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Retaliação?
O Brasil fica fora  

Paulo Sérgio Pinheiro*

Artigo publicado na Folha de São Paulo de 23 de setembro de 2001 

As cenas de horror em Manhattan foram repetidas e repetidas envolta num mantra carregado de “kitsch” patriótico e religioso que parece eliminar a política das mentes. Na apoteose da unidade americana, no Capitólio, o presidente Bush recitou fórmulas encantatórias, preparando o povo americano e o mundo para as mortes de soldados na guerra que logo começará.

É no mínimo liberdade poética pretender que os EUA corporifiquem o bem. Eles têm um estilo especial de atuar ria comunidade dos Estados; respeitam, cobram o respeito ou desrespeitam o direito internacional segundo sua conveniência própria.

Continuar chamando os terroristas de loucos e maus (provavelmente são uma coisa ou outra - ou as duas) pode ajudar a extravasar a dor, mas pouco ajuda a entender. O governo americano e as antigas potências coloniais da Europa tendem a subestimar os adversários das sociedades tradicionais que mal conhecem ou entendem. Mas os atentados deixaram claro um tal grau de planificação e organização, conexão de redes, logística e capacidade de antecipação longe de qualquer improvisação, como lembrou François Heisbourg, da Fundação de Pesquisas Estratégicas.

Não foi o combate das trevas contra a luz. O conflito não é entre culturas. Se choque de civilizações houve, este ocorreu principalmente com a eclosão dos imperialismos europeus na África e na Ásia, no século 19. Não estamos diante de um conflito com o mundo muçulmano: os terroristas não passam de facções minoritárias, que têm grande audiência (ajudada pela política externa norte-americana) nas sociedades islâmicas, corri agendas próprias no mundo islâmico e com alguma capacidade de estrago, mas com limitada viabilidade histórica. O futuro não será deles.

Propor uma “cruzada’ ou arrogar-se uma missão de justiça infini­ta’, que até agora pensávamos estar no âmbito de Deus - ou Allah -, indicam um desconhecimento do mundo. O chamado campo islâmico é chamado por divisões e contradições insolúveis.

Satanizar Osama bin Laden e fantasiar que sua eliminação vá colocar um fim ao terrorismo é pura ilusão. Igual a pensar que as capturas de Carlos, o chacal, e de Pablo Escobar seriam o fim do terrorismo e do narcotráfico. A rede de terrorismo vai muito além do bando de Bin Laden: está sendo financi­ada por ativa captação de fundos nos regime fundamentalista muçulmano da Arábia Saudita e em outros regimes da península arábica, lembro Edward Luttwak. Esses fundos são irrigados através dos sistema financeiros interna­cionais com ramificações em todos os continentes. As redes de terrorismo ul­trapassam os Estados, mas se baseiam neles.

Nada do que foi dito aqui serve para escusar o megaataque aos direitos humanos das vítimas da barbárie. Vítimas jamais devem ser culpadas por nada. O dever de todos os países, inclusive nós aqui embaixo, no Sul, é repudiar os atentados, qualquer atentado. Nada justifica o terror. Antes de passar à guerra, haveria muito que fazer em termos de inteligência e diplomacia.

Mas o império requer vingança. A mobilização americana para a sua “cruzada” servirá apenas para estancar o desejo de vingança suscitado na sociedade americana pelo presidente Bush. Mais eletivas seriam pressões diplomáti­cas e econômicas, a identificação e o desmantelamento das redes e a destruição dos campos de treinamento nos santuários que vários países asseguram. Ações militares “cirúrgicas” serão inúteis: melhor seria usar a oportunidade para desar­mar a infra-estrutura do terrorismo no Ocidente e no Oriente Médio.

O Brasil, paradoxalmente, poderá ser mais influente quanto mais guardar o distanciamento do triunfalismo guerreiro dos EUA. O Brasil e a América Latina têm uma situação peculiar. Estamos aqui na América Lati­na, Como O cientista político e atualmente embaixador da França no Bra­sil, Alain Rouquié, chamou com muita felicidade de “Extremo Ocidente”. Estamos numa posição ímpar para ouvir o clamor dos deserdados da Terra e sermos interlocutores válidos para o Norte.

O Estado brasileiro tem densidade suficiente na comunidade internaci­onal pata recusar o ultimato imperial “ou vocês estão conosco ou vocês estão com os terroristas”. O Brasil deve lembrar aos cruzados do Norte que a ONU tem uma posição única para a construção de unia coalizão universal e para assegurar a legitimidade global para a luta de longo prazo contra o terrorismo.

Se os EUA e os países europeus forem para a guerra, como tudo indica, que o governo do Brasil diga às claras, como implorava Paulo Evaristo Cardeal Arns, do alto de seus luminosos e intimoratos 80 anos, que recusamos nos associar a expedições punitivas militares de retaliação. O Estado brasileiro não pode coonestar ataques militares, verdadeiras ações de terrorismo de Estado, contra populações pobres e famintas do Afeganistão ou de qualquer outro pais.

Estamos ao lado do governo e da sociedade americana enquanto cho­ram e pranteiam seus mortos. Na vingança e na retaliação contra mulheres, idosos, crianças, miseráveis e inocentes, devemos ficar fora e longe.

*Professor de ciência política e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, é relator da ONU para o Mayanmar e membro da Subcomissão de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos da organização.

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