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O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Ode ou Elegia

J. A. LINDGREN ALVES

O

cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos ensejou eventos oficiais comemorativos em muitas partes do mundo, mas não em todas.

É improvável que tenha sido involuntariamente esquecido por qualquer governo. As omissões podem ter sido determinadas por dificuldades econômico-financeiras, deliberadas por razões políticas, ou motivadas por desencanto. Podem também ter sido causadas por catástrofes naturais, como o furacão Mitch na América Central, ou situações de guerra, onde nada há para comemorar. As celebrações foram numerosas em S. Francisco, Califórnia, local de nascimento das Nações Unidas, como o devem ter sido em todo o Ocidente desenvolvido, locus de origem da idéia de tais direitos. Assim como o foram no Brasil, no âmbito dos Governos federal e estaduais e da Academia.

Para o Brasil democrático o cinqüentenário da Declaração teve importância especial. Coincidiu com o reconhecimento da competência judicial da Corte Interamericana de São José, que praticamente completou a inserção do país no sistema hemisférico de proteção aos direitos humanos. E propiciou a primeira outorga do prêmio das Nações Unidas nessa esfera a um cidadão brasileiro: o Doutor José Gregori. Louvável em qualquer circunstância, essa premiação foi tanto mais significativa por se tratar de autoridade do Estado, Secretário Nacional dos Direitos Humanos, cujos méritos pessoais inegáveis não teriam sido tão ostensivamente reconhecidos se não se tivessem registrado avanços nos esforços governamentais.

Num dos eventos brasileiros comemorativos do cinqüentenário, o representante da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Senhor Bacre Ndiaye, enumerou os principais progressos realizados pela ONU desde 1994 para a proteção desses direitos: a própria criação do posto de Alto Comissário dentro da estrutura do Secretariado; a abertura de escritórios e operações de campo em 22 áreas de maior periculosidade; o envolvimento do Secretário-Geral nas investigações de massacres; a incorporação dos direitos humanos em todas as atividades do sistema das Nações Unidas; a tentativa de sensibilização dos fundos bilaterais de assistência econômica, do FMI e do Banco Mundial para o tema; a decisão da Conferência de Roma, em julho de 1998, de criar um Tribunal Criminal Internacional. No passivo desse trabalho multilateral citou ele a permanência de grande número de reservas aos instrumentos jurídicos vigentes; o inusitado desligamento de alguns países de convenções de que eram partes; o encerramento da operação de campo em Ruanda por decisão do Governo ruandês; a inação do Conselho de Segurança diante de conflitos como os do Kossovo e da República Democrática do Congo; a inadministrabilidade da globalização em curso e o desaparelhamento institucional para se lidar com uma situação internacional com tantos atores não-estatais influentes.

Os progressos escassos e problemas ilustrativos apontados por Bacre Ndiaye -que podem ser atribuídos aos dois elementos finais de sua análise: a falta de administração para o processo de globalização e a inexistência de estruturas institucionais adequadas ao novo contexto planetário - afiguram-se particularmente decepcionantes após a Conferência de Viena de 1993, numa época em que a democracia liberal se apresenta dominante. De fato, a democracia política se afigura, em princípio, tão dominante a ponto de alguns autores norte-americanos interpretarem sua ascendência juntamente com a da liberdade de mercado como equivalentes contemporâneos do cristianismo medievo, num mundo que se "medievaliza" pelo enfraquecimento dos Estados. E é por aí que se encontra o cerne do problema. Os Estados perdem poder, mas não existem, nas circunstâncias presentes, alternativas ao Estado como instância garantidora e espaço de realização para os direitos humanos.

Quando a Declaração de Viena reafirmou a universalidade desses direitos, fê-lo com relação a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, há muito reputados indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados, e por ela assim reconfirmados. O discurso contemporâneo dos direitos humanos não reproduz esse entendimento. Concentra-se, como antes, predominantemente nos direitos civis e políticos. Abrange também, é verdade, componentes econômico-sociais, ao condenar o trabalho infantil e outras formas contemporâneas de escravidão. Aborda, porém, tais questões sem a visão de conjunto da Declaração de Viena e sem a visão integrada da Declaração Universal. A parcialidade desse discurso, associada às forças exclusivas do mercado, longe de promover o universalismo dos direitos humanos, estimula seus contrários: os fundamentalismos religiosos e seculares como antídoto à exclusão social e os particularismos autoritários, disfarçados em valores culturais, como caminho para o crescimento econômico.

Alguns desenvolvimentos recentes poderiam, ou deveriam, ajudar na correção desses fatores negativos. A multiplicação de crises financeiras de efeitos globalizados, atingindo tanto democracias como regimes autoritários, evidencia que nem o liberalismo, nem o autoritarismo são capazes de controlar os excessos do laissez-faire. A idéia de controles supranacionais para os investimentos voláteis começa a ganhar fôlego nos países mais abastados. Despontam, assim, à distância, novas esperanças para os direitos econômicos e sociais. No campo mais estrito dos direitos civis e políticos, a publicação, em 1998, pela Anistia Internacional e pela Human Rights Watch de relatórios sobre violações em países desenvolvidos, demonstrou a incorreção das interpretações que apenas viam preconceitos anti-Terceiro Mundo na atuação das organizações não-governamentais. Esta mensagem ainda não foi assimilada, mas pode, talvez, vir a sê-lo. As ONGs mais antigas apoiaram decisivamente as lutas pela descolonização, com base na Declaração Universal, e podem mobilizar consciências para as injustiças da globalização não-administrada. A maioria das ONGs mais novas, em áreas de atividades específicas, já se dedica a direitos econômicos e sociais.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao longo de meio século, comprovou seu potencial emancipatório quando utilizada em apoio a causas justas. O mesmo potencial está disponível para a correção das iniqüidades globalizadas. Para ser bem sucedida, no contexto contemporâneo, sua utilização exigirá nova aliança entre as forças de todos os quadrantes que postulam a aplicabilidade dos direitos humanos em sua universalidade indivisa. Caso tal aliança se forme, o recente jubileu da Declaração soará, em retrospecto, como ode alvissareira. Nas circunstâncias internacionais em que acabam de transcorrer, as celebrações parecem soar como uma espécie de elegia.

José Augusto Lindgren Alves é diplomata, Cônsul Geral do Brasil em S. Francisco (EUA) e ex-Diretor Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores.

 

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