
Cidades
Educadoras:
Pedro Wilson Guimarães
Prefeito
de Goiânia. Advogado e sociólogo. Deputado Federal de 1995 a 2000,
onde foi Presidente das Comissões de Educação, Cultura e Desportos e
da Comissão de Direitos Humanos. Professor das Universidades Federal e
Católica de Goiás.
Quis
começar com as palavras do saudoso Betinho, cidadão brasileiro —
mais que isso — cidadão do mundo, que participou ativamente das lutas
do seu tempo para convidar a todos, nesse início do século XXI,
assumir o desafio de construir a mulher e o homem do novo século.
Antes
porém, o coração em luto dedica esse pronunciamento ao companheiro
Celso Daniel, Prefeito de Santo André, que foi assassinado de forma
covarde, cruel, hedionda. Celso Daniel é um dos fundadores do Partido
dos Trabalhadores, um pensador, um elaborador de propostas voltadas à
administração pública. Um intelectual que assumiu, durante meio século
de vida, pouco tempo para um sonhador da sua envergadura, a
responsabilidade de transformar o mundo desigual, violento, insano que
vivemos, num mundo de paz, de igualdade, de utopias mil e de cidadania
para todos.
Fui
colega de Celso Daniel na Câmara dos Deputados, lutamos juntos,
crescemos juntos na vida parlamentar e agora estamos órfãos de um
exemplo de vida pública e competência administrativa. Celso é hoje o
nome da saudade. Dedico esse momento, carregado de emoção, a ele, que
está aqui presente na nossa memória, nos alimentando de esperanças, a
desejar a nós todos que este encontro venha a servir de preparação ao
mundo novo que está por vir, onde a perseguição, a corrupção, os
males, a violência e a impunidade serão banidos para sempre deste
planeta azul que, mais do que nunca, quer e precisa de paz.
Ao
falar do tema: Cidades Educadoras, é preciso abrir espaço para o
debate da segurança pública, pois são temas que se locupletam.
Primeiro a vida, o direito sagrado de ir e vir, o direito de viver sem
ameaças, sem chantagens e sem medo.
No
bojo das discussões de ações concretas para combater a violência no
Brasil, que tomou conta do corpo e da alma nacional, antes de se pensar
em medidas paliativas, que apenas revelam a fragilidade da atual política
de segurança pública em curso no Brasil e no mundo, é preciso, em
primeiríssimo lugar, combater a desigualdade social, a pobreza, a miséria,
que assola milhões e milhões de seres humanos, nos quatro cantos do
mundo. E preciso investir na formação humana, proporcionando condições
objetivas para socializar o saber, a cultura, o conhecimento e as ciências.
As cidades educadoras trabalham fortemente o viés da relação, a
colaboração multilateral para a troca de experiências: num espírito
de cooperação e pluralidade.
Santo
André, é um exemplo de cidade que mudou a vida das pessoas, que primou
pela inclusão social e pela cidadania, que fez da cidade um espaço
educativo. E um espaço de poder
local
exemplar, em
que
a
transparência,
a participação popular e a democracia são mais de que boas intenções,
são valores consolidados nas mentes e nos corações dos habitantes
daquela cidade.
Pena
que Santo André não seja uma ilha, que viva incólume aos problemas de
São Paulo e do Brasil. A lição de casa, o espaço de poder local,
estava sendo feita de forma impecável pelos companheiros Celso Daniel,
Selma, Luizinho, Gilberto, Portela e Avamileno, agora o Brasil precisa
acompanhar os passos dessa transformação. O mundo precisa rever os
seus paradigmas, não é possível ver a sequência de tantos
acontecimentos trágicos e ficar de braços cruzados. Trancar a porta
depois que o ladrão já se foi, não pode ser mais a diretriz
governamental.
A
solução não é simples. Trata-se de um problema estrutural, pode se
dizer que cresce na mesma proporção da concentração de riquezas. Não
há outra saída, é preciso atacar a raiz do problema. E preciso acabar
com a exclusão social, com o neoliberalismo que produz vitimas a todo
instante em nome de uma elite conservadora, que quer se manter no poder
eternamente. O Professor Pierre Bourdieu , sempre engajado na busca da
união entre a teoria e a prática, disse que a política neoliberal,
disfarçada sob o nome de globalização, é uma ameaça a civilização.
E civilização é sempre resultante dos processos educativos e
culturais dos povos/nações desenvolvidas “. (O Globo, 25.02.2002).
O
povo brasileiro está cansado de ouvir palavras, o mundo têm
acompanhado a cada dia a imposição de regras, o controle econômico e
político por parte de alguns poucos países e seu aparelhamento
institucional. A educação dentro desse contexto é a esperança da
realização de uma convivência harmônica entre os povos e suas
culturas, a sua forma de organização política, aos seus costumes,
origens, crenças e saberes.
Antes
de falarmos um pouco sobre essa magnifica experiência que é a rede de
cidades que elegeram a educação como o meio de transformação da vida
das pessoas, gostaria de fazer um apanhado de alguns dados sobre a
realidade da educação no Brasil.
O
Brasil tem 167 milhões de habitantes, talvez um pouco mais que o Censo
do ano 2000 não alcançou. Destes, 100 milhões são jovens e adultos
com mais de dezoito anos, idade mais do que suficiente para ter cursado
e concluído o ensino fundamental, direito público e subjetivo de todos
os brasileiros acima de sete anos. Sabem quantos não o concluíram?
Mais de 50 milhões de irmãos e irmãs nossos, provavelmente todos
ausentes desta sala, embora alvos de nossa solidariedade e de nosso
trabalho, de nossa preocupação e de nossa ação. Para se apurar mais
ainda o descompasso entre as leis e a dura realidade: o ensino primário
ou fundamental é gratuito desde 1827 e obrigatório por Lei desde a
Constituição de 1946. O Plano Nacional de Educação tem como primeiro
objetivo a erradicação do analfabetismo para a qual, por dispositivo
explicito a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
teriam que gastar pelo menos a metade de seus recursos vinculados ao
ensino. E por que existem ainda mais de 15 milhões de analfabetos
absolutos e 40 milhões de analfabetos funcionais?
Estes
50 milhões de brasileiros que não completaram o ensino obrigatório
estão certamente, entre os que a revista Veja, Edição 1735, da semana
passada, classifica como miseráveis. Segundo a revista, no Brasil, 23
milhões de pessoas vivem na extrema pobreza. São pessoas que vivem sem
emprego, com fome, assolados pela seca, pela cerca, pela falta de políticas
públicas capazes de dar fim a esta infame e escandalosa realidade. Não
é difícil concluir portanto que desses 23 milhões de miseráveis,
milhares estão na marginalidade. Afinal, como viver na outra ponta da
corda, sem esticá-la?
Em
Goiânia, onde somos responsáveis pela educação infantil e
fundamental de crianças e adolescentes e de jovens e adultos, estamos
proporcionado todas as condições para um amplo atendimento da demanda
educacional. Na educação infantil, entendida por nós, como um tempo e
espaço da criança aprender a partir das relações, do movimento e do
brinquedo, estamos reformando e ampliando os Centros Municipais de Educação
Infantil, inclusive, municipalizando 71 Centros de Educação Infantil
do Estado, capacitando profissionais para trabalhar na área;
construindo de forma permanente uma proposta pedagógica para a educação
infantil; além de oferecer uma melhor qualidade na alimentação das
crianças e programas de assistência social, recreação e cultura.
Na
educação fundamental para crianças e adolescentes, como o próprio
nome já define, temos a concepção que esta etapa visa estabelecer a
relação entre as diferentes áreas do conhecimento, os valores sócio-afetivos
e a vida cidadã em seus diversos aspectos articulados: as linguagens, a
cultura, a saúde, o trabalho, a sexualidade, a vida familiar e social,
o meio ambiente, a ciência e a tecnologia. Portanto, uma etapa que não
pode em hipótese alguma deixar de ser vivenciada pela criança e pelo
adolescente. A nossa gestão, têm buscado dar respostas efetivas e
positivas nesse sentido. Propostas como: manter e reorganizar o Ciclo 1
em todas as escolas que atendam educandos na faixa etária dos 6 a 8
anos — a reorganização pressupõe a equiparação de todas as
escolas em termos de carga horária e formação do coletivo de
professores: implantar o ciclo II. no restante das escolas que atendam
educandos na faixa etária dos 9 aos 11 anos e implementar o ciclo III
nas escolas que ainda não o têm; além de conceder mais autonomia ás
escolas, inclusive possibilitando que cada escola
escolha o seu coordenador pedagógico, são propostas que têm
pautado a nossa linha de ação.
Em
face do enorme déficit educacional existente no Brasil, sobretudo entre
jovens e adultos, fruto da omissão das políticas governamentais,
assumimos o desafio de buscar a superação das condições em que estão
inseridos os jovens e adultos goianienses, preparando-os para o efetivo
exercido de sua cidadania, seja contribuindo para a competência econômica,
seja colaborando para sua participação ativa no contexto político e
social em que vivem. Nesse sentido, a alfabetização de jovens e
adultos têm merecida toda atenção. No primeiro momento, definimos o
perfil pedagógico do ensino noturno na rede municipal; proporcionamos
atendimento a mais de 2000 educandos, em parceria com instituições
filantrópicas e associações de moradores. Neste ano que se inicia,
estamos construindo um programa de Educação Fundamental de
Adolescentes, Jovens e Adultos, contemplando o ensino de 1~ a 4~ série.
Dentro desse programa, a flexibilização de ingresso e avanço do
educando pode acontecer em qualquer momento do ano letivo; o currículo
prioriza a produção de novos conhecimentos e que tenham como eixo a
construção da cidadania e as relações com realidade do educando
trabalhador.
Outro
ponto fundamental dentro da educação como um todo é a valorização
do profissional. Primeiro, proporcionando um salário mais justo, compatível
com as condições orçamentárias que dispomos. Nesse sentido, em
agosto de 2001, concedemos a progressão horizontal aos professores. Na
verdade, o Estatuto do Magistério prevê este benefício há bastante
tempo, mas a prefeitura de Goiânia deixou de concedê-la aos
professores desde 1995. Por isso, a nossa gestão, além de restabelecer
o direito da categoria, cumpre a lei e dá mais um passo em direção á
valorização da carreira do professor na Rede Municipal de Ensino. A
formação profissional, a reciclagem permanente dos recursos humanos ê
outro item importante para o aperfeiçoamento do trabalho
desenvolvimento dentro de sala de aula. Assim a formação, dentro da
nossa proposta, se dá em três momentos: a) no coletivo da escola nos
momentos de planejamento e estudos: b) fora do horário de trabalho em
cursos e oficinas: e c) avaliação semestral por toda a comunidade
educacional.
Ao
mencionar pois a educação como um dos esteios da construção da
cidadania, sobretudo, com a aclamação, quase que unânime dos
especialistas, de que estamos no século do conhecimento, temos que
lutar para que haja a socialização do conhecimento e não o contrário.
A tendência em vigor neste inicio de século XXI é a repetição do
que temos assistido até então. É a formação de ilhas de excelência
em detrimento de uma maioria analfabeta, de escolarização precária,
ou mesmo de educação meramente técnica voltada apenas a atender o
mercado de trabalho. Nesse sentido, achamos extraordinária a idéia das
cidades educadoras, na medida que a cidade dispõe de inúmeras
possibilidades de, no plano local, inverter a lógica do afunilamento,
possibilitando um maior acesso á educação de forma qualificada e para
todos, ou pelo menos para os que estejam sobre a sua responsabilidade
legal.
A
cidade educadora têm personalidade própria, está integrada no pais
onde se situa. A sua identidade é interdependente da do território de
que faz parte. Parte da concepção que a cidade não é fechada sobre
si mesma mas que mantém relações com o que a rodeia — outros núcleos
urbanos do seu território e cidades com características semelhantes de
outros países —, com o objetivo de aprender, trocar experiências e,
portanto, enriquecer a vida dos seus habitantes.
Desse
modo, a cidade será educadora quando reconhecer, exercer e desenvolver,
para além das suas funções tradicionais — econômica, social, política
e de prestação de serviços — uma função educadora. Significa
assumir o objetivo de formar e promover o desenvolvimento de todos os
seus habitantes a começar pelas crianças e pelos jovens. Educação
citadina para a vida, para a família, para a ecologia, para a
cidadania.
Outro
aspecto fundamental na discussão da educação e equidade são as
grandes diferenças sócio-econômicas existentes em todo o Brasil.
Fazer com que os estudantes aprendam o que precisam para participar
plenamente da sociedade; levar educação pública, gratuita e de
qualidade para todos, sobretudo aqueles provenientes de famílias e
grupos sociais menos favorecidos é, ao nosso ver, um esforço em
oferecer ao cidadão e cidadã a tão desejada equidade social, que com
certeza passa também e sobremaneira pela educação.
A
experiência das cidades educadoras, iniciada em 1990, Barcelona, com o
primeiro congresso, propôs sistematizar numa Carta os princípios básicos
que iriam formar o perfil educativo da cidade e os seus objetivos.
Desses
princípios, gostaríamos de destacar alguns pontos que são bastante
elucidativos da intencionalidade e do conteúdo da experiência das
cidades educadoras:
(...)
sendo as cidades espaços construídos pelo Homem, e que, em certa
medida, se afastam da natureza, há, deste modo, uma Segunda natureza
emergente com a qual é necessário aprender a viver A vivência na
cidade é, só por si um ato continuo de adaptação/aprendizagem.
O acompanhamento deste processo na viragem do milênio constitui
um desafio às sociedades contemporâneas.
Sendo
a Educação, cada vez mais, um processo coletivo de mudança que
contribui, a médio e a longo prazo, para a melhoria e para a qualidade
de vida das sociedades onde a sua expansão tem sido priorizada,
entende-se a urgência de um trabalho a nível global, no sentido de se
aprofundar esta interdependência vital”.
Portanto,
é objetivo das cidades educadoras investir em Educação, de modo a que
cada indivíduo seja capaz de ‘expressar, afirmar e desenvolver o seu
potencial humano, com a sua singularidade’, ao mesmo tempo que se
fomenta a sua pertença a uma comunidade e ‘se potencializam as
capacidades de diálogo, confronto e solidariedade’. Cidade e Educação,
vistas sob este enfoque, contribuem para a consolidação de um novo
paradigma de desenvolvimento no século XXI.
Por
fim, uma cidade será verdadeiramente educadora e também produtiva e
distributiva se oferecer todo o seu potencial de forma generosa,
deixando-se envolver por todos os seus habitantes e ensinando-os a
envolverem-se nela. Cidade envolvida por uma real agenda 21 construída
pelo estado e sociedade, por homens e mulheres para um desenvolvimento
sustentável permanente.
Goiânia
participa desta iniciativa e debate com a perspectiva de, a partir das
experiências desenvolvidas pela rede de Cidades Educadoras, fortalecer
o trabalho da rede, seja implementando os conceitos, seja dividindo
experiências vivenciadas por outras cidades. Afinal, a educação é um
processo de crescimento e de transformação que permite a todas as
pessoas obterem maior formação e informação e, simultaneamente, ser
mais livres e mais solidárias, ou seja, mais capazes de levar uma vida
plena.
Muito
Obrigado!
(Texto apresentado no
Fórum de Autoridades Locais pela Inclusão Social, de 28 a 31 de
janeiro e Fórum Social Mundial, de 31 de janeiro a 05 de fevereiro,
Porto Alegre, no painel: Educação e Equidade: a experiência das
Cidades Educadoras. Participaram também deste painel, Luciana Santos
– Prefeita de Olinda; Pilar Figueras – Sec. Executiva das Cidades
Educadoras da Espanha e Josefina Lopes Garcia – Vice-Presidente da
Comissão Provincial de Atenção Social de Havana/Cuba.