
A vez de
Milosevic
Começa em Haia o julgamento
dos crimes
do “carniceiro de Belgrado”
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Kátia Mello e Cláudio Camargo
Reuters
O ex-líder sérvio se recusou a
reconhecer a autoridade do Tribunal de Haia
O indiciamento é falso. E é ilegal, pois o tribunal não foi
criado pela Assembléia Geral da ONU. Assim, não tenho que
apontar um advogado de defesa para um órgão ilegal.” A
arrogante declaração foi dada pelo ex-presidente da Sérvia,
Slobodan Milosevic, ao juiz britânico Richard May, que presidiu
na terça-feira 3, em Haia (Holanda), a sessão de abertura do
Tribunal Penal Internacional (TPI) para crimes na ex-Iugoslávia,
que julgará o ex-ditador sérvio. O descaso em relação ao
tribunal, criado em 1993 pelo Conselho de Segurança da ONU para
investigar e julgar os crimes ocorridos durante a guerra da
Bósnia (1992-95) e do Kosovo (1999), não parou por aí. O juiz
May perguntou se Milosevic gostaria que fosse lido o indiciamento,
em que ele é ac??usado de “crimes contra a humanidade” no
Kosovo, província sérvia com 90% de albaneses. Os delitos
incluem assassinatos, “limpeza étnica” de albaneses,
massacres e estupros. E novamente veio chumbo grosso em direção
ao juiz: “Problema seu”, respondeu o insolente Milosevic.
É a primeira vez, desde o Tribunal
de Nuremberg (que julgou os crimes de guerra dos líderes
nazistas), que um governante europeu senta no banco dos réus com
acusações de crimes contra a humanidade. Este conceito
jurídico, criado por Nuremberg, prevê que crimes como tortura e
genocídio são imprescritíveis e dirigentes responsáveis por
esses delitos devem ser julgados por leis e tribunais
internacionais.
Hábil manipulador de imagens,
Milosevic vestia um terno cinza-escuro e a mesma gravata usada em
abril de 1999 quando, como presidente da Iugoslávia, proclamou,
perante uma multidão, a vitória sobre a Organização do Tratado
do Atlântico Norte (Otan). A aliança militar ocidental havia
bombardeado a Iugoslávia durante 78 dias, obrigando os sérvios a
saír do Kosovo.
Homem forte da Iugoslávia durante
13 anos (1987-2000), Milosevic sobreviveu à guerra da Bósnia e
aos ataques da Otan, mas, em outubro passado, tentou fraudar as
eleições presidenciais e acabou derrubado por um levante
popular. Ainda assim, manteve o controle do maior partido do
país, o Partido Socialista (ex-comunista). Ele foi preso em abril
em Belgrado e extraditado na sexta-feira 29 para a prisão de
Scheveningen, na Holanda. Sua deportação ocorreu graças à
?? pressão internacional e, mais exatamente, dos EUA, que colocaram
a extradição como condição sine qua non para a liberação de
empréstimos financeiros à Iugoslávia, à espera de ajuda do
Banco Mundial e do FMI. Para ter direito a US$ 1,3 bilhão, o
premiê da Sérvia, Zoran Djindjic, ignorou decisão da Corte
Constitucional que suspendia um decreto de extradição de
Milosevic para que este fosse analisado à luz da Constituição e
entregou o ex-dirigente à Corte de Haia.
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