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Programa Nacional de Direitos Humanos: 
Avaliação do Primeiro ano e perspectivas

PINHEIRO, PAULO SÉRGIO
MESQUITA NETO, PAULO DE

97ST0511

Em 17 de abril de 1996, dezenove trabalhadores rurais sem terra foram assassinados numa operação realizada pela Polícia Militar em Eldorado dos Carajás, no Pará. Este massacre parecia um mau presságio para os planos do Governo Fernando Henrique Cardoso de reformar o estado e democratizar a sociedade, consolidar o estado de direito e ampliar as garantias dos direitos de cidadania e humanos no Brasil.Em 13 de maio de 1996, entretanto, em meio ao trauma causado pelo massacre em Eldorado dos Carajás, o Governo Fernando Henrique Cardoso lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos(1) Foi o primeiro programa para proteção e promoção de direitos humanos da América Latina, e o terceiro no mundo.(2) Teve o mérito de ter sido um programa formulado a partir de uma ampla discussão pública, conduzida pela Coordenadoria do Programa Nacional de Direitos Humanos, dirigida por José Gregori, chefe de gabinete do ministro da Justiça, Nélson Jobim, responsável pela preparação do Programa, e não um resultado de decisões tomadas em gabinetes fechados.
Na elaboração do Programa, entre outubro de 1995 e maio de 1996, o governo federal recebeu contribuições de organizações não governamentais (ongs), Universidades e centros de pesquisa, recolhidas pela Universidade de São Paulo, através do Núcleo de Estudos da Violência, tendo ainda sido realizados seis seminários regionais para discussão do pré-projeto do Programa, em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belém, Porto Alegre e Natal, com a participação de 210 entidades. A proposta do Programa recebeu por parte das organizações da sociedade civil uma entusiástica acolhida, consagrando uma perspectiva autenticamente supra-partidária à discussão do Programa. Ficou desde o primeiro instante claro que não se tratava de um "contrato de confiança" entre Estado e ongs, mas de um desenho de uma parceria em que a autonomia da sociedade civil é condição necessária. O pré-projeto do Programa foi debatido também na Primeira Conferência Nacional de Direitos Humanos realizada em Brasília.(3) Dentro do sentido, claramente definido pelos organizadores da Conferência, de que não se tratava de instância deliberativa, mas de crítica e cooperação, os grupos temáticos e a plenária deram colaboração notável ao conteúdo do Programa.

Qual é o impacto e o significado do Programa Nacional de Direitos Humanos? Que diferença faz a existência do Programa no Brasil? O Programa é um ponto de partida para a reforma do estado e democratização da sociedade brasileira, e para a construção de uma alternativa ao estado mínimo neo-liberal?
Este texto discute e responde estas questões. Antecipando a conclusão, o texto sugere que os resultados do impacto do Programa ainda são incertos e vão depender muito da forma pela qual o estado, a sociedade política e a sociedade civil se comprometam com o programa e participem da sua implementação. Mas é incontestável que o Programa já contribuiu para a realização de mudanças importantes no estado e na sociedade (e no relacionamento entre eles) - e contém princípios e propostas de ação que podem servir de base para a construção de alternativas a um estado mínimo neo-liberal no Brasil.

O texto é dividido em três partes. Na primeira parte será feita uma avaliação das mudanças causadas pelo Programa na política brasileira. Na segunda parte fazemos uma análise da implementação das propostas contidas no programa entre maio de 1996 e maio de 1997. Na terceira parte, examinamos alguns problemas na implementação do programa e as perspectivas para o futuro.

Uma nova concepção de direitos humanos
A opinião pública no Brasil não ficou insensível ao lançamento do Programa. Num curto espaço de tempo, o programa atingiu um dos seus objetivos e passou a ser "um marco referencial para as ações de governamentais e para a construção, por toda a sociedade, da convivência sem violência que a democracia exige". A sociedade cobrou do governo federal a implementação das propostas de ação contidas no programa. O governo federal passou a cobrar dos governos estaduais e municipais, do Congresso Nacional, do Judiciário e da sociedade a sua participação na implementação do programa. Em abril de 1997, o governo federal criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos no Ministério da Justiça para coordenar e monitorar a execução do programa. Organizações estrangeiras, governamentais e não governamentais, participaram da discussão e elaboração do programa. Depois do lançamento, estas organizações passaram a acompanhar a execução do Programa e algumas foram chamadas a colaborar para a sua implementação. No dia 13 de maio de 1997, no primeiro aniversário do Programa, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, anunciou que iria determinar que todas as instâncias do governo federal fornecessem informações sobre a excução das metas do Programa e que submetessem à Presidência propostas para a implementação do Programa.

Nos dias 23-24 de maio de 1996, dez dias após o lançamento do Programa, os secretários estaduais da Justiça, Cidadania e Administração Penitenciária se reuniram no Segundo Forum Nacional de Secretários de Justiça, em Recife, e aprovaram declaração de apoio ao programa e favorável à elaboração de programas estaduais de direitos humanos. Na maioria dos estados, os governos pouco fizeram para implementar o Programa. Mas São Paulo já está elaborando um Programa Estadual de Direitos Humanos e Minas Gerais já demonstrou interesse na elaboração de um programa semelhante.

Nos dias 12 e 13 de maio, um ano depois do lançamento do programa, a Segunda Conferência Nacional de Direitos Humanos se reuniu em Brasília com mais de quatrocentos participantes, sem que nenhum recurso público financiasse a viagem ou estada desses representantes de organizações da sociedade civil na capital federal para fazer uma avaliação do Programa Nacional de Direitos Humanos. Essa Conferência foi precedida de reuniões estaduais de avaliação do programa promovidas em nove estados e no Distrito Federal, organizadas por conselhos estaduais de defesa dos direitos da pessoa humana, comissões de direitos humanos das assembléias legislativas e organizações de direitos humanos.(4) Ficou patente nos relatórios, tanto das plenárias, como dos grupos de trabalho na Conferência, o alto grau de profissionalismo, sofisticação e objetividade das discussões, tomando por base as conclusões da Primeira Conferência e a avaliação da implementação do Programa.

Apesar dessa larga legitimação do Programa junto às organizações da sociedade civil, especialmente o que habitualmente se considera a "comunidade dos direitos humanos", parte da comunidade política e da comunidade universitária ainda têm dificuldades para entender o significado do Programa. O programa é mais do que o conjunto de 228 propostas de ação governamental para proteger e promover os direitos humanos no Brasil: é um quadro de referência para a concretização das garantias do estado de direito e para a ação em parceria do Estado e da sociedade civil. É a afirmação de uma nova concepção de direitos humanos, como um conjunto de direitos, universais e indissociáveis, que não apenas estão definidos em constituições e leis nacionais mas também correspondem a obrigações assumidas em tratados internacionais ratificados pelo Congresso Nacional. Os direitos humanos, segundo esta concepção, são direitos definidos em tratados internacionais que os estados estão obrigados a garantir não apenas nas suas relações com outros estados mas nas relações com a sociedade e com os indivíduos e coletividades dentro do seu próprio território.(5)

A afirmação desta nova concepção de direitos humanos, bastante clara no texto introdutório e em muitas das propostas de ação contidas no Programa, tem profundas implicações práticas na estrutura do sistema político e na dinâmica do processo político no Brasil. Por um lado, ela transforma indivíduos e coletividades em beneficiários das garantias e da proteção do direito internacional dos direitos humanos. Por outro lado, dá a indivíduos e coletividades que têm seus direitos violados ou não garantidos pelo Estado, acesso a mecanismos internacionais para proteção destes direitos - como por exemplo a Comissão de Direitos Humanos, o Comitê contra a Tortura, o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, da ONU, ou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no âmbito da Organização dos Estados Americanos.

Consolidação democrática e violações de direitos humanos
O Programa foi elaborado e lançado em meio a um crescente desrespeito dos direitos humanos de vários grupos sociais, em especial dos grupos mais vulneráveis e da população pobre e marginalizada. Este processo foi agravado nos anos 1960 e 1970 pelos governos autoritários; nas décadas seguintes, as políticas de estabilização da economia, aumentando o papel do mercado e debilitando o papel do Estado no atendimento das necessidades da maioria pobre da população, aprofundaram a desigualdade econômica e social e no acesso aos serviços de segurança e justiça em todo o país.

O aumento dramático da criminalidade e da violência fatal nos anos oitenta e noventa é apenas um dos sintomas, entre os mais visíveis, deste processo que, paradoxalmente, aconteceu em paralelo ao ao processo de transição do autoritarismo para a democracia e de consolidação democrática. No estado de São Paulo, a taxa de mortalidade por homicídio e lesões provocadas por outras pessoas passou de 13,80 por 100 mil habitantes em 1980 para 29,33 por 100 mil habitantes em 1994, o que representa um aumento de 112,54% em 15 anos. Na cidade de São Paulo, esta taxa passou de 17,46 em 1980 para 45,85 em 1994, o que representa um aumento de 162,60% em 15 anos. No estado de São Paulo, em todos os anos desde 1983 até 1994, com exceção de 1986, a taxa de mortalidade por homicídio e lesões provocadas por outras pessoas superou a taxa de mortalidade por acidente de trânsito, que era de 23,30 por 100 mil habitantes em 1980 e caiu para 21,72 por 100 mil habitantes em 1994.(6)

Nos anos sessenta e setenta, a violência arbitrária do Estado e o desrespeito às garantias fundamentais fez com que indíviduos e grupos se voltassem contra o regime autoritário em nome da defesa dos direitos humanos. As primeiras comissões de direitos humanos foram fundadas a partir dos anos 1970 e chamaram a atenção para a tortura e assassinatos de dissidentes e presos políticos, fazendo revelar as condições gritantes das prisões brasileiras. Nos anos oitenta e noventa, entretanto, o aumento da criminalidade e da insegurança, agora sob um regime democrático, levou indivíduos e coletividades a se voltarem contra a defesa dos direitos humanos, sob o pretexto que esses serviam mais aos criminosos e delinquentes do que as vítimas. Para essa reviravolta certamente contribuiu o fato de que, depois da transição política, a defesa dos direitos humanos abrangia a esmagadora maioria pobre, miserável, não-branca , da população. Por outro lado, todos aqueles setores identificados com a ideologia autoritária, perdida a hegemonia do poder, encontraram na denúncia da comunidade dos direitos humanos um pretexto para, em nome da luta contra o crime e contra a insegurança, denegrirem a comunidade dos que defendiam os direitos humanos. A mídia eletrônica, especialmente os programas radiofônicos de apologia da violência , as campanhas eleitorais e a emergência de movimentos religiosos fundamentalistas, em concorrência com a igreja católica, tiveram um papel crucial para a percepção dos direitos humanos como danosa àqueles que justamente visava proteger.

Nesse mesmo período, o medo do crime e o sentimento de insegurança, que nas comunidades populares estimulou o recurso aos grupos de extermínio -sucessores dos esquadrões da morte do regime autoritário- fez com que as coletividades com mais recursos se armassem e contratassem serviços privados de segurança, legais ou ilegais. Segundo dados da Federação dos Vigilantes de São Paulo e do Sindicato das Empresas de Segurança Privada e Cursos de Segurança de São Paulo, o número de seguranças particulares no estado cresceu de 80 mil em 1993 para 135 mil em 1996, o que representa um aumento de 68,7% em quatro anos, trabalhando em 286 empresas regularizadas. Conforme estimativa das mesmas entidades, o estado de São Paulo teria ainda aproximadamente 100 mil vigilantes clandestinos, não registrados e legalizados pela Polícia Federal, o que daria um número de 235 mil pessoas trabalhando na área da segurança privada.(7) Não é preciso dizer que esta reação, previsível diante da falta de eficiência e legitimidade dos serviços públicos de segurança e justiça, mesmo depois da transição para a democracia, acelerou o aumento da violência.

A definição de uma política de direitos humanos
Em meados dos anos noventa, já estava claro que o desenvolvimento econômico e social e a transição para democracia, ainda que necessários, não eram suficientes para conter o aumento da criminalidade e da violência no Brasil. Ficava patente que este aumento constituía um grande obstáculo e uma ameaça aos processos de desenvolvimento e de consolidação da democracia. A questão era saber se esta tendência de banalização da criminalidade, da violência e da morte poderia ser controlada e revertida ou se ela acabaria por consumir os recursos humanos da sociedade brasileira ao ponto de inviabilizar os processos de desenvolvimento e de consolidação da democracia no país.(8)

Na esteira, como generosamente reconheceu o Ministro Nelson Jobim mais tarde no lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, dos trabalhos precursores do Senador Severo Gomes na elaboração da "carta de direitos" do artigo 5º da Constituição de 1988, e das iniciativas do ex-Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, no governo do Presidente Itamar Franco, propondo projetos de lei contra a violência, resultantes de vasto diálogo com a sociedade civil, o governo Fernando Henrique Cardoso decidiu integrar como política de governo a promoção e realização dos direitos humanos. Com objetivo de limitar, controlar e reverter as graves violações de direitos humanos, e implementando uma recomendação da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena em 1993, em que o Brasil teve um papel muito ativo, pois foi o embaixador Gilberto Sabóia que coordenou o comitê de redação da Declaração de Viena, o presidente decidiu assumir, em 7 de setembro de 1995, a tarefa de elaborar um plano de ação para direitos humanos: "Chegou a hora de nós mostrarmos, na prática, num plano nacional, como é que nós vamos lutar para acabar com a impunidade, como é que nós vamos lutar para realmente fazer com que os direitos humanos sejam respeitados".

Ao assumir esse compormisso, o governo brasileiro expressamente reconheceu a obrigação do estado de proteger e promover os direitos humanos e os princípios da universalidade e da indivisibilidade dos direitos humanos. No texto introdutório, diz o programa: "Os direitos humanos não são porém, apenas um conjunto de princípios morais que devem informar a organização da sociedade e a criação do direito. Enumerados em diversos tratados internacionais e constituições, asseguram direitos a indivíduos e coletividades e estabelecem obrigações jurídicas concretas aos Estados. Compõem-se de uma série de normas jurídicas claras e precisas, voltadas e proteger os interesses mais fundamentais da pessoa humana. São normas cogentes ou programáticas, que obrigam os Estados nos planos interno e externo".

O Programa reflete e fortalece uma mudança na concepção de direitos humanos, já partilhada anteriormente por organizações de direitos humanos, mas pela primeira vez adotada e defendida pelo governo brasileiro na história republicana, segundo a qual os direitos humanos são não apenas os direitos civis e políticos mas também os direitos econômicos, sociais e culturais, não apenas os direitos individuais mas também os direitos coletivos. Os direitos humanos deixam de ser limitados aos direitos definidos em constituições e leis nacionais e, portanto, aos direitos de uma minoria ou de uma maioria com poder para participar da elaboração de constituições e leis nacionais. Passam a abranger também os direitos definidos em tratados internacionais e, portanto, os direitos de minorias ou maiorias sem poder para participar da elaboração de constituições e leis nacionais.

No caso específico do Brasil, a afirmação desta nova concepção fez com que o Estado brasileiro e os estados da federação passassem a estar obrigados a proteger não apenas os direitos humanos definidos nas constituições nacional e estaduais: os direitos humanos que, definidos em tratados internacionais, foram reconhecidos como válidos para aplicação interna pela Constituição de 1988.
Além disso, a nova concepção de direitos humanos implica que os estados na comunidade internacional passem a ter o direito de agir para proteger os direitos humanos em outros paises e reconheçam o direito de outros Estados de defenderem a realização dos direitos humanos dentro do seu próprio território. Reconheceu o direito de indivíduos, coletividades e ongs no Brasil procurarem o apoio de outros Estados e de organizações internacionais para a proteção e promoção de direitos humanos no Brasil.

Efeitos sobre o sistema político brasileiro
A questão é saber se e como esta nova concepção dos direitos humanos, refletida e fortalecida pelo Programa, afetou o sistema político no Brasil. O desafio é saber se e como essa nova concepção pode contribuir para diminuir a criminalidade e a violência e para aumentar o grau de respeito aos direitos humanos no país.

Ainda que não seja ainda possível medir o grau de aumento do respeito aos direitos humanos no Brasil, podemos afirmar que há desde o lançamento do Programa uma diminuição da tolerância em relação à impunidade e à violações de direitos humanos.

Graves violações de direitos humanos continuam a ocorrer, frequentemente e em todo território nacional, muitas vezes com o apoio ou tolerância de governos estaduais. Antes do Programa , o assassinato de Chico Mendes, no Acre; o assassinato por asfixia causada por policiais militares de detento no 42° Distrito Policial e o massacre por policiais militares de 111 presos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo; as chacinas de crianças e adolescentes na Candelária, de Vigário Geral, de Nova Brasília, no Rio de Janeiro; o massacre de posseiros por policiais militares em Corumbiara, Rondônia. Depois do Programa, o massacre de trabalhadores sem- terra em Eldorado dos Carajás, Pará; as torturas e assassinato por policiais militares na Favela Naval, em São Paulo e torturas por policiais militares na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, são os casos mais conhecidos de uma longa lista de horrores. Basta abrir qualquer jornal para constatar a frequência das execuções extra-judiciais, das chacinas, da ação de justiceiros e grupos de extermínio, e a impunidade dos responsáveis por estes crimes.(9)

Mas a diferença agora é que o governo federal não dá sustentação (como aconteceu durante o regime autoritário) ou se omite (como durante a democracia populista) diante das violações de direitos humanos. Ao contrário, o governo federal passou a exercer um papel ativo na proteção e promoção dos direitos humanos, criando condições menos favoráveis para a continuidade de práticas ilegais e violentas de resolução de conflitos.(10) Desde o momento do anúncio da intenção de elaborar um plano nacional de direitos humanos em 7 de setembro de 1995, o governo federal, por vontade política, passou a ter que prestar contas de suas ações e omissões na área dos direitos humanos e se tornou mais sensível às críticas, estímulos e sugestões das ongs brasileiras e estrangeiras atuando na área dos direitos humanos.

Ao lançar o Programa Nacional de Direitos Humanos, o governo federal apontou na direção da reconstrução do Estado e da sociedade brasileira, procurando deixar para trás o estado autoritário sem caminhar na direção do estado mínimo neo-liberal ou da crise e desintegração do Estado. O ponto de chegada deste processo ainda não está claro, mas alguns passos importantes já foram dados.

A implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos
O Programa, ainda que reconheça a indivisibilidade dos direitos humanos, e a importância dos direitos econômicos, sociais e culturais, ressalta a garantia dos direitos civis, particularmente dos direitos à vida, à integridade física e à justiça. Da mesma forma que no direito internacional dos direitos humanos existe um Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e outro Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais , o governo brasileiro, ao situar a responsabilidade pelo Programa no Ministério da Justiça, sinaliza a necessidade de ressaltar a realização dos direitos civis. Essa particularidade é justificada no próprio programa: "Para que a população, porém, possa assumir que os direitos humanos são direitos de todos, e as entidades da sociedade civil possam lutar por estes direitos e organizar-se para atuar em parceria com o Estado, é fundamental que os seus direitos civis elementares sejam garantidos e, especialmente, que a Justiça seja uma instituição garantidora e acessível para qualquer um". Mesmo dando ênfase aos direitos civis, o Programa contempla inúmeros direitos econômicos e sociais, ao tratar , por exemplo , dos direitos das crianças, dos negros, das mulheres, deixando claro não haver uma compartimentação entre os diversos conjuntos de direitos. Em suma , o Programa exprime plena consciência de que para que a violência seja plenamente debelada , a "violência estrutural" da pobreza, da fome , do desemprego sejam enfrentadas, mas em termos da ação governamental imediata, motivada por razões de emergência diante de situações claramente epidêmicas - no caso dos homicídios por exemplo - que devem ser enfrentadas na construção do estado de direito, os direitos civis ganham momentâneamente aparente proeminência .

Talvez um exemplo marcante do acerto desta definição de prioridades,e dos avanços alcançados na proteção dos direitos civis da população durante o primeiro ano de implementação do programa, tenha sido a marcha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra à Brasília e a audiência dos seus representantes com o Presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 17 de abril de 1997. Em 1996, menos de um mês antes lançamento do programa, trabalhadores sem terra foram reprimidos e mortos pela polícia militar do Pará quando marchavam por uma estrada em direção a Belém para tentar conseguir uma audiência com o governador do estado. Em 1997, quase um ano depois do lançamento do programa, os trabalhadores sem terra marcharam por várias estradas em vários estados em direção a Brasília e foram recebidos em audiência pública pelo Presidente da República.(11)

Este avanço, entretanto, não eliminou as dificuldades encontradas para aumentar o grau de respeito aos direitos humanos na sociedade brasileira. As violações de direitos humanos continuam, não apenas da parte dos agentes do estado, mas também por práticas na sociedade civil, como ficou claramente demonstrado pelo assassinato do índio Pataxó Galdino Jesus dos Santos. Na madrugado do dia 20 de abril de 1997, em Brasília, três dias depois da audiência dos trabalhadores sem-terra com o Presidente Fernando Henrique, cinco jovens de classe média jogaram álcool e puseram fogo no seu corpo enquanto dormia num ponto de ônibus.(12)

O que mudou na política do governo federal com relação aos direitos humanos durante neste período?
Desde o lançamento do Programa, o governo federal fez propostas para combater a impunidade, principalmente no caso de crimes contra a vida e a integridade física das pessoas e de crimes cometidos por agentes do estado.(13) Algumas destas medidas poderiam ter sido adotadas independentemente do Programa Nacional Direitos Humanos. Mas muitas delas puderam ser adotadas em caráter de urgência porque o governo federal se comprometeu a adotá-las ao lançar o programa e porque a sociedade cobrou do governo federal a adoção dessas medidas e em vários casos colaborou com o governo federal na adoção destas reformas.

Entre as medidas incluídas no Programa Nacional de Direitos Humanos que foram total ou parcialmente realizadas pelo governo cabe destacar as seguintes(14):

- Em 7 de agosto de 1996, o Presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou lei que transferiu da Justiça Militar para a Justiça Comum a competência para julgar policiais militares acusados de crimes dolosos contar a vida (lei federal 9.299/96). Ação do governo federal e do Ministro da Justiça Nelson Jobim havia garantido a aprovação na Câmara dos Deputados de projeto de lei do deputado Hélio Bicudo (PT-SP) que transferia a da Justiça Militar para a Justiça Comum a competência para julgar policias militares acusados de qualquer crime comum. Mas este projeto foi rejeitado no Senado e substituído por outro projeto, de autoria do deputado Genebaldo Correia (PMDB-BA), que foi posteriormente modificado e aprovado na Câmara dos Deputado e sancionado pelo Presidente Fernando Henrique. Ainda em agosto de 1996, o deputado Hélio Bicudo apresentou nova versão do projeto original, com apoio do governo federal, que foi aprovado na Câmara dos Deputados em 30 de abril de 1997 e está tramitando no Senado Federal.

- Em 20 de fevereiro de 1997, o Presidente Fernando Henrique sancionou lei que tornou crime o porte ilegal de armas e criou o Sistema Nacional de Armas, que tinha sido aprovada pelo Senado Federal no dia 21 de janeiro e pela Câmara dos Deputados no dia 19 de fevereiro de 1997 (projeto de lei 7.865-D/1986).
- No dia 4 de abril de 1997, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou projeto de emenda constitucional proposta pelo governo federal para dar à Justiça Federal competência para julgar crimes contra os direitos humanos (PEC 368/96).

- Em 7 de abril de 1997, o Presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou lei que tipifica o crime de tortura, aprovada em regime de urgência pelo Senado Federal no dia 3 de abril de 1997. O projeto de lei havia sido proposto pelo governo federal em agosto 1994 e aprovado na Câmara dos Deputados em maio de 1996.
- Ainda em 7 de abril de 1997, o Presidente sancionou lei criando o Registro de Identidade Civil e o Cadastro Nacional de Registro de Identidade Civil e emitiu decreto criando a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

- Em dezembro de 1996, o Presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou lei complementar sobre o rito sumário nos processos de desapropriação para fins de reforma agrária e lei estabelecendo a presença obrigatória do Ministério Público em todas as fases processuais que envolvem litígios coletivos pela posse da terra urbana e rural.

Além destas, vale mencionar as seguintes medidas:

- O Brasil publicou o relatório sobre a implementação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, com base em texto elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.

- Durante o processo de elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos, o Ministério da Justiça assinou convênio com o CEDEC para elaboração de mapas de risco da violência nas cidades de São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro e Salvador. Os mapas de São Paulo e Curitiba foram entregues em 1996 e os mapas de Rio de Janeiro e Salvador foram entregues em 1997.

- O Ministério da Justiça assinou convênio com o Viva Rio para criação de Balcões de Direito para prestação de serviços gratuitos de assessoria jurídica, auxílio na obtenção de documentos básicos e mediação de conflitos para populações de comunidades carentes.
- O Ministério da Justiça assinou convênio com o Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares), em Recife/PE para construção de uma rede de proteção a testemunhas e vítimas de crimes no Nordeste.

- O Ministério da Justiça assinou convênio com o Cevic (Centro de Atendimento a Vítimas de Crime)/PR para a implementação de um programa de atendimento a vítimas de crime no Paraná.
- O Ministério da Justiça assinou convênios com a Anistia Internacional, Cruz Vermelha Internacional e Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais para realização de cursos de reciclagem, capacitação e treinamento de policiais civis e militares, com ênfase no respeito aos direitos humanos.

- O governo federal estimulou a implantação do Programa Nacional de Implantação de Informações Criminais e dos Conselhos Regionais de Segurança Pública.
- O governo federal estruturou a Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal.
- De 11 a 30 de abril de 1997, o governo federal realizou operação de desarmamento de pessoas com porte ilegal de armas e repressão ao tráfico de drogas, contrabando, extrativismo ilegal e invasões de reservas indígenas, na região sul do Pará, região onde aconteceu o massacre dos trabalhadores sem-terra em 17 de abril de 1996.

- O governo federal enviou ao Congresso Nacional projeto de lei aumentando de 12 para 14 anos a idade mínima para trabalho de adolescentes, projeto de lei criando o estatuto dos refugiados, projeto de lei sobre a lavagem de dinheiro e projeto de lei sobre crimes contra o meio ambiente.
- O governo federal desenvolveu programas para coibir o trabalho infantil, inclusive através de bolsas-educação, para acabar com a exploração sexual infanto-juvenil, para coibir o trabalho forçado através do Grupo de Repressão ao Trabalho Forçado, para assentar trabalhadores rurais sem terra, para demarcar terras indígenas, para valorizar a população negra através do Grupo de Trabalho para Eliminação da Discriminação, para prevenção e tratamento da AIDS e doenças sexualmente transmissíveis.

- O governo federal apoiou a tramitação no Congresso Nacional do novo Código de Trânsito e elaborou o Programa Brasileiro de Segurança no Trânsito.
- Em março de 1996, o governo federal lançou o Programa de Ação Nacional Anti-drogas (PANAD).
- Em dezembro de 1996, o Ministério da Justiça apresentou projeto de lei para alterar legislação penal e permitir aplicação de penas alternativas à pena de prisão, como prisão domiciliar, serviços à comunidade e pagamento de multa, para crimes de menor gravidade.

- Em março de 1997, o governo federal propôs projeto de emenda constitucional obrigando os governos estaduais a investir na área da saúde 10% do que arrecadam (PEC 169/97).
- Em março de 1997, o Presidente Fernando Henrique Cardoso emitiu decreto 2181/97 estabelecendo o Serviço Nacional de Defesa do Consumidor, dando aos Procons o poder de multar empresas e também decentralizando e agilizando os processos de proteção dos direitos dos consumidores.
- O governo federal enviou ao Congresso Nacional projeto de lei 2.353/96 para tornar gratuita a certidão de nascimento e de óbito para todos os brasileiros.

Direitos Humanos e Desigualdade Social
O Programa focaliza principalmente direitos civis, como sugerem as ações mencionadas acima, mas sem negar a indissociabilidade dos direitos humanos e a importância dos direitos econômicos, sociais e culturais. A primeira medida proposta de ação governamental incluída no programa é justamente "apoiar a formulação e implementação de políticas públicas e privadas para redução das grandes desigualdades econômicas, sociais e culturais e existentes no país, visando à plena realização do direito ao desenvolvimento".

Ainda que o governo federal tenha programas inovadores na área social, como o Comunidade Solidária, o aumento dos gastos com a dívida pública não permitiu ainda um aumento substancial dos investimentos nesta área, particularmente na educação, saúde e agricultura.(15) A abertura da economia, considerada por alguns rápida demais e indiscriminada, por outros essencial para forçar a modernização, como aponta Ignacy Sachs numa avaliação dos dois primeiros anos do governo Fernando Henrique Cardoso, fez aumentar a produtividade da indústria brasileira entre 1991 e 1995 ao ritmo de 7,3% ao ano. Ao mesmo tempo, em contrapartida, o emprego industrial diminuiu no período 3,7% ao ano e os salários crescerem em média apenas 2,8% ao ano.(16)

Mas se considerarmos os grupos mais pobres da população houve uma pequena diminuição da desigualdade de renda per capita entre a população mais pobre e a população mais rica no mesmo período. A proporção de pessoas vivendo em estado de pobreza na população passou de 33,4% em 1994 para 27,8% em 1995 e 25,1% em 1996, ainda acima dos 22,6% registrados em 1990.(17) A renda dos 50% mais pobres da população passou de 11,3% da renda total do trabalho em 1994 para 12,2% em 1995 e 12,3% em 1996, ainda abaixo dos 12,8% em 1990. A renda dos 20% mais ricos, ao contrário, caiu de 64,7% da renda total do trabalho em 1994 para 62,6% em 1995 e 62,4% em 1996, abaixo dos 62,8% em 1990.(18) Caso essa tendência possa ser projetada para o futuro, e alargada nos seus efeitos positivos, as iniquidades -especialmente para os grupos mais vulneráveis e em especial a população negra, a mais atingida pelos efeitos perversos da desigualdade- que se abatem sobre a sociedade brasileira em razão de uma das piores distribuições de renda da mundo poderão vir a ser amenizadas e quem sabe um dia debeladas. Para realizar esse objetivo, o compromisso do governo federal com a realização dos direitos humanos poderá ser um fator decisivo.

Perspectivas
São inegáveis as mudanças e avanços nas políticas governamentais no que se refere à proteção e promoção dos direitos humanos durante o primeiro ano de vigência do Programa Nacional de Direitos Humanos.
Mas há várias ações propostas no Programa que ainda não foram implementadas ou o foram apenas parcialmente, sem as quais a política governamental de proteção dos direitos humanos ficou prejudicada. Em particular, é o caso das medidas referentes à implementação e monitoramento do programa. Das sete medidas propostas, apenas uma foi implementada, parcialmente:

- Atribuir ao Ministério da Justiça, através de órgão a ser designado, a responsabilidade pela coordenação da implementação e atualização do Programa Nacional de Direitos Humanos, inclusive sugestões e queixas sobre o seu cumprimento (esta parte foi implementada através da criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos). Atribuir a entidades equivalentes a responsabilidade pela coordenação da implementação do programa nos estados e municípios (esta parte não foi implementada).

É fundamental que as outras seis medidas sejam logo implementadas:

- Criar um serviço civil constituído por jovens formados como agentes da cidadania, que possam atuar na proteção dos direitos humanos em todos os estados do país.
- Elaborar um manual de Direitos Humanos, a ser distribuído nos estados e municípios, para informar, educar e treinar os integrantes de organizações governamentais e não governamentais responsáveis pela implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos, e para deixar claro os compromissos assumidos pelo Brasil tanto no plano nacional quanto no plano internacional.

- Desenvolver campanha publicitária no âmbito nacional, através dos vários meios de comunicação social, com o objetivo de esclarecer e sensibilizar o país para a importância dos direitos humanos e do Programa Nacional de Direitos Humanos

- Promover estudos visando à criação de um sistema de incentivos por parte do governo federal aos governos estaduais que implementarem medidas favoráveis aos direitos humanos previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos.
- Atribuir ao Ministério da Justiça a responsabilidade de apresentar ao Presidente da República relatórios quadrimestrais sobre a implementação do Programa Nacional dos Direitos Humanos, face à situação dos direitos humanos no Brasil.

- Destinar aos governos estaduais a responsabilidade de elaborar e apresentar ao Ministério da Justiça relatórios quadrimestrais e anuais sobre a implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos e a situação dos direitos humanos no respectivo estado.

Estas medidas, por dizerem respeito à implementação de todas as outras incluídas no programa, assim como a sua revisão e atualização, são decisivas para a institucionalização de uma política nacional de direitos humanos. Uma vez criada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, o governo federal e particularmente esta Secretaria poderiam dar atenção especial à implementação destas medidas. O Núcleo de Acompanhamento e Fiscalização da Execução do Programa Nacional de Direitos Humanos, já constituído poderia vir a assumir um papel mais claro na implementação do Program, buscando articulações regionais com a universidade e com ongs de direitos humanos. (19)

Além disso, o governo federal poderia incentivar os governos estaduais a adotar uma série de medidas que têm sido apontadas como essenciais e de emergência para diminuir a criminalidade violenta no país, entre as quais devem ter relevância as seguintes(20):

- Formulação e implementação de planos de ação e programas de gerenciamento de qualidade e da capacidade de recursos existentes para melhorar o desempenho das polícias estaduais
- Criação de mecanismos de controle externo das polícias estaduais
- Criação de um sistema de informação sobre mortalidade violenta nos estados
- Criação de sistemas de proteção às vitimas e às testemunhas, através de parcerias com organizações da sociedade civil (como aliás já foi esboçado pelo Programa)

- Campanhas e programas de desarmamento da população

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministro da Justiça (na época, Nelson Jobim, nomeado recentemente ministro do Supremo Tribunal Federal), e o Secretário Nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, tiveram papel fundamental na decisão de elaborar o Programa Nacional de Direitos Humanos e na implementação de muitas das suas medidas entre maio de 1996 e maio de 1997.(21) Muito certamente, continuarão a desempenhar um papel fundamental na implementação do programa em 1997 e 1998. A questão agora é saber se a política nacional de direitos humanos, além de contar com seu apoio, será institucionalizada, na esfera federal e nas esferas estaduais, ficando os governos federais e estaduais obrigados a formular e implementar programas de direitos humanos, independentemente do compromisso pessoal do Presidente da República e de alguns governadores, como o do estado de S.Paulo, Mario Covas, com a proteção e a promoção dos direitos humanos.

Para que esta política seja institucionalizada, governo e sociedade devem por em prática logo as propostas que dizem respeito à implementação e monitoramento do programa. Uma atenção especial deve ser dedicada à articulação do governo com organizações que têm capacidade e recursos de colaborar para coordenar e monitorar a implementação de políticas de direitos humanos, e à formação de agentes de cidadania, nas esferas federal, estadual e municipal.
Muitas propostas contidas no programa têm que ser implementadas nos estados da federação, pelos governos estaduais. O governo federal deve incentivar os estados e municípios a criar e fortalecer conselhos estaduais e municipais de direitos humanos, e a formular e implementar programas estaduais e municipais de direitos humanos.

O que está em questão não é apenas a implementação do Programa mas a institucionalização de políticas públicas capazes de impedir a prática de graves violações de direitos humanos, com impunidade garantida, que põem em risco a construção de um estado de direito válido para as elites e as não-elites. A realização dos direitos humanos, como ficou claro depois da Declaração e do Programa de Direitos Humanos de Viena, é essencial para a consolidação da democracia , e para que possa ser viabilizada uma alternativa efetiva tanto ao estado mínimo neo-liberal quanto à crise e desintegração do Estado no Brasil. A política de direitos humanos deve integrar todas as das políticas de governo e não ser apenas uma preocupação excêntrica das decisões de poder. É a realização dos direitos humanos que pode dar a medida precisa do grau de controle que as não-elites exercem sobre as elites, requisito primordial para uma democracia que inclua todos os cidadãos.

NOTAS

1 Decreto 1.904/96. O texto do Programa Nacional de Direitos Humanos, assim como um quadro com informações sobre a implementação do programa, está disponível na página do Ministério da Justiça na Internet (endereço: www.mj.gov.br).

2 Antes do Brasil, a Austrália e as Filipinas lançaram programas nacionais de direitos humanos.

3 O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo coordenou os seminários regionais, participou da conferência nacional e elaborou o anteprojeto do Programa Nacional de Direitos Humanos. Sobre o processo de elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos, ver Paulo de Mesquita Neto, Programa Nacional de Direitos Humanos: Continuidade ou Mudança no Tratamento dos Direitos Humanos no Brasil, publicado na Revista CEJ 1:1, Abril de 1997. Sobre as propostas apresentadas pela Primeira Conferência Nacional de Direitos Humanos, ver documento Brasil, Câmara dos Deputados, Comissão de Direitos Humanos, Relatório: I Conferência Nacional de Direitos Humanos (Brasília, Comissão de Direitos Humanos, 1996).

4 Reuniões de avaliação do Programa Nacional de Direitos Humanos foram realizadas no Rio Grande do Norte, Alagoas, Distrito Federal, Paraíba, Ceará, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco e São Paulo. Ver os seguintes documentos de avaliação do Programa Nacional de Direitos Humanos apresentados duranet a 2a. Conferência Nacional de Direitos Humanos: a) Presidência da República, Governo Fernando Henrique Cardoso, Ministério da Justiça, Programa Nacional de Direitos Humanos: Um Ano, Balanço e Perspectivas; b) Pedro Wilson, deputado federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, O Programa Nacional de Direitos Humanos; c) Hélio Bicudo, deputado federal e membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Discurso proferido pelo Deputado Hélio Bicudo na 2a. Conferência Nacional de Direitos Humanos; d) Anistia Internacional, Memorando: Primeiro Aniversário do Programa Nacional Brasileiro de Direitos Humanos; e) Câmara dos Deputados, Comissão de Direitos Humanos, Crianças e Adolescentes, Justiça e Segurança Pública, Sistema Penitenciário, Educação e Comunicação, Populações Negras, Direitos da Mulher, Reforma Agrária, Direitos Sociais, Refugiados, Migrantes e Estrangeiros, Portadores de Deficiência, Minorias Sexuais, relatórios dos grupos temáticos da 2a. Conferência (o relatório do grupo temático Populações Indígenas foi apresentado oralmente).

5 O texto das principais declarações e tratados internacionais de direitos humanos aprovadas e ratificados pelo Brasil pode ser encontrado em São Paulo, Procuradoria Geral do Estado, Grupo de Trabalho de Direitos Humanos, Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos (São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1996).

6 Taxas calculadas pelo autor a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade/Ministério da Saúde e Fundação Seade.

7 André Lozano Uso de segurança privada explode em SP, Folha de S. Paulo, 20 de abril de 1997.

8 Sobre a relação entre criminalidade, violência e desenvolvimento, ver documento do Banco Mundial, O Crime e a Violência como problemas do Desenvolvimento na América Latina e no Caribe, preparado para a Conferência sobre o Crime e a Violência Urbanos, realizada no Rio de Janeiro/RJ, 2-4 de março de 1997.

9 Sobre a continuidade destas práticas, há estudos e pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, em particular a pesquisa Continuidade Autoritária e Construção da Democracia. Ver Paulo Sérgio Pinheiro, Sérgio Adorno, Nancy Cardia e col., Continuidade Autoritária e Construção da Democracia: Relatório Parcial de Pesquisa (São Paulo, Núcleo de Estudos da Violência da USP, 1995).

10 Ver Paulo Sérgio Pinheiro, O passado não está morto, nem passado é ainda, em Gilberto Dimenstein, Democracia em Pedaços: as violações de direitos humanos no Brasil (São Paulo: Companhia das Letras, 1996). Do mesmo autor, Jobim: engajamento na emergência, em Folha de S. Paulo, 27/3/97.

11 Ver Veja, 23 de abril de 1997 e 16 de abril de 1997.

12 Ver Veja, 30 de abril de 1997.

13 Na questão da impunidade dos agentes do estado, impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello em 1992 foi um acontecimento importante na história brasileira. Deixou claro para todos os governantes, legisladores, juizes e funcionários públicos que a impunidade não estava garantida em caso de envolvimento em práticas criminosas. Ao mesmo tempo, deixou claro para a sociedade que a lei e o direito poderiam servir não apenas para proteger os agentes do estado mas também para limitar, controlar e, eventualmente, punir os agentes do estado.

14 Informações sobre a implementação destas medidas foram coletadas pelos autores através de consultas a jornais diários, a revistas semanais, a documentos públicos, inclusive os documentos citados na nota 4, e a autoridades federais e estaduais.

15 Ver José Roberto de Toledo, Dívida comprime gasto social do governo, em Folha de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1997.

16 Sachs, Ignacy, Deux ans après lélection de F.H. Cardoso: une transition qui se prolonge. Problèmes de lAmérique Latine, 23, ocotobre- décembre 1996:9.

17 Dados do PME/IBGE/IPEA, publicados em Jornal da Tarde, 28 de março de 1997.

18 Idem.

19 Núcleo criado pela portaria 491/96, que encarregou a Secretaria da Cidadania do Ministério da Justiça do monitoramento e coordenação da implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos.

20 Todas as propostas apresentadas a seguir foram apresentadas e debatidas no seminário São Paulo Sem Medo, organizado pela rede Globo de Televisão, Fundação Roberto Marinho e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, no Parlamento Latino Americano, São Paulo, SP, de 6 a 9 de maio de 1997.

21 Paulo Sérgio Pinheiro, Jobim: engajamento na emergência, Folha de S. Paulo, 27 de março de 1997.

Paulo Sérgio Pinheiro
Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência
Professor Livre-Docente Associado do Departamento de Ciência Política, FFLCH, USP
Foi relator do projeto do Programa Nacional de Direitos Humanos.

Paulo de Mesquita Neto
Doutor em ciência política pela Universidade de Columbia, New York.
Pesquisador Senior do Núcleo de Estudos da Violência,
Professor Colaborador do Departamento de Ciência Política, FFLCH, USP.
Relator do Programa Estadual de Direitos Humanos em São Paulo,
em elaboração pela Secretaria da Justiça e da Cidadania.
Foi relator-geral executivo do Programa Nacional de Direitos Humanos.

Os autores agradecem o apoio das bolsas de pesquisa do CNPq de que são beneficiários. Este trabalho deverá ser publicado durante o ano de 1997 na revista Estudos Avançados, Universidade de São Paulo, Instituto de Estudos Avançados.

XXI Encontro Anual da ANPOCS

 
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