O
QUE ALIMENTA A VIOLÊNCIA?
(Folha
de São Paulo, 6.5.1998)
Benedito
Domingos Mariano
O primeiro
trimestre de 1998 foi marcado por três fenômenos que são novos:
o aumento da criminalidade e da violência policial. Setores da
polícia, em particular do comando da Polícia Militar (polícia
preventiva e ostensiva), vêm enfatizando há meses que o problema
não está na PM, que intensificou, e muito, o policiamento e as blitze
em todo o Estado de São Paulo.
Alegam, com veemência,
que a violência tem como causa problemas sociais, como o
desemprego, exclusão, desvalorização da vida, desagregação
familiar, falta de políticas públicas para erradicar a pobreza e
a situação de meninos e meninas de rua. É um discurso
politicamente correto, na medida em que fatores sociais influem
diretamente na violência urbana e a alimentam.
Entretanto, essas
causas sociais não podem ser usadas como justificativa para
escamotear as deficiências estruturais das polícias na atribuição
essencial de garantir a segurança pública.
A política de
segurança do Estado, adotada pelo secretário José Afonso da
Silva, tinha três marcas principais.
a)
Transparência, materializada na divulgação sistemática,
sem maquiagem, de todos os índices de criminalida9de em São
Paulo; na institucionalização da Ouvidoria da Polícia por lei,
como órgão autônomo e independente, e no PROAR (Programa de
Acompanhamento de Policiais Envolvidos em Ocorrências de Alto
Risco).
b)
Política de valorização policial, com a criação de
seguro de vida especial, de programa habitacional para policiais
civis e militares (convênio com a CEF prevê a construção de 10
mil unidades habitacionais), e a aquisição de coletes leves à
prova de bala.
c)
Entrega de 4.559 viaturas policiais, milhares de armas e
munição, superando os governos anteriores.
Todos
esses investimentos, que hoje garantem melhores condições de
trabalho às polícias não impediram, contudo, o crescimento dos
índices de criminalidade. Uma primeira explicação poderia
creditar esse aumento da violência ao agravamento dos problemas
sociais, que minimizaria qualquer ação policial eficaz. Uma
Segunda hipótese poderia apontar as estruturas, arcaicas e
autoritárias, das instituições policiais, que impedem que novos
conceitos e filosofias de combate ao crime sejam assimilados com a
rapidez desejada.
A esse quadro,
somam-se problemas de execução da justiça e a situação crítica
de presos, amontoados nos distritos e cadeias públicas cumprindo
pena de prisão em condições subumanas e em ambientes propícios
a fugas. Se considerarmos a Segunda hipótese, podemos observar:
1)
A Polícia Militar ainda tem dificuldade de priorizar a ação
preventiva. O maior exemplo está nos 234 civis mortos por
policiais apenas nos últimos seis meses.
2)
A tese de que a polícia na rua cria a “sensação de
segurança” precisa ser revista. A população de São Paulo,
sobretudo a da periferia, que sofre mais de perto a violência das
chacinas, dos homicídios dolosos e da rede perversa do narcotráfico,
necessita, isso sim, de policiamento preventivo, permanente e com
fiscalização, e de polícia investigativa e judiciária eficaz.
3)
Uma polícia preventiva e ostensiva, que deseja ser comunitária,
não pode conviver com um regulamento do Estado Novo, criado em
1943, que se preocupa mais com o comportamento do policial no
quartel do que com seus atos na rua. Sensível a isso, o secretário
determinou uma ampla revisão do atual regulamento, cujo projeto
foi encaminhado ao governador de São Paulo.
4)
Uma polícia que quer ser investigativa e judiciária não
pode contar com a quase totalidade de suas viaturas caracterizada
da mesma maneira que os carros da polícia preventiva e ostensiva.
São comuns letras garrafais, em preto e branco, com os nomes dos
departamentos a q pertencem.
5)
temos uma polícia civil que ainda, lamentavelmente,
utiliza, mesmo que em menor escala, o mecanismo da tortura como modus
operandi, contrariando os princípios de um Estado democrático
de Direito, e que tem um órgão apurador com competência de atuação
só na capital, de acordo com o decreto nº 30.413/89. Felizmente,
já existe decreto pronto para ser assinado pelo governador, dando
competência estadual ao órgão corregedor.
6)
Na Polícia Civil inexiste um setor de informação e
inteligência para investigar e coibir a corrupção policial, o
crime organizado e o narcotráfico. Por último, é de lembrar que
os episódios envolvendo os policiais militares de Minas, que
desencadearam um “efeito dominó em vários Estados, e as exibições
de delitos graves, que chocaram a opinião pública nacional e
internacional, como os casos da Favela Naval e de Cidade de Deus,
motivaram o governo federal e o Congresso a estabelecer um amplo
debate sobre modificações das polícias no Brasil, que até
agora se mostrou infrutífero.
A
proposta de emenda constitucional elaborada pelo governador Mário
Covas, que unificava as funções de polícia, nem sequer foi
discutida naquele momento, e algumas questões pontuais também
deixaram de constar na agenda política federal.
A resistência a
mudanças estruturais nas políticas e a falta de uma política
nacional de segurança pública também alimentam a violência. A
questão é: quem quer um novo modelo de polícia?
|