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Breves Reflexões sobre a Luta pelos 
Direitos Humanos
na Câmara Federal

 

Pedro Wilson Guimarães

Professor das Universidades Católica de Goiás e Federal de Goiás; Deputado Federal PT/GO, membro da Comissão de Direitos Humanos, Comissão de Educação e da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara Federal. Presidente do Instituto Brasil Central e militante do Movimento Nacional de Direitos Humanos

A Constituição brasileira de 1988, estabelece no pa­rágrafo único, Art. 1º, que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamen­te  , além do que esta devidamente definido no Art. 3º que dentre os obje­tivos fundamentais estão a construção de uma sociedade livre, justa, solidá­ria, a erradicação da pobreza e da marginalidade, incluindo-se a redu­ção das desigualdades sociais e regio­nais, e por fim, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação, partindo destas atribuições, é que busco, em breves linhas, refletir sobre a luta pelos direi­tos humanos na Câmara Federal.

Estamos encerrando um círculo de 4 anos de atuação parlamentar no ano, em que comemora-se o cinquentenário da Declaração Ameri­cana dos Direitos e Deveres do Ho­mem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Portanto, vivemos um momento paradigmático, um mo­mento desafiante por si só, não apenas pelas reflexões em curso no Brasil e no exterior, mas pela possibilidade de avaliarmos, buscarmos saídas para os inúmeros desafios que enfrentamos para a vivência dos direitos humanos, especialmente dos setores sociais desprovi­dos de qualquer garantia de cidadania.

As duas funções precípuas do Poder Legislativo, a partir da reforma promovida pela Constituição Federal de 1988, são a legislativa e a fiscalizadora. Neste sentido, o grau de atuação de cada parlamentar origina-se, basicamente dos compromissos éticos, históricos e partidários assumi­dos anterior ou mesmo no contexto dos embates políticos travados na Câ­mara Federal ou mesmo junto ao con­junto da população organizada ou não. Os desafios são inúmeros, o canto da sereia encanta e embala o sonho de muitos que não possuem um compro­misso cindido nas lutas sociais por direitos humanos (educação, trabalho, saúde, segurança pública democrática, liberdade, igualdade de fato e direito).

Tivemos a honra de participar integralmente da Comissão de Direi­tos Humanos da Câmara dos Deputa­dos em seus 4 anos de existência, sendo que em 1997 assumimos sua presidência. Nestes 4 anos várias de­núncias foram apresentadas, audiên­cias públicas realizadas, seminários e debates foram promovidos em todo o país. Buscamos, assim, fortalecer e dar continuidade a luta travada pela sociedade civil, pelas organizações que atuam em todo o território nacional, a exemplo do Movimento Nacio­nal de Direitos Humanos, do qual inclusive, sou integrante. Portanto, acreditamos que a Câmara dos Deputados e o Congresso Nacional possu­em um importante papel no sentido de fiscalizar, denunciar, buscar saídas para as sérias violações existentes em nosso País. No entanto, só isto não basta, temos que fortalecer as ações, envolver o conjunto da sociedade no processo de construção de uma nova cultura de direitos humanos.

Entendemos que mesmo com a construção de consensos internacio­nais e a sua correspondência nos ordenamentos jurídicos internos, não temos ainda logrado a efetiva promo­ção e proteção dos direitos humanos.

No caso brasileiro, mesmo com a adoção do Programa Nacional de Direitos Humanos pelo Governo Fe­deral, é cada vez maior o número de desempregados, é cada vez maior o número de emigrantes de norte a sul deste país que chega na cidade grande em busca de empregos, de melhores condições de vida, de saúde, de educação, enfim, de uma vida digna de ser vivida. Parece que o Programa Nacional do governo brasileiro, esqueceu-se que os direitos humanos internacionalmente são reconhecidos como interdependentes e indivisíveis.

Segundo dados do IBGE de 1997, sobre avanços da economia e nacional, publicados na Folha de São Paulo e O Globo, 41,5% da população brasileira não tem nenhum rendimento. São mais de setenta milhões de excluídos. Uma enorme parcela, de 15,3%, ganha apenas um salário míni­mo, e outros tantos, 12,9%, ganha de 1 a 2 salários-mínimo, 8,1% da população ganha entre 2 a 3, outros 8,60/o ganham de 3 a 5, e 7,4% de 5 a 10 salários-mínimo, Os números mostram ainda que, entre 10 a 20 salários estão apenas 3,50/o de toda população, e que, somente uma minoria privilegia­da de 1,90/o ganha mais de 20 salários.

Se as estatísticas mostram que a renda per capita aumentou, que o Brasil já é a 7ªeconomia mundial, superando países como a China, Ca­nadá e Espanha, alguma coisa está errada. Ou os tecnocratas estão inobservando o espectro dos milhões de excluídos no Brasil, ou não levam em conta os pobres, os trabalhadores. Parece que falta-lhes sensibilidade. O progresso que conta é o do afunilamento, o da concentração de renda, pois não é possível que 1 00/o da população desfrute de uma parcela expressiva de toda riqueza em detrimento dos mais pobres.

A lógica que vemos ressurgir, com máscaras diversas e requintes de insensatez, é a lógica do aumento do bolo. A mesma do “milagre econômi­co”, de tão triste memória, que nos ludibriou a todos nos anos 70. O mila­gre do Plano Real, reproduz - dadas as devidas diferenças - a matemática do crescimento econômico do governo Médice, onde teríamos que esperar pelo momento apropriado para repar­ti-lo. Mas será que nunca vamos ver esse bolo repartido? Será que estare­mos eternamente condenados a ver que a grande maioria da população, que forma a massa proletária de exclu­ídos não terá participação nessa festa da solidariedade tão decantada pelo governo federal? Ou será que esse bolo, assim como no passado, é para ser consumido apenas pelos banqueiros, tecnocratas e apanigua­dos do poder?

Constata-se que, nos dias de hoje, o país, com sua política neoliberal, não oferece mais oportuni­dades. Aliás, o que se vê, tanto na cidade corno no campo, é uma reali­dade cada dia mais cruel. E o aumento agravado dos bolsões de miséria ex­cluindo os migrantes. Aumenta a fome aqui, continua a fome lá. Aumenta o desemprego aqui, mantém-se desem­prego lá, porque não se faz reforma agrária, porque não se tem uma políti­ca agrícola e agrária capaz de solucio­nar a raiz do problema. Porque não cria um modelo de geração de empre­go e renda capaz de atenderas deman­das urbanas.

Enquanto isso, o trabalhador se arranja como pode, ou melhor, se ar­ranja como quer o patrão. Com a anuência da Câmara dos Deputados, suprime-se direitos adquiridos, vota-se contrato temporário de trabalho, de missões voluntárias e outros “ajustes” que privilegiam cada vez mais o capital em detrimento da classe trabalhadora.

Entendemos que não podemos nos calar diante de números tão alarmantes, diante de tanto descaso, dian­te de uma estatística tão desumana, de números tão cruéis.

Gostaria de ressaltar que o re­conhecimento dos direitos humanos no plano das constituições democráti­cas, sua concretização e cumprimen­to enquanto normas, deveriam ser a tônica da realização constitucional, da mesma forma, que deveriam ser as políticas públicas formuladas e implementadas por um dado Estado. Neste sentido, entendemos que infelizmente, no Brasil, no mundo globa­lizado, mesmo com a globalização da temática dos direitos humanos e sua vinculação com a democracia ainda estamos muito distantes de realmente dizer que aqui vivemos uma democra­cia, que aqui os direitos humanos estão assegurados.

Direitos humanos, ao nosso ver pressupõe direito à vida, à liberdade, respeito e tolerância. O que presenci­amos, no entanto, é a violência oriun­da do preconceito social, racial, religioso, das relações de gênero, dis­criminação sexual ou pela condição física. Apesar de muitos ainda acredi­tarem no falso argumento de que no Brasil não existe intolerância, precon­ceito, desrespeito e discriminação de­corrente da corda pele ou da condição social, somos obrigados a contestar.

Quanto falamos em violência originária da intolerância religiosa, a titulo de exemplificação, podemos dizer que muitas vezes, os conflitos religiosos estão associados a conflitos étnicos, com os quais se misturam num caldo de cultura que é apontado por muitos especialistas como um dos principais riscos à paz mundial hoje.

O Brasil tem sido considerado um país quase imune a esses conflitos. De fato, entre nós parece mais fácil que em outros países a convivência, por exemplo, entre árabes e judeus. Entretanto, se observarmos a sistemá­tica destruição dos povos indígenas desde o descobrimento pelos euro­peus, veremos que esses povos nati­vos têm sido vítimas da destruição de seus valores e cultos religiosos. Outro grupo étnico também oprimido pela intolerância religiosa é o dos negros. que aqui chegaram na condição de escravos, foram impedidos de cultuar suas crenças religiosas e até compeli­dos a associar suas imagens às ima­gens da religião católica. Mais recentemente, a cena de um pastor evangélico chutando uma imagem da Nossa Senhora desencadeou uma sé­rie de demonstrações de hostil idades entre católicos e evangélicos, que felizmente não evoluiu para algo pior. E não devemos esquecer que o precon­ceito ainda pesa sobre muitos cultos evangélicos, praticados por pessoas humildes.

A questão racial é reconhecidamente central para qualquer discus­são sobre democracia e direitos humanos no Brasil. O preconceito e a discriminação sobre grupos étnicos é uma realidade num país que herdou de uma concepção colonial eurocentrista o desprezo pelos desi­guais. Passados mais de uni século desde a abolição da escravatura, os grupos mais atingidos pela discrimi­nação, o negro e o índio, continuam sendo alvo de desvantagens cristaliza­das historicamente, e o propósito de todos nos é remover essas desvantagens, combatendo o preconceito, em todas as suas dimensões, a econômica, a política e a cultural.

Todos os fundamentos da democracia pressupõem a criação de condições objetivas para o exercício da cidadania plena por todos os cida­dãos. E mesmo em termos de merca­do, é preciso que haja condições de concorrência igual para todos.

A Constituição Brasileira é clara e incisiva quando trata das discrimina­ções raciais. Vejamos: “Art. 3º, IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”; mais adiante no “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ga­rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLII – A prática de racismo cons­titui crime inafiançável e impres­critível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

VIII – Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e re­cusar-se a cumprir prestação alternati­va, fixada em lei”.

Entendemos que se a lei fosse razoavelmente cumprida a questão do racismo não existiria mais. As leis parecem ser muito frágeis para coibir o preconceito e fazer respeitar os direitos dos seres humanos.

No Brasil, não poderia deixar de frisar, vivenciamos uma realidade paradoxal, se por um lado contamos com uma das legislações mais avança­das no que tange a garantia dos direi­tos das crianças e adolescentes, inclusive que lhes garante prioridade absoluta, além de sermos signatários de convenções que asseguram os mais amplos e elementares direitos as cri­anças e adolescentes, contraditoria­mente, somos um país que discrimina, abandona, negligencia, mata e extermi­na aqueles que são prioridade absoluta.

Creio não ser necessário, relatar milhões de crianças e adolescentes que encontram-se em situação de ris­co pessoal e social no Brasil. De acor­do com o Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, pro­duzido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organiza­ção dos Estados Americanos-OEA, só na cidade do Rio de Janeiro, cerca de 30 mil crianças frequentam diariamen­te as ruas e dessas 1 .000 fazem da rua sua casa. Em São Paulo, estima-se que entre 5 a 20 mil passam o dia na rua e retornam à suas casas a noite. Várias crianças e adolescentes vivem da de­linquência e em situações familiares críticas, subsistindo do produto de pequenos roubos ou da prestação de serviços inclusive para traficantes. Essas crianças e adolescentes geral­mente não têm uma vida longa, mor­rem vítimas de grupos de extermínio, de policiais ou ainda, da violência em que sua situação os envolve. Enquan­to isto, na Câmara Federal, alguns ainda querer suprimir direitos que fo­ram assegurados as crianças e adoles­centes. Por outro lado, vários parlamentares unem esforços no sen­tido de por fim a prostituição, o abuso sexual, o trafico e tantas outras viola­ções a que estão sujeitos o chamado cidadão do futuro.

A Constituição Federal de 1 988 traz em seu bojo vários avanços importantes em benefício dos direitos da mulher. O Art. 5º estabelece a igual­dade de todos perante a lei e que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (Seção 1). É obri­gação fundamental do Estado promo­ver o bem de todos, sem discriminação (Art. 3º, Seção IV). Além disso, a Seção XLI do Artigo 50 dispõe que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades individuais. Os direitos trabalhistas são assegurados pela Constituição Fede­ral igualmente para homens e mulhe­res. O Art. 7º da Constituição, enumera ainda, direitos específicos das traba­lhadoras mulheres, como licença ma­ternidade e a proteção do mercado de trabalho da mulher.

Apesar desses avanços e con­quistas alcançados pelas mulheres, é lamentável a frequência com que se vêem casos concretos de violações de seus direitos humanos. Como foi dito acima, a lei reconhece a igualdade en­tre homens e mulheres, mas as mulhe­res brasileiras, que representam pouco mais de metade da população do país (50,1% em 1990), ainda se defrontam com dificuldades para participar plena­mente de todos os aspectos da vida econômica, social e política do País.

No que diz respeito ao traba­lho, embora a discriminação nos salá­rios, nas contratações e no exercício de funções seja proibida por lei, a discriminação por razões de sexo ainda persiste no mercado de trabalho brasileiro. Enquanto 3 de cada 4 ho­mens estão trabalhando ou procuran­do emprego, essa relação cai de 1 para 2 no caso das mulheres (1993). Em outras palavras, metade das mulheres em idade de trabalhar fora, cuida da casa, dos filhos, não sendo remuneradas por isso. Mas, as mulheres conti­nuam na luta pressionando e muito o mercado de trabalho à procura de emprego, apesar das dificuldades em compatibilizar o trabalho doméstico e trabalho remunerado.

Metade das mulheres que tra­balham encontra-se no setor informal, sem nenhum tipo de proteção social ou direito previdenciário. Elas estão concentradas num número pequeno de atividades e ocupações: 2/3 desempenham funções no serviço público (educação, saúde e serviços pessoais) e outros tipos de serviços, perto de 15% apenas trabalham na indústria, onde os salários são mais altos e 400/o das mulheres ocupadas no meio rural não recebem salários.

Mais de 80% das pessoas ocu­padas como costureiros, professores de 10 grau, secretários, telefonistas e! ou telegrafistas, enfermeiros e recep­cionistas são mulheres. E essas são as ocupações pior remuneradas do país.

No Brasil o número de mulhe­res que ocupam cargos de chefia é mínimo. Embora em cada 100 pesso­as que trabalhem 40 sejam mulheres, elas raramente conseguem subir na hierarquia funcional das empresas. Até hoje, apesar de haver muitas mulhe­res entre os advogados, nenhuma bra­sileira conseguiu chegar aos Tribunais Superiores do país.

Apesar de a Constituição e a Consolidação das Leis do Trabalho proibirem a demissão de mulheres grávidas isto continua a acontecer e que alguns empregadores continuam a eliminar as candidatas a trabalho em estado de gravidez e as mulheres em idade fértil ou, em certos casos, exi­gem das mulheres provas de esterili­zação como condição de emprego.

E o que dizer da saúde e da violência contra a mulher brasileira? A mortalidade materna no Brasil é uma das mais elevadas da América Latina: há 200 óbitos maternos em cada 100.000 crianças nascidas. Estima-se que no Brasil 5.000 mulheres morram a cada ano em decorrência de compli­cações na gravidez, parto ou pós-dato.

A má qualidade do serviço de saúde e a falta de um atendimento especializado voltado para a saúde reprodutiva da mulher são mortais. As maiores causas de mortes das mulhe­res são problemas circulatórios e câncer uterino, doenças para as quais o diagnóstico é fácil e a cura assegu­rada, caso seja feito tratamento com antecedência.

A prostituição, o tráfico de mulheres e meninas brasileiras para outros países europeus e asiáticos e a violência, constituem-se nos maiores problemas enfrentados pela socieda­de e pelos movimentos específicos, no que diz respeito a violação dos direitos humanos das mulheres. Te­mos recebido denúncias, na Comis­são de Direitos Humanos, sobre as situações constrangedoras, legais e ile­gais, duras e degradantes a que estão submetidas as brasileiras no exterior. Na última semana do mês de feverei­ro/98, a Polícia Federal Brasileira in­vadiu um prostíbulo no Paraguai e libertou várias menores brasileiras, que se encontravam cativas no local, sen­do obrigadas a prostituição e ao traba­lho escravo, em condições subumanas.

Além da prostituição, ainda en­frentam o narcotráfico, a falsificação de documentos, o contrabando de ar­mas, o confinamento em clubes, fa­zendas, a retirada de documentos pessoais, que geram a morte, a degra­dação física, psicológica e a violação dos direitos de cidadania.

A violência doméstica é a forma mais comum de violência contra a mulher no Brasil, e inclui o assassinato de cônjuges, a agressão doméstica, o abuso e o estupro. Ainda que as Dele­gacias representem um avanço extra­ordinário no sentido de que abordam as causas e consequências específicas da violência contra a mulher, sua ca­pacidade de proteção dos direitos da mulher continua a ser limitada em razão da falta de recursos humanos e materiais, da preparação insuficiente de pessoal especializado e não-especializado (nos quadros da polícia) para tratar de casos de violência e de ques­tões gerais da mulher, e da insuficien­te coordenação com o restante da organização policial. As policiais especializadas existentes não podem atender todas as vítimas. Nas áreas rurais, em particular, as mulheres con­tam com muito poucos recursos ofici­ais contra a violência e para obter ajuda. Além disso, mesmo onde exis­tem essas delegacias especializadas, é frequente que as queixas não sejam totalmente investigadas ou proces­sadas. Em outros casos, as mulheres não apresentam queixa formal con­tra os agressores.

Ainda, falando do direito ele­mentar à vida, nos assustamos quando nos deparamos com os dados recentes divulgados pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos cujo Banco de Dados evidencia que entre os anos de 1994 a 1997, em 15 Estados da Fede­ração, ocorreram 33.654 registros de homicídios. Vale esclarecer que estes dados não podem ser vistos como dados absolutos, até porque nenhum dado em nosso pais pode ser visto como tal, mas como uma amostra confiável da violação ao direito à vida, obtida por intermédio da somatória das notícias diárias divulgadas pela imprensa escrita sobre assassinatos.

Por fim, não poderíamos deixar de retomar os questionamentos que serviram como correias condutoras de nossas reflexões. Apesar do dramá­tico quadro existente em nosso país, ainda cremos que os direitos humanos podem e devem ser concebidos como a carta magna para um futuro global com dignidade. Para tanto, devemos lutar para que os direitos humanos sejam concretamente implementados, que sejam tratados como indivisíveis e interdependentes, inclusive pelo próprio Programa Nacional de Direi­tos Humanos, que infelizmente, privi­legia os direitos civis e políticos, deixando para um segundo e longín­quo momento os direitos econômi­cos, sociais e culturais.

Entendemos que em consequ­ência de tantas crises e falta de políti­cas e alternativas para a população brasileira, assistimos a inflamação de favelas, de sem teto, de desemprega­dos, de sem terra, de emigrantes, de exploração do trabalho infantil, prosti­tuição infantil, entre tantos surgidos da dívida social que tem que ser resga­tada urgentemente. E este resgate tem que acontecer devolvendo prioritariamente à toda população das cidades e dos campos os direitos à cidadania, aos bens essenciais como saúde, educação, moradia, emprego, enfim, proporcionando aos renegados da história tudo que lhe foi roubado indevidamente. Portanto, resgatar a dívida social é antes de tudo democra­tizar o Estado.

A batalha da Reforma da Previ­dência e tantas outras que consumi­ram os esforços de inúmeras organizações espalhadas no pais, cons­titui-se em um das importantes questões tratadas no decorrer desses 4 anos. Sempre fomos favoráveis as reformas que possibilitem melhoria devida para o povo brasileiro. Reformas que aju­dem a família, o homem, a mulher, o aposentado a ter vida digna de ser vivida. Precisamos acabar com privi­légios, exceções, ganhos acima dos direitos (e dos deveres) que devem ser sempre iguais. Iguais na pluralidade, nas diferenças, nas oportunidades, res­peitando condições rurais e urbanas, homens e mulheres, riscos de vida e deficiências humanas próprias. Que­remos sempre uma lei universal para todos os brasileiros. Queremos uma previdência sem fraudes, sem sonega­ções, sem desvios. E para isso, é preci­so administração transparente, competente, eficiente, eficaz e públi­ca. E preciso fiscalização, participa­ção da sociedade civil e publicização de toda a real idade previdenciária atra­vés da mídia. No entanto, o Congresso Nacional não soube ouvir as reivindi­cações populares, e hoje sofremos, afora a Reforma de Estado, a LDB, entre outras.

Não poderíamos deixar de di­zer que com a evolução das institui­ções democráticas modernas e dos parlamentos conhecidos na atualida­de, são processos intimamente liga­dos, e ocorreram simultaneamente à evolução do orçamento. No caso bra­sileiro, em diferentes momentos histó­ricos o processo evolutivo do orçamento e sua relação com o Poder Legislativo tem sido marcado por sua utilização como instrumento de legitimação e sustentação política e econômica das classes sociais que dominaram o Estado, conforme texto de Paulo Rocha sobre Controle Social dos Orçamentos Públicos, proferido na Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1996.

A sociedade brasileira acredita haver um amplo acordo tático entre as elites dominantes, acordo este suprapartidário e que está acima das divergências de interesses dos diver­sos blocos que dominam o poder, voltado para a garantia da mais confor­tável, segura e inexpugnável impuni­dade. As prisões estão abarrotadas de pobres, verdadeiros “ladrões de gali­nha”, em contraposição aos crimino­sos do “colarinho branco” que surrupiam parcelas consideráveis de verba pública e que nunca, ou rara­mente, são presos.

O véu da impunidade paira so­bre nossas cabeças, comprometendo especialmente o Poder Legislativo. Obviamente não podemos deixar de lembrar que muitos problemas e es­cândalos vividos são promovidos tan­to por membros do Poder Executivo como do Poder Legislativo e mesmo do Poder Judiciário, em todos os ní­veis. São fruto de acordos políticos espúrios, que formam esquemas de poder, possibilitando maiorias legislativas que anulam o trabalho de contrapeso, denúncia e fiscalização exercido pelas oposições, tornado-se o Poder Legislativo órgão meramente homologador dos atos do Poder Exe­cutivo.

A Constituição Federal de 1988 assegura ao Poder Legislativo, em seu art. 70, o poder de fiscalizar a União e as entidades da administração direta e indireta, mediante o controle externo, como também a prerrogativa de atuar na elaboração e fiscalização dos orça­mentos públicos. A Magna Carta bra­sileira ampliou o ciclo orçamentário para os orçamentos federais, antes res­trito apenas à lei orçamentária anual. Dessa forma, hoje temos o chamado “PPA” - Plano Plurianual - e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. O Plano Plurianual equivale a um pro­grama de governo; estabelece diretri­zes, objetivos e metas de médio e longo prazos. A lei de diretrizes orça­mentárias propõe-se a estabelecer metas e prioridades para o exercício subsequente e deve espelhar-se no Pla­no Plurianual, sob pena de ser vetada.

A lei orçamentária compreende os orçamentos fiscal, da seguridade e de investimentos das empresas estatais, prevê as receitas e fixa as despesas para o ano subsequente. Deve ser elaborada a partir do disposto no PPA e na [DO, alocando recursos para a execução das políticas públicas previstas nesses ins­trumentos de planejamento.

Neste sentido, o disposto nas leis que compõem o ciclo orçamentá­rio não devem ser percebidos apenas como o reflexo do planejamento go­vernamental. São também a expres­são do compromisso do Governo com a sociedade, para a implementação das políticas públicas demandadas por esta, particularmente as políticas sociais.

Para apreciar os projetos de PPA, LDO e Orçamento, a Constituição brasileira criou uma Comissão Mista de Orçamento, encarregada de apre­ciar e emitir parecer sobre os projetos que envolvem o ciclo orçamentário, os planos e programas nacionais, regi­onais e setoriais e também sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República. Todas essas atribuições foram delegadas à Comis­são de Orçamento “sem prejuízo da atuação das demais comissões do Con­gresso Nacional e de suas Casas –deve-se frisar.

Importante também foi a estru­tura técnica do Congresso Nacional. Enquanto o Poder Executivo dispunha de várias centenas de analistas e técnicos de orçamento, o Congresso não dispunha de qualquer estrutura de apoio. No últimos anos a Câmara dos Deputados e o Senado vêm amplian­do seu quadro, possibilitou uma maior independência do Poder Legislativo quanto a busca de conhecimento e da informação orçamentária. Inclusive é preciso dizer da importância do SIAFI - Sistema de Administração Financeira - do Congresso Nacional no controle do exercício orçamentário federal.

Após a “‘CPI dos Anões do Or­çamento”, medidas foram tomadas, objetivando aperfeiçoar a forma de apreciação e votação da proposta or­çamentária, de forma a evitar a forma­ção de lacunas. A Resolução nº 2, de 1995, do Congresso Nacional deter­minou, entre outros avanços:

a) ... “ prioridade às emendas coletivas (emendas de bancada esta­dual regional e de Comissões), redu­zindo as emendas individuais para um número de vinte por parlamentar;

b) realização de audiências pú­blicas em uma fase anterior à aprecia­ção das matérias em pauta, com vistas a ensejar uma maior discussão e aprofundamento em assuntos específicos;

c) obrigação regimental da apre­sentação de relatórios que contenham elementos técnicos que permitam o conhecimento exato das mudanças que estão sendo propostas. Os relató­rios devem conter o demonstrativo completo das alterações ...“

Não podemos deixar de citar, igualmente, o trabalho desenvolvido pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional que, no ano passado, possibilitou a realização de reuniões regionais. O Presidente da Comissão e o Relator Geral desloca­ram-se para encontros com autorida­des locais, representantes de entidades sociais em cada uma das cinco regiões do País, onde foi apresentada e discu­tida a proposta orçamentaria da União.

Essas medidas foram de suma importância e desenharam um novo perfil na análise e controle dos orça­mentos. Mas ainda não foram capazes de mudar a forma fragmentada como o Projeto de Lei Orçamentária é apre­ciado pela Comissão Mista de Orçamento. Infelizmente, a maioria dos parlamentares ainda acha que o Orçamento é apenas mais uma forma de assegurar recursos para suas bases elei­torais. Não se preocupam com as po­líticas públicas ali expressas.

Entendemos que, de fato, o con­trole dos orçamentos públicos é tarefa de toda a sociedade brasileira, que é quem paga os impostos e deveria ser a beneficiária dos projetos governamen­tais. Dessa forma, a discussão, a aplicação e principalmente a fiscalização das verbas públicas deve ser exercida não apenas por grupos, empresas ou políticos, mas por quem de direito, ou seja, a própria sociedade, os movi­mentos sociais, igrejas, universidades e associações populares acreditadas.

Não é possível falar em regimes democráticos, enquanto os gastos pú­blicos não são expressamente autori­zados e legitimados pelos repre­sentantes do povo, e na atualidade, pela própria sociedade.

 
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