
A
Comissão Europeia dos Direitos do Homem :
organização, processo e actividades
Nota de informação do
Secretário da Comissão Europeia dos Direitos do Homem
Janeiro de 1996
A convenção e os seus órgãos
1. A Convenção para a protecção dos
Direitos do Homem e das Liberdades fundamentais define na sua primeira
parte os direitos e liberdades que ela garante.
2. Foi através da Convenção que foram
instituídos os órgãos destinados a assegurar o respeito pelas Partes
Contratantes das obrigações que dela resultam: a Comissão Europeia
dos Direitos do Homem e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Além
disso, a Convenção atribui ao Comité de Ministros do Conselho da
Europa um poder autónomo de decisão nos casos que não são
transmitidos ao Tribunal e a competência em matéria de execução das
sentenças do Tribunal, nos casos que foram transmitidos a este último.
3. A Convenção entrou em vigor a 3 de
Setembro de 1953 e foi desde então ratificada por 31 Estados membros do
Conselho da Europa (l) e assinada por sete Estados membros (Albânia,
Andorra, Estónia, Letónia, Moldova, Ex-República Jugoslava da Macedónia
e Ucrânia).
4. Nove protocolos à Convenção
entraram em vigor, dos quais quatro (n° 1, 4, 6 e 7?`) acrescentam novos
direitos e liberdades aos garantidos pela Convenção. O Protocolo n° 8
autoriza a Comissão a reunir-se em Câmaras e comités contando pelo
menos três membros, estes últimos tendo apenas o poder de rejeitar por
unanimidade queixas manifestamente inadmissíveis. O Protocolo n° 9,
que entrou em vigor em 1 de Outubro de 1994 para os Estados que o
ratificaram, é relativo ao acesso dos queixosos ao Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem. O Protocolo n° 10, que não entrou ainda em vigor,
prevê que as decisões do Comité de Ministros sejam tomadas por
maioria simples, contrariamente à regra da maioria de dois terços
actualmente exigida (ver infra parágrafo 20). O Protocolo n° 11, que
prevê uma reforma global do sistema da Convenção através da criação
de um Tribunal único dos Direitos do Homem, foi aberto à assinatura em
11 de Maio de 1994. Dezassete Estados já o ratificaram.
5. Desde a entrada em vigor da Convenção
que a Comissão pode examinar queixas estaduais, através das
quais qualquer Estado que seja parte à Convenção pode denunciar à
Comissão uma violação da Convenção que ele creia poder imputar a
outro Estado contratante. Os Estados participam assim na manutenção do
que se vem chamando a ordem pública europeia.
6. A Comissão é igualmente competente
para examinar queixas individuais, que lhe sejam dirigidas por
qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de
particulares, que se considere vítima de uma violação da Convenção
por uma das Partes contratantes. Todas as Partes contratantes fizeram
uma declaração facultativa reconhecendo a competência da Comissão
para examinar tais queixas individuais.
?` Organização da Comissão
7. A Comissão é composta por um número
de membros igual ao número de Estados contratantes, não podendo contar
mais que um nacional do mesmo Estado.
Os membros da Comissão são eleitos por
seis anos pelo Comité de Ministros, de entre uma lista de nomes
preparada pelo Bureau da Assembleia Parlamentar, sob proposta de cada
grupo de representantes das Altas Partes Contratantes nesta Assembleia.
Os membros da Comissão participam nesta
a título individual; eles não são considerados como representantes de
um Estado e a sua independência é total. As remunerações pagas aos
membros são suportadas pelo orçamento do Conselho da Europa.
8. Todo o trabalho da Comissão se
efectua a porta fechada e os processos são confidenciais.
A Comissão, que estabelece o seu próprio
Regulamento interno, elege o seu Presidente todos os três anos. Cada Câmara
elege um Presidente e um Vice-Presidente tendo um mandato de dezoito
meses.
A Comissão não é um órgão
permanente. Actualmente, ela tem 16 semanas de sessão por ano.
9. A Comissão é assistida nas funções
que lhe competem por um Secretariado permanente onde trabalham mais de
100 pessoas, entre as quais cerca de 50 juristas de diferentes
nacionalidades.
Processo relativo a queixas individuais
10. A descrição do procedimento que
segue aplica-se às queixas individuais apresentadas nos termos do
artigo 25° da Convenção.
?` Na prática, qualquer queixa é dirigida
ao Secretário da Comissão. Ela não implica qualquer despesa, uma vez
que não existem custas de processo, e não é necessária a intervenção
de um advogado (ainda que tal intervenção seja aconselhada).
11. Graças aos fundos postos à sua
disposição pelo Conselho da Europa, a Comissão pode, sob certas condições,
conceder a assistência judiciária gratuita aos queixosos com recursos
modestos. Assim será, por exemplo, quando o caso exija uma troca de
argumentos entre o Estado em causa e o queixoso. Em tal caso, o queixoso
deverá provar através de documento oficial não possuir os meios
necessários. Desde 1964, a assistência judiciária foi já concedida a
mais de 900 queixosos.
12. Após um exame preliminar por um
membro actuando como relator, qualquer queixa registada é submetida a
uma Câmara da Comissão, à Comissão plenária ou a um Comité de três
membros para um exame da sua admissibilidade. O Relator ou a
Comissão podem pedir tanto ao Governo em causa como ao queixoso informações
factuais sobre as circunstancias do caso.
13. A Comissão plenária, a Câmara ou o
Comité de três membros podem rejeitar uma queixa sem mesmo dar
conhecimento dela ao Governo em causa, nos casos em que a sua
inadmissibilidade resulta claramente das indicações fornecidas pelo
queixoso.
Nos outros casos, o Governo é convidado
pela Comissão plenária ou pela Câmara a apresentar por escrito observações,
às quais o queixoso pode responder. As queixas que podem ser analisadas
com base numa jurisprudência bem estabelecida ou que não levantem
questões graves relativas à ?`interpretação ou aplicação da Convenção,
podem ser examinadas por uma Câmara As Câmaras exercem todas as competências
confiadas à Comissão, salvo aquelas que estejam exclusivamente
reservadas à Comissão plenária. Quando a questão de saber se uma
queixa é ou não admissível levanta problemas jurídicos
particularmente delicados, a Comissão organiza uma audiência, durante
a qual os representantes das partes expõem oralmente os seus
argumentos.
14. A Comissão ou a Câmara decidem em
seguida sobre a admissibilidade da queixa, após terem verificado se as
condições para tal se encontram preenchidas, nomeadamente se o objecto
da queixa diz respeito a um dos direitos garantidos e se o queixoso
cumpriu a obrigação de esgotar os recursos internos. Com efeito, antes
de demandar a Comissão, o queixoso deverá ter-se dirigido, nas formas
prescritas, a todas as autoridades (judiciais ou administrativas) do país
interessado, competentes para obstar à violação alegada.
Quando o queixoso declara desejar retirar
a sua queixa, ou não participa no processo, esta pode ser arquivada,
sem haver decisão sobre a sua admissibilidade.
A Comissão examina em sessão plenária
as queixas que lhe são submetidas na presença, pelo menos, da maioria
dos seus membros. Em certos casos, este quorum mínimo pode ser reduzido
a sete membros. Ela pode igualmente confiar tarefas particulares a um ou
vários dos seus membros. As Câmaras da Comissão são compostas pelo
menos por sete membros.
15. Na fase da admissibilidade, as decisões
da Comissão, incluindo as dos Comités e das Câmaras, são
definitivas. Não é possível recorrer de uma decisão declarando uma
?` queixa inadmissível, mas o interessado poderá em qualquer caso
apresentar uma nova queixa se puder alegar novos factos.
16. Se a queixa for declarada admissível,
a Comissão ou a Câmara procedem a um seu exame aprofundado. Elas
estabelecem os factos da causa com a colaboração das partes e, se for
caso disso, procedem a um inquérito para cuja realização o Governo em
causa deverá dar as facilidades necessárias.
17. A Convenção confia à Comissão uma
missão de conciliação, que consiste em se colocar à disposição das
partes tendo em vista chegar a uma solução amigável do litígio que
se inspire no respeito dos direitos do homem tal como eles são
reconhecidos pela Convenção.
Os termos da conciliação são descritos
num relatório sumário, que é publicado.
18. Caso a conciliação não seja possível,
a Comissão ou a Câmara elaboram um relatório (artigo 31°), do
qual consta:
- |
o estabelecimento
dos factos que deram origem ao litígio, tal como eles foram
fixados pela Comissão, se necessário através de um inquérito
(audição de testemunhas, exame de documentos, visita ao local,
etc.), no qual os representantes das partes terão podido
participar, |
- |
um parecer jurídico
s?`obre a questão de saber se tais factos revelam uma violação da
Convenção pelas autoridades do Estado em causa. Se a Comissão não
for unânime, o ou os membros que ficaram em minoria podem
acrescentar ao relatório a sua opinião individual. |
19. Este relatório é enviado ao Comité
de Ministros, bem como ao Governo em causa, e se o Protocolo nº 9 for
aplicável, também ao requerente. Ele será confidencial - a menos que
o caso seja transmitido ao Tribunal - até à decisão do Comité de
Ministros.
Quando transmite o seu relatório, a
Comissão pode formular as propostas que julgue apropriadas.
20. O caso pode, no prazo de três meses,
ser transmitido ao Tribunal pela Comissão e/ou pelo Governo em causa,
para que aquele se pronuncie sobre a violação. O particular pode
igualmente transmitir o caso ao Tribunal nos termos do Protocolo n° 9
(ver supra parágrafo 4).
Com efeito, o Protocolo n° 9, que entrou
em vigor em 1 de Outubro de 1994, permete às pessoas que introduzirem
uma queixa na Comissão pedir a intervenção do Tribunal,
independentemente do facto de a Comissão ou o Estado interessado ter ou
não pedido essa intervenção. Todavia, um "sistema de
filtragem" foi previsto: se bem que o particular tenha o pleno
direito de pedir a intervenção do Tribunal, um Comité composto por três
juízes pode no entanto decidir que o caso em questão não deve ser
examinado pelo Tribunal. Tal Comité só pode tomar esta decisão se
considerar por unanimidade que o caso não levanta questões graves
relativas à interpretação ou aplicação da Convenção e não revela
nenhum outro elemento po?`dendo justificar o seu exame pelo Tribunal.
Este Protocolo entrou em vigor
relativamente aos Estados que já o ratificaram: em 31 de Dezembro de
1995, esses Estados eram Áustria, Bélgica, Chipre, República Checa,
Finlândia, Alemanha, Hungria, Irlanda, Itália, Liechtenstein (com
efeitos a 1 de Março de 1996), Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Polónia,
Portugal (com efeitos a 1 de Fevereiro de 1996), Roménia, San Marino,
Eslováquia, Eslovénia, Suécia e Suiça.
No Tribunal, a Comissão desempenha as
funções de advogado geral. Ela não se oporá enquanto parte nem ao
Governo em causa nem ao queixoso, antes apresentará o seu parecer, que
pode aliás ir no sentido da inexistência de violação da Convenção.
O ou os delegados da Comissão apresentam o parecer que fez vencimento,
mas podem igualmente apresentar a opinião dos que votaram vencidos.
Se o caso não for transmitido ao
Tribunal, o Comité de Ministros decide por maioria de dois terços se
houve ou não violação da Convenção. O Protocolo n° 10, que não
entrou ainda em vigor, substitui a regra da maioria de dois terços pela
da maioria simples.
Processo relativo a queixas estaduais
21. As queixas estaduais, apresentadas
nos termos do artigo 24° da Convenção, são examinadas segundo um
processo semelhante ao que acaba de ser descrito.
Actividades da Comissão
22. Desde a entrada em vigor da Convenção,
dezanove queixas foram submetidas à Comissão por Estados:
1956: |
Duas queixas pelas
quais o Governo grego punha em causa o Governo do Reino Unido
devido à aplicação de certas medidas à população da ilha de
Chipre, ao tempo sob administração britânica. |
1960: |
Uma queixa apresentada
pela Áustria contra a Itália, relativa à maneira como se
desenrolou o processo de um grupo de jovens do sul do Tirol,
acusados de homicídio, no tribunal de Bolzano e no tribunal de
apelação de Trente. |
1967:
1970 |
Cinco queixas
apresentadas contra a Grécia, nas quais os Goivemos da Dinamarca,
Suécia e Países Baixos denunciavam uma série de violações da
Convenção pelo regime ditatorial grego chamado "dos coronéis". |
1971: |
Duas queixas
apresentadas pela República da Irlanda contra o Reino Unido,
relativas a diversas medidas aplicadas na Irlanda do Norte. |
1974:
1977 |
Três queixas
introduzidas por Chipre contra a Turquia, relativas a
acontecimentos passados desde 1974 na ilha de Chipre. |
?`
1982: |
Cinco queixas
apresentadas pelos Governos da Dinamarca, França, Países Baixos,
Noruega e Suécia contra a Turquia. devido à situação existente
neste país entre 12 de Setembro de 1980 e 1 de Julho de 1982. |
1994: |
Uma queixa foi
introduzida por Chipre contra a Turquia, tendo por objecto a situação
em Chipre, que alega a violação continuada de certas disposições
da Convenção, tendo em conta a queixa apresentada em 1974. |
De todos estes casos, só o da Irlanda do
Norte foi submetido ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A queixa
apresentada contra a Turquia por três países escandinavos, França e
Países Baixos foi resolvida amigavelmente. As outras queixas foram
decididas pelo Comité de Ministros, excepto duas que foram arquivadas
(segunda queixa relativa ao caso grego e segunda queixa relativa à
situação na Irlanda do Norte).
23. Desde a sua criação, em Julho de
1954, e até 31 de Dezembro de 1995, 29.539 queixas individuais
foram apresentadas na Comissão. Em 1995, cerca de 10.200 comunicações
individuais deram entrada na Comissão, que registou 3.481 queixas
durante esse mesmo ano.
No período que vai de Julho de 1954 até
ao fim de Dezembro de 1995, 2.835 queixas individuais foram declaradas
admissíveis pela Comissão.
278 soluções am?`igáveis puderam ser
encontradas Estas soluções amigáveis cobrem um leque de situações
bem representativas da diversidade das queixas apresentadas na Comissão.
Algumas delas consistiram em modificações legislativas ou
regulamentares, ou no pagamento de uma quantia em dinheiro, por vezes
ambas as coisas. Além disso, várias queixas foram retiradas em consequência
de uma conciliação entre as partes fora do quadro do processo na
Comissão.
Enfim, ao 31 de Dezembro de 1995, 619
casos foram transmitidos ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
* * *
No Conselho da Europa, três Direcções
distintas - mas chamadas a colaborar entre elas - trabalham no domínio
dos direitos humanos: o Secretariado da Comissão Europeia dos Direitos
do Homem, que assiste a Comissão; o Secretariado do Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem, que assiste o Tribunal, e a Direcção dos
Direitos do Homem, que trabalha sobretudo no campo da cooperação
intergovernamental e assiste o Comité de Ministros no exercício das
competências que lhe são atribuídas pela Convenção. O Centro de
Informação do Conselho da Europa em matéria de Direitos do Homem dá
informações sobre a aplicação da Convenção. O Secretariado da
Comissão pode igualmente fornecer informações sobre questões jurídicas
especificas relativas à Convenção a qualquer pessoa que deseje
introduzir ou tenha introduzido uma queixa.
Uma selecção de decisões da Comissão
sobre a admissibilidade das queixas, soluções amigáveis e relatórios
sobre casos que não tenham sido transmitidos ao Tribunal (na medida em
que tenham sido tornados públicos) figuram nos vo?`lumes da série
bilingue Inglês/Francês "Décisions & Rapports" (82
volumes publicados), que podem ser encomendados junto da Unidade de Edições
do Conselho da Europa, F 67075 STRASBOURG CEDEX.
O texto integral dos relatórios
adoptados pela Comissão nos casos que foram transmitidos ao Tribunal
figura nos volumes da Série B das Publicações do Tribunal, editadas
por Carl Heymanns Verlag K.G., Luxemburger Strasse 449, D 5000 Koln 1
(Alemanha); o parecer da Comissão incluído nesses relatórios figura
igualmente nos volumes da Série A das mesmas Publicações.
______________________
(1) Áustria, Bélgica, Bulgária,
Chipre, República Checa, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia,
Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Liechtenstein, Lituânia,
Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia,
San Marino, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia
e Reino Unido. |