O
Movimento Estudantil no Paraná –
68, o ano que foi uma vida
José Carlos Zanetti
Quando
se fala em movimento estudantil, logo o tempo
recua 40 anos para assistirmos ao filme de 68,
como um divisor de águas no imaginário
das rebeliões, dos cercos policiais, barricadas,
canções de protesto e irreverências
nos costumes. Pode até parecer um exagero
– o tempo não pára e outras
gerações inquietas fizeram sua própria
trajetória enfrentando soldados armados,
amados ou não, ressuscitaram a UNE SOMOS
NÓS em meio a correrias e gases lacrimogêneos.
Discute-se e até se comparam graus de orfandade
pelas utopias perdidas. Este tempo, por pura mágica
aconteceu naqueles raros momentos de alinhamento
dos astros. Não se trata de discutir a
estética nem o espetáculo, mas o
emblema. Do porque 68 foi tão único
na história da democracia.
Havia
a guerra do Vietnam, tão desigual, tão
insana. Bambus contra napalm. Em janeiro, os vietcongs
surpreendem com a “ofensiva do Tet”e
ocupam no ano novo lunar a embaixada americana
em Saigon; em maio, milhões de estudantes
e trabalhadores franceses tomam Paris, relembram
o sonho da Comuna, agora por uma revolução
cultural à busca de um novo destino. Em
agosto foi a vez da sustentável leveza
dos tchecos que, com flores e mulheres em minissaias,
distribuíam panfletos aos sisudos invasores
soviéticos. O frescor da revolução
cubana, a febre do maoísmo. A terra, em
transe. Março marcava o quarto ano do golpe
militar. Havia um clima no ar. Nada a ver com
o Brasil. Havia.
Em
Curitiba, sem lenço, sem documento ouvia-se
A Banda e o frenesi dos festivais, João
do Vale pisando na fulô num tablado da Casa
do Estudante, assistia-se no Teatro Guaíra,
Liberdade, Liberdade! e – na febre do cineclubismo,
– a Um Dia, Um Gato, Deus e o Diabo, Os
Companheiros e Vidas Secas. E assim, mais rápido,
foi fervendo o caldeirão arrogante do Reitor
Suplicy de Lacerda, antes ministro da Educação
de Castelo Branco que, de qualquer jeito, queria
inaugurar na Escola Polítécnica
o ensino pago no Paraná. O famigerado acordo
MEC-USAID. Antes, como em todo o Brasil, os estudantes
foram para a rua protestar contra a sanha da ditadura
que havia matado a inocência do secundarista
Edson Luis, no Calabouço. O ano de 68 começava
a 28 de março. Apesar das divergências,
foi um bom ensaio.
Por
obra de um flagrante fotográfico, a luta
dos estudantes na Escola Politécnica, ganhou
repercussão internacional. Foram algumas
centenas contra uma polícia armada com
ganas de descarregar sua ira diante da ousadia
de impedir a inauguração de um curso
de engenharia pago numa universidade pública.
A área, afastada do centro da cidade, era
um imenso descampado no meio do campus ainda rarefeito,
ideal para o exercício da cavalaria. Ainda
assim os estudantes atiçavam os embrutecidos
correndo em ziguezague, jogando rolhas de cortiça
para tentar derrubar os cavalos, escapando pelos
quintais de moradores assustados. A foto famosa
que correu mundo e ganhou Prêmio Esso, foi
Zequinha, estudante de medicina, enfrentando o
cavaleiro de espada na mão, com um atiradeira
(estilingue ou setra, conforme o apelido criado
pelo guris). Alguns foram machucados, outros detidos.
Dois
dias depois, a resposta foi surpreendente, pelo
número de estudantes – uns três
mil – e pela surpresa, pode-se dizer, também
militar, no campo de operação. O
embate, dessa vez foi dissimulado. Estrategistas,
poucas lideranças e grupos de apoio se
revezaram pela madrugada tratando dos detalhes.
Pelas escolas, salas, cantinas e diretórios
circulou o convite para a concentração,
bem cedo, na Praça Santos Andrade, de onde
saíam os ônibus para a Politécnica.
Certamente a polícia estava lá acantonada.
Mas tomou-se outra direção, a apenas
dois quarteirões, onde fica a Reitoria
da Universidade Federal do Paraná - símbolo
político do arbítrio do ensino superior.
A ocupação
foi cinematográfica e impressionante pela
velocidade e entrosamento das iniciativas. Como
formigueiro politizado, os estudantes tomaram
de empréstimo dos trabalhadores de um prédio
em construção, pés de cabra
e outras ferramentas para retirar os paralelepípedos
e rapidamente ergueram-se barricadas. Carros oficiais
que por ali passavam eram imobilizados e um outdoor
veio abaixo, com a mesma finalidade – barreiras
de proteção. Os comandos eram feitos
através de rádios, às 8 horas
da manhã a Reitoria estava tomada e protegida.
Enquanto a polícia chegava com infantaria
e cavalaria, mais estudantes se aglomeravam num
círculo externo. O momento mais dramático
foi a derrubada do busto do reitor, narciso arrastado
por jovens imberbes. Tiveram início as
negociações, com mensageiros até
a casa do Governador. Diante da iminente selvageria,
prevaleceu o bom senso. E a gratuidade do ensino
público. Os conflitos não pararam
por aí. Este foi um feito que merece estar
ao lado dos grandes acontecimentos que marcaram
o ano de 1968 no Brasil.
O movimento
estudantil do Paraná renasceu em 65 e tem
características bem curiosas. À
época do golpe a entidade mais importante,
a UPE (União Paranaense de Estudantes),
estava na mão da direita, diferentemente
de outros lugares. Aos poucos, ano a ano, sua
composição foi avançando.
Em 66, uma chapa de transição e
a de 67, uma composição com independentes
e partidos de esquerda. O DCE, bem como os diretórios
mais influentes como os de Medicina, Engenharia,
Direito e Filosofia, e importantes unidades da
Universidade Católica, neste período
já estavam distribuídos entre as
forças políticas mais reconhecidas,
como o PCBR, AP, Dissidência Leninista e
Polop, ou em mãos de lideranças
próximas a estas correntes. A igreja progressista
estava em ebulição. Certamente o
PCB tinha alguma presença, mas pouco perceptível,
então. O mesmo aconteceu com inúmeras
faculdades isoladas em cidades como Ponta Grossa,
Londrina e Maringá que aos poucos foram
se alinhando com os grandes temas e lutas do movimento
estudantil brasileiro.
Umas
das disputas mais acirradas que animavam a luta
estudantil no Paraná era a polarização
em relação a propostas diferenciadas
para o futuro da universidade, retomando o espírito
das reformas de base preconizadas até antes
do golpe. Um acalorado embate teórico acontecia
em torno da “Universidade Crítica”,
proposta pela Polop e grupos mais próximos
às teses trotskistas e a “Universidade
Popular”, puxada pela Ação
Popular e que tinha certa proximidade com o PCBR.
Muitos
militantes do movimento estudantil participavam
de panfletagens nos bairros operários buscando
a aliança com a “força dirigente
da revolução” e deram reforços
ocasionais ao incipiente movimento bancário.
A eleição da UPE, num confronto
acirrado entre dois subgrupos de esquerda, foi
vencida pela Dissidência Leninista e aliados,
mas pouco pôde exercitar: com a queda do
30º Congresso da UNE e imposição
do AI-5, logo em seguida, colocou as entidades
mais combativas na ilegalidade e muitas lideranças
na clandestinidade. Restou a difícil opção
entre reconstruir um movimento de massas e a resistência
armada. De fato, o ano acabou a 13 de Dezembro.
Nunca nevou tanto como naquele Natal. |