Objetivos
O princípio
da limitação rationae
loci restringe os
ataques contra objetivos estritamente militares
proibindo conseqüentemente o
ataque de bens de caráter civil ou certas
zonas especialmente protegidas.
1.PROIBIÇÃO DE
ATACAR BENS
DE caráter CIVIL
Os bens de
caráter civil são definidos pela negativa
e não enquanto tais, sendo considerados civis
todos os bens que não constituam objetivos
militares.
Estes
objetivos militares
definem-se pela conjugação de duas condições
: por um lado a sua natureza, localização, utilização
ou o seu destino devem trazer uma
contribuição efetiva à ação militar; por
outro lado a sua destruição total ou parcial, a
sua captura ou a sua neutralização devem
oferecer uma vantagem militar precisa.
Por outras
palavras, o caráter civil ou militar de
um bem depende da sua função no desenrolar
das operações em termos de estra
Artigo 52.o §2 P
I.Na guerra naval, o
Manual de São Remo precisou a noção
de objetivo militar,fonte de muitas
incertezas no mar,e que limita
por um lado os ataques contra navios
de guerra,submarinos, navios
auxiliares ou de comércio que ajudem
diretamente a ação milita de
ataques dez categorias de navios inimigos,nomeadamente
os navios hospital,os
barcos de salvamento, os
navios de cartel ou navios que participem
em missões humanitárias.
tégia
militar 2 . O DIH define assim os objetivos militares e descreve
os bens que podem ser atacados,
o que parece bastante curioso para um
tratado de caráter humanitário. No entanto, esta abordagem
apresenta um duplo
interesse, permitindo à população civil afastar-se de certos
locais que a potência inimiga poderá legitimamente atacar e
reforçando ainda a
contrario os bens de caráter
civil, que não podem
ser objeto de ataques.
Bens culturais e
locais de culto
Estes bens
consistem em edifícios consagrados à ciência e à beneficência,
monumentos históricos, obras
de artes ou locais de culto que apresentam
um interesse artístico, histórico ou arqueológico 3 , ou que
constituem o patrimônio
cultural e espiritual dos povos 4 , independentemente
da sua origem, proprietário e
do fato de se tratar de bens móveis
ou imóveis.
De acordo com
a Convenção da Haia, os bens culturais e os locais de culto
beneficiam de uma proteção
geral, já que devem ser protegidos pelo Estado
vítima de ataque, que não poderá designadamente transforma-los
em objetivos militares. Devem também ser respeitados pelo Estado
atacante, que deverá abster-se
de qualquer ato hostil contra aqueles.
Alguns de
entre eles (centros com monumentos ou
bens culturais de grande importância) beneficiam de
uma proteção especial que lhes confere uma
maior imunidade, já que não poderão ser
atacados a não ser em casos excepcionais de
inelutável necessidade militar e somente enquanto
essa necessidade subsistir 5 . Por seu lado,
o primeiro Protocolo impõe uma obrigação mais
restrita de respeito pelos bens culturais, já
que não prevê qualquer derrogação.
Os ataques
contra bens civis, que devem estar munidos
de um sinal especial 6 , podem constituir uma
infração grave.
64 Direito
Internacional humanitário
2 Um bem
normalmente civil utilizado
por um atacado torna-se num
alvo para o atacante.Em caso de
dúvida,um bem normalmente afetado
a uma utilização civil será considerado
como civil,artigo 52.o , n.o
3 P I.
3 Artigo 1.o da
Convenção da
Haia de 1954.
4 Artigo 53.o
,alínea a),P I e 16.o P II.
5 Artigo 11.o §2
da Convenção de 1954.Sobre
este ponto vide David (E.),op.cit,p.246
e seguintes.
6 Vide anexo;os
bens que beneficiam
de uma proteção especial
devem usar este sinal repetido
três vezes;os outros podem estar
munidos deste sinal isolado (artigos
16.o e 17.o da Convenção da
Haia)
..Bens
indispensáveis à sobrevivência da população
A proibição
de atacar certos bens constitui um importante avanço dos
Protocolos relativamente às Convenções, as quais se limitam a
prever a assistência às
populações vulneráveis (crianças menores de 15
anos, mulheres grávidas ou puérperas) e salvaguardar os bens
necessários à vida dos
civis em território ocupado 7 . De
acordo com os Protocolos 8 , a sujeição de civis à fome não é
um método de
guerra, sendo por conseqüência proibido atacar ou destruir,
afastar ou colocar fora de uso
os bens indispensáveis à sobre-vivência da
população. Os dois Protocolos Adicionais concebem um inventário
não exaustivo dos bens em causa, nomeadamente gêneros alimentícios,
zonas agrícolas, colheitas, gado, instalações e reservas
de água potável, instalações de irrigação, abrigos ou
vestuário.
A proibição
de atacar os bens de subsistência – que coloca aliás o
problema
da legalidade de certas formas de bloqueio 9 –
conhece duas exceções:
em primeiro lugar a proibição não é aplicável quando estes
bens são destinados à
subsistência das forças armadas ou quando são por
elas utilizados para fins militares 10 . Em segundo lugar, o
Estado beligerante
pode praticar no território sob o seu controlo (o seu território
ou o território por ele
ocupado) a política da terra queimada.
O caráter
lícito desta táctica militar é admitido no caso de se fundar
exclusivamente num interesse
militar legítimo,
permitindo nomeadamente evitar ou retardar
o avanço do invasor, ou aquando da retirada
de forças armadas de ocupação 11 .
Não podemos
considerar que o incêndio dos poços
de petróleo no Kuwait pelo Iraque corresponda a
uma política de terra queimada, tanto
mais que a maré negra no Golfo Pérsico, provocada
pelo derramamento não acidental de
petróleo, constituiu um atentado ao meio ambiente.
objetivos 65
7 Respectivamente
nos artigos 23.o §1
e 55 C IV.
8 Artigos 54.o P I
e 14.o P II.
9 Vide Com.,P
I,p.671 e seguintes.
10 Nestes
casos,estes bens voltam a
ser objetivos militares, mas
a população civil não deverá ser assim
reduzida à fome ou forçada a
deslocar-se.
11 Neste caso,a
política de terra queimada
não pode acarretar um atentado
aos bens de subsistência da
população,mas tão-somente às
infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias,portuárias
ou aeroportuárias..
Organismos de
proteção civil
Estes
organismos asseguram missões mais alargadas do que as do pessoal
médico e sanitário, mas que não podem ser assimiladas a atividades
militares. Podemos citar, de entre a lista limitativa do artigo
61. o do primeiro Protocolo, a luta contra incêndios, os
ser-viços de
alerta e de salvamento, a disponibilizarão e organização
de abrigos, a localização e
sinalização de zonas perigosas, a evacuação e
alojamento. Estas tarefas, qualificadas como humanitárias, só
poderão prosseguir um dos
três seguintes fins: proteger os civis contra os
perigos das hostilidades ou catástrofes, ajudá-los a ultrapassar
os seus efeitos e assegurar as
condições de sobrevivência da população.
Os
organismos civis 12 da proteção civil (pessoal, edifícios e
materiais) identificados
por um sinal distintivo 13 não devem ser objeto de
ataques, devendo ser respeitados e protegidos.
Obras e
instalações contendo forças perigosas
A proibição
de ataques e represálias diz expressa e unicamente respeito
às barragens, diques e
centrais nucleares e outros objetivos militares
que se encontram sobre ou na proximidade destas obras 14 .
Porém, esta
lista é exaustiva e outras obras, tais como as fábricas que
produzem produtos químicos ou
tóxicos, as plataformas de perfuração de
petróleo e as refinarias, passíveis de libertar forças
perigosas, não são
cobertas pela proteção.
No entanto,
esta proibição não é infelizmente absoluta,
já que as obras e instalações visadas são,
a priori,
bens de caráter civil e é por esta razão
que não devem ser atacadas. Contudo, tornam-se
objetivos militares porque são utilizados
para o apoio «regular, importante e
direto» de operações militares, beneficiando de
uma proteção especial, já que não devem
ser atacadas se esses ataques ocasio-
Direito
Internacional humanitário
12 Com efeito,podem
existir formações
militares de proteção civil.O
seu pessoal deve igualmente ser
respeitado e protegido, mas
são-lhe aplicadas rigorosas condições,tais
como a sua afetação permanente
a tarefas de proteção civil
e exclusão de qualquer tarefa militar,uso
de um sinal distintivo internacional,posse
unicamente de
armas ligeiras individuais e
realização de tarefas exclusivamente
sobre o território nacional
(artigo 67.o §1 P I).
13 Vide anexo.
14 Artigos
56.o P I e 15.o P II
..narem
perdas severas na população civil no seguimento da
de forças perigosas. Se estas
perdas não forem severas, o ataque de
um tal objetivo militar torna-se possível, apesar dos danos
colaterais que possam
ser causados. Finalmente, a proteção especial será suspensa
se estes bens forem utilizados para o apoio «regular, importante
e direto» de operações
militares e se o ataque for o único meio de
fazer cessar este apoio, mesmo que provoque a libertação de forças
perigosas. Neste contexto
devem, no entanto, ser respeitadas as regras
relativas à proteção da população civil e às precauções no
ataque, nomeadamente a regra da
proporcionalidade. Com efeito, a proibição
só será aplicável se estas obras e instalações tiverem um
caráter puramente civil no
sentido do artigo 52. o do Protocolo I. A
identificação destes bens protegidos poderá ser facilitada pela
utilização de um
sinal distintivo 15 , mas a ausência dessa sinalização não
fará cessar a proteção.
Apesar do seu caráter facultativo, as Partes têm
um interesse evidente na sua utilização, que não está prevista
no Protocolo II, já que a não
destruição dessas obras num CANI
corresponde ao interesse comum dos insurgidos e das autoridades
governamentais.
Meio ambiente
natural
O meio
ambiente natural, parte incontestável do bem comum da humanidade,
é protegido contra os danos «extensos, duráveis e graves»
que lhe possam ser causados,
tanto em tempo de guerra como em
tempo de paz 16 . O primeiro Protocolo, além de condenar a
sujeição à
fome, proíbe outro meio de guerra total: os atentados contra o
meio ambiente. Os meios de
guerra geofísica (modificações climáticas ou
desencadeamento de um tremor de terra)
ou ecológica (recurso a agentes de guerra química)
são proibidos pelo DIH por comprometerem a
saúde ou a sobrevivência do conjunto
da população. De forma geral, as regras
enunciadas no Protocolo parecem
objetivos 67
15 Vide anexo.
16 Artigos 35.o §3
e 55.o P I e
Convenção de 10 de Dezembro de
1976 sobre a Proibição da
Utilização de Técnicas de
Modificações do Ambiente para
Fins Militares ou para quaisquer
outros Fins Hostis..
menos
vinculativas do que as constantes na Convenção de 1976. Com
efeito, este instrumento
aplica-se a todo o tempo, a partir do momento
em que os atentados contra o meio ambiente sejam extensos, graves
ou duráveis, sendo que um dos três elementos é suficiente.
Já o
Protocolo exige que sejam tidos em consideração de forma cumulativa
a duração, a amplitude e a
gravidade dos danos. Além disso, a
duração e a gravidade são consagrados de forma mais restritiva
pelo Protocolo 17 .
2.PROIBIÇÃO DE
ATACAR CERTAS ZONAS
A limitação
do campo de batalha traduz-se na proibição de operações
militares em locais
especialmente protegidos.
Localidades não
defendidas
Esta
regra, que tem a sua origem no artigo 25. o do Regulamento da
Haia, constituiu durante muito
tempo um dos pilares do Direito da Guerra
clássico. O artigo 59. o , n.o 1, do primeiro Protocolo reafirmou
esta proibição, ao precisar
as condições de acordo com as quais uma Parte
no conflito pode unilateralmente declarar como «localidade
não defendida» qualquer local
habitado na proximidade da frente de
combate ou de uma zona de contacto. Existem três condições, a
saber: deverá ter-se procedido
à evacuação de todos os combatentes e
do material militar, não poderá ser cometido qualquer ato hostil
contra o inimigo e não poderá
ser empreendida qualquer atividade de
apoio a operações militares.
A partir do
momento em que estejam preenchidas estas condições, as
autoridades governamentais ou o comando militar local devem
dirigir uma comunicação
(através de um parlamentar, do recurso a telecomunicações
ou de uma Potência protetora) à
Parte adversa, que deverá acusar a recepção
da declaração e conceder, ou não, o tratamento
de localidade não defendida 18 . No caso
de ser dada concordância, estas
Direito
Internacional humanitário
17 Vide David
(E.),op.cit,pp.254-259.
18 É de notar
que,curiosamente,as Partes
no conflito podem chegar a um
acordo com vista à criação de uma
localidade não defendida, mesmo
que não se encontrem preenchidas
as condições
..dades
devem ser sinalizadas 19 . Sendo estas localidades desprovidas
de qualquer caráter militar,
é no interesse dos seus habitantes que sejam
«cidades abertas», abertas à ocupação pelo adversário que,
em contrapartida, não
as deve bombardear.
Zonas e localidades
sanitárias e de segurança,
zonas neutralizadas
e zonas desmilitarizadas
As
zonas e localidades sanitárias e de segurança 20 constituem
zonas de refúgio
criadas por via de um acordo entre as Partes, que podem estar
afastadas ou próximas da frente de combate, limitando-se a
acolher os feridos e
doentes (civis ou não), as pessoas com deficiência, os
idosos, as crianças menores de 15 anos, as mulheres grávidas, as
mães de crianças de menos de
sete anos, bem como o pessoal administrativo e
sanitário e, a menos que exista um acordo especial entre os
beligerantes, os outros civis não poderão a elas ter acesso.
Estas zonas serão
identificadas por bandas oblíquas vermelhas sobre fundo
branco, apostas na periferia e sobre os edifícios 21 .
As
zonas neutralizadas 22 são criadas na proximidade da frente de
combate, mediante um acordo
entre as Partes no conflito, para proteger os
feridos, doentes e civis que não participam nas hostilidades
dos combates. Ao contrário do
que sucede com as zonas sanitárias e
de segurança, as zonas neutralizadas são criadas em regiões em
que se desenrolem
combates e são susceptíveis de acolher tanto os feridos e
os doentes civis e militares, como o conjunto da população
civil.
Por outro
lado, enquanto que as zonas sanitárias
e de segurança têm um caráter permanente,
as zonas neutralizadas são provisórias, já
que correspondem a uma situação táctica
momentânea. As
zonas desmilitarizadas 23 são igualmente criadas
por meio de acordos concluídos quer em
tempo de paz, quer após o início das hostilidades.
Mas, contrariamente
ao que sucede
objetivos 69
19 Não é indicado
qualquer sinal específico,sendo
necessário um
entendimento entre os beligerantes.Porém
poderá ser
retomada a sinalização das
zonas sanitárias e de segurança, Com.,p.723.
20 Artigos 23.o C I
e 14.o C IV.
21 Artigo 6.o anexo
1 C IV.
22 Artigo 15.o C
IV.
23 Artigo
60.o P I
..com
as zonas sanitárias e de segurança das Convenções, as zonas
desmilitarizadas estão
abertas a qualquer não-combatente a partir do momento
em que este reúna as condições análogas àquelas que são
previstas para as localidades
não defendidas. As Partes no conflito estão
proibidas de alargar as suas operações militares às zonas
desmilitarizadas, as
quais não devem ser sujeitas a ataques, não devem conter
instalações militares e não podem servir para o estacionamento
ou trânsito das forças
armadas. A violação substancial por uma das Partes
desvinculará a outra Parte das suas obrigações e colocará um
termo ao estatuto da zona.
Estabelecimentos ou
unidades sanitárias
fixas ou móveis
Existe
uma proteção geral da organização sanitária 24 . A par do
pessoal sanitário
especialmente protegido – já que através deles são protegidos
os feridos e doentes, não
podendo ser considerados como combatentes
25 – os estabelecimentos e unidades
sanitárias móveis dos serviços
de saúde militares e civis, os navios hospitais militares e
civis, os veículos, comboios,
navios e aeronaves sanitárias militares e
civis 26 devem ser respeitados e protegidos e não podem ser
objeto de
qualquer ataque.
Os
estabelecimentos e unidades sanitárias fixos ou móveis devem
ser claramente
identificados por meio do sinal distintivo 27 da Cruz
Vermelha ou do Crescente
Vermelho sobre fundo branco. O sinal consiste no
elemento constitutivo desta proteção e,
apesar do uso do sinal não ser obrigatório,
a parte beligerante que o dispensar fará
com que os seus serviços de socorro
corram um sério risco. É de lembrar que
no conflito do Atlântico Sul, os helicópteros de
combate argentinos e britânicos complementaram,
por sua conta e risco, a função
dos helicópteros sanitários, os quais
70 Direito
Internacional humanitário
24 Vide igualmente
o capítulo 10.2.
25 Apesar de o
pessoal sanitário poder
possuir armas ligeiras para
garantir a ordem,a sua defesa e
a das pessoas que recebem a
sua assistência.
26 Respectivamente
os artigos 19.o C I,23.o
C II,18.o C IV,13.o P I,11.o P II; artigos
20.o C I,22.o C II,22.o P I; artigos
35.o C I,27.o ,28.o e 39.o C II e 22.o
C IV,21.o -30.o P I e 11.o P II. 27
Vide anexo
..eram
em número insuficiente para procurar e salvar os náufragos,
não tendo
beneficiado de qualquer proteção especial.
Naturalmente
que todas estas limitações rationae
loci são desprovidas
de efeito se os bens ou zonas
protegidas são utilizados para cometer
actos prejudiciais ao inimigo. Excepção feita no caso de perfídia,
não é proibido utilizá-las para a conduta das hostilidades,
sendo que esta utilização
conduzirá à perda de imunidade que lhes é
concedida.
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