A discussão
sobre a Pena de Morte
Os
debates parlamentares e as discussões públicas podem ajudar os legisladores
e a opinião pública a conhecerem melhor a lógica e a realidade da pena de
morte, e a força dos argumentos contrários a ela. Ao analisar a derrota de
uma moção para restabelecer a pena capital na Inglaterra, em 1983, na Câmara
dos Comuns, jornalistas noticiaram que vários membros do parlamento britânico
“mudaram de opinião porque nunca
antes tinham ouvido argumentos fundamentados contra a pena de morte”. Um
deputado que acabara de ser eleito disse aos periódicos que havia mudado seu
modo de pensar, favorável à pena de capital. “Só
quando alguém toma parte numa discussão, os argumentos contra a pena de
morte tornam-se extremamente óbvios”, declarou. Outro parlamentar
admitiu que a maioria de seus eleitores era a favor da pena de morte, mas
afirmou que “não parecem ter pensado
a fundo sobre a questão, pois ficam muito impressionados sempre que ouvem a
argumentação dos abolicionistas”.
Segundo
conhecido pensador italiano, o Estado não pode se colocar no mesmo plano do
indivíduo. O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, por
defesa. O Estado responde meditadamente, reflexivamente, racionalmente. Ele
também tem o direito de se defender, mas sendo muito mais forte do que o
indivíduo – pois detém o privilégio e o benefício do monopólio da força
– não tem necessidade de matar em defesa própria.
Também
do ponto de vista religioso existe, hoje em dia, no Ocidente, uma clara tendência
das corporações mais representativas de se posicionar contra a pena capital.
Em recente manifestação, o Papa João Paulo II afirmou: “A
Santa Sé, com emprenho humanitário, recomenda clemência e até perdão àqueles
condenados à morte, especialmente aos condenados por razões políticas”.
A ANISTIA INTERNACIONAL, ao divulgar a presente obras, pretende contribuir
para o debate da questão, mostrando alguns aspectos que vêm sendo
significativamente omitidos sobre a pena de morte. Vale lembrar, porém, que a
posição defendida pela organização não deve, de modo algum, ser
confundida como uma apologia da impunidade. Absolutamente. A Anistia é contra
a pena de morte pelas razões sucintamente expostas nesta publicação, que
comprovam de forma eloqüente que tal punição não passa de uma falsa solução
para o problema da violência. A pena capital é o mais cruel, desumano e
degradante dos castigos e a luta por sua erradicação, em todo o mundo, está
intimamente ligada aos princípios que inspiram a estrita observância dos
direitos humanos.
Em
todas as partes a experiência mostra que as execuções embrutecem os que
participam delas. Em nenhum lugar se demonstrou efetivamente que a pena
capital possui uma eficácia especial para a redução da violência. País após
país a pena de morte se aplica mais contra os pobres e contra as minorias
raciais e étnicas. Com freqüência é utilizada como instrumento de repressão
política. É um castigo irrevogável que inevitavelmente dá lugar à execução
ocasional de pessoas completamente inocentes.
Quando
as diversas nações do mundo se reuniram há mais de quatro décadas para
fundar as Nações Unidas, não foi necessário lembrar o que pode acontecer
quando um Estado crê que não existem limites quanto ao que ele possa fazer a
um ser humano. Em dezembro de 1948, quando a Assembléia Geral da ONU aprovou
por unanimidade a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda estava
sendo descoberta toda a brutalidade, todo o terror imposto por alguns Estados
durante a 2ª Guerra Mundial, e as seqüelas que ele havia deixado em milhões
de pessoas em todo o mundo.
A
Declaração Universal é um compromisso entre as nações, para estimular os
direitos fundamentais como a base da liberdade, da justiça e da paz. Os
direitos que proclama são inerentes a toda pessoa humana. Não são privilégios
que os Estados podem conceder por boa conduta e, portanto, não podem ser
cassados por má conduta.
Uma
vez que um Estado aplica a pena de morte por qualquer razão, torna-se mais fácil
para outros Estados utilizá-la com certa aparência de legitimidade por
qualquer outros motivos.
Se
é possível justificar a pena de morte para um delito, sem dúvida encontrarão
desculpas para aplicá-la em outros casos, de acordo com a opinião que
prevalece em uma sociedade ou entre seus governantes. A idéia de que o Estado
possa legitimar um castigo tão cruel como a pena de morte entra em conflito
com a própria concepção dos direitos humanos. A importância dos direitos
humanos nunca podem ser usados para proteger a sociedade, já que seu uso
infringe os mesmos valores que fazem com que a sociedade mereça ser
protegida. Quando se esquece essa distinção essencial entre os meios
apropriados e impropriados em nome de algum “bem superior”, todos os
direitos são vulneráveis e todos os indivíduos se encontram ameaçados.
Numerosos
Estados já reconheceram que a pena de morte não pode conciliar-se com o
respeito aos direitos humanos. Mesmo a ONU declarou-se a favor da abolição.
Atualmente 47 países não penalizam qualquer tipo de delito com a morte.
Outros 16 somente a mantêm para casos excepcionais, como certos crimes
praticados em tempos de guerra. Outros 21 países e territórios podem ser
considerados abolicionistas de fato, posto que não levam a cabo execuções.
Por conseguinte, 84 países – mais de 44% do total – aboliram a pena de
morte ou não a aplicam na prática (dados de 1992).
Durante
a última década uma média de um país por ano tem abolido a pena capital,
afirmando com isso seu respeito pela vida e pela dignidade do ser humano.
Todavia, ainda existem demasiados governos que acreditam que podem resolver
seus problemas sociais ou políticos executando alguns ou, inclusive, centenas
de presos.
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