Em
vez de armas, adotar a tolerância zero
Paulo Sérgio
Pinheiro, do Núcleo de Estudos da Violência, diz que não
adianta desarmar o cidadão e deixar o criminoso armado. É
preciso combatê-lo com energia e impedir que renove seu arsenal
Paulo Sérgio
Pinheiro, diretor do Núcleo de Estudos da Violência da USP,
contesta os resultados de pesquisas citados por Lott,
confrontando-as com outras estatísticas.
Como o senhor
avalia a tese do prof. John Lott sobre armar a população para
reduzir os crimes?
Acho uma
estupidez. O que Lott preconiza vai contra todas as pesquisas sérias
feitas nos últimos 20 anos. Estudos do Centro Nacional de
Pesquisa sobre Enfermidade mostram que os EUA (onde a porcentagem
de população armada é grande) têm a mais alta taxa de homicídios
entre os países do G-7: 11 óbitos por cada 100 mil pessoas
contra 2 ou 3 por 100 mil em países como Inglaterra, Áustria e
Alemanha, onde armas são restritas. Também é preciso saber a
que criminalidade Lott se refere. É preciso separar homicídios,
latrocínios, roubos e crime organizado, e é claro que não é o
cidadão com seu revolverzinho que vai resolver essa situação de
jeito nenhum.
Numa situação
como a que vivemos em São Paulo, o senhor considera justo impedir
que o cidadão se arme para tentar se defender?
Favorecer que o
cidadão recorra à violência não resolve – até porque a
classe média de São Paulo já está armada até os dentes. Além
disso, a tese é burra porque a grande mágica da organização
política, desde o século 17 é a pacificação do cidadão. O
Estado existe para que o cidadão deixe de recorrer a violência e
resolva as coisas pelos mecanismos sociais. Retornar ao estágio
pré-estatal não vai corrigir a insuficiência política
governamental .
Em que o senhor
baseia a afirmação de que a lei de porte de armas aumenta os
homicídios?
Primeiro, a
taxa de homicídios dos países que proibem as armas é mais
baixa. É balela dizer que o aumento de crimes na Inglaterra foi
causado pela proibição das armas, como diz Lott. As armas foram
proibidas no ano passado e a criminalidade na Inglaterra vem
crescendo, desde a era Tatcher, por degenerescências da sociedade
inglesa: aumento do conflitos raciais, concentração de renda e ação
do crime organizado.
O desarmamento
do cidadão de bem vai reduzir os crimes?
Não se pode
desarmar só a população, tem de desarmar também os criminosos
e impedir que renovem seu arsenal. Acho que o Estado tem obrigação
de diminuir contrabando e estoques de armas ilegais – que aliás
não caem do céu, passam pelas fronteiras, pela fiscalização...
Defendo o controle também da munição, como se faz em diversos
países como Itália, França e Inglaterra, onde cada bala usada
é alvo de um relatório de investigação. E tem de punir. Sou a
favor de toda agressividade em relação aos criminosos, mas
dentro da lei. O problema no Brasil é que se usa agressividade
apenas contra criminosos pé de chinelo. Os bicheiros, ligados ao
tráfico no Rio e em São Paulo são VIP, circulam pelos melhores
lugares, recebem tratamento especial...
Em sua opinião,
até que ponto a alta criminalidade que estamos vivendo no País
ocorre por falta de policiamento?
A situação de
São Paulo e do Rio não se explica só por deficiência da polícia.
Em vez de gritar pedindo armas, acho que as pessoas deveriam pedir
tolerância zero em relação ao crime e ao crime organizado.
Tornar intolerável, por exemplo, o roubo de carros. Também não
vejo porque se deva tolerar jogo do bicho, tráfico, bicheiro por
trás de time de futebol, em coluna social – é crime
organizado. São Paulo tem uma taxa de homicídios epidêmica, mas
é segregada. A direita fica nervosa quando se diz que o número
de latrocínios é praticamente estável há anos, mas é preciso
perguntar quem morre e quem mata. Quem morre são jovens da
periferia com idade entre 19 e 25 anos. Quem mata, a polícia e os
adultos. Nos bairros de classe média a taxa de latrocínios
permanece entre 10% e 15%. Não é em Perdizes que se mata, é no
Capão Redondo – ali a taxa de homicídios é de 80 pessoas em
cada 100 mil habitantes.
Segundo
pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP, 50%
dos homicídios em Santo Amaro, uma das regiões mais violentas do
País, ocorrem por motivos fúteis. Isso se deve à quantidade de
armas?
Metade dos homicídios
ali ocorre por causa de brigas de bar, desavenças conjugais,
falta de paciência com crianças, entre outros motivos
classificados como fúteis. Em Santo Amaro e em toda a periferia,
os homicídios acontecem principalmente às quartas (não me
pergunte porquê) e aos fins de semana, os momentos de maior
sociabilidade e consumo de álcool. E porque as pessoas se matam
ali e não em Perdizes? Pelas condições de sociabilidade. Não há
diferença entre área pública e privada, quarto e cozinha, as
crianças não têm área de lazer, jovens não têm carreira -–
e então o crime fica atraente... Na periferia, os conflitos são
resolvidos na marra. Isso é culpa dos governos e das elites que
historicamente condenam os pobres e negros a esse tipo de vida. Os
homicídios ocorrem nos locais onde o povo está abandonado à própria
sorte.
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