Multidéias
Edição/Março/2002
OMBUDSMAN
Requisitos para a autonomia
do Ouvidor
Rubens
Pinto Lyra
Ouvidor
da UFPB
A
Ouvidoria é um instrumento de controle social,
devendo-se entender esta expressão como de controle
da sociedade (comunidade universitária e “público
externo”, no nosso caso) sobre a Administração.
Esse controle visa contribuir para que os princípios
de transparência, economicidade, celeridade
e eficácia que regem, em tese, a administração
pública brasileira, - embora estejamos de
fato, há anos luz disso – se tornem, na
prática, eixos norteadores da prestação de serviço
público.
En
passant, devo dizer que considero o sub-produto
desse controle – a participação cidadã na gestão
pública – tão ou mais importante que os objetivos
formais consignados à Ouvidoria, pelo fato dessa
participação trazer embutida um rico aprendizado
pedagógico de caráter político.
Este,
com efeito, transmuda a ação do particular que,
acionando a Ouvidoria, investe-se, de certa
forma, do munus público, revestindo sua
demanda, originariamente fundada numa lesão
privada, do “manto da indumentária pública”.
Tal prática introjeta no cidadão ativo elementos
de compreensão do que seja “interesse universal”
e “res publica”.
Todavia,
existem duas pré-condições para o funcionamento
idôneo da Ouvidoria: além da credibilidade do
seu titular, devida à sua qualificação profissional
e conduta ética, a existência de garantias e
prerrogativas que tornem efetivas a autonomia
que, nas Ouvidorias democráticas, como a da
UFPB, lhe é formalmente atribuída.
É
nesse ponto que a “a porca torce o rabo”.
A
administração pública – aí incluída a UFPB –
não se sente muito à vontade com a ação da Ouvidoria.
Do mais alto escalão, passando pelos níveis
intermediários e inferiores, muitos não a respeitam,
desconsiderando completamente os prazos estabelecidos
para a resposta às interpelações desse órgão.
Em
assim sendo, como fica o usuário? Com efeito,
tendo confiado nessa inovação institucional
como instrumento capaz de vocalizar as suas
reclamações e propostas, tem como resposta o
silêncio ensurdecedor do dirigente, que teme
tomar posição e se desgastar. Ou – igualmente
deplorável – que não responde por negligência
ou desatenção.
A
primeira vista, quem consultar a norma que rege
a Ouvidoria pode pensar que esta garante ao
Ouvidor pronta resposta do dirigente pois que
este, não retornando ao titular da Ouvidoria
“estará sujeito à apuração de sua responsabilidade...
mediante representação do Ouvidor Geral”. (Art.
19o da Resolução 003/2001 do CONSUNI).
Lêdo
engano. Primeiramente, por não ser factível
que o Ouvidor, para garantir a resposta dos
dirigentes, esteja a todo momento solicitando
aberturas de sindicância, obrigado a utilizar
rotineiramente um recurso que, por natureza,
tem caráter excepcional (e que aliás, até agora
não foi acionado).
Além
do mais, o Reitor tanto pode acolher quanto
rejeitar as representações do Ouvidor.
Por
fim, a apuração da responsabilidade não alcança
o dirigente máximo, que fica, na prática,
a salvo de qualquer tipo de cobrança e de obrigação
de resposta.
O
que compromete a atuação do Ouvidor, enquanto
indutor de mudanças, considerando-se que o Reitor
pode – e o faz com freqüência – não dar encaminhamento
efetivo , ou em prazo razoável, às propostas
da Ouvidoria, restando ao titular desse órgão,
como único recurso, o exercício do ius esperneandis.
É
portanto, indispensável que se adote mecanismos
que tenham força de persuasão junto aos dirigentes
universitários, fazendo com que estes não se
furtem à interlocução com o Ouvidor.
Nesse
sentido, sugerimos a incorporação do Art. 24O,
inciso II, do Reglamento del Defensor de
la comunidad universitária da Universidade
de Valladolid (Espanha), que tem o seguinte
teor (tradução livre): “não recebendo justificativa
satisfatória da omissão do dirigente, o Ouvidor
incluirá o assunto no seu informe anual ao claustro
(Conselho universitário) com a menção dos nomes
das autoridades que se omitirem”.
Eis
o caso de um dispositivo que inibe mas não agride...
Dispositivo aliás, que foi incorporado, por
sugestão nossa, à Resolução do CONSUNI da Universidade
Federal de Mato Grosso, que criou a última Ouvidoria
universitária instalada no país.
Assim,
a omissão do dirigente de seu dever de prestar
informações e esclarecimentos “fará parte, obrigatoriamente
do relatório do Ouvidor ao CONSUNI” (Art. 9o,
parágrafo 2 da Resolução 09/2000).
Além
dos mecanismos necessários à garantia de resposta,
a Resolução da UFMT assegura também ao Ouvidor,
que esta seja dada em tempo hábil já que “a
Administração Geral da UFMT terá prazo de trinta
dias, improrrogáveis, para responder às propostas
apresentadas pelo(a) titular da Ouvidoria Geral”
(Art. 10o da Resolução 09/2000).
E não como na UFPB, onde este prazo pode ser
prorrogado por mais (30) trinta dias.
Não
podemos esquecer que o Instituto da Ouvidoria
existe precisamente para tornar mais ágil a
administração. Condição sine qua non
para que o usuário, que a acionou, sinta que
valeu a pena fazê-lo.
Outro
requisito essencial para a autonomia da Ouvidoria
diz respeito ao sigilo que deve ser assegurado
aos usuários do órgão, que possam, eventualmente,
sofrerem prejuízos se identificados pelo reclamado.
Note-se
que não se trata de anonimato pois o nome do
reclamante é do conhecimento do Ouvidor, e poderá
sê-lo de outros dirigentes, se necessário.
Aqui,
também, o regulamento da Ouvidoria da Universidade
de Valladolid ampara o reclamante ao estipular
que “a informação... terá caráter estritamente
confidencial, salvo quando o fato revestir caráter
criminoso”. (Art. 16o, inciso I do
Reglamento).
Na
verdade, não são apenas Ouvidorias estrangeiras
que garantem o direito do sigilo ao reclamante.
As Ouvidorias brasileiras de maior destaque
também o fazem. Entre estas, as dos municipios
de São Paulo e de Santo André (SP), a Ouvidoria
de Polícia do Estado de São Paulo e suas principais
congêneres. Da mesma forma, a maioria das Ouvidorias
Universitárias que têm existência disciplinada
em atos normativos, como a da Universidade Federal
de Juiz de fora, cujos dispositivos estabelecem
que “dependendo da natureza do assunto, a critério
do Ouvidor, será garantido sigilo quanto ao
nome do demandante” (Art. 7o, parágrafo
único do Regimento Interno da Ouvidoria).
Na
Ouvidoria da UFPB, a norma vigente admite o
sigilo das reclamações e denúncias mas somente
“até a finalização do processo”. O que torna,
na verdade, letra morta a garantia do sigilo
já que, em muitos casos, o denunciado poderá
prejudicar o denunciante, mesmo após o processo.
Outro
dispositivo que, na UFPB, compromete a autonomia
do Ouvidor consiste na forma de escolha do Ouvidor-Assistente.
Segundo
o Art. 10o da Resolução
no 03/2001 do CONSUNI, o Ouvidor-Assistente
será escolhido mediante lista tríplice apresentada
pelo Ouvidor Geral ao CONSUNI. Esta lista tríplice,
é, na verdade, uma excrescência. Não existe,
de nosso conhecimento, em nenhuma Ouvidoria
do mundo. O Ouvidor Geral deve poder escolher
o seu Ouvidor-Assistente pois este, além de
ser o seu auxiliar direto, pode partilhar algumas
das suas atribuições – e é bom que o faça.
Ademais,
nas condições presentes, é praticamente impossível
fazer o servidor aceitar compor uma lista tríplice,
comprometendo-se previamente com a Ouvidoria
(em termos de programação de carga horária,
por exemplo), não estando certo de que será
o escolhido. Sem falar que a inexistência de
gratificação para a função já não permite encontrar
alguém que aceite ser indicado para o cargo
de Ouvidor-Assistente, mesmo sem a tal lista
tríplice...
A
condição para a permanência e para a garantia
da vitalidade da Ouvidoria, na UFPB como alhures,
é a consolidação da autonomia desse órgão.
Por
essa razão, os Ouvidores universitários brasileiros,
reunidos em Natal, subscreveram posicionamento
unânime no qual destacam que “a relevante função
de mediação e de agente indutor de inovações
institucionais, para ser exercida em sua plenitude,
requer uma autonomia funcional que, além da
garantia de mandato certo, assegure:
1.
resposta efetiva e pronta dos dirigentes universitários
às interpelações e recomendações
formuladas pelos Ouvidores;
2.
nível hierárquico e remuneração correspondente
à de Pró-Reitor, compatível com a abrangência
das atribuições e dignidade das funções inerentes
ao instituto da Ouvidoria (no caso das universidades
públicas, com expressa previsão no plano de
cargos e salários); e,
3.
garantia de sigilo aos usuários da Ouvidoria,
sempre quando seja indispensável para a proteção
de seus direitos e legítimos interesses.