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Não porque o diga Bin Laden

 

Gema Martín Muñoz

Professora de Sociologia do Mundo Árabe e Islâmico

da Universidade Autônoma de Madri.

Artigo publicado no Correio Braziliense de 10 de outubro de 2001

 

No domingo à tarde começaram os ataques contra o Afeganistão e, horas mais tarde, a rede de televisão por satélite Al-jazira divulgava uma mensagem de Osama Bin Laden, cuja análise não devemos esconder pelo fato de vir de um personagem detestado por sua inaceitável ação terro­rista. Como se tem dito sem parar esses dias, a luta contra o terrorismo é muito complexa e, acima de tudo, muito difícil. Não existe um remédio evi­dente, mas, junto às estratégias policiais e de força, deve-se também lutar contra suas causas, e é ai que a política entra decididamente em jogo. E no Oriente Médio se acumulou um grande número de problemas, conflitos e lamentáveis situações humanas cujas raízes são profundamente políticas. Nenhum movimento clandestino pode operar sem apoio popular e sem aju­da externa para prover recrutamentos, propaganda e apoio econômico. Além disso, os movimentos buscam ganhar popularidade e cometem seus atenta­dos no momento em que crê que existam condições para conseguir adesões à sua causa. Esse é também o caso do turbulento e obscuro grupo de Bin Laden. A prova está no conteúdo completamente político de sua mensagem.

Bin Laden fez uma declaração que, longe de representar simplesmente o “louco de Alá” que quase todos esperavam no mundo ocidental - reduzindo-se a maldições culturais, fanatismo irracional e menções ultra-religiosas -, colo­cou o dedo na chaga dos conflitos e tragédias humanas que assolam a região e que estão diariamente presentes no sentimento das populações muçulmanas.

Não porque o diz em Laden, deixa de ser realidade que, desde a parti­lha colonial após a Primeira Guerra Mundial, o Oriente Médio vive uma des­graça atrás da outra, em boa parte consequência da intervenção e dos interes­ses externos: a divisão artificial de Estados a serviço das potências estrangei­ras, a manipulação, por parte dessas potências, das minorias cristãs orientais, gerando conflitos religiosos, a instalação de elites governantes a serviço das mesmas potências para desgraça de suas populações, a criação de Israel e o abandono dos direitos palestinos, a derrocada de governos nacionalistas a favor de ditaduras (como fez a administração Eisenhower em 1953 no Irá contra Mosaddeq a favor do posterior regime do Xá), o apoio e consolidação de sátrapas como Saddam Hussein, que, antes de ser, em 1991, o Hitler do Oriente Médio, foi durante uma década o homem do Ocidente frente ao Irã de Khomeini (como ocorreu com o próprio Bin Laden no modelo afegão)...

Tampouco porque o diga Bin Laden, deixa de ser uma realidade que a dependência da Arábia Saudita por proteção militar externa a tenha leva­do a cair em contradição ao permitir que se instalem bases norte-americanas em um território que os próprios sauditas transformaram intensamente em símbolo sagrado do islamismo, se bem que a serviço de sua própria legitimi­dade para manter um regime despótico e tribal que não tem capacidade para levantar a voz e defender as injustiças que castigam as populações do mundo muçulmano, a que pretende representar com exclusividade.

E não porque o diga Bin Laden, deixa de ser certo que existe um silêncio culpável diante da morte e sofrimento das crianças iraquianas submetidas a um embargo injusto e letal, cujos objetivos políticos de derrubada do regime iraquiano foram comprovadamente ineficazes, e que existe uma inaceitável insensibilidade diante da violência diária que sofrem os palestinos porque o apoio incondicional dos EUA a Israel prevaleceu sobre o direito internacional e o sofrimento humano.

A política norte-americana não levou em conta o ser humano nessa parte do mundo (e não só ali), e Bin Laden faz do acúmulo histórico de sofri­mento e humilhação que padecem as populações muçulmanas o principal ele­mento de mobilização a seu favor.

A manipulação e o oportunismo de Bin Laden sobre esse sofrimento em beneficio de sua falsa causa não o tomam irreal. Existe e é a raiz do problema, e, enquanto não se resolverem esses problemas com uma mudança da política internacional nessa região, não poderemos lutar verdadeiramente contra o terrorismo que representa esse personagem. Essa política internacional é principal­mente liderada pelos LUA, dai que, na declaração de Bin Laden, seja este o objetivo substancial de suas ameaças e não o mundo ocidental em geral. E não se odeia os EUA por sua cultura, e sim por sua política externa, e isso é algo que também fica claro na mensagem. Não se trata de uma luta entre civilizações e culturas, o conteúdo basicamente político da declaração de Bin Laden mostra isso amplamente, porque, se considerasse que essa era a chave para mobilizar o mundo muçulmano a seu favor, não haveria dúvida de que recorreria a ele com o mesmo oportunismo. Isso é de grande importância para todos aqueles que, também de maneira oportunista, querem reduzir a complexidade do que está acontecendo a uma luta contra os valores ocidentais, para não ter que enfren­tar a solução política dos problemas. Portanto, se querem acabar com os Bin Laden, além de persegui-los e julgá-los em tribunais internacionais por seus crimes, os LUA e seus aliados terão de modificar sua política no Oriente Médio, e isso significa muito mais que só acrescentar em cada discurso que não se trata de uma guerra contra o islamismo e o mundo muçulmano, muito mais que limitar-se a gerar mais ódio com escaladas militares que produzem mais sofrimento humano, como é o caso da população afegã atualmente (e tampouco cair no cinismo de primeiro bombardear para depois jogar comida e medicamen­tos). Da humilhação e dor é certo que Bin Laden também tirará proveito.

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