
A
CONFERÊNCIA DO CAIRO SOBRE POPULAÇÃO
J.A.
Lindgren Alves
Ao descrever o paradigma do conflito entre civilizações, estas
fundamentadas nas grandes religiões, como novo esquema conceitual
sucessor da Guerra Fria, Huntington sequer contemplou a possibilidade, tão
próxima no tempo, de uma alianca estratégica entre o dogma cristão e
as tradições corânicas.
E essa aliança, na forma de apoios mútuos e articulações de
delegados, foi sensível, audível e visível nas deliberações do
Cairo.
Uma
vez ultrapassada, na prática e na teoria, a fase das discussões em
torno do fim da história tal como concebido por Francis Fukuyama
(1989), o artigo de Samuel Huntington (1993)
sobre o choque das civilizações tem sido, muito provavelmente,
o ensaio teórico das relações internacionais mais influente destes
tempos pós-Guerra Fria. Nele se define, em substituição ao modelo
bipolar político-ideológico prevalecente no período 1945-89, um novo
paradigma de comportamento e conflito entre as nações, baseado nas
culturas erigidas sobre as grandes religiões.
Publicado
no verão setentrional de 1993, o artigo logo provocou reações entre
os estudiosos da matéria, geralmente contra a argumentação exposta. A
maioria contestava o modelo por enfoques não abordados explicitamente
por Huntington, fosse apontando outras tendências contemporâneas
extraculturais mais indicativas do aprofundamento do fenômeno da
globalização, fosse enquadrando-o como simples variante do paradigma
do realismo([i]).
No entanto, poucos parecem ter observado até agora - nem o próprio
Huntington na primeira tréplica publicada (1994: 171) - que o teste
mais próximo do modelo por ele visualizado iria ser oferecido pela
Conferência do Cairo de 1994. E que nela ficaria patente um tipo de
aliança estratégica não prevista na esfera das culturas, assim como
uma outra possibilidade de divisão do mundo cruzando as fronteiras das
grandes civilizações.
Terceiro
grande conclave mundial da década de 90, a Conferência Internacional
sobre População e Desenvolvimento, celebrada no Cairo de 5 a 13 de
setembro de 1994, inscreve-se no amplo conjunto de iniciativas em curso
sob a égide das Nações Unidas no campo social, com o propósito de
melhor adequar o planeta para o próximo milênio. Refletiu, assim,
naturalmente, as principais tendências verificadas nas relações
internacionais da época contemporânea, trazendo à luz, ao mesmo
tempo, outros paradigmas, encobertos até então pelos diferentes
fatores que já se haviam apresentado mais imediata e visivelmente com o
fim das rivalidades ideológicas entre comunismo e capitalismo.
Cercada
de sensacionalismo em função da ampla e natural divulgação pelos media
das posições divergentes que inevitavelmente se apresentam por ocasião
de eventos congêneres, a Conferência do Cairo produziu exagerada
celeuma antes de sua realização, traduzida sobretudo em polêmicas
acaloradas em quase todos os países.
As
apreensões podem ser compreendidas com naturalidade em vista de alguns
subtemas inerentes às questões populacionais, que, a par da abordagem
macroestrutural, envolvem necessariamente conceitos e valores de foro íntimo
e conteúdo ético, como a família, a procriação e os direitos
individuais. Exagerado foi o nível de estridência das preocupações
prévias às deliberações do Cairo, magnificadas pelo desconhecimento
ou por leituras superficiais dos textos em discussão. Afinal, se
comparada com a Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, e com a Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, a
preparação para a Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento foi relativamente tranqüila. Talvez por isso não tenha
captado a atenção de Samuel Huntington([ii]).
Diferentemente
do ocorrido com as outras duas conferências, a agenda para a do Cairo
fora estabelecida sem maiores dificuldades, e o projeto de documento a
ser por ela adotado, discutido nas sessões do Comitê Preparatório no
período 1991-93, continha poucas passagens entre colchetes - os
colchetes significando sempre a inexistência de consenso. Em vista
desse fato, as delegações presentes na capital egípcia, ao
deliberarem sobre o formato da Conferência, não consideraram sequer
necessário constituir um Comitê de Redação. A busca do consenso e a
retirada dos colchetes ficaram a cargo do único comitê estabelecido: o
Comitê Principal.
Não
quer isto dizer que as negociações tenham sido fáceis ou
desinteressantes. Ao contrário, a Conferência exigiu grande esforço
conciliatório, muita habilidade diplomática, acomodações e concessões
recíprocas, além de uma alocação de tempo para o trabalho do Comitê
Principal muito superior ao originalmente previsto. Houve, inclusive,
momentos de forte tensão, quando a inflexibilidade de alguns em
reconhecer as dificuldades dos demais parecia poder provocar a ruptura
do diálogo e o encerramento da Conferência sem um documento
consensual.
É,
assim, importante que o Programa de Ação do Cairo, com contribuições
substantivas e inovadoras ao tratamento da questão da população e de
suas interligações com o tema do desenvolvimento, tenha conseguido um
nível inédito de consenso, inclusive da parte da Santa Sé. É
importante, também, que o documento tenha processado adequadamente os
insumos das duas conferências internacionais precedentes e fornecido
orientações para as outras já então programadas pela ONU: a Cúpula
do Desenvolvimento Social, em Copenhague, em março de 1995, a IV Conferência
Mundial sobre a Mulher, em Pequim, em setembro de 1995, e a II Conferência
das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat-II), em
Istambul, em junho de 1996.
Quanto
às insólitas alianças formadas no Cairo, a serem explicitadas mais
adiante, embora não cheguem a configurar um novo modelo de blocos ideológicos,
são uma tendência que se tem reconfirmado desde então. Sem
propriamente invalidar o paradigma de Huntington, constituem um dado
novo que o qualifica. Além de requererem atenção nas análises da
realidade contemporânea, necessitam, sobretudo, ser levadas em conta
por todos os atores, governamentais e não-governamentais, operantes no
campo das relações internacionais. Tanto para impedir que as civilizações
se choquem, como para evitar que se cindam na forma de novos blocos
antagônicos.
Antecedentes
temáticos
Embora
precedida por duas conferências mundiais, de caráter técnico-científico,
sobre o tema - em Roma, em 1954, e em Belgrado, em 1965 - e por isso
denominada Terceira Conferência
Mundial sobre População, a Conferência de Bucareste de 1974
foi, na verdade, a primeira grande conferência intergovernamental a tratar do assunto.
Realizada em plena Guerra Fria, sob influência das cataclísmicas
previsões do Clube de Roma([iii]), o encontro de Bucareste
foi sobretudo um palco de divergências entre posições "controlistas"
e "natalistas".
Entre
os "controlistas" situavam-se os países asiáticos e os
ocidentais desenvolvidos. Dentre estes, a postura mais radical era dos
Estados Unidos. Sua delegação propugnava a drástica redução das
taxas de fecundidade no mundo, assinalando que "[...] a alternativa
pode estabelecer a diferença entre uma vida decente ou a morte
prematura para centenas de milhões na próxima geração, ou ainda mais
para a geração seguinte"([iv]).
No
pólo ideologicamente oposto, os países socialistas entendiam ser a
população um "fator neutro", cujos problemas se deviam
unicamente às injustiças dos sistemas econômicos e à propriedade
desigual dos meios de produção.
Para
a África, em geral - salvo raras exceções, como o Quênia -, o maior
problema seria a subpopulação de seus espaços vazios. Em situação
assemelhada, a Argentina era veementemente "natalista", como
também o eram, com graus de convicção variados, quase todas as demais
delegações da América Latina.
Em
um período em que os países em desenvolvimento tinham forte capacidade
de articulação multilateral em defesa de uma nova ordem econômica
internacional, o Plano de Ação de Bucareste, impreciso em termos de
alvos numéricos ou estratégias de ação, convidava
os países a considerar a conveniência de adotarem políticas
populacionais, no contexto do desenvolvimento socioeconômico, e
indicava o papel de apoio da cooperação internacional, "baseada
na coexistência pacífica de Estados com diferentes sistemas
sociais".
Reunida
dez anos depois, para avaliar a implementação do Plano de Ação de
Bucareste, a Conferência do México de 1984 ocorria após a adoção,
em muitos países, de políticas de apoio ao planejamento familiar ou de
programas de planejamento populacional. O dado mais curioso foi a total
inversão de posição dos Estados Unidos, então sob a administração
Reagan, com relação a Bucareste, pois foram eles os primeiros a
advogar a neutralidade do fator populacional, declarando, textualmente:
"Primeiro, e acima de tudo, o crescimento populacional não é bom
nem mau. Torna-se um ativo ou um problema em conjunção com outros
fatores, tais como a política econômica, as dificuldades sociais, e a
habilidade para colocar os homens e mulheres adicionais em trabalhos
produtivos."([v]).
A
China, porém, já havia adotado desde 1979 a prática de "um filho
por casal", e fez a defesa arraigada de sua política, apresentando
forte contrapeso à nova postura norte-americana - então assimilável
à posição tradicional do Leste Europeu. O país africano mais
expressivo na época, a Nigéria, anunciou a intenção de promover
"um enfoque integrado para o planejamento populacional", de
forma a evitar que a taxa de crescimento de sua população impusesse, a
longo prazo, carga excessiva sobre a economia nacional. A delegação do
Brasil, por sua vez, comunicou que o governo federal havia acabado de
aprovar a integração do apoio ao planejamento familiar aos serviços públicos
de saúde.
Essencialmente,
a maior inovação propiciada pela Conferência do México com relação
a Bucareste foi a atenção dada à situação e ao papel da mulher. As
Recomendações de 1984 observavam que a capacidade das mulheres de
controlar sua própria fecundidade constituía base importante para o
gozo de outros direitos; da mesma forma, a garantia de oportunidades
socioeconômicas iguais às dos homens, assim como a provisão dos serviços
e meios necessários, permitiriam a elas assumir maior responsabilidade
em suas vidas reprodutivas. O planejamento familiar foi objeto de 11
recomendações que realçavam a necessidade de os governos fornecerem
educação e meios "aos casais e indivíduos para alcançarem o número
desejado de filhos" (Recomendação 25). Quanto ao aborto, foi ele
tratado na Recomendação 18, nos seguintes termos:
"Todos
os esforços devem ser feitos para reduzir a morbidade e a mortalidade
maternas. Os governos são instados a: [...] e) tomar as medidas
apropriadas para auxiliar as mulheres a evitarem o aborto, que em nenhum
caso deve ser promovido como método de planejamento familiar, e, sempre
que possível, a prover tratamento humano e aconselhamento às mulheres
que tenham recorrido ao aborto." (ICPD Secretariat, 1994)
Verifica-se,
assim, que quase todos os subtemas mais delicados, objeto de controvérsias
no Cairo, já haviam sido considerados e registrados em documentos
internacionais precedentes. O caminho traçado no processo preparatório
da Conferência de 1994 não era, portanto, ignoto; nem seus marcos,
tabus.
É
importante notar que, tanto em Bucareste, em 1974, como na Cidade do México,
em 1984, a Santa Sé manifestou o mesmo tipo de apreensões e discordâncias
com as deliberações, e dissociou-se do consenso na aprovação dos
documentos finais, sendo sua a única delegação a fazê-lo. A dissociação
não se repetiu no Cairo.
As
circunstâncias da Conferência do Cairo
Com
o fim do bloco socialista e o conseqüente esvaziamento das teses por
ele propaladas como "marxistas", a noção de
"neutralidade" do fator população perdeu seu substrato ideológico,
assim como seus propugnadores históricos. Nos Estados Unidos, por sua
vez, a eleição do democrata Bill Clinton, em campanha eleitoral
arraigadamente liberal, deslocou do centro de influências a "moral
majority" que tanto determinara as posições republicanas de
Reagan e de Bush, reabrindo-se a possibilidade de o governo encarar a
questão populacional em seu peso específico.
Nos
foros internacionais, os preparativos para a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento prenunciavam a crescente
afirmação de um conceito novo, que se consagraria na Rio-92: o do desenvolvimento
sustentável, a englobar simultaneamente os sistemas produtivos, os
padrões de consumo, a pobreza, o crescimento econômico, a população
e a sustentabilidade da vida no planeta. Não foi difícil, portanto,
superar, desde a convocação da Conferência da Cairo, as antigas
dicotomias entre "controlismo"e "natalismo",
"planejamento populacional "e "desenvolvimento econômico".
Desde o primeiro momento - a adoção da Resolução 1989/91 pelo ECOSOC
- decidiu-se que a Conferência de 1994, ao contrário das de Bucareste
e do México, seria sobre população e desenvolvimento, evidenciando-se, assim, a estreita
interligação dos dois temas
De
fato, foram tranqüilas as duas primeiras sessões do Comitê Preparatório,
em março de 1991 e maio de 1993, quando se definiram consensualmente os
pontos prioritários da Conferência - população, meio ambiente e
desenvolvimento; políticas e programas populacionais; população e
mulher; planejamento familiar, saúde e bem-estar familiar; crescimento
populacional e estrutura demográfica; distribuição populacional e
migrações -, bem como os tópicos conceituais para inclusão no
documento final - a relação entre população, meio ambiente,
crescimento econômico sustentado e desenvolvimento; a capacitação e o
fortalecimento (empowerment) da mulher([vi]);
o envelhecimento da população; saúde e mortalidade; distribuição
populacional; urbanização e migrações internas; migrações
internacionais; saúde reprodutiva e planejamento familiar; parceria
entre governos e ONGs (IISD, 1994, p. 1). Este último tópico, por
sinal, reflete um dos fenômenos mais marcantes da década: o extraordinário
crescimento e a grande assertividade das organizações não-governamentais,
nas esferas doméstica e internacional, como atores de peso sobretudo no
tratamento dos temas globais, particularmente os do meio ambiente, dos
direitos humanos, da situação da mulher, do desenvolvimento social e
das questões populacionais.
Foi
somente na terceira sessão do Comitê Preparatório, em abril de 1994,
que o dissenso se manifestou, liderado pela delegação da Santa Sé,
acompanhada esta por alguns países latino-americanos - que antes haviam
aceito as idéias principais do projeto de documento final, no chamado
Consenso Latino-Americano e do Caribe sobre População e
Desenvolvimento, alcançado na Conferência Regional Preparatória do México
em abril de 1993. Foram, assim, encaminhados ao Cairo entre colchetes os
trechos do projeto referentes à definição de planejamento familiar,
saúde e direitos reprodutivos, maternidade segura, necessidades sexuais
e reprodutivas dos adolescentes, bem como aos recursos financeiros
necessários à implementação do Plano.
As
objeções essenciais levantadas pela Santa Sé são conhecidas, e não
diferiam das apresentadas nas conferências anteriores. Todas se
encaminhavam no sentido de rejeitar a idéia de controles não-naturais
da fecundidade, do aborto em qualquer circunstância e da adoção de práticas
que pudessem de alguma forma coonestar relações extramatrimoniais ou a
sexualidade dos adolescentes. Entendia ainda a Santa Sé que o espírito
do projeto era demasiado individualista.
O
dado novo que propiciou o grande acirramento das controvérsias em torno
da Conferência, na esfera internacional, foi um fator característico
da realidade pós-Guerra Fria: o crescimento generalizado do
fundamentalismo religioso, sobretudo o islâmico. Possivelmente
despertados pelas objeções do Vaticano a passagens específicas do
projeto de Programa de Ação, hierarcas de todos os credos, mas
sobretudo muçulmanos, passaram a encarar a Conferência como um exercício
amoral e ateu. O próprio imam
da Universidade de Al Azhar, no Cairo, condenou de início a realização
da Conferência, mudando de posição no seu decorrer, à luz da evolução
dos trabalhos. Eram consideradas provocativas às leis e tradições islâmicas
tanto as propostas relativas à sexualidade, quanto as recomendações
concernentes à igualdade de direitos entre os gêneros, uma vez que a shari'a
estabelece claras e
assumidas distinções no tratamento de homens e mulheres, nos processos
judiciais, no direito penal e na esfera cível.
[i]
O número imediatamente posterior da Foreign Affairs trazia várias réplicas ao ensaio de Huntington.
A polêmica foi editada no Brasil pela revista Política
Externa (São Paulo, Paz e Terra, vol. 2, n. 4, mar.-abr.-maio,
1994). Dentre textos
brasileiros ver Chiappin (1994).
[ii]
Ou, talvez, precisamente por contrariar a idéia do choque de
civilizações Huntington não se tenha interessado. Afinal, ele assimilou logo as diferentes concepções
civilizacionais dos direitos humanos verbalizadas nos debates da
Conferência de Viena, utilizando-as em
reforço a suas teses na tréplica (Huntington, 1994:171).
[iii]
Cujo estudo The limits to
growth (New American Library,1972), apesar de servir de pretexto
para inaceitáveis tentativas de imposições de “crescimento
zero” aos países em desenvolvimento, teve o inquestionável mérito
de lançar alertas internacionais para a natureza finita dos
recursos do planeta em face do caráter predatório, inclusive ao
meio ambiente, do modelo de desenvolvimento adotado universalmente e
do crescimento populacional incontrolado.
[iv]
A citação do discurso de Caspar Weinberger, então secretário de
Saúde, Educação e Bem-Estar, é extraída de trechos reproduzidos
por Johnson (1994:111; tradução minha).
[vi]
A expressão empowerment of
women, de tradução imprecisa, foi utilizada reiteradamente no
projeto e incorporada ao Programa de Ação, vindo a ser um de seus
conceitos mais importantes. A expressão conota capacitação,
fortalecimento do status,
assim como, sem dúvida, maior participação no poder, público e
privado. Nas citações e paráfrases que virão adiante optei
simplificadamente por "capacitação", seguida da reprodução
entre parêntesis do termo original empowerment.
A
Arábia Saudita, o Líbano, o Iraque e o Sudão decidiram boicotar o
evento, apesar dos esforços do Egito para fazê-los ver que mais útil
para a fé islâmica seria confrontar os eventuais excessos do texto
com a participação ativa. Esta foi a posição seguida pela Santa
Sé e pela maioria dos demais países muçulmanos, inclusive aqueles
de ordenamento jurídico rigorosamente religioso, como o Irã. Ainda
assim a Conferência se iniciou sob a ameaça amplamente divulgada
pelos fundamentalistas egípcios - que haviam acabado de atacar um
ônibus de turismo no sul do país, assassinando um menino espanhol
- de que perpetrariam atentados contra os delegados estrangeiros.
As
ameaças não surtiram efeito. A Conferência do Cairo contou com
delegações de 182 países, cerca de 2 mil ONGs no fórum paralelo
de organizações não-governamentais e grande afluência de
jornalistas. Congregou, ao todo, cerca de 20 mil pessoas de
nacionalidades diversas - o dobro da Conferência de Viena sobre
Direitos Humanos de 1993.
Ao
longo de toda a Conferência, porém, nos discursos em plenário,
nas negociações do Comitê Principal, nas discussões dos Grupos
de Trabalho, nas articulações de corredores e na panfletagem dos
militantes presentes, das mais diversas correntes, o que parecia
delinear-se era um conflito distinto daqueles a que o mundo estava
acostumado, de sentido Leste-Oeste ou de sentido Norte-Sul. Tampouco
fora previsto por Samuel Huntington no seu The
clash of civilizations?
Ao
descrever o paradigma do conflito entre civilizações, estas
fundamentadas nas grandes religiões, como novo esquema conceitual
sucessor da Guerra Fria, Huntington sequer contemplou a
possibilidade, tão próxima no tempo, de uma aliança estratégica
entre o dogma cristão e as tradições corânicas. E essa aliança,
na forma de apoios mútuos e articulações de delegados, foi sensível,
audível e visível nas deliberações do Cairo ([i]).
Não havendo contemplado tal tipo de aliança, Huntington tampouco
poderia prever as linhas de fissura intracivilizacionais e as novas
formas de composição de grupos ensaiadas no Cairo para tratar do
tema da população - e reconfirmadas posteriormente, em Copenhague,
nas discussões sobre o desenvolvimento social.
As
inusitadas fissuras colocavam de um mesmo lado a Santa Sé e o Irã,
a Argentina e a Líbia, Malta e Iêmen, Honduras e Kuwait. No
extremo oposto situavam-se a União Européia e os Estados Unidos,
com alguns apoios afro-asiáticos. O meio termo, que logrou servir
de ponte entre os dois pólos opostos, foi oferecido por países de
culturas e civilizações variadas, como o Brasil, o Paquistão, o México
e a Namíbia.
Acima,
portanto, das diferenças entre Oriente e Ocidente e entre formas de
organização social coletivistas e individualistas, da contraposição
política entre autoritarismo e democracia, das disputas socioeconômicas
entre países ricos e países pobres, e das distinções e
rivalidades entre as crenças coletivas de cada grupo de nações, o
que se esboçou no Cairo não foi um conflito de civilizações, mas
sim outro paradigma de antagonismo internacional, contrapondo fé e
realidade social, religião e secularismo, teocracia e Estado civil.
O
esboço, felizmente, não se materializou em obra. As fissuras não
fraturaram o trabalho coletivo. Para tanto, muitos elementos
contribuíram. Entre estes - e a par da existência de delegações
com posições naturalmente conciliatórias ([ii])
- terá tido forte influência o fato de a Conferência realizar-se
num país muçulmano tolerante, geograficamente cercado de Estados
fundamentalistas, e cujo governo vem enfrentando agressões
terroristas de grupos fanáticos islâmicos.
Foi
significativo o discurso de abertura do presidente Hosni Moubarak,
dando as boas-vindas aos delegados no Cairo, "[...]cidade[...]
em cujo céu se entrelaçam os minaretes do Islã e as torres das
igrejas, onde se propagam a tolerância e o amor, e que ilumina pela
luz da fé o esforço do homem egípcio neste vale abençoado pelas
Palavras dos versículos do Corão, assim como pelas Palavras do
Evangelho e pelos textos da Tora"([iii]).
Ainda
mais expressiva foi a alocução da primeira-ministra Benazir Bhutto
ao ressaltar sua condição de mulher, mãe, esposa e chefe de
governo da maior nação muçulmana com eleições democráticas,
assinalando que o Programa de Ação não deveria ser encarado como
uma Carta destinada a impor o adultério e o aborto, nem os
participantes deveriam permitir que uma minoria de mentalidade
estreita ditasse a agenda (IISD, 1994, p. 3)([iv]).
O
Programa de Ação do Cairo
Com
113 páginas e 16 capítulos, o projeto de Programa de Ação
encaminhado à Conferência do Cairo pelo Comitê Preparatório
abordava o tema da população de forma abrangente, conforme
evidenciado pelos próprios títulos:
“1. Preâmbulo;
2.
Princípios;
3.
Inter-relações entre população, crescimento econômico
sustentado e
desenvolvimento sustentável;
4.
Igualdade de gênero, eqüidade e capacitação (empowerment)
da mulher;
5.
A família, seus papéis, composição e estrutura;
6.
Crescimento e estrutura populacional;
7.
Direitos reprodutivos [saúde sexual e reprodutiva] e
planejamento familiar;
8.
Saúde, morbidade e mortalidade;
9.
Distribuição populacional, urbanização e migrações internas;
10. Migrações internacionais;
11. População, desenvolvimento e educação;
12.
Tecnologia, pesquisa e desenvolvimento;
13.
Ações nacionais;
14.
Cooperação internacional;
15.
Parceria com o setor não-governamental;
16.
Seguimento da Conferência” (Nações Unidas, 1994,
doc.A/CONF.
171/L.1).
Com
exceção do Preâmbulo e dos Princípios, todos os capítulos
apresentavam-se subdivididos em três partes: bases para ação,
objetivos e ações.
O
próprio enunciado dos temas demonstra a ligeireza com que se
disseminou a idéia de que o evento do Cairo seria uma "conferência
sobre o aborto". Conforme acima grafado - e assim recebido no
Cairo -, apenas um único subtema, no capítulo 7, era objeto de
dissenso ao se iniciar a Conferência (em contraste, por exemplo,
com os mais de 200 colchetes, em quase todos os subtemas, que teve
de enfrentar a Comissão de Redação na Conferência de Viena sobre
Direitos Humanos)([v]).
Com exceção do Preâmbulo e dos Princípios, os demais capítulos,
igualmente relevantes, já haviam sido extensamente discutidos nas
sessões do Comitê Preparatório e obtido notável nível de
consenso.
A
par do Capítulo 7, sem dúvida o mais controvertido, colchetes
circundavam algumas passagens e expressões em outros capítulos, a
maioria das quais repetia, de maneira inegavelmente insistente, senão
obsessiva, temas ainda controversos, atinentes ao exercício das funções
reprodutivas. Sobre o aborto existia um único parágrafo, no Capítulo
8, com duas versões alternativas, ambas entre colchetes.
Embora
nenhuma das duas versões originais do parágrafo 8.25 procurasse
estimular a prática do aborto, mas sim instar ao reconhecimento de
sua ampla ocorrência como uma questão de saúde pública, a ser
encarada de frente, ambas foram rejeitadas, assim como uma terceira,
quase consensual, produzida em um grupo de trabalho informal do
Comitê Principal. À Santa Sé e a algumas delegações
latino-americanas causavam dificuldades quaisquer menções a aborto
inseguro - pois todas as formas de aborto são, por definição,
"nocivas ao feto" - ou a aborto
legal - já que, para a ortodoxia católica, a prática viola o
direito à vida do nascituro. Os muçulmanos tinham menos problemas
com esse ponto porque as leis corânicas permitem o aborto em caso
de risco de vida para a mãe.
A
solução finalmente encontrada para a retenção da expressão aborto
inseguro foi a aposição de asterisco remissivo e nota de rodapé,
na qual se reproduz a definição da Organização Mundial da Saúde:
“procedimento para terminar com uma gravidez indesejada realizado
seja por pessoas sem as necessárias qualificações, seja em condições
desprovidas dos mínimos padrões sanitários, ou envolvendo os dois
casos”. Quanto ao aborto
legal, a expressão foi substituída por "circunstâncias
em que o aborto não seja contrário à lei". Com reservas da
Santa Sé e dos países que a seguiam mais estreitamente, o texto
adotado, sem votos contrários, no Programa de Ação diz:
"Em nenhum caso deve
o aborto ser promovido como método de planejamento familiar. Os
Governos e as organizações intergovernamentais e não-governamentais
relevantes são instados a fortalecer seu compromisso com a saúde
da mulher, a enfrentar o impacto na saúde do aborto inseguro como
um grave problema de saúde pública, e a reduzir o recurso ao
aborto, através de serviços de planejamento familiar expandidos e
aperfeiçoados.[...] Nas circunstâncias em que o aborto não seja
contrário à lei, deve ele ser seguro. Em todos os casos as
mulheres devem ter acesso a serviços qualificados para lidar com
complicações advindas de aborto. Aconselhamento pós-aborto, educação
e serviços de planejamento familiar devem ser prontamente
oferecidos, com vistas também a evitar a repetição de
abortos." (Nações Unidas, 1994, parágrafo 8.25: 61)
O
capítulo 7, objeto de intensas e difíceis negociações, passou a
ter por título, na forma finalmente acordada, tão-somente
"Direitos reprodutivos e saúde reprodutiva". A saúde
reprodutiva é definida como sendo
"[...] um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência
de doença ou enfermidade, em todas as matérias relacionadas com o
sistema reprodutivo, suas funções e processos. A saúde
reprodutiva implica portanto que as pessoas estejam aptas a ter uma
vida sexual satisfatória e segura, que tenham a capacidade de
reproduzir-se e a liberdade de decidir fazê-lo se, quando e quantas
vezes desejarem. Implícito nesta última condição está o direito
de homens e mulheres de serem informados e de ter acesso a métodos
de planejamento familiar de sua escolha [...] que não sejam contra
a lei[...]" (Nações Unidas, 1994, parágrafo 7.2: 41)
Quanto
aos direitos reprodutivos, são eles definidos da seguinte maneira:
"Levando em conta a
definição acima (da saúde reprodutiva), os direitos reprodutivos
englobam certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais,
documentos internacionais de direitos humanos e outros documentos
consensuais das Nações Unidas. Tais direitos se baseiam no
reconhecimento do direito fundamental de todos os casais e indivíduos
de decidir livre e responsavelmente o número, o espaçamento e a época
de seus filhos, e de ter informação e meios de fazê-lo, assim
como o direito de atingir o nível mais elevado de saúde sexual e
reprodutiva[...]"(Nações Unidas,1994, parágrafo 7.3:41)
Estabelecidas
estas definições, o mesmo parágrafo determina que a promoção do
exercício responsável desses direitos deve ser a base das políticas
e programas estatais; fixa o compromisso dos Estados em prol do
respeito mútuo e da igualdade entre os gêneros; chama atenção
particular para as necessidades dos adolescentes em matéria de
ensino e de serviços "para que possam assumir sua sexualidade
de modo positivo e responsável".
Dentre
as medidas recomendadas, o documento inclui a disseminação de
informações, assessoramento e serviços de saúde reprodutiva;
propõe tornar acessíveis métodos voluntários de contracepção
masculina, assim como métodos para a prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis, entre as quais a AIDS; convoca à
participação nesse esforço "todos os tipos de organizações
não-governamentais, inclusive os grupos locais de mulheres, os
sindicatos, as cooperativas, os programas para jovens e os grupos
religiosos". De especial importância para o país e a região
onde se realizava a Conferência é a recomendação de inclusão
nos programas de saúde reprodutiva de uma ativa dissuasão da prática
da mutilação genital feminina - ainda amplamente praticada no
Nordeste da África, inclusive no Egito, com o estímulo
dissimulado, e muitas vezes com apoio ostensivo, de líderes
religiosos e políticos locais.
Na
parte concernente ao planejamento familiar, o parágrafo 7.16
estabelece que a finalidade das medidas propostas no Programa de Ação
é "ajudar os casais e indivíduos a alcançarem seus objetivos
de procriação e oferecer-lhes todas as oportunidades de exercer
seu direito de ter filhos por escolha". Foram notadamente difíceis
as negociações sobre as menções aos objetivos de procriação
"dos casais e indivíduos", pois para algumas delegações
a referência a indivíduos, e não a casais matrimoniais, nesse
contexto, soava profana e promíscua.
É
inegável que as negociações sobre o aborto e demais questões com
implicações éticas, em que conflitavam as posições religiosas e
as de bem-estar social, predominaram nas deliberações e negociações
do Cairo. Outras, contudo, também exigiram flexibilidade e acomodações.
Foi o caso, por exemplo, no Capítulo 10 (Migrações
internacionais), da reunificação
familiar dos migrantes -
para o Terceiro Mundo, um direito; para os países
desenvolvidos, não -, tendo prevalecido fórmula consensual,
segundo a qual todos os governos, particularmente os dos países de
acolhida, "devem reconhecer a importância vital da reunificação
familiar e promover sua integração na legislação
nacional[...]" (parágrafo 10.2). Foi o caso, também, da
indicação dos montantes de recursos financeiros necessários à
execução dos programas de saúde reprodutiva nos países em
desenvolvimento e com economias em transição (17 bilhões de dólares
no ano 2000) e da proporção correspondente à assistência
internacional (um terço do custo total estimado), em que
prevaleceram as postulações dos países em desenvolvimento e dos
ex-socialistas (agora chamados "países com economias em transição").
Embora
tenha sido possível alcançar posições coincidentes em quase todo
o Capítulo 4, sobre a igualdade entre os sexos, em um ponto específico,
habilmente negociado por delegadas mulheres de países muçulmanos,
a idéia teve de ser modificada: no direito de sucessão. Já que,
de acordo com as leis corânicas, as mulheres não recebem mais do
que um terço do que cabe ao homem, a noção da igualdade de
direitos em matéria de herança foi substituída por "direitos
sucessórios eqüitativos" (parágrafo 4.17).
Particularmente
delicada, a negociação do chapeau
dos Princípios (Capítulo 2) - que, tais como o Preâmbulo (Capítulo
1), não haviam sido examinados no Comitê Preparatório - exigiu inúmeras
reuniões informais de um grupo de "amigos do presidente do
Comitê Principal", englobando representantes de todas as áreas
geográficas. As dificuldades advinham do nível de obrigatoriedade
a ser atribuído ao Programa de Ação, tanto à luz da necessidade
de respeito às soberanias nacionais, quanto dos valores cultivados
nos diferentes sistemas culturais. Conforme finalmente acordado, o chapeau
dispõe que:
"A implementação
das recomendações contidas no Programa de Ação é direito
soberano de cada país, consistente com as leis e prioridades de
desenvolvimento nacionais, com pleno respeito para com os diversos
valores religiosos e éticos e contextos culturais de seu povo, e em
conformidade com os direitos humanos internacionalmente
reconhecidos."(Nações Unidas, 1994:12)
Neste
ponto, talvez ainda mais do que em qualquer outro, as posições dos
países muçulmanos, e sobretudo a delicada situação do Egito como
país anfitrião, tiveram de ser levadas em conta. Se, por um lado,
ninguém chegava a contestar a necessidade de respeito às
soberanias nacionais, por outro, temia-se que a noção de
"pleno respeito" aos valores éticos e religiosos de cada
cultura anulasse a universalidade dos conceitos e direitos definidos
no documento, permitindo aos governos fundamentalistas ignorá-los
sem qualquer conseqüência. A fórmula afinal encontrada equilibra
a noção de "pleno respeito" com os termos "diversos
valores[...] de seu povo" - que oferece válvula de escape ao
monolitismo religioso e cultural - e com a referência aos
"direitos humanos internacionalmente reconhecidos" - que
protege, inter alia, e
sobretudo nesse caso, as liberdades individuais e a não discriminação
de gênero.
Seria
impossível, nesta oportunidade, descrever os lances de cada negociação,
muitas das quais se desenvolviam simultaneamente em diferentes
grupos de trabalho. Mais útil me parece apontar os principais avanços
obtidos no Cairo para o tratamento da questão populacional,
contextualizada, em todo o Programa de Ação, dentro do grande tema
do desenvolvimento.
Os
avanços do Cairo
Tal
como as conferências anteriores, de Bucareste e do México, a
Conferência do Cairo tinha por alvo estrito a redução das taxas
de crescimento populacional e a estabilização da população
mundial em níveis compatíveis com os recursos do planeta. Conforme
registra o preâmbulo do Programa de Ação, a população mundial,
da ordem de 5,6 bilhões no presente, vem aumentando em 86 milhões
por ano, devendo assim permanecer até o ano 2015, apesar da ocorrência
de taxas declinantes de crescimento (parágrafo 1.3). De acordo com
as projeções, nos próximos 20 anos estima-se uma população
situada entre 7,1, 7,5 ou 7,8 bilhões. A diferença entre as projeções
mais alta e mais baixa, da ordem de 720 milhões de pessoas no curto
período de 20 anos, corresponde ao total da população atual da África.
A implementação das recomendações do Programa de Ação, que se
dirigem a desafios nas áreas de população, saúde, educação e
desenvolvimento enfrentados por toda a comunidade humana, resultaria
num crescimento populacional inferior às projeções estimadas (parágrafo
1.4).
A
diferença fundamental da Conferência do Cairo com relação às
anteriores encontra-se no enfoque adotado. Enquanto as Conferências
de Bucareste e do México encaravam a população no contexto dos
interesses estratégicos e geopolíticos dos Estados,
supervalorizando sua capacidade de controle e atribuindo aos
governos o poder de decidir se a população de um país deveria
aumentar ou diminuir conforme suas conveniências, a
abordagem do Cairo se baseia, acima de tudo, nos direitos humanos e
no conceito de desenvolvimento sustentável.
Dos
15 Princípios que compõem o Capítulo 2, os três primeiros
reproduzem a linguagem de documentos internacionais de direitos
humanos, a começar pela Declaração Universal de 1948 e incluindo
a Declaração de Viena de 1993. Reafirmam os direitos civis e políticos,
os direitos econômicos, sociais e culturais e o direito ao
desenvolvimento como "um direito universal e inalienável,
parte integrante dos direitos humanos fundamentais", e
assinalam que os seres humanos são o sujeitos centrais do direito
ao desenvolvimento e do desenvolvimento sustentável, cabendo aos
Estados assegurar a todos os indivíduos a oportunidade de
desenvolver ao máximo seu potencial.
O
Princípio 4 estipula que a promoção da igualdade de gênero, a eqüidade
entre os sexos, a capacitação (empowerment)
das mulheres, assim como a eliminação da violência contra a
mulher e a garantia de que ela possa controlar sua própria
fecundidade são os alicerces dos programas de desenvolvimento
relacionados com a população.
O
Princípio 8 determina que "todos têm o direito a usufruir do
mais alto padrão possível de saúde física e mental",
devendo os Estados adotar medidas que garantam o acesso universal a
serviços de saúde, "inclusive aqueles relativos à saúde
reprodutiva", que incluem, por sua vez, o planejamento familiar
e a saúde sexual.
O
Princípio 9, por ter provocado interpretações errôneas na fase
preparatória da Conferência, merece ser reproduzido integralmente:
"A família é a
unidade básica da sociedade e, portanto, deve ser fortalecida. Tem
o direito de receber proteção compreensiva e apoio. Em sistemas
culturais, políticos e sociais distintos existem várias formas de
família. Deve-se aceder ao casamento através da livre vontade dos
futuros esposos, devendo marido e mulher ser parceiros
iguais."(Nações Unidas, 1994:14)
De
acordo com o Princípio 15:
"O crescimento econômico
sustentado, no contexto do desenvolvimento sustentável, e o
progresso social requerem que o crescimento tenha base ampla,
oferecendo oportunidades iguais a todas as pessoas. Todos os Estados
devem reconhecer suas responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
Os países desenvolvidos reconhecem sua responsabilidade na busca
internacional do desenvolvimento sustentável[...]"(Nações
Unidas, 1994:15)
Tendo
em conta que todos os demais capítulos, embora negociados antes,
refletem e expandem os Princípios, acredito que a amostragem acima
já aponta adequadamente o sentido em que se desenvolve todo o
Programa de Ação.
Reflexo
das tendências predominantes no mundo atual, o Programa é globalizante,
em diversos sentidos. O primeiro parágrafo do Preâmbulo, após
observar que a Conferência ocorre em "momento determinante na
história da cooperação internacional", salienta:
"Com o crescente
reconhecimento da interdependência global da população, do
desenvolvimento e do meio ambiente, a oportunidade de se adotarem
políticas macro e socioeconômicas para promover o crescimento econômico
sustentado no contexto do desenvolvimento sustentável de todos os
países e de se mobilizarem recursos humanos e financeiros para a
solução de problemas globais nunca foi tão grande."(Nações
Unidas, 1994:7)
Mais clara e
construtivamente a globalização se reflete na definição das
responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas, de toda a
comunidade internacional, e na conseqüente indicação dos
montantes que incumbem aos países desenvolvidos, em desenvolvimento
e com economias em transição para a implementação do Programa
acordado.
Em
contraste com as abordagens estatizantes - no sentido de se
dirigirem quase que exclusivamente aos Estados - dos planos de
Bucareste e do México, o Programa do Cairo é liberalizante,
atribuindo às famílias, casais e indivíduos as principais funções
na esfera populacional - cabendo aos Estados a obrigação de
assegurar-lhes os meios para exercê-las. É ainda de orientação
descentralizante, na medida em que, ao reorientar as funções
do Estado na matéria, multiplica e fortalece o número de atores
coadjuvantes entre governos, organizações governamentais e não-governamentais.
O Programa reflete, finalmente, o espírito da época, ao assumir os
direitos humanos, entre os
quais o direito de asilo aos refugiados (Princípio 13), e sobretudo
os direitos reprodutivos, como fundamento para toda a ação.
Embora
o Preâmbulo esclareça que a Conferência não cria novos tipos de
direitos humanos (parágrafo 1.15), o Programa de Ação do Cairo é
o primeiro documento universal que adota e explicita a expressão
"direitos reprodutivos" - antiga e importante postulação
das mulheres, que não chegou a ser acolhida na Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher,
de 1979. Implícitos no direito à liberdade de escolha do número e
espaçamento dos filhos, já consagrado internacionalmente desde a
Proclamação de Teerã, da primeira Conferência Internacional
sobre os Direitos Humanos, de 1968, somente agora encontram-se eles
claramente definidos e reconhecidos.
Se
fosse o caso de tentar resumir o "espírito do Cairo" num
único parágrafo, ele poderia seguir o seguinte raciocínio: a
experiência dos últimos 30 anos comprova que, fora dos Estados
totalitários, o controle do crescimento populacional é tendência
natural e volitiva dos casais, e particularmente das mulheres, no
pleno exercício de seus direitos. Ao Estado incumbe a realização
das prestações positivas essenciais ao gozo de tais direitos,
particularmente os relativos às liberdades fundamentais, à saúde,
à educação, ao trabalho, à não discriminação e, no caso das
mulheres, ao controle da própria fecundidade. Para que isso se
concretize em escala universal, é imprescindível a determinação
nesse sentido dos governos e sociedades. Mas é também essencial a
cooperação internacional.
Nas
palavras do Departamento de Informação Pública da ONU, o Programa
de Ação do Cairo constitui "[...] uma estratégia para
estabilizar o crescimento da população mundial e para alcançar o
desenvolvimento sustentável através de ações dirigidas às
necessidades da saúde reprodutiva, e dos direitos e
responsabilidades dos indivíduos" (Department of Public
Information(ONU), Press Release POP/CAI/241, 13/9/94, p.1).
É
importante ressaltar que, diferentemente do ocorrido nas conferências
precedentes, há, respectivamente, 20 e 10 anos, na Conferência do
Cairo a delegação da Santa Sé aderiu, ainda que de forma
seletiva, ao consenso com que se aprovou o documento. Conforme sua
declaração final em plenário:
"A Santa Sé não pôde
unir-se ao consenso alcançado em 1974 na Conferência Mundial sobre
População de Bucareste, nem em 1984 na Conferência Internacional
da Cidade do México. Na presente Conferência, pela primeira vez, o
desenvolvimento se acha diretamente ligado à população. O
presente Programa de Ação reitera a proteção à família como
unidade básica da sociedade, e insta à capacitação (empowerment)
das mulheres através de melhorias na educação e no acesso aos
serviços de saúde. A questão da imigração é examinada e o
documento também apela ao respeito pelas crenças e princípios
religiosos.[...]
Na
Conferência do Cairo a Santa Sé se une ao consenso de maneira
incompleta e parcial [...] A Santa Sé apóia o conceito de saúde
reprodutiva e a promoção geral da saúde para homens e mulheres, e
continuará a trabalhar para a evolução desses princípios. Nada
nessa aceitação parcial deverá ser interpretado como um endosso
ao aborto ou uma mudança de sua posição sobre o aborto, o uso de
anticoncepcionais, a esterilização ou o uso de preservativos na
prevenção de HIV/AIDS."(Department of Public Information(ONU),
Press Release POP/CAI/241, 13/9/94, pp.10-11)
Também
expressaram reservas a partes do Programa de Ação as delegações
do Irã, Malta, Peru, Iêmen, Afeganistão, El Salvador, Kuait,
Djibuti, Líbia, Argentina, República Dominicana, Emirados Árabes
Unidos, Nicarágua, Guatemala, Paraguai, Honduras e Equador.
A
participação do Brasil
A
forma em que se deu a participação do Brasil na Conferência do
Cairo teve caráter pioneiro e modelar. Aprofundando iniciativa
experimentada, ainda de maneira incoativa, na preparação para a
Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, o processo preparatório
brasileiro desenvolveu-se mediante diálogo direto entre o governo e
a sociedade, de forma transparente e consentânea com o sistema
democrático, o que assegurou a solidez e a efetividade de nossas
posições. Para tanto foi constituído, por decreto presidencial de
abril de 1993, um Comitê Nacional congregando, sob a presidência
do Itamaraty, os demais órgãos públicos federais com competência
na matéria: ministérios da Educação, do Trabalho, da Saúde e
do Bem-Estar Social, o IPEA, o IBGE e a Agência Brasileira
de Cooperação. O Comitê Nacional, por sua vez, com apoio
financeiro do Fundo das Nações Unidas para a Populacão (FNUAP),
promoveu em cidades variadas seminários abertos, com ampla divulgação
e expressiva participação de representantes da sociedade civil:
meios acadêmicos, ONGs, institutos de pesquisa e CNBB. Em todo o
processo preparatório o Comitê Nacional foi assessorado por demógrafos
e outros especialistas escolhidos consensualmente por seus
integrantes.
A
primeira fase desse processo teve por objetivo preparar um relatório
nacional para encaminhamento à ONU, conforme previsto nas resoluções
sobre a Conferência. Retrato da situação populacional brasileira,
tão fiel e abrangente quanto possível a um documento de dimensões
limitadas, o relatório, como a própria denominação indica, não
era um documento definidor de posições. Descrevia, sim, os
problemas existentes nos diversos setores sociais, registrando,
inclusive, a ocorrência do aborto ilegal e da esterilização
feminina (República Federativa do Brasil, 1993).
Uma
vez encaminhado o relatório, dedicou-se o Comitê Nacional a buscar
as opiniões, senão consensuais, predominantes em nossa sociedade
sobre os vários subtemas da Conferência, para com elas compor as
posições a serem defendidas pelo país no Cairo. Estas podem ser
assim esquematizadas:(a) a soberania nacional é exclusiva para as
decisões na matéria; (b) a cooperação internacional é
importante e deve complementar os esforços nacionais; (c) as políticas
conducentes ao desenvolvimento sustentável devem ser fortalecidas e
abranger os padrões inadequados de consumo e produção, bem como o
acesso às tecnologias desenvolvidas; (d) os direitos da mulher,
inclusive os direitos reprodutivos, devem ser respeitados e
fortalecidos; (e) os direitos dos migrantes necessitam proteção;
(f) as políticas populacionais são entendidas como dimensões
integrantes das políticas de desenvolvimento socioeconômico; mais
do que o alcance de metas demográficas numéricas, devem elas
promover a convergência de ações destinadas à melhoria das condições
de vida, à superação das desigualdades e ao respeito aos direitos
humanos; (g) a política populacional brasileira baseia-se no Artigo
226, inciso 7º, da Constituição, segundo o qual "o
planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício
deste direito"; (h) a consideração da dinâmica populacional
em todas as dimensões - tamanho, crescimento, estrutura etária,
mortalidade e morbidade, fecundidade, migrações e distribuição
espacial, tipos de família e a situação da mulher - é de importância
fundamental para a integração da variável "população"
no planejamento de estratégias de desenvolvimento com eqüidade
social.
Em
vista do sensível desconhecimento das posições efetivamente
defendidas pelo Brasil na Conferência do Cairo, vale a pena
transcrever alguns trechos relevantes do discurso feito em plenário:
"[...] Mais do que
tudo, é inegável a relação que existe entre qualquer tipo de política
demográfica e o exercício dos direitos humanos, no seu sentido
mais amplo, é claro, mas especialmente no que diz respeito aos
direitos reprodutivos da mulher. [...] A Constituição brasileira
dispõe que o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos
para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva
desse exercício por parte das instituições oficiais ou privadas.
Nas formulações contidas
no projeto (de Programa de Ação), que, obviamente, ainda podem ser
melhoradas, nada vemos que nos faça acreditar que destoem de
compromissos assumidos em instrumentos internacionais acordados. Em
especial, nada vemos que permita supor, por exemplo, que o aborto
possa ser admitido como método de planejamento familiar, um tema de
grande relevância para parcelas consideráveis de nossas
sociedades. A legislação brasileira posiciona-se de maneira clara
ao proscrever a prática do aborto, exceto se necessária para
salvar a vida da gestante ou em casos de gravidez resultante de
estupro (conforme os Artigos 124 a 128 do Código Penal)."([vi])
Com
essas posições, que decerto não conflitavam com o espírito das
propostas contidas no projeto de Programa de Ação, nem ofendiam
qualquer tradição cultural, puderam os delegados brasileiros no
Cairo desenvolver intensa atividade em prol do consenso, oferecendo,
muitas vezes, as fórmulas que levaram aos textos finalmente
adotados.
Conclusão
Ao
término da Conferência do Cairo, a imprensa estrangeira, com
reprodução na brasileira, relacionou, na forma de listas, as
"vitórias" obtidas por cada grupo de participantes, por
ela divididos em três: os muçulmanos, os católicos e "os
governos ocidentais e as feministas". As listas apontavam como
vitórias unilaterais as composições arduamente negociadas,
algumas das quais acima descritas (International
Herald Tribune, 13/9/94; Jornal
do Brasil, 14/9/94; Folha
de São Paulo, 14/9/94). Tal visão, obviamente simplista, é
também parcial, como se apenas os países desenvolvidos do Ocidente
tivessem preocupações com a situação e os direitos das mulheres.
Ou como se apenas os países muçulmanos fossem arraigados a suas
tradições.
É
absurdo falar em termos de "vitórias e derrotas" sobre um
exercício de negociação multilateral em que, com freqüência,
concessões táticas permitem compensações mais importantes em
outros pontos. Muitos participantes de todos os cantos do planeta -
entre os quais brasileiros e brasileiras, na qualidade de delegados
e assessores, ou de observadores atuantes - foram fundamentais para
a consecução dos avanços do Cairo. O movimento de mulheres, de
escopo universal, com ramificações em todos os países, culturas e
civilizações, foi inquestionavelmente muito ativo e influente,
antes, durante e depois da Conferência, tendo, inclusive,
exercitado a flexibilidade necessária para não insistir em pontos
demasiado polêmicos quando a possibilidade de ruptura das negociações
se configurava. Não houve grupos vencedores ou derrotados no Cairo.
Houve, sim, avanços conceituais e recomendações expressivas para
o aprimoramento da situação da espécie, do ser humano em sua
universalidade, das mulheres de todo o mundo.
Em
um sistema internacional de polaridades indefinidas como o atual -
para usar a expressão de Celso Lafer e Gelson Fonseca Junior (1994)
-, a religião é, naturalmente, um fator de aglutinação
importante. Daí a aparência "auto-evidente" do paradigma
de Huntington, espécie de "ovo de Colombo" numa época já
por muitos qualificada de "nova Idade Média"([vii]).
O
dado novo observado no Cairo foi a aliança de duas religiões cujas
rivalidades, no passado, provocaram tantas guerras. Parecia, assim,
que a comunidade internacional se encontrava dividida não pelas
demarcações entre as "grandes civilizações", mas entre
teocratas e profanos. Essa aparência não se concretizou. A superação
das principais divergências foi, nesse contexto, um difícil exercício
de tolerância recíproca, na procura de um mínimo denominador
comum à humanidade como um todo. A vitória terá sido da moderação
sobre os fundamentalismos. Evitou-se, dessa forma, que se forjassem
dois novos megablocos antagônicos no tema da população, que
fatalmente se estenderiam, pelo menos, ao tema dos direitos humanos,
destruindo o consenso alcançado na Conferência de Viena([viii]).
A
implementação das decisões do Cairo, contudo, dependerá de
grande empenho nas esferas nacionais, assim como da afirmação,
ainda distante, de uma política internacional efetivamente solidária.
Até que isto ocorra, pesarão, provavelmente por muito tempo, as
forças centrífugas que se opõem ao fenômeno atual da globalização.
Tanto nas ações coletivas, como nas ações nacionais e decisões
individuais influirão, além dos diferenciais de poder, as
especificidades das culturas e tradições, assim como os pontos de
atrito entre a ética religiosa e a ética secular. E este último
é um fator importante que escapou à visão simplificadora de
Huntington.
Na
Conferência do Cairo as "civilizações" não se
chocaram. Em relativamente poucos momentos - sem dúvida
significativos - as tradições judaico-cristã, ortodoxa, muçulmana
ou confuciana se enfrentaram. A grande disputa se deu em outra
esfera, entre a modernidade e a "pós-modernidade"
regressiva, entre o universalismo e os particularismos exacerbados,
que se queriam impor como universais. Esse tipo de enfrentamento é
o que perdura nas grandes negociações internacionais sobre temas
sociais, de que foi exemplo recente a Cúpula Mundial sobre o
Desenvolvimento Social de Copenhague, e que poderá repetir-se em
Pequim, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher.
O
Programa de Ação do Cairo não conseguiu ultrapassar o relativismo
em favor do universalismo, como o fez a Declaração de Viena de
1993. Esta reafirmou, em seu Artigo 1º, a universalidade dos
direitos humanos acima de qualquer dúvida. O Programa do Cairo, no chapeau
de seus Princípios e ao longo de todo o texto, teve de fazer
concessões a um relativismo matizado.
Na
sua qualidade de documento orientador de atividades da comunidade
internacional, o Programa de Ação do Cairo conseguiu, porém, algo
extraordinariamente positivo. Além de evitar uma perigosa
estratificação entre a fé e a ação social, fez prevalecer o
enfoque humanista no tratamento de uma questão até então
eminentemente econômica. Nesse sentido, mais do que em qualquer
outro, a Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento representou uma esperança de progresso histórico,
proporcionando impulso substantivo à mais positiva das tendências
dos tempos presentes: a que estabelece os direitos humanos como
fundamento, condição e meio para a consecução do desenvolvimento
da humanidade.
Notas
[i]
Os jornais de ONGs que circulavam no recinto da Conferência a
ela se referiam como "The Unholy Alliance", em alusão
jocosa à "Santa Aliança" formada ao término das
guerras napaleônicas para a restauração das monarquias européias.
A expressão jornalística "pegou" e foi repetida
abundantemente na Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento
Social, em Copenhague, em março de 1995.
[ii]
Um participante não-governamental da Conferência do Cairo
contou cerca de 50 passagens do Programa de Ação cuja
linguagem consensual finalmente aprovada foi sugerida pela
delegação brasileira (Donald Sawyer, palestra na Universidade
de Brasília, setembro de 1994, anotações datilografadas).
[iii]
Tradução da versão francesa, reproduzida no periódico Le
Progrès Egyptien, Cairo, 6/9/94.
[iv]
O discurso da senhora Bhutto foi dos mais comentados entre as
delegações à Conferência.
[v]
Sobre o assunto ver Saboia (1993).
[vi]
Discurso pronunciado pela ministra do Bem-Estar
Social Leonor Franco, Cairo, 6/9/94, texto datilografado.
[vii]
O livro de Alain Minc, Le
Nouveau Moyen Âge, que disseca as características
"medievais" da época atual, é de 1993, contemporâneo,
pois, do artigo de Samuel Huntington. As tendências ao
fortalecimento dos valores religiosos fundamentalistas começaram
muito antes do fim de Guerra Fria, na década de 70, sendo mais
visíveis no mundo islâmico a partir da revolução iraniana.
[viii]
A respeito dos avanços conceituais alcançados na Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos de 1993, e para uma tradução em
português da Declaração
de Viena, ver Alves (1994, particularmente cap. 2 e apêndice).
Referências
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Paz e Terra, vol. 2, n. 4, mar.-abr.-maio, 1994.
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“Civilizações ou o quê? Paradigmas do mundo pós-Guerra
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mar.-abr.-maio, 1994 (trad. Lúcia Boldrini).
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das polaridades indefinidas (notas analíticas e algumas sugestões)”.
In: FONSECA JR., Gelson e CASTRO, Sergio Henrique Nabuco
de (orgs.), Temas de política
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REPÚBLICA
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SABOIA,
Gilberto V. “Um
improvável consenso: a Conferência Mundial de Direitos Humanos
e o Brasil”. Política Externa, São Paulo, Paz e Terra, vol. 2, n. 3, dezembro,
1993.
RESUMO
- A Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento e
o paradigma de Huntington
. Ao
estabelecer o choque das civilizações como novo paradigma das
relações internacionais no mundo pós-Guerra Fria, Samuel
Huntington desconsiderou uma outra possibilidade de conflito e
alianças ideológicas entre Estados, que se esboçou na Conferência
do Cairo de 1994 sobre População e Desenvolvimento, baseada
nas divergências entre religião e secularismo. O artigo
descreve a Conferência do Cairo, com sua abordagem inovadora
para o tema da população, evidenciando que, se naquela ocasião
foi evitada a divisão do mundo em dois novos megablocos antagônicos,
a tensão entre as duas forças ideológicas perdura.
ABSTRACT
- The Cairo
Conference on Population and Development and the Huntington’s
paradigm.
When defining the clash of
civilizations as the new paradigm for international relations in
the post-Cold War world, Samuel Huntington did not take into
consideration another possibility of conflict and alliances of
States, which became apparent at the Cairo Conference on
Population and Development in 1994, based on divergences between
religious and secular options. This article describes the Cairo
Conference, with its innovative approach to the theme of
population, showing that, while on that occasion a new division
of the world into two antagonistic mega-blocks was avoided,
tension between those two ideological forces goes on.
(Recebido
para publicação em junho de 1995)
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