Direito Internacional Humanitário

1. Introdução
1.1. O que é o Direito Internacional
Humanitário (D.I.H.)?
O Direito Internacional Humanitário (ou Direito
dos Conflitos Armados) é um ramo do Direito Internacional Público constituído
por todas as normas convencionais ou de origem consuetudinária especificamente
destinadas a regulamentar os problemas que surgem em período de conflito
armado.
Estas podem ser fundamentalmente de três tipos:
O primeiro é constituído pelo chamado Direito
de Genebra, isto é, pelas quatro Convenções de Genebra de 1949 para a
protecção das vítimas de guerra e dos seus dois Protocolos Adicionais de
1977. Estes seis instrumentos jurídicos perfazem cerca de 600 artigos
codificando as normas de protecção da pessoa humana em caso de conflito
armado. Estes textos de Genebra foram elaborados (como aliás os próprios
títulos das Convenções o comprovam) com o único objectivo de protecção das
vítimas de guerra: tanto os militares fora de combate, bem como as pessoas que
não participem nas operações militares.
O segundo tipo de regras é chamado o Direito
de Haia constituído pelo direito da guerra propriamente dito, ou seja pelos
princípios que regem a conduta das operações militares, direitos e deveres
dos militares participantes na conduta das operações militares e limita os
meios de ferir o inimigo. Estas regras têm vista a necessidade de ter em conta
necessidades militares das parte em conflito, nunca esquecendo porém os
princípios de humanidade. O Direito de Haia encontra a maior parte das suas
regras nas Convenções de Haia de 1899 (revistas em 1907), mas igualmente em
algumas regras do Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra de 12 de
Agosto de 1949.
O terceiro tipo de regras (ditas de Nova Iorque)
prende-se com a protecção dos direitos humanos em período de conflito armado.
São chamadas regras de Nova Iorque por terem na sua base a actividade
desenvolvida pelas Nações Unidas no âmbito do direito humanitário. Com
efeito é importante referir que em 1968 a Assembleia Geral das Nações Unidas
adoptou a Resolução 2444 (XXIII) com o título "Respeito dos direitos
humanos em período de conflito armado", o que constitui um marco,
verdadeiro sinal da mudança de atitude desta organização no que diz respeito
ao Direito humanitário. Se, desde 1945 a O.N.U. não se ocupou deste ramo do
direito com a justificação de que tal indiciaria uma falta de confiança na
própria organização enquanto garante da paz, o ano de 1968 pode ser
considerado como o do nascimento deste novo foco de interesse. As Nações
Unidas têm desde então vindo ainda a mostrar um grande interesse em tratar
questões como as relativas às guerras de libertação nacional, e à
interdição ou limitação da utilização de certas armas clássicas.
1.2. A sua evolução histórica
Nas suas origens a guerra caracterizava-se pela
ausência de qualquer regra para além da lei do mais forte. As populações
vencidas eram massacradas e, na melhor das hipóteses, reduzidas à escravatura.
Mas o progresso das ideias, a necessidade de os
beligerantes preservarem o seu potencial humano, o medo de represálias e a
tomada de consciência do carácter irracional, inútil e economicamente
prejudicial das destruições e massacres totais, levaram os homens a considerar
de modo diferente os vencidos. Desta forma começaram a levantar-se vozes de
moderação, tolerância e humanidade.
A título de exemplo podem ser referidas as leis
de Manou (na India) que proíbem a utilização de flechas envenenadas, exigem
que o vencedor poupe os feridos, bem como aqueles que se rendem e que respeite
as leis das nações conquistadas.
Na China, um pensador do século IV A.C., Se-Ma,
condena as destruições inúteis e recomenda que não sejam atacadas as pessoas
que não se possam defender e que os feridos sejam tratados.
Os Incas tinham uma conduta paternal
relativamente aos povos vencidos, especialmente se estes fossem estrangeiros:
tentando uma reconciliação.
A Europa e a zona do Mediterrâneo beneficiam da
influência dos ensinamentos do Cristianismo e do Islão. Mesmo se em certas
ocasiões a Igreja Católica parece esquecer os pedidos de não recurso à
violência, o que é certo é que ela permanece fiel à vontade de assegurar uma
certa humanização das guerras. Santo Agostinho escreveu:
|
"Se o
inimigo que combate deve morrer, que tal seja por necessidade, e não por
tua vontade .... O vencido ou o capturado têm direito à
compaixão." |
|
No século X D.C. em vários Concílios é
proclamada a inviolabilidade das igrejas, dos mosteiros, dos pobres, dos
mercadores, dos peregrinos, dos agricultores e dos seus bens. Estes princípios
constituem as regras da Paz de Deus, cuja violação é sancionada pela
excomunhão.
O Islão condena igualmente o crime, as
mutilações, a tortura e protege os velhos, mulheres, crianças, mosteiros
muçulmanos e os seus bens dos efeitos da guerra.
Enfim, em 1762 Jean Jacques Rousseau escreve no
seu Contrato Social que a guerra não consiste numa relação de homem
para homem, mas sim de Estado para Estado, na qual os indivíduos só
acidentalmente são inimigos. Segundo este autor o fim da guerra transforma os
antigos inimigos novamente em simples homens, o que implica o respeito pelos
soldados feridos e por aqueles que se encontrem em poder do inimigo.
No entanto, o acontecimento que irá levar à
criação de um corpo de normas escritas relativas à protecção das vítimas
da guerra, que constituirá a contribuição efectiva para o desenvolvimento
deste ramo do direito, só terá lugar em meados do século XIX:
1859 - Henry Dunant, cidadão suiço de 31
anos, chega a Solferino no dia 24 de Junho (uma cidade do Norte de Itália) com
vista a conseguir obter ajuda de Napoleão III para uns investimentos que
efectuara na Argélia. Nesse preciso dia desenrolava-se uma batalha entre os
exércitos Austríaco e Francês. Dunant fica horrorizado com a falta de
serviços médicos adequados que assegurassem o tratamento das vítimas e
improvisa ele mesmo, um apoio aos feridos da batalha.
1862 - De volta a Genebra Henry Dunant
passa a escrito as recordações da experiência que viveu, editando um livro
com o título "Uma Recordação de Solferino", que se tornou num
sucesso imediato. Nesta sua obra Dunant faz duas sugestões: por um lado propõe
a criação de sociedades de ajuda a todos os feridos sem distinção quanto à
nacionalidade e, por outro lado, a adopção de uma Convenção que assegurasse
a protecção dos soldados feridos e do pessoal médico no campo de batalha.
1863 - O Comité Internacional de Socorro
aos Militares Feridos em Tempo de Guerra é criado, sendo os membros fundadores,
para além do próprio Dunant, Gustave Moynier, Guillaume-Henri Dufour, Louis
Appia, Theodore Maunoir. Em Agosto deste mesmo ano o Comité decide organizar
uma Conferência Internacional em Genebra com a participação de representantes
governamentais. A conferência revela-se um sucesso, tendo 62 delegados
representando 16 Estados, adoptado as resoluções que estão na base do
Movimento da Cruz Vermelha.
1864 - Primeira Convenção de Genebra.
Esta Convenção é ratificada, entre 1864 e 1907 por 57 Estados - um record
na época.
1868 - Declaração de São Petersburgo -
o primeiro instrumento internacional que regula os métodos e meios de combate.
A Declaração, considerada como enunciando o direito consuetudinário
existente, proíbe o ataque a não combatentes, a utilização de armas que
agravem inutilmente o sofrimento dos feridos ou que tornem a sua morte
inevitável e o emprego de projecteis com menos de 400g contendo uma carga
explosiva ou substâncias incendiárias.
1899 - Convenções e Declarações de
Haia. Entre aquelas que não serão revistas em 1907 podemos citar a
Declaração que proíbe por um lado a utilização de gás asfixiante e por
outro a utilização de balas "dum-dum".
1906 - Convenção de Genebra sobre os
feridos e doentes nos exércitos.
1907 - 13 Convenções de Haia relativas,
entre outros, às leis e costumes da guerra, aos direitos e deveres das
potências neutras em caso de guerra terrestre, ao regime dos navios de
comércio no início das hostilidades, à transformação dos navios de
comércio em navios de guerra, à colocação de minas submarinas automáticas
de contacto, ao bombardeamento por forças navais em tempo de guerra, à
adaptação dos princípios da Convenção de Genebra à guerra marítima e à
proibição de lançar projecteis e explosivos a partir de balões.
1923 - Regras de Haia sobre a guerra
aérea (que nunca se tornarão) numa Convenção.
1925 - Protocolo de Genebra de 17 de Junho
relativo à proibição de utilizar gazes asfixiantes, tóxicos ou similares na
guerra.
1929 - Duas Convenções de Genebra sobre
os feridos e doentes em campanha (I) e sobre os prisioneiros de guerra (II).
1949 - Quatro Convenções de Genebra:
- Convenção para melhorar a situação dos
feridos e doentes das forças armadas em campanha (Convenção I);
- Convenção de Genebra para melhorar a
situação dos feridos, doentes e náufragos das forças armadas no mar
(Convenção II);
- Convenção de Genebra relativa ao tratamento
dos prisioneiros de guerra (Convenção III);
- Convenção de Genebra relativa à protecção
das pessoas civis em tempo de guerra (Convenção IV).
1954 - Convenção e Protocolo de Haia
para a protecção de bens culturais em caso de conflito armado.
1977 - Protocolos Adicionais às
Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949
- Protocolo Adicional às Convenções de
Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à protecção das vítimas dos
conflitos armados internacionais (Protocolo I),
- Protocolo Adicional às Convenções de
Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à protecção das vítimas dos
conflitos armados não internacionais (Protocolo II),
1981 - Convenção das Nações Unidas
sobre a proibição ou a limitação da utilização de certas armas clássicas
que podem ser consideradas como produzindo efeitos traumáticos excessivos ou
como atingindo sem discriminação. Esta Convenção era composta de 3
Protocolos anexos.
Em 1996 reuniu-se a Conferência para Exame da
Convenção que aprovou alterações ao Protocolo II relativo a minas,
armadilhas e outros dispositivos e um Protocolo IV relativo às armas que
provocam a cegueira.
GDDC
Catarina Albuquerque
Isabel Marto Martins
|