Painel
II – A incorporação ao Direito interno de instrumentos
jurídicos de Direito Internacional Humanitário e
Direito Internacional dos Direitos Humanos
Eugênio
José Guilherme de Aragão*
Texto
baseado nas notas taquigráficas de conferência proferida
no Seminário Internacional “O Tribunal Penal Internacional
e a Constituição Brasileira”, promovido pelo Centro
de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal,
em 30 de setembro de 1999, no auditório doSuperior Tribunal
de Justiça, em Brasília-DF.
Não
era comum entre nós, até pouco tempo, nossa política
externa ser articulada com a sociedade civil.
Diferentemente de outros países, como, por exemplo, os
Estados Unidos, que já há muito tempo se articulam na
sua política externa, na sua diplomacia com organizações
não-governamentais.
Basta
lembrar que na Conferência de São Francisco, em 1945, a
delegação americana esteve acompanhada e fortemente
assessorada por algumas organizações não-governamentais
importantes, que foram responsáveis, na redação da
Carta das Nações Unidas, pela inclusão de referências
mais explícitas sobre a proteção dos direitos humanos.
Provavelmente, se os Estados tivessem se reunido sem a
presença da sociedade civil em 1945, essa referência não
seria tão clara na Carta das Nações Unidas.
Portanto,
a presença da sociedade civil, no traçar da política
externa, é algo extremamente importante para a democratização
das relações internacionais. E, no Brasil, isso tem
algo de novo, porque também entre nós, por vários motivos,
talvez históricos, sociais e políticos, as relações
internacionais não correspondiam, até pouco tempo, ao
interesse da maioria da população. Note-se que são os
principais periódicos, aqueles dedicados à classe média,
que trazem notícias mais abrangentes sobre política
internacional. Os diários e os jornais destinados às
pessoas de menos cultura normalmente não trazem sequer
uma linha.
Isso
tem algumas razões de ser. Pode-se apontar para o nosso
gigantismo territorial que faz com que as pessoas no
seu dia-a-dia não freqüentem pautas internacionais.
Os estrangeiros que chegam aqui são rapidamente assimilados,
e os fatos que trazem de outras terras não vêm abalar
fortemente o interesse das pessoas aqui no Brasil. O
responsável também por esse descaso pretérito da sociedade
civil com as relações internacionais está também no
fato de o Brasil ter tido, desde a sua independência,
uma forte inclinação para a sua preferência atlântica
na política externa, o que se traduz muito em certa
alienação em relação a povos latino-americanos e mesmo
africanos. Essa vocação atlântica da política externa
brasileira fez com que o nosso exterior ficasse longe
demais, na Europa, e para maioria das pessoas aqui no
Brasil isso dissesse pouco a respeito no seu dia-a-dia.
Mas
houve algumas mudanças mais recentes que fazem com que a
diplomacia venha buscar o auditório da sociedade civil.
Em
primeiro lugar, pode-se logo apontar a globalização.
Hoje em dia os fatos que ocorrem em outros cantos do globo
se traduzem rapidamente em reações no mercado financeiro
e muitas vezes nas próprias posições estratégicas dos
países no cenário internacional. Países que se abstêm
na discussão multilateral dos problemas internacionais não
têm a mesma voz que outros que participam mais ativamente
desse debate. No caso do Brasil, especificamente, se em
uma reforma do Sistema das Nações Unidas almeja um
assento permanente no Conselho de Segurança, sem dúvida
nenhuma deverá aumentar a sua participação no diálogo
multilateral em todos os setores, e isso fatalmente
envolve também o interesse da sociedade civil, na medida
em que esse diálogo multilateral deve-se traduzir em
medidas concretas do Estado brasileiro também dentro da
sua política interna.
Desde
1985, com o fim do Regime Militar, temos assistido, no
Brasil, a um fortalecimento da sociedade civil, que se
traduz na sua participação mais intensa no processo
legislativo. Os grupos de pressão se fazem ver, com muito
mais freqüência, no Congresso Nacional e nas suas comissões;
alguns se ordenam em organizações não-governamentais e
outros, de forma mais isolada, nas diversas corporações
do Estado.
Esse
é um fator novo dentro da política externa. À medida
que o Brasil adota alguns princípios internacionais que
implicam modificações legislativas no plano interno,
grupos que naturalmente freqüentam os corredores do
Congresso Nacional terão também a intenção de
participar desde a origem, ou seja, desde o momento da
negociação estratégica dos diplomas internacionais.
Isso
significa uma mudança de paradigma em nossa política
externa e no modo de se fazer diplomacia no Brasil.
Paralelamente
não se pode dizer se é causa ou efeito -,
nota-se também uma proliferação, desde a década de 80,
dos cursos de Relações Internacionais, ou seja, a pesquisa
acadêmica independente da inserção do Brasil no cenário
internacional. Esse fato pode ser estimulante para a
participação da sociedade civil, mas também pode ser
uma conseqüência para que a sociedade civil se interesse
e tenha de necessariamente criar os seus quadros independentes
para participar da política externa.
Neste
momento, há a discussão sobre um diploma que, se
aprovado pelo Congresso Nacional, vai gerar uma série de
modificações profundas na filosofia da nossa percepção
penal, e isso se traduz na necessidade de se ouvir a
sociedade civil.
Precisamente,
vamos abordar a incorporação do Estatuto de Roma e,
de uma forma mais genérica, o Direito Internacional
Humanitário. Por que a sociedade civil participa desse
debate? O Estatuto de Roma traz algumas idéias bastante
novas se formos cotejar esses conceitos ali expressos
com a nossa prática e o nosso pensamento penal dos últimos
anos. Existe uma diferença muito grande, hoje, no discurso
doméstico penal e no discurso internacional penal. Às
vezes, isso se traduz em algo que para o Direito Penal
interno seria incompatível, e que, para o Direito Penal
internacional, emergiria como natural e evidente.
Por
exemplo, falou-se a respeito da retroatividade de normas
penais. Para o penalista, no âmbito doméstico, soa como
uma heresia e, no entanto, parece-me que no Direito Penal
internacional isso soa como uma necessidade.
A
sociedade civil fica de alguma forma dividida ou pelo
menos padece de alguns problemas de identificação teórica
desses pontos. Com efeito, verificamos a luta de organizações
não-governamentais, principalmente daquelas que lidam com
abusos em delegacia de polícia, com defesa de
testemunhas, citando genericamente algumas organizações
como Anistia Internacional, America's
Watch e Human
Rights Watch. Todas elas, quando discutem a questão
penal no âmbito interno, tendem para um garantismo penal.
Significa: menos Direito Penal e mais garantias do Estado
para que o devido processo legal se desenrole da forma
mais neutra possível, sem que se traduza em
ressentimentos ou exageros típicos de um pensamento ou de
uma atitude de vítima. O Direito Penal interno se
caracteriza por ser um Direito Penal da expropriação do
conflito. Busca-se, por meio da percepção penal,
neutralizar a vítima. Significa: compreendendo que a vítima
é muitas vezes tão violenta quanto aquele que a atingiu
nos seus direitos fundamentais, é importante tirá-la do
cenário para que esse conflito não seja retroalimentado.
Por
isso o Estado intervém, por meio do Ministério Público,
para retirar a vítima do cenário. A vítima, no Direito
Penal interno, tem um papel necessariamente secundário e
não principal, ainda que algum papel ela deverá ter na
percepção penal. Sem dúvida nenhuma, ela aparece como
testemunha. Outras vezes, ela pode até subsidiariamente
agir como autora da ação penal, mas com muita desconfiança
por parte do Estado, e cercada de garantias.
O
Ministério Público pode retomar imediatamente a ação
penal se verificar que ela está desvirtuando seus
objetivos. Em momento algum, atribui-se à vítima o
direito à pertinência do objeto da ação; o direito de
punir. A vítima não tem esse direito. O Direito Penal ou
a persecução penal é distinto de linchamento.
De
acordo com alguns autores mais recentes, há uma compreensão
clara de que o Direito Penal deve ser mínimo no sentido
de que deve realizar o objetivo preventivo na forma mais
específica e, com isso, portanto, traduzir uma segurança
mínima das relações jurídicas -
isso no plano doméstico. Por esse prisma, costuma-se
rechaçar a idéia de um Direito Penal simbólico.Trata-se
de um Direito Penal que, desvirtuando seus verdadeiros
objetivos preventivos ou repressivos, na verdade,
presta-se a fazer discurso, no sentido de o Estado dar uma
desculpa para a sociedade: já que as políticas públicas
não dão certo, pelo menos tenho a norma penal...
Isso
acontece muito no Direito Penal ambiental, quando se lança
mão de normas penais para fazer política pública. É
extremamente deletério para o próprio sistema penal e
muitas vezes para a própria proteção ambiental, porque,
à medida que o Estado se contenta em reprimir penalmente,
provavelmente deixa as políticas públicas para um
segundo plano. É o cenário no Direito interno.
E,
no Direito Internacional, como fica a situação? Parece
que o Direito Penal simbólico é a essência do Direito
Penal internacional e tem suas razões de ser
funcionalmente. Com efeito, quando se fala, no Direito
Internacional, em punir criminosos por crimes de agressão
ou mesmo crimes contra a humanidade, há uma nítida
necessidade de a comunidade internacional traçar
diretrizes do que é bom, do que é certo e do que é
errado. De alguma forma, esse discurso tem de ficar para a
história. Não é possível que um Estado que aniquile
uma minoria, um grupo nacional, seja tratado com a mesma
indiferença histórica que um Estado que cuida muito bem
de suas políticas públicas.
A
comunidade internacional, à medida que procura direcionar
a história, precisa sinalizar claramente o que são
condutas certas e condutas erradas. Há uma necessidade
inerente a esse discurso da política internacional, e
esse discurso permeia todos os setores do Direito
Internacional. É um Direito que tem uma base
profundamente moralista, com uma origem histórica de vocação
jusnaturalista, e isso, quando traduzido para o Direito
Penal, traz alguns problemas.
É
interessante se verificar que essas mesmas organizações
não- governamentais, que adotam o discurso garantista
penal na ordem interna, quando vão para os foros
internacionais, parecem vibrar com outras coisas, buscando
mais “o gosto do sangue”. Essas mesmas organizações
começam a falar no fim da impunidade. A palavra
“impunidade” enche a boca daqueles que discutem nos
foros internacionais. E, quando se fala em impunidade
internamente, isso parece muito conservador, soa law
and order (lei e ordem), tendência mais conservadora
do Direito Penal. No plano internacional, isso soa
moderno, adequado.
E
há alguns fatos muito curiosos. Se formos tentar aplicar
algumas considerações da filosofia penal no plano
internacional, ficaremos perplexos com algumas contradições.
Por exemplo: o caso de Milosevic, que foi indiciado pela
Corte da Iugoslávia. Do ponto de vista da Ciência Penal
doméstica, por que Milosevic teria de ser punido
penalmente? Digamos que ele tenha promovido realmente políticas
agressivas, facilitando a vida de agressores sérvios
responsáveis por crimes contra a humanidade na Bósnia-Herzegóvina
e, mais recentemente, no Kosovo. Mas Milosevic é um Chefe
de Estado extremamente socializado. Não se pode falar, em
relação a ele, que a pena se destinaria a uma
ressocialização. Afinal, ele é um Chefe de Estado. Alguém
vai discutir que ele é um homem perfeitamente de boa
sociedade, que se relaciona com o que há de mais
importante e mais prestigiado na Iugoslávia? Portanto, a
ressocialização está fora. Do ponto de vista da prevenção
específica, se Milosevic for apeado do poder, ele não
vai delinqüir de novo, não tem chances, as condições
históricas simplesmente não lhe serão dadas; ele
provavelmente será um simpático velhinho cuidando de
seus netinhos. Do ponto de vista de prevenção geral,
alguns juristas têm muito medo de falar, porque isso
parece utilitariação do autor do crime. Na verdade,
?????t???u??¹ transforma-se o autor do crime em um bode expiatório.
Poderá ser dito: se alguém praticar um crime aqui, será
tratado igual a esse outro.
Prevenção
geral é algo que, às vezes, para o Direito Penal moderno
soa como coisa de inquisição. Mas a maioria dos
penalistas admite que a prevenção geral ainda tem o seu
lugar. Portanto, acenar com o Direito Penal como uma forma
de dizer: olha o bicho-papão; não faça um crime, porque
quem o pratica vai para a cadeia. A prevenção geral é
extremamente discutível: prender Milosevic traria algum
benefício? Pode-se dizer que, na medida em que haja um
Tribunal Internacional permanente que acene sempre com a
sanção penal para algum Chefe de Estado que saia do
caminho, parece claro que as pessoas pensarão duas vezes
em cometer alguns exageros como agressões e tratamento não-humanitário.
Mas é muito improvável que um candidato a ditador da América
Central, por exemplo, resolva deixar de dar um golpe de
Estado porque pensa que Milosevic foi indiciado. Está
muito longe. As condições históricas são outras; é um
outro contexto. Provavelmente, não haverá esse tipo de
raciocínio.
Portanto,
nesse aspecto, a punição parece não cumprir uma função
tradicional do Direito Penal. Há, portanto, esse embate
curioso entre os dois sistemas: o Direito Penal interno e
o Direito Penal internacional. É bobagem então aderir ao
Tribunal Penal Internacional? A resposta é negativa.
A
comunidade internacional tem responsabilidades históricas
de conduzir a Comunidade das Nações a um futuro melhor
para os nossos filhos, para os nossos netos, que signifique
um mundo sem violência. Acenar a um Tribunal Penal Internacional
não significa necessariamente um objetivo de prevenir
especificamente; não significa um objetivo de ressocializar,
mas sim de se ter um discurso histórico. É um Direito
Penal simbólico, porque o ideal seria que não houvesse
guerra. O ideal seria simplesmente que o Direito Internacional
fosse tão bem organizado que evitasse qualquer tipo
de conflito que saísse das mesas de negociação. Mas
não chegamos a esse ponto até hoje. A guerra continua
sendo um recurso, ainda que ilegal do ponto de vista
da Carta das Nações Unidas, art. 2º, IV, mas sob os
mais variados motivos justificados na base da autodefesa
ou coisas do gênero (art. 51 da Carta das Nações Unidas).
Portanto,
ainda existem guerras, e para a comunidade internacional
ter uma resposta para aqueles que não cumprem com as
obrigações da Carta das Nações Unidas, a criação do
Tribunal é um progresso, porque é uma resposta
jurisdicionalizada.
Os
tribunais ad hoc
padecem de vícios muito profundos do ponto de vista da
teoria penal. A circunstância de todos eles se
organizarem como tribunais ex
post facto é
extremamente complicada. Parece que aí o desejo do
discurso político vai muito além do que propriamente sua
justificação teórica.
O
Tribunal de Nuremberg, ainda que justificado do ponto
de vista dos vencedores, não foi acompanhado pelo mesmo
esforço de desnazificação em relação a outros setores
da sociedade alemã. Portanto, foi um discurso simbólico
que se limitou a simplesmente pegar um, dois, três,
quatro, cinco, seis líderes alemães, para falar pelo
todo. O problema da desnazificação não foi resolvido
por aí; mas por outras formas, talvez de uma forma mais
ou menos completa, na medida em que, com o pós-guerra
e com o passar do tempo, as gerações vieram a fazer
a crítica histórica a respeito do que foi o Terceiro
Reich, e
tiveram essa oportunidade por meio de uma sociedade
democrática que se desenvolveu na República Federal
da Alemanha. Talvez esse problema do nazismo tenha ficado
ali melhor resolvido por conta dos próprios mecanismos
da sociedade democrática do que por meio do Tribunal
de Nuremberg. O
Tribunal da ex-Iugoslávia de alguma forma padeceu desses
vícios também. Quando Milosevic foi indiciado no curso
de uma operação que se pode chamar, com maior ou menor
acerto, de agressão, não pode deixar de parecer para
pessoas que estão de fora do cenário como alguma forma
de oportunismo, de se juntar ação jurisdicional com
ação militar. Isso levanta suspeitas a respeito da regularidade
do processo; suspeitas tais que nem os Estados Unidos
ousaram ir tão longe a ponto de prometer executar uma
ordem de prisão contra Milosevic. Vieram com um discurso
muito curioso: que Milosevic é um chefe de Estado e
que a Iugoslávia é um país soberano. Os Estados Unidos
não pensaram da mesma forma quando se tratou de apear
Noriega do poder, no Panamá. Portanto, o mesmo discurso
não serviu para outra ocasião. De qualquer forma, nota-se
como a própria comunidade internacional reagiu com extrema
cautela a essa iniciativa de indiciamento do Milosevic.
Esses
fatos mostram, de uma forma ou de outra, que a criação
de um tribunal permanente é uma necessidade, na medida em
que delineia pelo menos alguns balizamentos mais claros
nessa ação penal internacional. Dá para se ter uma idéia
da filosofia desse Direito Penal internacional que vai-se
criando com o Tribunal Penal Internacional.
Pessoalmente,
sustento que o Tribunal Penal Internacional tem uma
razão estratégica e política de ser e que corresponde,
do ponto de vista da defesa dos direitos humanos, a
um avanço. Teremos alguns problemas complexos na aceitação
dessa jurisdição aqui no Brasil. Vários foram os conferencistas
que já falaram a respeito, mas alguns enfoques adicionais
talvez sejam necessários.
Quando
se trata de incorporação do Direito Internacional,
menciona-se um processo pelo qual uma norma jurídica do
Direito Internacional deve ser instrumentalizada no âmbito
interno para que ela possa ser executada e, portanto, para
que o Estado, dentro da sua soberania doméstica, consiga
cumprir uma obrigação internacional. A incorporação é
indiferente: ocorre tanto num sistema constitucional
internacional monista quanto num sistema dualista.
Alguns
dizem que o sistema brasileiro é monista no sentido de
que, para que uma norma internacional possa ser
ratificada, e portanto ter plena validade, ela tem de se
tornar norma interna, pois precisa ser aprovada pelo
Congresso Nacional. Portanto, pode-se dizer que basta ser
aprovada pelo Congresso Nacional e não há nada mais a se
fazer, porque o próprio juiz vai aplicar o tratado. Porém,
não é bem assim. Ainda num sistema monista como este, há
problemas muito curiosos que concernem à
instrumentalidade. Basta ver, por exemplo, as Convenções
de Genebra. O Brasil já ratificou as quatro Convenções
de Genebra -
já foram promulgadas -,
também os dois protocolos adicionais, e, no entanto, o
nosso Sistema Penal brasileiro não as incorporou.
No
Código Penal Militar, são pouquíssimas as normas que,
de uma forma ou de outra, assemelham-se aos crimes de
guerra ali expostos. Isso vai se tornar muito mais grave
com a aprovação do Estatuto de Roma. O nosso Código
Penal Militar, no que diz respeito a crimes em tempos de
guerra, preocupa-se mais em garantir por parte dos
combatentes a lealdade aos interesses nacionais do que em
garantir os interesses humanitários. É mais um discurso
garantidor dos ad
bellum para o Estado brasileiro do que dos in
bellum. Está preocupado em garantir a lisura da
marcha para a guerra do Estado brasileiro e, portanto, os
interesses nacionais.
Em
relação à população civil e todo o resto, os crimes são
tão pontuais e pequenos que estão muito longe de esgotar
o elenco das Convenções de Genebra, hoje traduzidas no
Estatuto de Roma. E isso é um problema. Não podemos
pensar em cooperar com esse Tribunal Internacional se os
crimes com os quais ele vai lidar não são crimes na
ordem interna brasileira. Não há sequer que cogitar em
extradição numa situação como essa. Uma reforma do Código
Penal que inclua crimes de guerra -
ou até mesmo uma unificação do Código Penal comum com
o Código Penal Militar -
talvez seja necessária para que haja uma visão mais
uniforme desse Direito Humanitário Internacional. Essa é
uma opção.
Existem
outros problemas igualmente graves, não só na área do
Direito Penal, mas também de ordem constitucional. Alguns
bastante graves, porque implicam a revisão de cláusulas
pétreas. Não me parece que o art. 7º do ADCT seja fundamento
suficiente para se revogar cláusulas pétreas, porque
é uma norma meramente programática. O Brasil propugnará
uma norma programática que não pode se sobrepor a uma
norma de cunho principiológico da Constituição, o que
pode provocar alguns problemas.
Outros
problemas menores também se apresentam como, por exemplo,
a adaptação do Código de Processo Penal, porque é de
ordem infraconstitucional; ou, ainda, a execução dos
mandados de prisão do Tribunal Penal Internacional.
Precisamos de algumas normas no Código de Processo Penal
que facilitem essa cooperação, porque, hoje, se viesse
uma ordem desse tipo, teria de passar pelo Supremo Tribunal
Federal para dar seu exequatur.
E o processo é extremamente complicado e demorado, o
que provavelmente desmoralizaria o País perante a comunidade
internacional. Do ponto de vista estrutural orgânico,
não há mais sentido em hoje se reservar exequatur
e extradição ao âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Isso tem suas razões históricas, já superadas. Hoje
extradição ou exequatur
poderiam ser dados por qualquer juiz federal. Há
uma necessidade agora de se rever esse assunto, o que
implicaria a reforma do art. 102 da Constituição, sobre
a competência do Supremo Tribunal Federal, mas isso
é um problema menor, porque não envolve nenhuma norma
de cunho principiológico.
Eugênio
José Guilherme de Aragão
é Procurador Regional da República, em Brasília-DF.
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