
AS CONTRADIÇÕES DO
DISCURSO EFICAZ
MARGARIDA GENEVOIS
Socióloga,
Presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo.
Todos
estão com medo. É um sentimento difuso e cujas conseqüências
são reações defensivas e agressivas do dia a dia.
Há
desconfiança no ar e na rua. Se um desconhecido se
aproxima de nós, ficamos apreensivos e nos pomos em
guarda, sobretudo se o desconhecido for negro ou mal
vestido.
Em
casa também vivemos em sobressalto, pois é raro
o dia em que não ouvimos contar um caso de assalto.
O medo da violência leva as pessoas a serem violentas
e é muito comum ouvirmos a defesa exaltada da
Pena de Morte como a única solução para a diminuição
da violência.
Para
os defensores da Pena de Morte ela é um exemplo, um
castigo e defesa da sociedade, misturados também com um
sentimento de vingança.
O
grande argumento a favor da Pena de Morte é a
exemplaridade. Não se mata um homem somente para
puni-lo de seus crimes mas para intimidar, pelo exemplo
horrível, os que por ventura quisessem imitá-lo. A
sociedade não se vinga, quer antes prevenir outros
crimes.
Não
está provado que a pena de morte evitou um só
assassinato. Na época em que os ladrões eram executados
na Inglaterra em praça pública, outros ladrões
aproveitavam a ocasião para roubarem aqueles que
assistiam na praça a cena do enforcamento dos
criminosos.
Uma
pesquisa feita no início do século na Inglaterra,
mostra que entre 250 enforcados, 170 tinham assistido
pessoalmente a uma ou duas execuções capitais.
Em
1886, entre 167 condenados à morte, que passaram pela
prisão de Bristol, 164 tinham assistido ao menos a uma
execução (segundo o relatório do Select Committee
inglês de 1930 e da Comissão Real Inglesa que refez os
estudos posteriores).
Os
tempos mudaram, não se faz mais execuções em praça pública
mas discretamente, na calada da noite, com poucas
testemunhas.
Não
há lógica dos defensores da Pena de Morte neste
ato. Para que a execução fosse realmente exemplar,
seria necessário que a ela fosse realizada com
o maior público possível, televisada e difundida
por todos os meios de comunicação com todos os
detalhes e ângulos. Mas a isto muitos chamariam
de sadismo. Onde está então a exemplaridade? Parece
que a Pena de Morte traz uma má consciência para
os próprios executados.
Os
EUA são citados como exemplo. A Pena de Morte aí
existe em 39 Estados; no entanto, continuam acontecendo
crimes bárbaros, estupros, latrocínios. Entre 1963 e
1980 houve um aumento de 122% de crimes. Somente neste
mesmo período o aumento foi de 400% em Nova York, sendo
o aumento ainda maior em outros estados.
De
1608 a 1985 houve 14.000 execuções nos EUA.
Proporcionalmente à população, a violência dos EUA
é 10 vezes maior do que no Brasil, apesar da Pena de
Morte. Onde está a exemplaridade, principal argumento
dos defensores da Pena de Morte?
A
ameaça da pena não diminuiu, pois, a incidência
dos crimes violentos. Estes crimes são: 1º) crimes
irracionais provocados por momentos emocionais
muito fortes, nos quais não se pensa em nada.
2º) quando premedita um crime, o criminoso sempre
pensa que não vai ser descoberto. 3º) o criminoso
age sob pressão do momento, influenciado pelo
álcool, drogas ou psicopatologias. A remota possibilidade
da Pena de Morte não vai conter sua ação.
Ainda
nos EUA, havia 1.147 condenados esperando a execução
nos corredores da morte em 1983. A Pena de Morte estava
em vigor então, em 38 estados. Isso significa que a
morte de um assassino depende não do ato que cometeu,
de seu crime, mas onde ele ocorreu.
Nos
primeiros anos da colonização, as execuções eram
pelas mais variadas razões: furtos de gado, de cavalos,
roubos, assaltos, etc. Somente a partir de 1977 que
execuções são punição de assassinatos. Entre 1930 e
1940, houve mais de 100 (cem) execuções por ano.
A
maioria dos países civilizados do mundo já aboliu a
Pena de Morte, restam ainda a República da China, URSS,
EUA, África do Sul e Irã. Alguns desses países são
famosos pelas execuções absurdas e bárbaras que
chocam nossos sentimentos cristãos.
Há
ainda a possibilidade de erro judiciário, e muitas das
pessoas condenadas à morte, tiveram depois da condenação
sua inocência provada. Todos se lembram do famoso caso
dos irmãos Naves, acusados de assassinato. Anos depois,
quando um deles já tinha morrido na prisão, o suposto
assassinado apareceu. A última execução no Brasil, no
século passado foi também um erro judiciário, a
morte, por enforcamento, de Mota Coqueiro.
Nos
EUA, onde a justiça é tão minuciosa, em processos
de condenação, de 1893 a 1979, 21 pessoas foram
condenadas à morte e sua inocência provada depois;
algumas foram salvas horas antes da execução;
porém, quatro inocentes foram executados. O erro
judiciário não possibilita reparação pois a vida
não pode ser devolvida. Os Juízes são humanos
e todos sujeitos a erros.
A
“exemplaridade” pois, da Pena de Morte, não
convence. Nos 33 países que a suprimiram ou que não a
usam mais, o número de assassinatos não aumentou. A
violência só gera violência. O criminoso sabendo que
se for preso será executado, será muito mais violento,
tentará a todo custo eliminar as testemunhas.
Numa
pesquisa do antigo Jornal da República, sobre a questão:
Pena de Morte para reduzir a violência?, o delegado do
DEIC, José Vidal Pilar Fernandes responde: “O efeito
seria exatamente contrário. É muito comum aqui no
xadrez do DEIC um preso autor de latrocínio matar outro
preso apenas para ser transferido para a Casa de Detenção.
O criminoso brasileiro tem um nível cultural baixo. Ele
se tornaria muito mais perigoso e violento depois de se
acreditar antecipadamente condenado à morte. Um
criminoso que sabe que será condenado à morte, não
matará só uma, mas várias pessoas, pois isso não
aumentará sua pena”.
Toda
a violência, na opinião do delegado, não é resultado
de uma explosão espontânea, repentina. Ao contrário,
ela tem sua origem no acúmulo de gerações e gerações
de erros sócio-econômicos.
Nós
sabemos que falha na educação, fatores culturais, fome
e má distribuição de renda levam ao aumento da
criminalidade e da violência. O que precisamos é
atacar as causas da violência, e não admitir a solução
simplista da vingança social que é a Pena de Morte.
Os
menores delinqüentes da FEBEM, muitos deles futuros
“hóspedes” da Detenção, têm quase todos um mesmo
passado: famílias desestruturadas, pai alcoólatra,
desempregado, mãe solteira ou “largada”, que passa
o dia fora trabalhando, falta de escola, menino solto
nas ruas, drogas etc. A FOME, a má distribuição de
renda, a miséria, acrescidos dos insistentes apelos ao
consumismo pelos meios de comunicação são as maiores
causas dos crimes na nossa cidade.
Na
realidade já temos no Brasil a Pena de Morte disfarçada.
Só
a polícia matou, em 1984, 481 pessoas (153 a mais do
que em 1983) e em 1990, 585 pessoas. Muitas dessas
pessoas eram comprovadamente inocentes e mesmo os
culpados, deveriam ter direito a um julgamento dentro da
lei. O assassinato impune oficial só fez acirrar a violência
e o bandido sabe hoje que é matar ou morrer. Esta também
não é a solução, se fosse a criminalidade já teria
diminuído depois de tantas mortes.
O
assassinato frio de alguém, como a execução em câmara
de gás, ou por eletrocução, ou por injeção de
veneno, ou por degola, ou por garrote vil ou por
enforcamento, etc., não encerra qualquer lição, a par
de conter contradição invencível.
Se
a sociedade considera crime o ato de matar, não
pode ela oficializar o homicídio, ainda que através
de processo jurídico.
Há
os que argumentam que o criminoso custa muito caro ao
Estado na prisão, seria mais econômico eliminá-lo.
Custa também muito caro ao Estado, manter hospitais
para leprosos, deficientes, idosos, doentes de moléstias
incuráveis. Será que estes defensores da Pena de Morte
concordariam também em eliminá-los?
Sairia
realmente muito mais barato se o Estado investisse a
curto prazo muito mais na educação, na alimentação
das crianças, no apoio às famílias numerosas, na criação
de frentes de trabalho, na profissionalização dos
adolescentes, e sobretudo garantindo um salário mínimo
mais justo, etc. A solução verdadeira tem um caráter
muito mais estrutural, das relações de poder, de
filosofia de governo, de prioridades ao HOMEM, antes do
lucro, de respeito à PESSOA, Dignidade e Direitos de
todos.
Temos
a tendência de pensar que somos nós o BEM, os justos,
os honestos, e os outros o MAL, os suspeitos, os capazes
de todos os crimes. É muito cômodo achar que uns
nascem bons (nós mesmos) e outros nascem maus e devem
ser eliminados, pois não têm recuperação.
Quem
de nós poderia assegurar que não seria capaz de roubar
se tivesse um filho, a mãe, um irmão morrendo de fome
ou por não ter um remédio que os poderia salvar? Quem
de nós poderia jurar que não seria também um marginal
se não tivesse um mínimo de condições para viver,
fosse escorraçado, humilhado, rechaçado
constantemente? Quem for capaz de dizer que não,
honestamente no fundo do coração, que atire a primeira
pedra. Jesus, o mais puro e mais justo dos homens, não
o fez.
Se
o assassinato é um crime contra a Pessoa Humana,
seria incoerente torná-lo uma lei. Todo homicídio
é criminoso, igualmente grave, seja ele cometido
por um marginal que assalta, rouba ou mata ou
pela sociedade mesmo depois de um processo judiciário.
Vamos
lutar por uma justiça mais firme, mais eficiente, por
prisões recuperadoras de indivíduos, por educação
para todos, condições de vida decente, por uma Polícia
mais eficiente. Isto sim, impedirá as violências que
tanto incomodam e atemorizam.
É
compreensível e humana a revolta que todos sentimos
contra crimes covardes, ainda mais quando as vítimas são
nossos parentes ou amigos, mas a Pena de Morte é um
assunto grave demais para ser decidido sob o impacto da
raiva, da revolta, por impulsos vindicativos, por mais
compreensíveis que nos pareçam.
Sobretudo
quando temos provas indiscutíveis que ela não produz
resultados almejados, ao contrário, pode até aumentar
a violência. É necessário muito equilíbrio, reflexão,
“cabeça fria” para tratarmos desse grave problema.
????E??????font face="Arial" size="2">span style="mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-font-family: Times New Roman">O
medo da violência que nos contagia tem ainda um grave
perigo: ele nos torna agressivos, envenena as relações
diárias da nossa vida. Sutilmente a violência vai
transparecendo nas nossas atitudes e até no nosso modo
de pensar, vai se tornando normal. Ela está nas
agressividades do trânsito, nas respostas ásperas, na
falta de diálogo, nas intransigências repetidas, na
incompreensão das falhas alheias.
A
Pena de Morte não mata a FOME, a MISÉRIA, a desagregação
familiar, o abandono do menor, o desemprego, e também não
é a Pena de Morte que vai acabar com este “espírito
da violência” que paira no ar e envenena as relações
humanas na nossa sociedade.
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