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O OUVIDOR
UNIVERSITÁRIO
Rubens Pinto
Lyra
1 - INTRODUÇÃO
Experiências
internacionais
As primeiras
Ouvidorias universitárias surgiram no Canadá, em 1965, na
Universidad Simón Froser, e nos Estados Unidos, em 1967, na
Universidade Estadual de Nova York, e, também, na
Universidade de Berkeley.
Mas somente em
1985 tivemos a criação, na América do Sul, de sua primeira
Ouvidoria universitária: a da Universidade Nacional Autônoma
do México (UNAM).
Na seqüência,
foram criadas Ouvidorias em várias universidades européias,
especialmente na Espanha, como as das Universidades de
Salamanca, Granada, Léon e Complutense de Madrid.
Mais
recentemente, universidades canadenses, como a de Manitoba e a
de Laval, criaram a função do Ombudsmam.
Entretanto, o
Ouvidor da UNAM, denominado Defensor de los Derechos
Universitarios, é o que mais se destaca, seja pelo prestígio
de que goza e pelo status conquistado, seja pela importância
da Universidade em que atua, que conta com um corpo discente
de aproximadamente 300.000 alunos.
É bem verdade
que o perfil dos Ouvidores universitários espalhados em
diversos continentes nem sempre coincide com o do Ombudsmam
sueco. Esta instituição sofreu várias metamorfoses, de tal
forma que os órgãos criados sob sua inspiração têm
características bastante diversificadas, inclusive os que se
desenvolvem em um mesmo país, conforme comprova a experiência
da Ouvidoria tupiniquim.
O perfil do
Defensor Universitário da UNAM é o do titular de um órgão
de controle da legalidade. Cabe-lhe, pois, essencialmente, "vigilar
la correcta aplicación del orden legal universitário cuando
un estudiante o miembro del personal académico invoque una
violación a un derecho de caráter individual" (inciso
I do Art. 10º do Reglamento de la Defensoria). Nesses
casos, esta propõe as medidas que considere necessárias para
o restabelecimento da ordem jurídica (UNAM, 1992).
A atuação da
Defensoria Universitária Mexicana, circunscrita ao campo do
direito, exige que o seu titular seja um "jurista de
prestígio y com amplio conocimiento de la Legislación
Universitária".
A diferença em
relação ao Ouvidor brasileiro é flagrante: este atua, regra
geral, sobretudo no controle da qualidade do serviço
prestado, pronunciando-se, consequentemente, em relação ao mérito
deste.
Nessa ótica, o
Ouvidor assume, freqüentemente, como veremos adiante, o papel
de indutor de mudanças estruturais na instituição em que
atua. Não obstante, algumas características da Defensoria
Universitária da UNAM, consagradas no regulamento que a
criou, parecem dever ser absorvidas pela Ouvidoria universitária
brasileira, de contornos ainda não completamente delineados.
1. Sua independência
" que se impone frente a qualquiera y a todas las
autoridades y funcionarios de la UNAM, inclusive ante la máxima
autoridade legislativa como es el Consejo Universitário, ante
al Tribunal Universitário, autoridade suprema en materia
judicial y aun frente al Rector, primera executiva ".
2. Da mesma
forma " también es independiente respecto qualquier
grupo politico ", a fim de garantir estrita
imparcialidade nas suas manifestações.
3. A exigência
de qualificação acadêmica, comprovada no " ejercicio
distinguido de una cátedra, del estudio constante que se
traduce em la especialidad en un área específica, en la
elaboración reflexiva de trabajos de investigación. Isto
porque tais predicados "establecen un vínculo de enorme
importancia ... com todo lo relacionado com la vida
universitaria, lo que se genera en el trato permanente com los
académicos y los estudiantes " (UNAM, 1992).
Surgimento e
disseminação das Ouvidorias Universitárias no Brasil.
No dia nove de
março de 1990, vinha à lume, em artigo publicado na imprensa
paraibana, a primeira proposta divulgada no país, de criação
de uma Ouvidoria universitária. A síntese do que havíamos
exposto naquele pequeno trabalho continua pertinente e atual:
(1)
Ao Ouvidor,
"caberia receber queixas e sugestões, reclamações e
denúncias sobre o desempenho dos serviços da Universidade e
encaminhá-las, acompanhadas de parecer, aos órgãos
competentes. Estes disporiam de tempo limitado para responder
ao Ombudsman, sob pena de responsabilidade
administrativa. Seria, obviamente, dada ampla publicidade às
atividades desenvolvidas pelo Ouvidor, que não teria qualquer
poder decisório e sim o poder irrestrito de encaminhar e
debater toda matéria que fosse submetida à sua apreciação,
bem como o de formular sugestões e críticas aos diversos níveis
e setores da administração universitária". O Ombudsman
teria mandato de dois anos e seria eleito, seja pelos
colegiados superiores da instituição, seja por eleição
direta" (LYRA, 1990)(1).
Acrescente-se,
ainda, que, no exercício de sua função de mediador, o
Ouvidor "coloca em prática um processo de resgate da
cidadania no âmbito da comunidade acadêmica, criando
condições para que todos compreendam a necessidade de
cumprir os seus deveres e exigir os seus direitos".(PROPOSTA,
1994).
Todavia, foi
necessário aguardar o ano de 1992 para ver criada a primeira
Ouvidoria universitária do Brasil: a da Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES). Na seqüência, foram instaladas as
Ouvidorias da Universidade de Brasília (UNB), em 1993, e da
Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 1994.
Após a criação
dessas duas Ouvidorias, esperava-se que o ano de 1996 se
constituísse em um marco, com a promessa da criação da
figura do Ombudsman em várias Universidades:
Federais de Juiz de Fora (UFJF), Santa Catarina (UFSC), Paraná
(UFPR), Rio Grande do Norte (UFRN) e São Carlos (UFSCar), e
nas Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC). Todavia, a criação
de Ouvidorias ocorreu naquele ano, apenas, na UFSC e na UFJF.
Em relação às
demais instituições, as expectativas se frustraram, com a
alegação, formulada por dirigentes da maioria destas, de que
nelas faltavam servidores com perfil adequado para o cargo ou,
quando não, recursos necessários ao pagamento da gratificação
a que faz jus o Ouvidor. Argumentos pobres que apenas denotam
o pouco empenho dessas instituições em criar mecanismos
efetivos de controle da sociedade sobre a Universidade, única
forma de elevar a um patamar superior a democracia universitária,
tolhida pelas limitações inerentes à democratização
corporativista do poder acadêmico (LYRA, 1998).
Neste contexto,
teve-se ainda que amargar a desativação, em 1997, da
Ouvidoria da UNB, e, em 1999, da Ouvidoria da UEL, ambas por
motivos não claramente explicitados, embora em relação à
Universidade Estadual de Londrina a sua direção tenha
justificado(?) a medida pela necessidade de contenção de
gastos.
A desativação
da Ouvidoria da UNB de marcante atuação no seu período de
funcionamento, deixa no ar uma interrogação: teria sido o
incômodo causado pela atuação do Ouvidor a determinados
setores acadêmicos o motivo que levou à suspensão de suas
atividades?
Enfim, deve-se
registrar que a Ouvidoria da UFPR, criada pela Resolução
75/97, do seu Conselho de Administração, permanece até hoje
no papel.
Em 1997,
assistiu-se à criação de apenas uma Ouvidoria universitária,
a primeira do Norte-Nordeste: a da Universidade Estadual do
Ceará (UECE).
Porém, desde
1998, este quadro desanimador foi superado com a criação de
nada menos que quinze Ouvidorias universitárias.
Naquele ano,
entraram em funcionamento Ouvidorias na Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (EPUSP), na Universidade Salvador (UNIFACS),
na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e na Universidade de
Santa Cruz do Sul (UNISC).
Em 1999, nas
Universidades Federais da Paraíba (UFPB) e do Rio Grande do
Norte (UFRN); na Universidade Católica de Brasília (UCB) e
nas seguintes Instituições Estaduais de Nível Superior:
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio
(FAFICOP), Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP),
ambas neste Estado; Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), Faculdade de
Medicina de Rio Preto (FAMERP) e Faculdade de Engenharia Química
de Lorena (FAENQUIL), todas no Estado de São Paulo.
Finalmente, no primeiro semestre do ano 2000, instalaram-se
novas Ouvidorias no país: a da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ) e da Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP).
Observe-se que,
de 1992 até 1997, a expansão das Ouvidorias nas
Universidades foi lenta e pouco expressiva: de uma para
quatro. Porém, no espaço de dois anos e meio, este número
saltou para dezenove. Ou seja, neste curto período, houve um
crescimento de 375%.
As Ouvidorias
universitárias (dezoito ao todo) constituem, portanto, a
primeira rede nacional de Ouvidorias, públicas, na sua quase
totalidade, assim distribuídas: 9 (nove) em Instituições
Estaduais de Ensino Superior (UECE, EPUSP, EMBAP, FAFICOP,
UNESP, FAMEMA, FAMERP, FAENQUIL E UERJ); 6 (seis) em Instituições
Federais de Ensino Superior (UFES, UFSC, UFJF, UFV, UFPB e
UFRN); 3 (três) em Instituições Particulares de Ensino
Superior (UNIFACS, ECB E UNIDERP) e 1 (uma) em uma Instituição
Comunitária de Ensino Superior: A UNISC.
Com a recente
incorporação, em 1999, e no primeiro semestre do ano 2000,
de algumas das maiores e das mais qualificadas instituições
de ensino superior brasileiras, essa rede de Ouvidorias
universitárias – a maior do país – passa a ocupar um
lugar proeminente na determinação do perfil do Ombudsman
na esfera pública e no processo de disseminação deste
instituto (2).
Espera-se que a
instalação, prevista para ainda este ano, em caráter
experimental, da Ouvidoria da Universidade de Campinas
(UNICAMP) e da Ouvidoria Geral da Universidade de São Paulo
(USP), esta com a função de coordenar as Ouvidorias das
Unidades dessa Universidade, venha a consolidar, em
definitivo, a existência do instituto do Ombudsman
na comunidade universitária brasileira.
2 – PAPEL DO OUVIDOR
UNIVERSITÁRIO
O Ombudsman
universitário se situa, em nosso entender, no contexto da
chamada democracia participativa, ainda que a virtual inexistência
de estudos de Ciência Política sobre as Ouvidorias não
tenha permitido análises em profundidade sob este prisma.
Consideramos, com efeito, que o exercício da democracia
participativa se materializa em institutos como o referendo e
o plebiscito, mas também em órgãos colegiados ou
unipessoais que ensejam a participação semi-direta da
comunidade no controle social da administração pública, ou
na sua própria gestão.
As Ouvidorias,
os Conselhos de Direitos Humanos e o Orçamento Participativo
figuram com destaque entre os órgãos constituintes da nova
esfera pública da cidadania que preservam e valorizam a res
publica, condição necessária para a formação de uma
consciência cidadã, voltada para o universal.
A Ouvidoria é,
precisamente, um instrumento de transparência e, como tal,
indispensável à garantia da lisura, impessoalidade e eficácia
do exercício da função pública.
A Ouvidoria
transmuda ação do particular que, acionando-a, investe-se,
de certa forma, do munus público, ao revestir a sua
demanda, originariamente fundada numa lesão privada, com o "manto
da indumentária pública".
É justamente
por ser um instrumento privilegiado de transparência na
Administração que a expansão das Ouvidorias encontra tenaz
resistência, em um país onde a influência do
patrimonialismo faz as classes dominantes conceberem o Estado
como uma extensão do seu domínio privado. Uma tal
mentalidade não data de hoje, pois, conforme relato de Frei
Vicente do Salvador, primeiro historiador brasileiro, datado
de 1627, "nenhum homem nesta terra é repúblico nem
zela nem trata do bem comum, senão do bem particular"(Comparato,
1993).
Infelizmente não
são somente políticos conservadores que se sentem alérgicos
ao controle social. Também , na esfera pública, o vírus do
corporativismo, do autoritarismo e do populismo conspira
contra concepções e práticas voltadas para o interesse público.
Daí a importância da ação do Ouvidor.
Entendemos que
este, especialmente o Ouvidor universitário, deve ter como
função primordial o "controle do mérito, da
oportunidade, da conveniência da prestação do serviço público"
(DALLARI, 1993). Na verdade, esta questão é decisiva, já
que não se trata apenas de se obter um "desempenho
correto" da administração. Mas sim de, através das
sugestões e críticas formuladas por integrantes da
comunidade universitária, ou da própria sociedade, torná-las
verdadeiras co-gestoras da administração universitária.
O papel
desempenhado pelos ouvidores universitários tem sido,
conforme definição dada por um dos seus pioneiros, o
Professor Hugo Brandão, o de "fomentador de soluções e
do desenvolvimento institucional" (BRANDÃO, 1995).
Com efeito, a
atividade própria do ouvidor, a de auscultar os problemas que
dizem respeito ao quotidiano da Universidade, credencia-o "a
agir como um crítico interno, que a partir das demandas que
lhe são encaminhadas, monta uma verdadeira radiografia da
instituição. Com estes dados elabora pareceres sobre as
necessidades de mudanças nos seus procedimentos e normas,
objetivando o aperfeiçoamento do desempenho e do
relacionamento institucionais..." (VILANOVA, 1997).
A proposta de
criação de uma Ouvidoria, enviada ao Conselho Universitário
pelo Reitor da UNICAMP, Professor Hermano Tavares, entende que
o Ombudsman universitário pode "contribuir com a
Administração na identificação de problemas sistêmicos,
na correção de injustiças, na proposição de novos
procedimentos, atuando assim como agente de mudança"
(TAVARES, 1997).
Agente de mudança,
na medida em que o poder de proposição do Ouvidor se
materializa em iniciativas de caráter estruturador, susceptíveis
de promover a modernização democrática da Universidade.
Agente de mudança,
também através da realização de mais justiça, mais eficácia
e de maior participação da comunidade universitária e da
sociedade nos destinos da instituição universitária.
A Ouvidoria
constitui-se, em suma, no fato gerador de um novo estilo e de
uma nova práxis administrativa, graças à transparência
e ao salto de qualidade que pode alcançar a gestão dos negócios
públicos, quando tonificada pela intervenção consciente e
construtiva da cidadania.
Existe,
contudo, entre os partidários da democracia direta, e de
outras formas de participação coletiva da cidadania na
esfera pública, aqueles que encaram com reservas a ação do
Ouvidor. Isto porque não vêem com bons olhos o
encaminhamento de questões de interesse pessoal, pois essa prática
poderia, na opinião de tais críticos, resvalar para
procedimentos individualistas, em detrimento de uma práxis
coletiva.
São receios
infundados tendo em vista que as questões do quotidiano da
administração, que lesam apenas determinados indivíduos, e
não a coletividade, não têm outra maneira de ser
equacionadas a não ser caso a caso, individualmente. A
diferença, com a Ouvidoria, é que se cria um mecanismo de se
reparar a lesão – que de outro modo persistiria –
eliminando injustiças ou tornando efetivo, ou mais eficaz, o
serviço que a instituição pública deve prestar.
E será o próprio
usuário – ou o cidadão comum – que, através do Ombudsman,
irá contribuir para melhorar o funcionamento, como um todo,
da administração, ao concretizar, na ação desta, o binômio
eficácia-democracia. Quer dizer, os melhores resultados no
interesse do maior número.
Além do mais,
a Ouvidoria também favorece soluções coletivas, na medida
em que:
1) estimula o
cidadão a abandonar atitude de passiva resignação, face ao
desempenho insatisfatório da instituição pública,
tornando-o protagonista da mudança;
2) ajuda-o, na
maioria dos casos, a perceber que a solução das questões de
seu interesse imediato, pautada nos princípios de eficácia e
de justiça, é indissociável do aprimoramento, em benefício
de todos, da ação desenvolvida pelos responsáveis pela res
publica;
3) toma
iniciativas de caráter estruturador que objetivam promover
mudanças de interesse geral da comunidade universitária e da
sociedade.
3 - PERFIL DO OUVIDOR UNIVERSITÁRIO
A figura do
ouvidor, nas Universidades, caracteriza-se, em primeiro lugar,
pela diversidade e pela fragilidade de seu perfil
institucional. Mas, em quase todas essas instituições, foi
necessário contornar a legislação vigente, visto que o
cargo de Ombudsman universitário não existe no
plano de cargos e salários, nem dos Estados nem da União.
Assim, a
despeito da diversidade das situações existentes, quase
todas as Universidades que gratificam o Ouvidor têm em comum
a necessidade de recorrer a um artifício jurídico que
consiste na sua nomeação para funções de Assessoria a fim
de lhe assegurar percebimento de gratificação, em geral de
cargo de direção (CD) ou equivalente. Artifício jurídico,
porque o Ombudsman, pelo menos em tese, é a antítese
cabal do assessor, já que, representante da comunidade, deve
gozar de plena autonomia em relação ao dirigente da Instituição.(3)
Entre as
Ouvidorias, existiram aquelas, como a da UEL, onde não houve
sequer portaria de designação do Ouvidor. O Reitor escolhe
um dos seus assessores para ocupar, de fato, esta função,
porém, sem criá-la formalmente.
Constatamos que
esta fórmula é semelhante à que foi adotada pelo prefeito
Roberto Requião, quando da implantação, em março de 1996,
da primeira Ouvidoria pública do país. Assim, o decreto que
a criou previa, não a criação de um órgão, mas a atribuição
de funções especiais a um dos cargos do funcionalismo
municipal. A estratégia, além de elidir a necessidade de
aprovação da Câmara dos Vereadores, garantia a instituição,
nesta fase experimental, um caráter especial: criava-se a função
do Ouvidor, sem se criar uma Ouvidoria (GOMES, 1996).
Mas, na maioria
dos casos, os Ouvidores têm sido escolhidos pelo Reitor e
designados para o cargo, que advém ao mundo jurídico
mediante simples portaria! Entre estes, apenas um, na UECE, o
foi com atribuição de mandato (dois anos).
Somente duas
Universidades, a UFPB e a UFJF, criaram a Ouvidoria mediante
Resolução do Conselho Universitário (CONSUNI), que escolhe
o titular da novel função para um mandato de dois anos.
Trata-se de um
importante avanço já que, do ponto de vista jurídico, a função
de Ouvidor sai do limbo institucional em que se encontrava e,
do ponto de vista político, resgata a idoneidade do Ombudsman,
agora dotado da necessária independência para o exercício
de sua função.
Todavia,
enquanto o cargo de Ombudsman não for inserido
nos sistemas normativos federal e estadual que regem as
Instituições de Ensino Superior (IES), a atribuição da
gratificação ao Ouvidor – que lhe garante remuneração e status
condizente com as responsabilidades de seu cargo – fica
na dependência de livre decisão do Reitor.
Este, com
efeito, mesmo quando ato normativo do Conselho Universitário
estabelece a atribuição de gratificação para a função de
Ombudsman, pode negá-la, visto que é de sua competência
exclusiva designar servidor para exercer função gratificada
ou cargo de direção.
Desta forma, a
situação do Ouvidor fica sujeita à correlação de forças
políticas existente na sua IES, favorável ou não à
instituição do Ombudsman, e à credibilidade deste.
Caso se defronte com um Reitor negligente, ou avesso a mudanças,
fica à mercê de eventuais represálias do dirigente máximo
da instituição, como, por exemplo, o corte de sua gratificação.
Vê-se,
portanto, que a instabilidade – segunda característica do Ombudsman
universitário – é decorrência direta da inexistência
desse cargo nos planos de cargos e salários dos servidores
das Universidades. O que somente será sanado com a modificação
da legislação vigente.
A terceira
característica da Ouvidoria é que seu titular dispõe de
poderes investigativos limitados. Assim, por exemplo, na UFPB,
cabe ao Ouvidor apenas "receber e apurar a procedência
de reclamações ou denúncias que lhe forem dirigidas por
membros da comunidade universitária ou da comunidade
paraibana em geral" (Inciso 7º, Art. 6º da Res.
06/98, que criou a Ouvidoria). Não lhe cabe porém, instaurar
sindicâncias e inquéritos administrativos.
Quando ocorrer
indícios convincentes de violações às normas legais, caberá
ao Reitor, por solicitação do Ouvidor, tomar as medidas
acima referidas.
Por contraste,
os Ouvidores dos Estados (existem Ouvidorias desse gênero no
Paraná, Ceará, São Paulo, Pernambuco, Espírito Santo e
Mato Grosso do Sul) e dos Municípios (notadamente Santos e
Campinas) dispõem de poderes investigativos amplos, sendo
que, no Paraná, ao Ouvidor compete, inclusive, realizar
auditoria, sindicância e processo administrativo (Cf. inciso
III, Art. 2º do Decreto 498, de 01/03/1995).
Poderes
investigativos amplos certamente não se coadunam com o perfil
do Ouvidor universitário. Este já dispõe de um espaço de
atuação bastante amplo que deve se esgotar na sua função
de mediador, seja entre a comunidade universitária ou a
sociedade como um todo e a direção da IES, seja no âmbito
da instituição, dirimindo conflitos internos. Mediador a
quem cabe, também, formular publicamente críticas aos
setores da Universidade que permanecem indiferentes às sugestões
emanadas da Ouvidoria
O quarto
aspecto distintivo das Ouvidorias universitárias está apenas
se esboçando, mas com fortes chances de plena afirmação.
Diz respeito à tendência que se delineia na implantação de
algumas das novas Ouvidorias: a de garantir a autonomia ao
Ouvidor, mediante eleição pelo colegiado máximo da instituição,
e atribuição de mandato fixo. Se vitoriosa esta tendência,
a Ouvidoria Universitária contrastará, também nesse
aspecto, com as demais Ouvidorias existentes cujos titulares,
no Brasil, continuam sendo de livre nomeação dos dirigentes
dos órgãos fiscalizados. Não são, pois, eleitos para o
cargo nem dispõem de mandato fixo que lhes garanta a necessária
estabilidade.
As exceções são
a UFPB e a UFJF, que envolvem o Conselho Universitário na
escolha do Ouvidor.
Contudo, a UFPB
foi mais além, no que diz respeito à autonomia do Ouvidor.
Com efeito, este pode ser indicado não apenas pelo Reitor,
mas por qualquer integrante do CONSUNI, que o escolhe
livremente. Outra diferença: na UFJF, o CONSUNI apenas
chancela a escolha do dirigente máximo da instituição,
enquanto na UFPB o Conselho Universitário o escolhe
livremente.
Uma terceira
diferença: na UFPB, o Ombusman dispõe de mandato fixo.
Constituídas
as novas Ouvidorias, no respeito à autonomia do cargo de Ombudsman,
as instituições de ensino superior poderão exercer influência
determinante na mudança qualitativa do perfil do Ouvidor Público
brasileiro, hoje submetido à uma constrangedora capitis
diminutio: a de serem escolhidos para a função que
exercem justamente por aqueles cujas administrações se
encontram, em tese, sujeitas à sua fiscalização.
No I Encontro
Nacional de Ouvidorias Universitárias, ocorrido em João
Pessoa, nos dias 16 a 18 de junho de 1999, os Ouvidores
universitários brasileiros se posicionaram, na Carta de João
Pessoa, em prol da constituição de Ouvidorias "como
unidades administrativas dotadas de autonomia funcional, sendo
seus titulares eleitos pelo órgão colegiado superior da
instituição, com mandato certo e que tenham por finalidade a
promoção da democracia e o estímulo à participação do
cidadão na gestão universitária" (Carta de João
Pessoa, junho, 1999).
O II Encontro
Nacional de Ouvidores Universitários, realizado no dia 30 de
maio de 2000, em São Paulo, ratificou esse posicionamento,
embora reconhecendo a validade das experiências das
Ouvidorias atualmente existentes nas I.E.S., que ainda não
alcançaram autonomia plena (Carta de São Paulo, maio de
2000).
4 - AS
RESISTÊNCIAS À OUVIDORIA: O CORPORATIVISMO E O
AUTORITARISMO.
A figura do Ombudsman
tem sido tradicionalmente hostilizada – em geral veladamente
– por todos aqueles que, preocupando-se apenas com o seu
umbigo, adotam uma postura defensivista, buscando, tão-somente
garantir, vegetativamente, a sua autopreservação.
Temem – e
tremem – diante da perspectiva de um órgão de controle –
ainda mais democrático! – que tenha força suficiente para
sacudir os bolsões de ineficiência instalados na
Universidade, e que se preocupa em conformar o funcionamento
dessa instituição aos interesses da sociedade.
Assim, algumas
corporações sindicais se opõem à Ouvidoria por temerem o
questionamento do desempenho dos servidores da Universidade e
o poder que exercem no âmbito da instituição (4).
O que ocorreu
na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ilustra o
acima referido. Segundo depoimento da Professora Sidnéya
Gaspar de Oliveira, Ouvidora da UFSC, a primeira tentativa de
criação da Ouvidoria ocorreu em 1984, na primeira gestão do
atual Reitor Rodolfo Pinto da Luz. Entretanto, sua iniciativa
não logrou apoio do Conselho Universitário.
Em 1994, na
gestão do então Reitor Antônio Diomário de Queiroz, um dos
integrantes da representação estudantil no Conselho
Universitário voltou a colocar em pauta a criação de uma
Ouvidoria. Todavia, a sua criação foi abortada, tendo em
vista a resistência das corporações universitárias a esta
proposta. Alegou-se, nessa ocasião, que a Ouvidoria poderia
esvaziar a força de representação das entidades de classe,
na medida em que o Ombudsman atraísse para a
sua órbita o encaminhamento e a resolução das reivindicações
da comunidade universitária. Em 1996, de volta à Reitoria da
Universidade Federal de Santa Catarina, o Professor Rodolfo
Pinto da Luz, cumprindo compromisso decorrente do seu programa
de candidato, criou, em maio do corrente ano, através de
portaria, a função do Ombudsman (OLIVEIRA,
1996).
Outro exemplo
de resistência corporativa à criação da Ouvidoria se
expressa na laboriosa gestação desse instituto na
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), por nós proposta em
março de 1990.
Em 1993, o
Reitor eleito, Professor Neroaldo Pontes de Azevêdo, que nos
havia encomendado um projeto de criação da Ouvidoria na
UFPB, desistiu, às vésperas de sua instalação, alegando
"resistências" até hoje não explicitadas. Seu
sucessor e atual Reitor, Professor Jader Nunes de Oliveira,
que tomou posse em outubro de 1996, também incorporou no seu
programa de candidato a idéia de criação da Ouvidoria.
Todavia, a proposta, somente encaminhada ao Conselho Universitário
(CONSUNI) em 1998, sintomaticamente, continha graves restrições
à autonomia do Ouvidor, tais como a proibição de prestar
declarações sobre assuntos submetidos à sua apreciação
– salvo às partes interessadas e a órgãos da Universidade
(PROPOSTA, 1997).
Todavia, o
dirigente máximo da UFPB aceitou, após negociações, que se
escoimassem da proposta acima referida os aspectos que
comprometiam a idoneidade da função do Ombudsman.
Assim, foi finalmente criada, "dotada de plena autonomia
e independência", a Ouvidoria Geral da UFPB, mediante a
Resolução nº 6, de 10 de setembro de 1998, e o seu
primeiro titular, solenemente empossado, no dia 17 de março
de 1999.
**
Uma das
principais formas de resistência à Ouvidoria poderia ser
chamada de "corporativismo de facção": os grupos
que disputam o poder na Academia não conseguem constituir um
espaço público, dotado de eticidade própria – no caso em
espécie, o que objetiva o aprimoramento de práxis democrática,
assegurando o respeito ao direito de participação e o zelo
pela máxima eficácia na prestação dos serviços da
Universidade.
O tênue
compromisso das facções universitárias com a democracia
explica a desconfiança recíproca da parte adversa em
respeitar as regras do jogo, caso esta venha a se investir de
alguma parcela de poder. Cada facção julga a outra pelo seu
próprio comportamento. Assim, um Ombudsman
escolhido com o apoio dos adversários – e, pior ainda, por
eles – poderia, nesta lógica de raciocínio, transmudar-se
em candidato natural ao "poder paralelo".
Parafraseando
CALLIGARIS, "trata-se de uma cena cultural em que o
sangue comum (os interesses de facção) conta mais do que a
autonomia do juízo moral. A ética é a da tribo (da facção).
A pátria (a facção) está acima dos pruridos de qualquer
indivíduo" (CALLIGARIS, 1999).*
*) (Os trechos
entre parenteses são do autor)
Daí ser tão
difícil se achar alguém com o "perfil adequado"
para o cargo. Leia-se: alguém efetivamente comprometido com
as regras do jogo institucionais, capaz de agir
imparcialmente, no exercício do munus público, sem
outro norte para a sua conduta, que não o respeito ao direito
e à verdade dos fatos.
E não se trata
apenas das universidades supostamente mais
"atrasadas", mais sujeitas ao populismo e ao poder
sindical. Foi na respeitada UNICAMP que, recentemente, o
Reitor Hermano Tavares se viu na contingência de retirar de
pauta a proposta de criação do cargo de Ouvidor, face à reação
do Conselho Universitário, preocupado com a possibilidade de
o Ouvidor vir a exercer algum tipo de poder paralelo.
Outro fator de
resistência à criação do Ombudsman universitário
é o autoritarismo populista. Certa feita, um Reitor
declarou-me: "na minha instituição, o Ouvidor sou
eu, estou em permanente contato com as bases, ouvindo os seus
reclamos".
Tanto
democratismo escamoteia de fato o temor de que alguém que
exerça o poder de fiscalizar, independentemente da administração,
possa identificar violações às normas de transparência,
impessoalidade e de igualdade, entre outras, que regem uma
administração pública democrática.
Implantada a
Ouvidoria, e a despeito dos apoios que recebe o Ouvidor ao
exercício de seu mister,
"observa-se
uma cultura institucional ainda não madura o suficiente para
receber críticas. Isto se manifesta no interesse de alguns
administradores saberem a origem das reclamações, ou seja, o
nome dos reclamantes. Quando estes concordam em se
identificarem, ouvimos sempre comentários pejorativos sobre
os mesmos, no sentido de desqualificá-los, dando um caráter
de irrelevância às reclamações apresentadas. Há ainda
casos de professores que, ao serem cientificados pela
Ouvidoria de reclamações de alunos, no tocante à falta de
assiduidade, pontualidade, falta de habilidade de
relacionamento e deficiência na transmissão de
conhecimentos, pressionam os alunos no sentido de
identificarem a procedência das reclamações, chegando a
ameaçá-los com maior severidade nas provas. Há registro de
estudante que chegou a ligar chorando para a Ouvidoria,
solicitando que sua reclamação fosse tornada sem efeito,
dada a reação do professor. Observa-se que muitos estudantes
evitam levar tais tipos de problemas às Coordenações e
Chefias dos Departamentos ou Cursos, temendo por represálias
dos professores alvos das reclamações, ou porque assim já o
fizeram e nenhuma providência foi adotada para a correção
do problema. Tal fato acontece em face do corporativismo, ou
simplesmente, devido as chefias se sentirem pouco à vontade
para chamar a atenção dos colegas" (VILANOVA,
1997).
5 - A AVALIAÇÃO DOS OUVIDORES
A avaliação
de desempenho das Ouvidorias, passados oito anos desde a
instalação da primeira delas, é ainda provisória e
inconclusiva. Isto porque, das dezenove existentes, apenas uma
tem período de vida superior a cinco anos: a da UFES. Além
do que, não foram feitos estudos sobre o funcionamento das
Ouvidorias Universitárias, salvo através de relatórios,
raramente analíticos.
Por fim, a
troca de Ouvidores, pelo menos na UFES, implicou completa
mudança nos métodos e na filosofia de trabalho adotada. (Cf.
DOXSEY, 1999).
Impõe-se,
neste primeiro esboço de avaliação, uma constatação
inicial: os Ouvidores não têm se restringido à abordagem
puramente casuística e pontual das demandas, nem se
contentado com a solução, em nível puramente individual,
das questões submetidas à sua avaliação.
Vários
Ouvidores têm procurado inserir sua intervenção em um
processo de questionamento dos próprios padrões de conduta
prevalecentes nas universidades. Jaime Doxsey, Ouvidor- Geral
do Espírito Santo, enfatiza a necessidade de renovação das
bases éticas da vida acadêmica. Seria esta a condição
indispensável para uma efetiva modificação de
comportamentos autoritários que dificultam a resolução de
questões de fundo, atinentes às relações entre aqueles que
têm interesse legítimo no desempenho da Universidade e esta
instituição.
DOXSEY
mostra que "a ética acadêmica", enquanto
terminologia ou conceito, não faz parte da cultura
institucional universitária, pelo menos no sentido de
configurar um princípio organizacional formal, o que
"complica consideravelmente a capacidade institucional
para lidar com problemas éticos de qualquer espécie".
Na sua análise,
DOXSEY destaca o fato de que "os problemas de ordem ética
decorrentes das relações em sala de aula não são problemas
disciplinares". Descarta, assim, ab initio, o que
qualifica de "uma ação autoritária por parte da
Ouvidoria", com base em uma intervenção "de
cima" para reparar a situação "em baixo".
Na sua forma de
ver, os que buscam a Ouvidoria "podem ser entendidos como
pessoas dependentes, vítimas de uma estrutura institucional
arbitrária e autoritária, sem esperança de se tornarem
sujeitos capazes de reivindicar seus direitos ou pleitear a
solução de seus próprios problemas".
DOXSEY propõe
então como alternativa a formação de uma consciência crítica
dos segmentos universitários quanto à natureza ética da
conduta acadêmico-científica, já que "uma abordagem ética
isolada não é garantia das mudanças estruturais e da
cultura institucional necessárias para encarar o descaso
existente".
Para viabilizá-las,
seria então imprescindível "construir respostas
institucionais para negociação e resolução dos
problemas", dotando a estrutura administrativa dos
mecanismos necessários à promoção da ética acadêmico-científica.
O que "inclui um componente de liderança institucional
dedicado ao fomento da conduta acadêmica ética" (DOXSEY,
1999).
Todos os
ouvidores constataram uma demanda reprimida por soluções
para muitos problemas, acumulados ao longo do tempo. Talvez
seja por isso que as reclamações continuam a liderar o ranking
das demandas endereçadas à Ouvidoria. Reclamações que provêm,
na sua expressiva maioria, dos estudantes. As sugestões,
contudo, ocupam o segundo lugar nas estatísticas das
Ouvidorias.
A solicitação
de informações ocupa lugar destacado nas demandas
apresentadas, o que levou uma delas a propor e obter a criação
de um Balcão de Informações na instituição (OLIVEIRA,
1997).
A conclusão da
Ouvidoria da UECE, relativa à importância da inovação
representada pela Ouvidoria, é consensual entre os Ouvidores:
"...a Ouvidoria revelou-se um instrumento importantíssimo
de participação da comunidade interna e externa no
levantamento de problemas e na apresentação de
propostas de solução, propiciando um constante
feedback à Reitoria, no sentido do atendimento aos
anseios e expectativas da comunidade" (VILANOVA,
1997).
O ofício de
mediação do Ouvidor é requisitado para resolver os
conflitos, os mais diversos, tais como entre professores e
chefias de Departamento; entre funcionários e chefias e entre
os próprios funcionários para a obtenção de informações,
dificultadas pela complexidade e pelo burocratismo da instituição
universitária; pelos estudantes, em relação ao cumprimento
das obrigações dos professores; e pela comunidade externa,
que solicita informações e reclama do mau atendimento que
recebe (VILANOVA, 1997).
Na UFPB, a atuação
da Ouvidoria tem privilegiado o fortalecimento e a disseminação
dos instrumentos de participação da comunidade universitária
e da sociedade na gestão institucional, nos seus diferentes níveis,
como forma de garantir mais fácil identificação dos
problemas existentes e os meios mais adequados para a sua
resolução; maior criatividade nas soluções a serem
implementadas e o aprimoramento crítico da administração,
capaz de promover mudanças de fundo na vida universitária.
Para alcançar
tais resultados, a Ouvidoria tem-se empenhado no efetivo
funcionamento do Conselho Consultivo, formado por
representantes da sociedade e no pleno exercício, pelo
Conselho Universitário (CONSUNI) e pelos Conselhos de Centro,
do seu poder de formulação e de debate das políticas da
Universidade, nas suas respectivas esferas de atuação. Poder
até agora indevida e anormalmente concentrado nas mãos do
Reitor e dos Diretores de Centro, face ao burocratismo
exacerbado que ainda domina o funcionamento dos colegiados
acima mencionados.
Por outro lado,
o Ouvidor, no seu papel de indutor de mudanças estruturais,
tomou a iniciativa de apresentar, em dezembro de 1999, ao
Conselho Universitário, proposta de implementação, a curto
prazo, da reforma acadêmica e administrativa da instituição.
E isto por entender que a modernização democrática da
Universidade, aliando a busca de eficiência com a gestão
participativa, é o caminho a ser trilhado pelas universidades
que desejem se afirmar como produtoras do conhecimento, e,
portanto, como espaço, por excelência, do exercício da
cidadania e do espírito crítico (MEMORANDO,1999).
Em maio do ano
2000, durante a campanha para eleição do Reitor, a Ouvidoria
divulgou um elenco de propostas, entre as quais a referente à
função do educador (questão ética, capacitação didática
e pedagógica), indicando a urgente necessidade de se discutir
esse tema, adotando-se, a curto prazo, medidas inovadoras a
respeito (O Ouvidor propõe..., 2.000).
Outro episódio
marcante, também no mês de maio, foi a mediação realizada
pela Ouvidoria entre os estudantes da residência universitária
masculina e a administração superior. Após um debate com
dezenas de estudantes da residência, o Ouvidor conseguiu
estabelecer entre estes e o Reitor um canal de comunicação,
desfazendo um clima de hostilidade em relação ao dirigente máximo
da UFPB. Dessarte, a retomada do diálogo ensejou, também, o
atendimento de boa parte de uma extensa lista de reivindicações
apresentadas pelos estudantes.
Porém, nem
tudo são flores. Persiste, na UFPB, em alguns segmentos da
administração, pouco interesse e hostilidade não declarada
em relação ao trabalho do Ouvidor, sofrível empenho na
resolução das questões que lhes são apresentadas pela
Ouvidoria e sistemático desrespeito aos prazos estabelecidos
para a prestação dos esclarecimentos solicitados .
Desacostumados
com a nova forma de controle social representada pela
Ouvidoria, tais setores chegam, em alguns casos, a questionar
a própria legitimidade da mediação promovida pelo Ouvidor.
Desgostosos com
os resultados obtidos, na identificação dos problemas
existentes e na (nem sempre desejada) correção desses
problemas, tentam cercear, na prática, o livre exercício das
funções do Ouvidor, causando constrangimento aos que a ele
recorrem.
Espera-se,
contudo, que o grau de consciência alcançado pela comunidade
universitária em relação à necessidade de órgãos de
participação na gestão da universidade – como é o caso
da Ouvidoria – , conjugado com o apoio emprestado pelo
Reitorado à sua ação, torne a permanência do Ombudsman
universitário uma conquista irreversível.
Para concluir,
trazemos à colação as conclusões de uma ex-Ouvidora da
UFJF, segundo a qual o trabalho da Ouvidoria "é muito
mais de valorização da cidadania do que avaliação
institucional". Para o usuário do serviço, mesmo aquele
que faz uma reclamação contundente, o importante é
participar, é ter uma resposta, não é oferecer um veredicto
sobre a instituição. Assim, "a crítica quanto a um
determinado aspecto institucional não indica descrédito. Ao
contrário, ao reclamar e ao sugerir, o cidadão revela sua
confiança de que a instituição tem vitalidade e pode ser
mais eficiente e eficaz, com a participação de todos"
(CASTRO, 1997).
O êxito do
Ouvidor na sua missão de mediar os conflitos da Universidade
será proporcional à sua capacidade de amplificar e
disseminar uma mentalidade e uma práxis
participacionista.
O que ocorrerá
na medida em que consiga exercitar, na sua plenitude, a
chamada "magistratura da persuasão". Quer
dizer, um "poder sem poderes" que "desta
própria condição retira paradoxalmente sua base de apoio e
força" (WLEIDE, 1994).
Onde, pois, senão
na instituição universitária, locus por excelência
do diálogo e da persuasão, na qual o binômio eficácia-democracia
é conditio sine qua non para a realização dos seus
fins, pode melhor prosperar este instituto privilegiado de
promoção da cidadania?
NOTAS DE REFERÊNCIAS
1 - Com
uma única ressalva: passados quase dez anos, o amadurecimento
de minhas reflexões sobre o papel do Ouvidor faz-me descartar
como válida a alternativa de eleições diretas, pelas
seguintes razões:
a - não faria
sentido uma campanha eleitoral para a escolha do Ouvidor, uma
vez que, não sendo dotado de poder administrativo, não teria
programa a propor, tornando, assim, inócua e sem motivação
tal campanha;
b - a mobilização
decorrente da realização de eleições diretas levaria a
polarização da comunidade universitária, dividida entre os
eventuais candidatos a Ouvidor, identificando-o com as facções
existentes na Universidade. De tal forma que o Ouvidor eleito
ficaria sem condições de, ao investir-se no cargo,
apresentar-se como árbitro imparcial, equânimemente
distanciado dos interesses grupais. E teria também
dificuldades de exercer o papel de mediador, que necessita de
apoio do maior número para obter êxito na busca de agregação
de consensos.
c - se o eleito
tiver sido apoiado pelo Reitor, a ele devendo o cargo, este não
poderá ser exercido com efetiva autonomia; se adversário da
administração, será tentado a exercitar o poder paralelo,
seja colocando-se ele próprio como candidato à sucessão,
seja pondo a Ouvidoria a serviço de uma candidatura
oposicionista.
Um tal
processo, como se vê, conduz à partidarização, no sentido
figurado, como na situação acima descrita, ou no sentido próprio
do termo, caso partidos políticos, como ocorre freqüentemente,
venham a apoiar candidato à Reitoria.
2 - Existem
atualmente duas Redes Nacionais de Ouvidorias Públicas. Além
da formada pelos Ombudsmen universitários, existe a
que congrega Ouvidorias de Polícia, em número de cinco: nos
Estados de São Paulo, Pará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e
Rio Grande do Sul (ordem cronológica).
De lento
crescimento e de dimensão ainda modesta, as Ouvidorias de Polícia
deverão propagar-se rapidamente, estimuladas pela decisão do
governo federal de tornar efetiva a reforma das Policias
Estaduais, e pela ação, de eficácia já demonstrada, do recém-criado
Fórum Nacional das Ouvidores de Polícia.*
É importante
assinalar que o Ouvidor de Polícia do Estado de São Paulo
dispõe de plena autonomia perante o Governo e a polícia
daquele Estado. Com efeito, o Ouvidor é escolhido pelo
governador entre os componentes de lista tríplice elaborada
pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo,
constituída majoritariamente por entidades de direitos
humanos, independentes do poder público.
*Fonte: Relatório
Anual de Prestação de Contas. Ouvidoria de Polícia do
Estado de São Paulo. São Paulo, Imprensa Oficial, 1999. p.
271-284
3 - A autonomia
do Ouvidor é necessária pois que este "deverá
defender os interesses da sociedade, e, neste sentido,
criticar ações administrativas, atividades de ensino,
pesquisa e extensão e formação que deixem de operar com
agilidade, eficácia e honestidade as tarefas para as quais a
instituição foi criada e que estão estipuladas,
precisamente, no Estatuto, no Regimento Geral" e nos
demais atos normativos da I.E.S. (Cf. Relatório do Grupo de
Trabalho constituído pelo Conselho Universitário da UFSC,
sobre proposta de criação do Ombudsman – Portaria nº
2/CUNi/94).
4 -O único
sindicato docente no país que se mobilizou a favor da criação
de uma Ouvidoria na sua Uuniversidade (como também, em prol
de um Conselho Consultivo, formado por entidades
representativas da sociedade) foi a Associação dos Docentes
da Universidade de Mato Grosso (ADUFMAT).*
*Professor
defende a criação de Ouvidorias na UFMT. Jornal da ADUFMAT,
Ano 3, n.28. Dec. 1,999. p. 12. Cuiabá, MT.
Rubens Pinto Lyra é Doutor
em Direito, na área de Política, pela Universidade de Nancy
(França). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em
Sociologia e em Direito da UFPB, Ouvidor Geral desta Instituição
e Presidente do Fórum Nacional das Ouvidorias Universitárias,
é Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão (2000 – 2002) e 1º Vice Presidente da
Associação Brasileira de Ouvidores (1995-1997).
-
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