
MINORIAS:
LUTAS POPULARES E DIREITOS HUMANOS
Lutas
Populares e Direitos Humanos
MARIA
VITÓRIA DE MESQUITA BENEVIDES,
Presidente
de Pós-graduação da USP, Doutora em Ciências Políticas pela
Universidade de São Paulo, Professora Livre Docente de Educação
de Universidade de São Paulo, Membro do Centro de Estudos de
Cultura Contemporânea, Membro da Comissão de Justiça e Paz,
Integrante da Escola de Governo em São Paulo.
O
tema “Minorias: Lutas Populares e Direitos Humanos” reservou
para minha exposição e subtema das Lutas Populares e dos
Direitos Humanos. Entào, o que eu pretendia fazer, nesse espaço
de tempo da minha fala, era relacionar a idéia de minoria com a
da Luta, da Cidadania Ativa., vinculada à idéia mais ampla de
Democracia e de Cidadania.
A
questão crucial e que me parece importante destacar, quando vamos
discutir mais uma vez Direitos Humanos no Brasil, é o desafio em
que consiste esta questão o que nos obriga a enfrentar o problema
das desigualdades, simultaneamente no plano das mentalidades e no
plano da ação concreta. Quando nós falamos em Direitos Humanos,
falamos, obviamente, no princípio da igualdade de todas as
pessoas, em termos de dignidade da pessoa humana. E eu insisto em
que este enfrentamento é duplo e em que esta é a questão
crucial, porque, embora extremamente importantes, as ações
concretas no plano das autoridades públicas e no plano da
sociedade, através das lutas populares, nos permitiriam avançar
pouco, senão enfrentássemos também a questão no plano das
mentalidades.
Costumo
dizer que é mais fácil para um governante, por exemplo, a ação
violenta e o abuso de poder da suas própria polícia do que
modificar a mentalidade da sociedade em si e desses policiais que
fazem parte dela, mentalidade consolidada ao longo dos anos, ao
longo de sua formação moral, cívica e política, a respeito de
todos aqueles que formam nosso público “privilegiado”,
carente dos direitos mais elementares.
A
mentalidade de discriminação e preconceito em relação aos
pobres em geral, aos desempregados, aos negros, àqueles que têm
uma opção sexual considerada minoritária, àqueles que são
perseguidos e discriminados pela doença, pela idade, pelo sexo,
ou, simplesmente, por pertencerem às classes sociais mais
desfavorecidas que são, por isso mesmo, entendidas como as
classes perigosas.
Então
eu insisto que o problema se coloca sempre nas duas frentes: De um
lado, é importantíssimo que, através dos movimentos organizados
das lutas populares, se cobre das autoridades medidas efetivas
para garantir os direitos elementares da pessoa humana. Mas, por
outro, é preciso também que essa ação conjunta – e eu sei
que já tivemos aqui debates sobre o papel da educação, da
escola, - que se tenha essa ação acoplada a um trabalho intenso
e constante de formação, de modificação de mentalidades em
relação ao preconceito e à discriminação. Ao associar Lutas
Populares, Direitos Humanos, Cidadania e Democracia, gostaria
também de lembrar que Democracia é o regime político, único
aliás que, historicamente, congrega na teoria e na prática os
ideais de liberdade e igualdade. Mas que, em relação as pessoas,
considera que são elas as detentoras de Direitos Humanos. O
regime democrático é mais do que meramente garantir aqueles
direitos civis, políticos e sociais que já estão garantidos no
Estado de Direito, que já estão garantidos numa ordem legal,
jurídica. O importante, exatamente nesse tema que une Direitos
Humanos e Lutas Populares é enfatizar que o regime democrático,
particularmente o contemporâneo, por ser mais do que garantir os
direitos já consolidados no estado de direito, numa determinada
ordem, jurídica, é aquela que torna as pessoas sujeitos
políticos, potencialmente, criadores de novos direitos, de novos
espaços para fruição e reivindicação desses direitos. Isso
significa entender a democracia como um regime essencialmente
dinâmico, em constante processo. É isso que Lutas Populares têm
todo sentido nesse contexto democrático, porque são justamente
elas, vinculadas aos Direitos Humanos, os movimentos organizados
não apenas para reivindicação de alguns direitos já
reconhecidos legalmente, mas para a criação de novos direitos,
de novos sujeitos políticos, portadores de novos direitos e,
conseqüentemente , de reivindicação de novos espaços para
essas lutas.
Quando
falo em criação de novos direitos à democracia como um sistema
essencialmente aberto, em construção e essencialmente um
processo, eu lembro, que, há algum tempo atrás, não se
considerava uma luta popular formada por sujeitos políticos
reconhecidos na sociedade e com direito de se organizar e de
reivindicar, o movimento em defesa do meio ambiente, o movimento
ecológico. No entanto, hoje, ninguém duvida que não se trata
apenas de uma macaquice do movimento ecológico dos países do
primeiro mundo. Mas se considera que é essencialmente o movimento
que se dirige para as populações carentes que são as primeiras
a sofrer as conseqüências de uma qualidade de vida fatalmente
deteriorada pela poluição, pela degradação do meio ambiente,
pela devastação ecológica.
Foi
através de uma luta popular que foram criados novos sujeitos
políticos, novos direitos humanos e novos espaços para essa
reivindicação, para a fruição e o reconhecimento legal pela
sociedade desses novos direitos. Lembro igualmente a
constituição dos sujeitos políticos do movimento dos sem-terra,
do movimento dos sem-casa, do amplo movimento das mulheres e,
possivelmente, há algumas décadas atrás, do movimento
organizado em defesa da consciência negra, do movimento em defesa
da identidade cultural, contudo o que isso significa, inclusive no
plano econômico, das comunidades indígenas no Brasil, do sujeito
político que foi criado, por exemplo. Recebi há pouco o papel do
movimento “grupo pela vida” daqueles que
se dedicam a organizar um movimento pelo reconhecimento público
do doente discriminado por ser portador do vírus da AIDS. O que
significa tudo isso? Significa levar, na realidade, o conceito de
democracia como um processo que pressupõe sempre e constantemente
a abertura para o surgimento de novos sujeitos políticos
coletivos que reivindicam novos direitos, novas formas de lutas e
novos espaços.
A
respeito de minorias, queria lembrar também a confusão que se
faz num país como o nosso sobre o próprio conceito de minoria. O
que queremos dizer, quando nos referimos aos direitos das
minorias? Que minorias são essas? Eu sempre acho um pouco de graça,
quando se fala de mulheres e negros como minorias no Brasil,
porque, sobre qualquer ponto de vista do conjunto da sociedade,
numericamente tomada, mulheres e negros e/ou descendentes da raça
negra são majoritários no país.
Assim,
é preciso entender que, em alguns países do primeiro mundo, o
conceito de minoria é claro, porque se refere àqueles grupos
que, por razões até mesmo forçadas de uma imigração econômica,
ou política, ou religiosa, são minoria no sentido de não
estarem integrados a um determinado sistema legal, a uma
determinada ordem jurídica que reconhece Direitos e Deveres de
Cidadania, como o são as minorias religiosas, étnicas ou raciais
que existem no primeiro mundo e que, como sabemos estão
efetivamente à mercê da nova ordem bárbara dos nacionalismos,
da discriminação e do racismo. Neste caso, o conceito de minoria
é também um conceito numérico. São grupos minoritários
inseridos em sociedades mais amplas e que estão inicialmente
desprovidos dessa inserção legal. Então, a sua luta é no
sentido não apenas do reconhecimento cultural, mas também da
inserção legal como nacionais, como cidadãos. No caso do
Brasil, a idéia de minoria não é tão clara e, quando falamos
de Lutas Populares e Direitos Humanos, a questão aparece com
maior clareza ainda, porque aqueles mais carentes de direitos
humanos são justamente os que formam também a maioria numérica
do país.
Quando
falamos em minoria no Brasil, queremos dizer em relação aos
Direitos Humanos e as Lutas Populares, nos referimos àquela
maioria numérica, mas que é amplamente minoritária em relação
ao acesso ao poder político, econômica, social, cultural, ou
seja, é amplamente minoritária em relação aos seus direitos
elementares, no plano dos Direitos Humanos e da Cidadania. Não têm
sequer o acesso a um patamar mínimo de igualdade. O que aparece
como minoria, no sentido da detenção do poder político, do
poder econômico, do status social, da garantia de direito, do
acesso à justiça e aos bens de serviços coletivos como saúde,
educação, habitação, transporte etc, justamente a minoria numérica.
São as elites e os privilegiados de sempre. É a maioria política,
a maioria sócio-econômica, porém a ínfima minoria do ponto de
vista numérico.
A
nossa luta pela defesa dos Direitos Humanos, pela defesa dos
Direitos da Cidadania e em defesa das minorias que não são
reconhecidas social, econômica, cultural e politicamente como
detentores de direitos em igualdade de condições com essa
maioria do poder, minoria numérica. Vejo duas possibilidades de
saída:
Uma
na própria idéia das lutas populares. Não existe nem uma nem
outra saída para a conquista de direito em uma sociedade
democrática concreta. Além da ação organizada, pela base, de
grupos sociais discriminados, perseguidos, carentes dos direitos
mais elementares, os quais não são sequer reconhecidos como
portadores de direitos no sentido mais amplo de direitos humanos,
direitos fundamentais da pessoa humana. Isso é fruto de algo que
eu chamaria – além de um problema – de um sistema político e
econômico iníquo, indigno de um país que se diz democrático,
fundado num sistema econômico concentrador e discriminador da
maioria. É também fruto daquilo a que me referia antes: fruto de
uma mentalidade enraizada na sociedade que, consciente, advoga o
princípio da exclusão moral, ou seja, admitem que estão
excluídos moralmente da sociedade no sentido de estarem
excluídas do direito de terem direitos algumas categorias de
pessoas. Em São Paulo, chegamos ao cúmulo de vermos um vereador
– aliás, o caso é mais chocante ainda por ser um vereador de
uma origem cultural e étnica secularmente perseguida – que, no
entanto ousou apresentar um projeto à prefeitura, na gestão
passada, garantindo o acesso aos bens públicos na cidade e no
município de São Paulo apenas a determinados grupos, alijando,
portanto, do direito de acesso aos bens públicos, como postos de
saúde, passe transporte, escola pública aqueles imigrantes,
sobretudo os nordestinos e os desempregado há mais de dois anos.
isso não apenas é uma proposta inconstitucional, que investe
claramente contra direitos sociais, econômicos e culturais, mas
tem por trás de si aquele problema de que venho falando e que
tenho chamado de exclusão geral. É a exclusão moral no sentido
de que não reconhece a dignidade da pessoa como portadora de
direitos pelo simples fato de ser um ser humano. A primeira
possibilidade, então é esta: é insistir que a única saída
continua sendo a educação no sentido da modificação da
mentalidade, na formação política e da organização pela base.
A
Segunda possibilidade que é relativamente uma idéia nova, mas
que já existe há muito tempo em outros países, é uma nova luta
no sentido de exigir das autoridades competentes não apenas o
cumprimento dos deveres do Estado, que são, em contra partida, os
direitos dos cidadãos, mas, mais do que isso, seguindo uma
máxima antiquíssima que vem pelo menos desde Aristóteles e que
afirma o seguinte: “A igualdade é tratar desigualmente os que
são desiguais”. A minha proposta é no sentido de que se
consolide efetivamente o que nos Estados Unidos se chama ação
afirmativa e que aqui no Brasil, chamamos de política
compensatória, isto é, movimentos no sentido de pressionar as
autoridades competentes para que efetivamente existam políticas
públicas que partam de um patamar diferenciado para aqueles que
já têm na origem uma discriminação, quando não, perseguição
tão forte que impede o reconhecimento do preconceito
constitucional da igualdade de todos diante dos bens e serviços
coletivos. Essa política compensatória não é usada só nos
Estados Unidos, mas em outros países como Itália, Canadá, por
exemplo. É usada a partir de cotas, de educação, de empregos
públicos etc. penso que no Brasil a política compensatória se
dará essencialmente no campo do ensino básico, da política
pública, da saúde, da previdência social e da habitação
popular.
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