
MOVIMENTOS
SOCIAIS E DIREITOS
Professor
Solon Eduardo Annes Viola
Professor de
Metodologia do Ensino Médio no Curso de Pedagogia da UNISINOS;
Professor de Política III no curso de Ciências Sociais da
UNISINOS; Doutorando do PPG de Ciências Sociais Aplicadas da
UNISINOS; Conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos.
Segundo
Kissinger, “a globalização é tão natural como a chuva”.
Por certo Kissinger não conhece as múltiplas regiões do Brasil.
No Nordeste brasileiro chove pouco; no Sul, ao longo do inverno,
as chuvas são abundantes e ocorrem, no mínimo, duas enchentes
por ano. Seria o Sul mais globalizado que o Nordeste? O ciclo das
chuvas regulado por grandes empresas, pelos organismos financeiros
internacionais como o G7, a OMC e o Banco Mundial?
O
fato de que a quinta parte da gente mais rica do mundo consumir
85% de todos os produtos e serviços, enquanto que a quinta parte
mais pobre consome somente 1/3% seria tão natural, quanto a
chuva?
Seria
tão natural que 4 bilhões e 400 milhões de habitantes dos países
mais pobres, aproximadamente três quintas partes da população
mundial não possuam acesso a água potável, uma quarta parte não
possua moradia, e uma quinta parte não tenha acesso a nenhum tipo
de assistência a saúde?
Seria
tão natural, como a chuva que 20% da população mundial consumam
86,5% das energias fósseis e hidráulicas do planeta? Seria possível
que o mesmo nível de consumo fosse colocado a disposição de
todos sem que houvesse um gigantesco desastre ambiental, tão terrível
quanto a prolongada seca, ou tão arrasadora quanto as enxurradas
das enchentes?
Seria
tão natural quanto a chuva que americanos e europeus gastem 17
milhões de dólares em alimentos para animais por ano, 4 milhões
de dólares a mais do que se necessita para promover a alimentação
e saúde básica para os que não possuem.
Seria
tão natural como o sol que 300 milhões de crianças ocupem
postos de trabalhos forçados e outras 37.000 morram diariamente
de pobreza relacionada a subnutrição e a ingestão de águas
contaminadas e resíduos tóxicos?
Seria
possível fazer outras perguntas tão cruéis quanto as
anteriores, mas o tempo é pequeno e o tema amplo. Basta, agora,
para encaminhar a argumentação dizer que a globalização faz
parte de um longo período histórico que inicia com a expansão
do capitalismo europeu a partir dos séculos XIV e XV, portanto
que é uma construção histórica que a cada ciclo (a maneira de
Fernando Braudel) amplia sua expansão geográfica e econômica e
a cada período histórico aumenta a sua capacidade de produzir
saber-fazer técnico, de acumular bens, de dar um sentido ao
mundo.
Desta
historicidade decorrem as condições sociais, locais ou globais,
de construir sociedades mais ou menos democráticas com uma inserção
efetiva, ou não, de políticas em defesa dos Direitos Humanos.
Políticas que se constituem numa estreita relação entre modelos
econômicos, movimentos sociais, entre eles os movimentos
ambientais, os movimentos feministas, os movimentos pacifistas e o
controle do Estado, como lugar de reconhecimento, efetivação ou
anulação dos mesmos (Therborn, 2000).
Se
a globalização tem se apresentado como concentradora de riquezas
e poder nas mãos das grandes potências do hemisfério Norte, os
movimentos sociais representam uma oportunidade de produzir
conflitos sociais, ampliar os espaços democráticos e exigir uma
política efetiva de implementação dos Direitos Humanos.
Os
movimentos em defesa dos Direitos Humanos estão ligados
diretamente as lutas permanentes pela defesa da qualidade de vida
tanto no que diz respeito as lutas de liberdades civis, aos
direitos sociais e a preservação do meio-ambiente. Sua importância,
como expressão política, tem servido ao mesmo tempo para
justificar ações de dominação como de referência
meta-societal de movimentos que se comprometem com a organização
dos despossuídos “... tornando-se assim um instrumento de pressão política, através de
alianças compactuadas com outros segmentos da sociedade civil”
(Silva, 1999, 45).
DIREITOS HUMANOS
REGULAÇÃO OU EMANCIPAÇÃO
O
tema dos Direitos Humanos tem se tornado uma unanimidade típica
dos tempos de globalização. Como o pensamento de que o mercado
por si só é capaz de regular as estruturas econômicas
produzindo em sociedade democrática e equânime os princípios
dos Direitos Humanos servem de pano de fundo para a implantação
de um modelo que se pretende, não só hegemônico, mas absoluto.
No
entanto, serve também para ações de denúncias, contra as
estruturas dominantes, feitas por diferentes tipos de movimentos
sociais. Seu universalismo o coloca tanto na condição de
pretexto para políticas governamentais e mote publicitário de agências
de propaganda, quanto como bandeira política em busca de
identidades, definição de princípios e formulação de estratégias
de ação, capazes de se constituir em movimento social.
Esta
parte do texto abordará as trajetórias sociais que fazem parte
da defesa dos Direitos Humanos e as conjunturas históricas nas
quais realizam suas ações. Procurará estabelecer os problemas
que dificultam, ou até mesmo impedem, a implantação de políticas
capazes de transformar em ato os princípios contidos nas declarações
existentes.
O
ponto de partida para a institucionalização dos Direitos Humanos
são os grandes movimentos políticos liberais dos séculos XVII e
XVIII, no momento em que o ideal democrático (...)
A
conquista da soberania política ocorreu em prolongados conflitos
com governos monárquicos que pretendiam preservar privilégios,
os seus próprios como os de seus aliados. As proclamações dos
direitos desde o Bill of
Rights visavam garantir a liberdade e a igualdade social. Uma
vez proclamados, no entanto, os Direitos Humanos não foram
suficientes para superar as diferenças sociais – na medida em
que se preservava o direito de propriedade privada – e política
– na medida em que a cidadania permanecia vinculada ao poder
econômico simbolizado pelo direito de propriedade.
As
lutas sociais dos séculos XIX e XX demonstraram que os princípios
proclamados nas declarações permaneceram como promessas não
cumpridas. Ou ainda:
“...
as duas mais importantes promessas da modernidade ainda a cumprir
são, por um lado, a resolução dos problemas da distribuição
(ou seja, das desigualdades que deixam largos estratos da população
aquém da possibilidade de uma vida decente ou sequer da sobrevivência);
por outro lado, a democratização política do sistema político
democrático” (Santos. 1997, 98).
A
não efetivação das promessas remete a questão dos Direitos
Humanos para as ações dos movimentos sociais. Não efetivados,
mesmo que reconhecidos e proclamados, transformaram-se em aspirações
políticas e sociais, em anseios efetivos de emancipação das vítimas
de todo o tipo de opressão.
Com
esta amplitude os movimentos sociais em defesa dos Direitos
Humanos demonstram seu caráter coletivo e universal. Suas ações
assumem a defesa dos oprimidos, ora políticos – perseguidos por
diferentes tipos de governo – ora sociais colocados em condições
precárias de vida por diferentes modelos econômicos
concentradores de riquezas e oportunidades.
O
acréscimo que a defesa dos Direitos Humanos traz para os
movimentos sociais, além do seu caráter universal, é a ampliação
do espaço político, para além do mais imediato e efêmero.
Trata-se de produzir uma nova ética capaz de ampliar o
significado da participação como o exercício de novas
modalidades de cidadania.
Exercícios
que se substanciam nas lutas travadas em defesas de situações;
ora universais – como as realizadas por feministas,
ambientalistas e pacifistas, - ora específicas, que se relacionam
a condições locais – moradias, terra, transporte, educação,
saúde, enfim, da qualidade de vida.
Nas
condições de crise sócio-ambientais, como a que vivemos neste
início de século, a luta em defesa dos Direitos Humanos, além
de conter as dimensões clássicas acima descritas, precisa
incorporar os direitos de indivíduos e povos em relação a
preservação ambiental na medida em que o atual modo de produção
tem produzido riscos ecológicos graves, na medida em que baseia
seu consumo de energia em fontes não renováveis.
O
predomínio da economia de mercado produziu uma sociedade que
revela, ao mesmo tempo, imensas desigualdades sociais e de
direitos e uma crise ambiental sem precedentes. Assim, de um lado
enfrentamos uma enorme concentração de riqueza e de bens, e de
outro aumentam os contingentes de pessoas e grupos sociais vivendo
em condições de pobreza e miserabilidade. Independentemente do
lugar que ocupam nas estruturas sociais, ambos encontram-se ameaçados
por desastres ecológicos cada vez mais frequentes e pelo
esgotamento dos recursos naturais não renováveis.
Na
América Latina, e no Brasil em especial, as diferenças sociais
balizam os limites da civilização, o que é demonstrado pelo
permanente crescimento dos índices de violência. Fator que tem
provocado alterações na estética urbana de tal modo que as áreas
residenciais das elites e das camadas médias da população
transformaram-se em áreas militarizadas protegidas, por muros,
guaritas e formação de grupos de segurança privada.
De
outra parte, nos bairros empobrecidos das periferias a população
permanece a mercê do crime organizado ou da desmedida violência
policial. Nos múltiplos aspectos deste quadro social pode-se
observar o rompimento dos limites entre civilidade e barbárie,
notadamente quando os índices de morte por violência aumenta
constantemente. Índices que, em toda a América, só é inferior
ao da Colômbia que vive uma longa guerra civil.
A
urbanização e o processo de industrialização que caracteriza a
segunda metade do século XX não conseguiram eliminar as grandes
disparidades sociais herdadas da escravidão e do extermínio das
populações indígenas.
“As
lutas pelo desenvolvimento do país conseguiram vencer obstáculos
e consolidar conquistas sociais e no processo de redemocratização
pós-regime militar muitas dessas conquistas foram incorporadas na
Constituição de 88. Contudo os ajustes estruturais determinados
pelos organismos internacionais, o Mercado colocado como a única
via da felicidade, as políticas fiscais e tributárias executadas
desde a Nova República, trouxeram, ao lado de alguns pontos
positivos, resultados gravíssimos de pauperização; de violência,
de tráfico de drogas, entre outros, tornando a situação urbana
um elemento crítico da questão social abrangente, o que passa a
ser vivenciado no cotidiano de todos” (Wanderley, 2000,
115).
Neste
quadro de disparidades econômicas as diferenças sociais produzem
tipos distintos de qualidade de vida. Na base da estrutura social
localizam-se 23% das famílias brasileiras. Obrigados a enfrentar
o cotidiano com uma renda mensal de até dois salários mínimos não
conseguem responder as condições básicas para ter uma vida
digna. Socialmente discriminadas passam a reconstruir, no imaginário
social, o espectro das “classes perigosas” do século XIX.
Economicamente
empobrecida, socialmente excluída, culturalmente discriminada,
juridicalmente submetida ao código penal, vivem em desencanto com
a democracia representativa e, com frequência, transformam sua
cidadania em objeto de mercado.
A
maioria da população é composta por 63% das famílias que
ganham entre 2 a 20 salários mínimos. Esta população não
possui noção de seus direitos ficando indefesa perante a ação
da polícia e dos demais agentes repressores do Estado.
De
outro lado formam-se elites que, se colocam acima de controle,
sejam os mesmos legais ou éticos. Defendem seus interesses,
independente do restante da sociedade e influenciam decisões
governamentais, pelo poder econômico ou o prestígio social que
possuem. Estas elites são compostas por:
“...
empresários, banqueiros, grandes proprietários rurais e urbanos,
políticos, profissionais liberais, altos funcionários.
Frequentemente, mantêm vínculos importantes nos negócios do
governo, no próprio poder judiciário” (Carvalho, 2001,
215).
Constituem
uma minoria de 8% das famílias que, recebendo mais de 20 salários
mínimos mensais, constróem uma sociedade e parte, refazendo os
privilégios das cortes absolutistas do século XVIII, ou da
aristocracia da moeda do período áureo do Império.
O
fator social que a torna atual é sua importância econômica:
“...
o seu poder sobre a economia que a distingue. Ela negocia e
decide. Seu conceito não está mais nas belas aparências, da
vida santuária ou divertida dos cadernos de variedades dos
jornais, está na seriedade, nas páginas de economia”
(Ribeiro, 2000, 23).
Esta
situação de desigualdade tende a produzir a intensificação das
tensões e a gerar movimentos sociais organizados e orientados
para influenciar a constituição de valores comuns constituindo
novas culturas políticas no interior de diferentes sociedade e da
própria sociedade mundial.
DIREITOS HUMANOS ENTRE A PROMESSA E O
MOVIMENTO
Trata-se,
aqui, de recuperar as lutas que produziram os direitos de segunda
geração. Direitos que combateram “...
As violações, mesmo indiretas ou estruturas, à integridade
pessoal ou social, além de abranger o direito a um
desenvolvimento cultural, econômico e social autônomo, contra os
obstáculos resultantes de uma ordem internacional injusta”
(Altvater, 1999, 116).
A
conquista destes direitos, não se caracteriza por apresentar uma
cronologia de conquistas evolutivas. Ao contrário, apresenta-se
como um árduo embate histórico que reverte-se de oscilações
marcantes, das quais as atuais perdas dos direitos conquistados
durante o Estado de bem-estar, típicas da regulação fordista,
tem se demonstrado como o exemplo mais atual, mesmo nas regiões
desenvolvidas do hemisfério Norte.
Em
outras circunstâncias os direitos de participação tornam-se
meras formalidades. Estas situações revelam-se mais agudas
quando os Estados nacionais se submetem aos interesses do capital
financeiro e da indústria militar reduzindo sua participação na
prestação de serviços à população e assumindo uma posição
de subserviência.
Situação
agravada pelo bombardeio publicitário que só permite ver um tipo
de solução para os problemas, aquela fornecida pela mais ampla
liberdade de mercado. Ilusão política que se torna quase
absoluta quando faz crer que “...
a economia é séria e moderna; o social, perdulário e arcaico”
(Ribeiro, 2000, 21).
O
quadro acima descrito, tem remetido a população empobrecida para
solução de problemas imediatos, como as lutas por transporte,
moradia, educação, saúde, empregos, pela terra, ou melhores
condições de trabalho e, não raro, pelo direito a alimentação.
Estas
lutas remontam as condições sociais presentes durante os períodos
revolucionários do século XVIII quando se constituíram os
direitos de primeira geração nas nações centrais do
capitalismo. Condição histórica estabelecida “a partir de reivindicações de indivíduos contra violações por
agentes econômicos, Estados, instituições políticas e agentes
sociais” (Altvater, 1999, 116) e que, nas regiões periféricas
do capitalismo ainda não foram alcançadas.
Ao
longo do século XX, especialmente a partir de implementação do
keynesianismo, o Estado, nos países desenvolvidos do Norte,
tentou garantir políticas de assistência médica, habitação e
serviços educacionais em larga escala, procurando atender
reivindicações por direitos sociais e civis que pressionavam as
estruturas do capitalismo. Muitas vezes, os benefícios das populações
do Norte foram conseguidos a custa da exploração dos
trabalhadores do sul.
Para
os países do Hemisfério Sul tais políticas permaneceram como um
objetivo distante e os setores empobrecidos e marginalizados
precisaram retomar os movimentos por melhores condições de vida.
Muitas
vezes os movimentos sociais perderam a dimensão da totalidade
ficando submetidos a um auto esgotamento, seja pelo atendimento de
suas reivindicações, seja pela exaustão da capacidade de
mobilização. Mas, especialmente porque não possuíam uma
proposta meta-societal.
Enquanto
nos Estados Unidos, em meados do século XX, ocorriam as lutas em
defesa dos direitos civis, na América Latina, e no Brasil em
especial, as lutas por estes direitos produziram as bandeiras dos
movimentos das décadas de 1960, 1970 e 1980 privilegiando o difícil
combate em defesa da vida e da integridade física dos adversários
dos regimes militares latino-americanos. Já a defesa dos direitos
sociais, caracterizaram as lutas por moradia, transporte, alimentação,
saúde e educação dos anos 1980 e 1990.
Na
busca de preservar suas identidades, os movimentos provocaram um
isolamento insuperável que impediu a formação de uma identidade
universalizada.
A
gradativa e constante perda dos direitos dos trabalhadores
ampliam-se, e sua dimensão social torna-se ainda mais dramática
quando os postos de trabalho perdidos são ocupados por crianças
e adolescentes. Segundo estimativas do UNICEF o trabalho forçado
atinge 300 milhões de crianças em todo o mundo:
“...
este fenômeno de trabalho infantil pressiona a baixa dos salários
não só dos operários ingleses, mas também dos operários da Índia
e do Banglasdesh, onde as fiações e firmas têxteis substituem o
trabalho das mulheres pelo dos adolescentes ou crianças,
contratados com salários muito mais baixos e atentando
irreparavelmente contra suas condições de saúde” (Blackburn,
2000, 158).
Os
direitos ambientais tornam-se cada vez mais significativas na
medida em que as questões ecológicas colocam em risco a própria
sobrevivência da humanidade sob o planeta, não só pelo
esgotamento das fontes não-renováveis de energia fóssil, mas
pelo geométrico crescimento dos índices de poluição do ar e da
água.
Em
uma situação de ameaça ecológica e de perda de direitos,
amplia-se a necessidade do movimento social superar a crença ingênua
de que, uma vez regulamentados, os Direitos Humanos serão
transformados em prática social emancipadora.
atualmente,
ao contrário do período político que se seguiu ao final da
segunda grande guerra quando os Direitos Humanos serviam de fundo
ideológico aos embates políticos da guerra fria, a realidade política
demonstra a dificuldade de implantação efetiva das garantias da
cidadania e da qualidade de vida da maioria da população. No
dizer de Altvater:
“...
os processos de globalização – incluindo a dissolução da
soberania política, de um lado, e a crise ecológica, de outro
– prejudicaram as reivindicações voltadas para determinados
direitos substanciais. A ordem democrática passou a enfrentar uma
série de novos dilemas” (Altvater, 1999, 116).
Dilemas
que se expressam no embate travado entre os movimentos sociais e o
Estado. Os primeiros lutam e defendem os Direitos civis, sociais e
ambientais, no âmbito do Estado estes direitos são formalmente
reconhecidos, regulamentados, e efetivamente implementados,
esquecidos ou combatidos.
DILEMAS E PARADOXOS
Os
Direitos Humanos tem assumido, ao longo das duas últimas décadas,
o dilemático e paradoxal lugar de unanimidade mundial. Paradoxal
porque se transformou em reivindicação de distintos movimentos
sociais, revelando uma aspiração de mudança, tanto através da
sociedade civil, quanto do Estado.
O
paradoxo torna-se maior na medida em que os Estados nacionais
institucionalizam os Direitos Humanos assumem protocolos
internacionais, princípios constitucionais, criam organismos e
programas de implantação, enquanto atuam na contramão do que
apregoam.
De
outro lado os Direitos Humanos servem de justificativa para
intervenções armadas que eliminam a soberania de nações e as
expressões culturais próprias de cada cultura.
O
paradoxo amplia-se quando os Estados nacionais orientam suas ações
para políticas econômicas que privilegiam a hipertrofia do
mercado especialmente do mercado financeiro mundial. Especialmente
quando a estrutura sócio-econômica da prioridade do mercado
elimina direitos historicamente conquistados: na medida em que: “...
as reformas econômicas postas em prática nos anos recentes na América
Latina são, na realidade, “contra-reformas” orientadas para
aumentar a desigualdade econômica e social e para esvaziar de
todo conteúdo as instituições democráticas” (Boron,
2000, 11).
O
paradoxo extrapola o político e transforma-se em drama social
demonstrado pelo aumento da miséria mundial, da qual as maiores vítimas
são as populações empobrecidas que vivem no hemisfério sul.
O
maior destes paradoxos encontra-se no fato de que, mesmo Admitidos
pela jurisprudência dos tribunais, reconhecidos nas constituições
dos Estados, acordados em tratados internacionais, proclamados em
declarações universais, sua execução esbarra em uma forma de
estrutura sócio-econômica que privilegia as elites
internacionais tornando cada vez maior as diferenças entre os
hemisférios Norte e Sul (Santos, 1995).
Os
dilemas estão relacionados a defesa de: uma economia auto-sustentável;
na preservação do equilíbrio ecológico e, das lutas pela
superação das discriminações de raça, gênero e classe. Este
dilema se torna mais expressivo na medida em que o Norte detêm o
controle dos avanços da ciência e da técnica, concentra
riquezas e capacidade de consumo em níveis que não podem ser
estendidos a toda a humanidade sob risco de gerar uma gigantesca
falência econômica e ambiental (Santos, 1995; Arrighi, 2001).
O
segundo dilema diz respeito aos limites dos próprios movimentos
sociais na medida em que se restringem as questões específicas
especialmente as ligadas aos direitos sociais, esquecendo a
amplitude universal dos princípios fundadores dos Direitos
Humanos. Ele se explicita na relação entre os movimentos sociais
e os Estados na luta pela garantia e efetivação dos direitos já
legalmente reconhecidos, e pela implementação de novos direitos.
Relação que precisa ser entendida como processo de luta que se
realiza nos espaços tencionados entre a autonomia e a regulação.
As
ameaças aos Direitos Humanos, cada vez mais constantes e
vigorosos, precisam ser enfrentadas com a lembrança permanente de
suas origens e de sua constituição como espaços de lutas
individuais e sociais.
“...
os direitos humanos tradicionais – da ‘primeira’ e da
chamada ‘segunda’ gerações – têm que ser complementados
pelos de ‘terceira’ geração, reivindicação que vem
ganhando cada vez mais força. Portanto, direitos humanos
compreendem também direitos de indivíduos (e povos) em relação
à integridade da natureza, isto é, do meio ambiente em que os
seres humanos vivem"”(Altvater, 1999, 115).
Assim,
os Direitos Humanos revelam-se, ao mesmo tempo, como um discurso
capaz de legitimar o modelo econômico excludente, e de outro como
capaz de fornecer as bases para a produção de sociedade mais
participativa e igualitária. A garantia possível de sua
aplicabilidade está intimamente relacionada a capacidade das
diferentes sociedades mobilizarem-se, autonomamente, em busca de
uma cultura política que objetive sua implementação.
De
outra parte os Direitos Humanos apresentam-se como uma
possibilidade de mundialização política construída para além
das dimensões de mercado, em permanente conflitualidade com os
Estados nacionais, dos quais devem exigir reconhecimento,
regulamentação, efetivação e autonomia.
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