos não
inferiores à praxe do Direito Internacional.
6. Exceto quando necessário devido a circunstâncias excepcionais e
para atender ao interesse público, os Estados não poderão transferir
ou reassentar povos indígenas sem o seu consentimento livre, genuíno,
público e fundamentado; e, em todos os casos, somente o farão com
indenização prévia e a imediata substituição por terras adequadas
de igual ou melhor qualidade e igual status jurídico, e garantindo o
direito a retorno se deixarem de existir as causas que deram origem ao
deslocamento.
7. Os povos indígenas têm direito à restituição das terras, territórios
e recursos de que tenham sido tradicionalmente proprietários, ocupantes
ou usuários e que tenham sido confiscados, ocupados, usados ou
danificados; ou, quando a restituição não for possível, o direito a
uma compensação em termos não menos favoráveis que a praxe no
Direito Internacional.
8. Os Estados recorrerão a todas as medidas, inclusive o poder de polícia,
para prevenir, impedir e punir, conforme o caso, toda intrusão nessas
terras ou seu uso por terceiros sem direito a sua posse ou uso. Os
Estados atribuirão máxima prioridade à demarcação e reconhecimento
das propriedades e áreas de uso indígena.
Artigo XIX Direitos trabalhistas
1. Os povos indígenas têm direito ao pleno gozo dos direitos e
garantias reconhecidos na legislação trabalhista internacional ou
nacional e a medidas especiais para corrigir, reparar e prevenir a
discriminação a que tenham sido historicamente submetidos.
2. Na medida em que não estiverem eficazmente protegidos pela legislação
aplicável aos trabalhadores em geral, os Estados adotarão as medidas
especiais que se façam necessárias para:
a) proteger eficazmente trabalhadores e empregados membros das
comunidades indígenas com vistas a contratações e condições de
emprego justas e igualitárias;
b) melhorar o serviço de fiscalização do trabalho e aplicação de
normas
nas regiões, empresas ou atividades assalariadas de que participem
trabalhadores ou empregados indígenas;
c) garantir que os trabalhadores indígenas:
i) gozem de igualdade de oportunidades e de
tratamento em todas as condições de emprego,
bem como na promoção e na ascensão; e de
outras condições estipuladas no Direito
Internacional;
ii) gozem dos direitos de associação, de livre
exercício de atividades sindicais para fins lícitos e
de assinar convênios coletivos com
empregadores ou organizações de trabalhadores;
iii) não sejam submetidos a perseguição racial,
assédio sexual ou de qualquer outro tipo;
iv) não estejam sujeitos a sistemas de
contratação coercitivos, inclusive a servidão por
dívida ou qualquer outra forma de servidão,
origine-se esta na lei, nos costumes ou em um
entendimento individual ou coletivo, que
padecerão de nulidade absoluta;
v) não sejam submetidos a condições de trabalho
perigosas para a saúde ou para a segurança pessoal;
vi) recebam proteção especial quando prestarem
serviços como trabalhadores sazonais, eventuais
ou migrantes e também quando recrutados por
contratantes de mão-de-obra, de modo que
recebam os benefícios previstos na lei e na praxe
nacional, que devem ser acordes com as normas
internacionais de direitos humanos estabelecidas
para essa categoria de trabalhadores; e
vii) que seus empregadores tenham pleno
conhecimento dos direitos dos trabalhadores
indígenas segundo a legislação nacional e as
normas internacionais, bem como dos recursos
de que dispõem para proteger tais direitos.
Artigo XX. Direitos de propriedade intelectual
1. Os povos indígenas têm direito a reconhecimento e à plena
propriedade, controle e proteção de seu patrimônio cultural, artístico,
espiritual, tecnológico e científico, bem como à proteção legal de
sua propriedade intelectual em forma de patentes, marcas comerciais,
direitos autorais e outros procedimentos estabelecidos na legislação
nacional, bem como a medidas especiais que assegurem o seu status jurídico
e a capacidade institucional para desenvolver, utilizar, compartilhar,
comercializar e
legar essa herança a gerações futuras.
2. Os povos indígenas têm direito a controlar e desenvolver suas ciências
e tecnologias, inclusive os recursos humanos e genéticos em geral,
sementes, medicina, conhecimentos da fauna e da flora, desenhos e
procedimentos originais.
3. Os Estados tomarão as medidas adequadas para garantir a participação
dos povos indígenas na determinação das condições para o uso público
e privado dos direitos enumerados nos parágrafos 1 e 2.
Artigo XXI. Direito ao desenvolvimento
1. Os Estados reconhecem o direito dos povos indígenas a decidir
democraticamente a respeito dos valores, objetivos, prioridades e estratégias
que presidirão e orientarão seu desenvolvimento, ainda que os mesmos
sejam distintos dos adotados pelo Estado nacional ou por outros
segmentos da sociedade. Os povos indígenas terão direito a obter, sem
discriminação alguma, os meios adequados para o seu próprio
desenvolvimento, de acordo com suas preferências e valores, e de
contribuir, por meio das formas que lhes são próprias e como
sociedades distintas, para o desenvolvimento nacional e para a cooperação
internacional.
2. Exceto em circunstâncias excepcionais que o justifiquem com base no
interesse público, os Estados adotarão as medidas necessárias para
impedir que as decisões referentes a todo plano, programa ou projeto
que afete direitos ou condições de vida de povos indígenas sejam
tomadas sem o consentimento e a participação livre e fundamentada
desses povos, para que se reconheçam suas preferências a respeito e
que não se inclua disposição alguma capaz de resultar em efeitos
negativos para esses
povos.
3. Os povos indígenas têm direito a restituição e indenização, em
termos não menos favoráveis que a praxe do Direito Internacional, por
qualquer prejuízo que, não obstante as citadas garantias, lhes possa
ter sido causado pela execução desses planos ou propostas, e à adoção
de medidas para mitigar impactos ecológicos, econômicos, sociais,
culturais ou espirituais adversos.
SEXTO CAPÍTULO. DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo XXII. Tratados, acordos e entendimentos implícitos
Os povos indígenas têm direito ao reconhecimento, observância e
aplicação dos tratados, convênios ou outros acordos eventualmente
concluídos com os Estados ou seus sucessores e dos atos históricos, em
consonância com seu espírito e intenção; e a ter honrados e
respeitados, por parte dos Estados, esses tratados, atos, convênios e
acordos, bem como os direitos históricos deles emanados. Os conflitos e
disputas que não se possam resolver de outra maneira serão submetidos
a órgãos competentes.
Artigo XXIII
Este instrumento nada contém que possa ser considerado como exclusão
ou limitação de direitos presentes ou futuros de que os povos indígenas
sejam titulares ou que venham a adquirir.
Artigo XXIV
Os direitos reconhecidos nesta Declaração constituem o padrão mínimo
para a sobrevivência, dignidade e bem-estar dos povos indígenas das Américas.
Artigo XXV
Esta Declaração nada contém que implique a concessão de direito
algum a desconsiderar fronteiras entre Estados.
Artigo XXVI
Esta Declaração nada contém que implique uma permissão para o exercício
de qualquer atividade contrária aos propósitos e princípios da
Organização dos Estados Americanos, inclusive a igualdade soberana, a
integridade territorial e a independência política dos Estados, ou que
possa ser interpretado como tal.
Artigo XXVII. Implementação
A Organização dos Estados Americanos e seus órgãos, organismos e
entidades, em particular o Instituto Indigenista Interamericano e a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, deverão promover o
respeito e aplicação plena das disposições desta Declaração.
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