Militantes
Brasileiro(a)s dos Direitos Humanos
Luiz
Gonzaga Cortez
Textos
e Reflexões
ABC de Textos Militantes
1935
– As distorções sobre
a Serra do Doutor
e o falso herói da Polícia
Militar continuam
14/02/05
Luiz
Gonzaga Cortez
Jornalista e pesquisador
A rebelião comunista de 1935 ou intentona
comunista, seja lá o viés
que seja dado, ainda permanece um tema sujeito
a controvérsias. Para as pessoas
que passaram décadas e décadas
acreditando em determinadas versões,
será difícil – talvez
impossível – mudar suas opiniões
e idéias alicerçadas em ideologias
ou dogmas radicais, principalmente entre
aqueles que lutaram, ajudaram e defenderam
regimes e governos autoritários,
de esquerda ou de direita. Quem acompanhar
a história das quarteladas, intentonas
e rebeliões, ocorridas no Brasil,
a partir de 1922, saberá que o Exército
foi a força que mais praticou esses
intervenções para derrubar
governantes eleitos democraticamente ou
para derrubar ditador, como foi o caso de
Getúlio Vargas ( imposto e deposto
pelas forças armadas). A década
de 30 é rica em golpes e contra-golpes
na história do Brasil. Em 1937, com
apoio das forças armadas e dos integralistas,
comandados por Plínio Salgado, Getúlio
Vargas dá o segundo golpe de mestre,
com a implantação do Estado
Novo, de nítida inspiração
nazi-fascista. tornando o Brasil um dos
principais parceiros comerciais da Alemanha
de Adolfo Hitler. Em 1945, o Exército
derruba o ditador e o resto da história
todos já sabem.
Mas e o que é que o Rio Grande de
Norte tem a ver com isso. Ao contrário
do que muita gente pensa, equivocadamente
ou não, em 1935 houve um revolta
de inferiores (soldados, cabos e sargentos)
do único quartel do Exército
em Natal, por causa da propalada dispensa
de centenas de cabos e soldados do 21 Batalhão
de Caçadores, por ordem do Ministério
da Guerra, e, além disso, da demissão
de dezenas de Guardas-Civis do Estado, pelo
governador Rafael Fernandes de Gurjão,
eleito há poucos meses. O clima era
de tensão em Natal. Os guardas-civis
eram chamados de cangaceiros pelos adeptos
do Partido Popular. Estes eram chamados
de carcomidos pelos seguidores de Mário
Câmara, ex-interventor e líder
da coligação Aliança
Social, que perdeu as eleições
para a Assembléia Legislativa estadual
( o PP obteve maioria e elegeu, por via
indireta, o governador Rafael Fernandes).
No meio da crise que se instalou em Natal,
foi muito fácil para os membros do
Partido Comunista do Brasil-PCB ( a ANL
já estava fechada) tomarem o quartel
do 21 BC, sem disparar um tiro, e o quartel
da Polícia Militar, após intenso
tiroteio na noite do dia 23 e na manhã
do dia 24 de novembro de 1935.
Mas o que me chama atenção
é o débil mental conhecido
por “Doidinho”, natural de Sacramento,
então distrito de Santana do Matos,
hoje parte de Ipanguassu, ser chamado de
soldado e herói da Polícia
Militar do RN. Ele era filho de uma pobre
parteira conhecida por “Maria de Né”.
O pai, um pobre coitado, cego, conhecido
por “Luiz de Né”. A família
vivia da caridade alheia. A família
veio para Natal lutar pela sobrevivência
e “Doidinho”, sem nenhum documento,
tornou-se pedinte nas cercanias do quartel
da polícia, hoje Casa do Estudante
do RN. Segundo André Batista, morador
do Candelária, em 1934 “Doidinho”
deveria Ter 15 ou 16 anos, “vivia
perambulando pelas ruas, pés decalços,
unhas das mãos e dos pés sujas
e grandes, maltrapilho. Era o terror da
meninada. Não atinava nada com nada.
Incapaz de qualquer serviço”.
Sr. André prossegue: Doidinho, que
depois vieram chamá-lo de Luiz Gonzaga,
era um ser horripilante, parecia um lobisomen.
Naquele tempo, os homens não usavam
cabelos grandes, mas esse “Luiz de
Né” tinha uma cabeleira enorme,
por cima do ombro e cobrindo as orelhas.
Vivia com a boca aberta e mordendo a língua,
a cabeça meio curvada e olhar sempre
para baixo. Quando levantava o rosto, víamos
os olhos engatinhados e acesos, cara e olhos
de doido. Nesse tempo, eu tinha 14 e ele
deveria Ter 15 anos, no máximo 16”.
O delegado Enock Garcia, no dia 18 de abril
de 1936, enviou ao chefe de polícia,
o seu “Relatório Do Delegado
da Ordem Social “ ( Sobre a Insurreição),
publicado pela Imprensa Oficial do Estado,
e no trecho “As Victimas” diz
o seguinte: “Durante os combates e
tiroteios foram mortas e feridas várias
pessoas. Entre os mortos contam-se as seguintes:
Octacilio Werneck assassinado barbaramente
á porta de sua residencia a tiros
de fusil pelo communista Epiphano Guilhermino
de Oliveira; Arnaldo Lyra, morto na residencia
particular do Governador, transformada em
quartel general dos comunistas; José
Pedro Celestino, morto na Detenção
e Maria Carmem Tavares, morta no Tyrol.”.
Não existe o nome do tal “soldado
Luiz Gonzaga de Souza” no relatório
de Enock Garcia, concluído mais de
5 meses depois de derrotada a rebelião
militar de Natal. Por isso, prefiro acreditar
na versão deixada pelo meu pai, Manoel
Genésio Cortez Gomes e do falecido
historiador Manuel Rodrigues de Melo, ambos
dirigentes da Ação Integralista
Brasileira no RN, entre 1933 e 1937, segundo
a qual essa história do herói
da polícia militar foi criada pela
ditadura de Vargas. O jornal oficial A República,
de novembro de 35 a 1940, não registra
esse “herói”. No entanto,
acredito na opinião do falecido sargento
PM, Sebastião Revoredo, que “Doidinho”
estava dentro do quartel na manhã
de 24 de novembro carregando água
para a única metralhadora disponível,
assim como acredito no que Sizenando Filgueira
disse: “eu matei Luiz Gonzaga no mangue
do Passo da Pátria, dei-lhe um tiro
de fuzil que ele saltou lá longe
e caiu na lama”.
Enock Garcia deu um depoimento ao programa
“Memória Viva, da TV Universitária
de Natal, no dia 5 de maio de 1983 e disse
que Dinarte Mariz não lutou na Serra
do Doutor. “Quando houve o tiroteio
feito pelos comunistas, que me lembre, quem
lutou ali, brigou e matou gente, foi Ivo
Trindade, advogado casado com uma filha
de José Bezerra, do “Baixio”,
e dona Iracema”. “....Todo mundo
queria que Dinarte tivesse tomado parte
na Serra do Doutor. Ele não tomou
parte na Serra do Doutor, como eu não
tomei, como Humberto Gama não tomou.
Lá, tomaram parte, esses oficiais
que eu já falei: Pedro Siciliano,
José Epaminondas, Genésio
Cabral, Antonio de Castro.... e, inclusive
muitos civis... Daí fomos para a
Paraíba.... Saímos e fomos
visitar, lá na Serra do Doutor, que
muita gente disse que mataram muita gente,
e até eu fui acusado de ter matado
muita gente, sem nunca ter pisado lá
dentro. Verificamos tudo lá, não
tinha mais ninguém. Descemos a ladeira
e viemos para Natal”. (Memória
Viva, Nossa Editora, Natal/RN, 1987, p.155/156).
Claro que Dinarte Mariz aliciou sertanejos
de Caicó, mas passou muito longe
de Serra do Doutor. Não disparou
um tiro de espanta copió. Mas ainda
tem gente que acredita que ele destroçou
as forças dos comunistas na Serra
do Doutor. Assim como tem pessoas, sem dispor
de nenhuma prova, um laudo médico
sequer, documental ou testemunhal, que acreditam
que morreram militares dormindo durante
a insurreição, há também
os que ficam propagando que estupraram mocinhas
em Natal entre os dias 23 e 27 de novembro
de 1935. Onde aconteceram esses estupros?
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