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Militantes Brasileiro(a)s dos  Direitos Humanos
Luiz Gonzaga Cortez

Textos e Reflexões
ABC de Textos Militantes

 

 

 

 

Isolda Fernandes, a primeira presa política de Natal

Luiz Gonzaga Cortez *


A areaibranquense Isolda Costa Fernandes foi a primeira presa política trancafiada na antiga Penitenciária Central Dr. João Chaves, na zona norte de Natal, no inicio dos anos setenta. Foi a primeira mulher apenada da famigerada “Universidade do Crime” e “Caldeirão do Diabo”. Em 1991, eu procurei Isolda e o companheiro Antonio Pinheiro, para uma entrevista sobre a atuação dos dois contra o regime militar. Ambos falaram, mas a mãe dela não concordou e pediu que ela desistisse da publicação da matéria. A mãe, cardíaca, estava temerosa de represálias. Havia mais de oito anos que o regime militar era página virada na História do Brasil, mas muitos ex-presos políticos viviam na semi-clandestinidade ou se recusavam dar entrevistas. Talvez achassem que o momento não era oportuno. Outros prometeram falar, mas desistiram, como José Gersino Saraiva Maia e Rubens Lemos, ambos egressos do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário-PCBR, movimento da esquerda armada esfacelado pela repressão policial na década de 70. O companheiro de Isolda, Antonio Pinheiro, primo de José Silton Pinheiro Gomes, deu entrevista que foi publicada.

A entrevista com Isolda Fernandes não constou da série de reportagens “Histórias da Resistência ao Regime Militar”, publicadas na Tribuna do Norte. Natural de Areia Branca/RN, mas ela foi a primeira mulher presa pela polícia política em Natal, após uma panfletagem na entrada da antiga fábrica de confecções “Guararapes”, na Avenida Bernardo Vieira, onde hoje é o “Miduei”, em Lagoa Seca. Guardei os apontamentos da entrevista com Isolda durante 20 anos, atendendo ao seu apelo nesse sentido, pois a sua mãe passou mal quando soube que ela tinha falado a um jornalista da TN. Mas um encontro casual num corredor da “Policlinica do Alecrim”, no 1º semestre de 2010, após vê-la sair de um apartamento em que estava internado um irmão dela, eu a reconheci e disse que tinha feito uma entrevista com ela, ainda não publicada. “Não me lembrava mais dessa entrevista, mas gostaria de lê-la”, disse. A mãe dela pediu para ela desistir da publicação da entrevista. No mesmo local, avistei Haroldo, outro irmão dela, meu contemporâneo da Escola Industrial de Natal, nos anos sessenta,mas isso é outra história. Ela conta um pouco de sua militância esquerdista.

P – Você entrou muito jovem na luta armada?

Isolda – Não, eu vim de Areia Branca, após ser interna em colégio de Mossoró. Não vim para o movimento estudantil, mas para terminar o ginasial no Colégio Maria Auxiliadora, na avenida Hermes da Fonseca, Tirol, e continuar minhas atividades estudantis e culturais no grêmio. Nenhuma militância político-partidária.

P – Então, você era de uma família de classe média?

Isolda – Não, mas de condições mais ou menos equilibradas. A minha permanência no “Maria Auxiliadora” foi com uma bolsa de estudos. Depois fui para o Instituto Kennedy, participei da Juventude Estudantil Católica-JEC, mas não era conhecida.

P – E entrou num partido...

Isolda – De forma organizada, em partido político, não. Tinha uma atuação sob o ponto de vista cristão, buscando a justiça, a igualdade. Quando entrei na faculdade foi que houve esse ponto de ligação para partido político.

P – Lembra das pessoas que atuaram com você na JEC?

Isolda – Atuei com padre Costa, em Natal, e com o padre Henrique, em Recife. Fazíamos encontros a nível local como com outros Estados. Em várias reuniões, houve a participação do padre Henrique..
O que você fez para sair da JEC e ingressar num partido marxista, após estudar em colégios de freiras em Mossoró e Natal? Como ocorreu essa transição?

Isolda – Foi uma posição muito dolorosa porque a minha convicção cristã chegava a tal ponto que teve um momento que queria ser Freira. Mas a partir da minha participação na JEC e muitas relações sociais em Natal, foram se modificando e tudo isso fazia com que eu começasse a pensar que o caminho que eu queria não era o caminho cristão. Eu não aceitava essa forma de justiça e igualdade que a Igreja pregava porque tudo era igual, não era? Então, na medida em que começava a descobrir essa desigualdade, passava para questões maiores, que naquela época a prática de JEC não abordava. Após uma reflexão muito grande e que me levou a crises pessoais muito fortes, tomei essa opção, uma proposta mais crítica.

P – Após muitas leituras de Marx, Guevara, Chardin, Mao?

Isolda - Não, li um pouco, mas por influência das relações sociais, através das discussões.

P – Na faculdade?

Isolda – Não, não, Só passei dois meses na Fundação José Augusto.

P – Até um colega lhe convidar para entrar no partido?

Isolda – Sim.

P - Bosco Teixeira lhe convidou e você aceitou. Leu alguma coisa do partido antes da decisão?

Isolda – Não, não li nada.

P – Só aceitou a proposta verbal...

Isolda – Na verdade, eu acho... (pausa) apesar de ter rompido com a proposta da Igreja, acho que a convicção junto à esquerda era aquela convicção de muito mais de..... porque não tinha uma convicção sedimentada em questões teóricas, em idéias, em leituras do próprio partido. Então, acho que era vontade de que as coisas mudassem, aquela rebeldia contra injustiças.

P – Você comunicou a sua decisão ao padre Costa ou a alguém da Igreja?

Isolda – Não (risos).

P – Como foi o seu ingresso no PCBR, o 1º contato?

Isolda – A minha vida no PCBR resultou poucas coisas, em algumas reuniões participaram Irapuan e uma menina alva, da mesma idade. Nunca soube nada sobre ela. Só sabia que a situação social-econômica dela era muito boa. Porque você sentia pela presença dela, pela forma de falar, pela presença física dela, mas nunca soube absolutamente nada.

Eu participei de duas panfletagens. Na segunda, eu fui presa numa feira do Alecrim, com Irapuan e essa menina loira.

P – Na Guararapes, você deu uns confeitos a um menino?

Isolda – Não cheguei a distribuir.

P – Mas mandaram você distribuir.

Isolda – A questão da memória me prejudica. Parece que as orientações foram as seguintes: 1º - que eu mesma ia tentar distribuir os panfletos, se as condições fossem favoráveis, se dava certo a distribuição; caso não conseguisse, eu poderia chamar um menino que ficou por ali vendendo picolés ou qualquer outra coisa e pedir para ele entregar os panfletos. Eu fiz isso. 2º - : cheguei a dar ao menino tudo que foi preparado, veja bem, fui para a parada de ônibus para pegar ônibus e ir para casa. Foi quando se aproximou de mim com um policial que estava de serviço e viu. O menino disse que eu tinha dado e eu disse que não dei. Mesmo assim, me levou para uma delegacia que funcionava quase em frente da Guararapes, onde passei a noite e no outro dia me levaram para Recife.

E assim fui processada e condenada a três anos de prisão, sem advogado meu, só advogado do Estado de Pernambuco, em Recife. Depois, fiquei presa no 16º RI, no Tirol, sendo a primeira mulher presa política em Natal. No 16º RI, estava preso um militante da VAR-Palmares, depois trocado pelo embaixador alemão. Ele era filho de militar de alta patente, do Rio de Janeiro ou São Paulo, que foi muito bem tratado aqui depois que tomou veneno para morrer. O veneno estava estragado e não funcionou. Esse rapaz foi super-bem tratado. Nunca soube notícias dele, nem o nome. Acho que Paulo Henrique. Quando a gente estava lá, saiu uma relação com o nome dele e de outro que era de Natal.

P – Você recebia muitas visitas?

Isolda – Iam sempre pessoas da família. Havia um oficial que ia lá , dava uma de pai, dava conselhos, era o tenente Licurgo, hoje juiz de direito.

P – È verdade que você foi torturada em Recife?

Isolda – Cheguei encapuzada.

Eu perguntei se foi logo espancada por policiais do DOI-CODI, numa sala, em Recife, que desfaleceu após receber uma porrada nas costas, que saiu sangue pela boca e ouvidos. Ela confirmou com a cabeça. Isolda também não respondeu se os torturadores estavam encapuzados nem sobre o tempo que permaneceu em Recife, à disposição da Auditoria Militar, nem a respeito da data da sua transferência para a Penitenciária João Chaves, em Igapó, cujo diretor era Juvenal Andrelino, oficial da PM/RN.

P – Passou dois anos no presídio, na rotina ou refletindo sobre o que fez?

Isolda – Não. Na prisão, eu recebi carinho e apoio do pessoal de esquerda e onde, através de cartas, a declaração de Silton, não é? Nós começamos a namorar na prisão. Havia muitas revistas na cela, pois, de repente, passei muitos aperreios por conta dessas cartas e bilhetes de Silton. Apesar da revista, ele botava no cinturão, na meia e sempre passava com elas.

P – Jogou a porta na cara do diretor?

Isolda – Eu era a 1ª e única mulher na penitenciária, que, inclusive, era nova. No inicio, a esposa se aproximou muito de mim para que eu ficasse amiga e me distanciasse do pessoal da prisão. Eu fui chamada. Estava com o diretor um policial do Exército ou do DOPS, um policial civil, querendo informações obre Silton e... Silton me chamava de “Maga”, “Magrinha”, né? Eles pegaram a informação desse tratamento, estavam querendo saber o significado, querendo um cara do Pará... acho que ele morreu.

A 2ª Prisão.

Isolda Fernandes disse que nunca disparou um tiro de revólver em suas poucas ações, mas se lembra que, mesmo assim, foi torturada bastante em Recife. No inicio das torturas, se manteve resistente às pancadas até o dia em que um carcereiro chegou perto dela e disse: “olha, moça, você tem que desmaiar, porque se você ficar durona do jeito que está, eles vão dar mais porradas, você vai sofrer mais”. Eu disse que não faço isso porque seja durona, mas é que eu não sei as informações que eles querem, eu não conheço. A tensão era muito grande, mas eu não ficava como se estivesse sofrendo demais, sabe? Era como se fosse uma pessoa dura.

A professora Isolda Costa Fernandes, 64, depois que saiu da prisão, na década de 70, decidiu sair do Brasil e foi morar em Lima, Peru, graças a ajuda de uma amiga potiguar, Maria Duarte, que já estava lá. Na época, “a esquerda de Natal todinha se organizou para levantar o dinheiro para comprar a passagem dela, gente amiga, muita gente sem militância”, disse Antonio Duarte, seu então companheiro (a entrevista foi feita em março de 1991, no conjunto Ponta Negra, onde o casal vivia). Isolda passou 8 anos no Peru, mas antes de completar esse período de exílio voluntário, ela veio passar férias em Natal, por volta de 1975, antes da anistia.

“Nesse período, vim aqui uma vez, rever a minha família, um ano depois de ser solta. E ocorreu um episódio super desagradável, triste. Na época, houve uma atividade panfletária muito grande em Natal. Não sei se foi no Colégio Churchill ou na Escola Técnica Federal, mas foi exatamente depois que cheguei. Sei que foi uma panfletagem que há muito tempo não se via em Natal. A polícia federal foi na minha casa, me levaram e interrogaram porque pensaram que eu estava envolvida nessa panfletagem. Depois que sai do DOPS, eu procurei sair imediatamente e retornei para Lima. Era época do Natal, mas passei viajando. Foi traumatizante, terrível e minha mãe sofreu horrores. Quem me levou para o DOPS foi o capitão Cleanto. Juliano também foi chamado, foi “Marquês” (?), que mora no Acre, sociólogo (Talvez Isolda se refira ao sociólogo Pedro Vicente, ambos residentes em Natal).

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