Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
Joćo
Baptista Herkenhoff
A Justiça e os
dramas Humanos
Indaga-me
jovem amigo se as sentenças podem ter
alma e paixão.
O esquema legal da sentença não
proibe que tenha alma, que nela pulsem vida
e emoção, conforme o caso.
Na minha própria vida de juiz, senti,
muitas vezes, que era preciso dar sangue e alma
às sentenças.
Como devolver, por exemplo, a liberdade a uma
mulher grávida, presa porque trazia consigo
algumas gramas de maconha, sem penetrar fundo
na sua sensibilidade, na sua condição
de pessoa humana?
Foi o que tentei fazer ao libertar Edna, uma
pobre mulher que estava presa há 8 meses,
prestes a dar à luz, com o despacho que
a seguir transcrevo:
" A acusada é multiplicadamente
marginalizada: por ser mulher, numa sociedade
machista; por ser pobre, cujo latifúndio
são os sete palmos de terra dos versos
imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada
pelos, homens mas amada por um Nazareno que
certa vez passou por este mundo; por não
ter saúde; por estar grávida,
santificada pelo feto que tem dentro de si,
mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar,
numa homenagem à maternidade, porém
que, na nossa estrutura social, em vez de estar
recebendo cuidados pré-natais, espera
pelo filho na cadeia.
É
uma dupla liberdade a que concedo neste despacho:
liberdade para Edna e liberdade para o filho
de Edna que, se do ventre da mãe puder
ouvir o som da palavra humana, sinta o calor
e o amor da palavra que lhe dirijo, para que
venha a este mundo tão injusto com forças
para lutar, sofrer e sobreviver.
Quando tanta gente foge da maternidade, quando
pílulas anticoncepcionais, pagas por
instituições estrangeiras, são
distribuídas de graça e sem qualquer
critério ao povo brasileiro; quando milhares
de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento,
são esterilizadas; quando se deve afirmar
ao Mundo que os seres têm direito à
vida, que é preciso distribuir melhor
os bens da Terra e não reduzir os comensais;
quando, por motivo de conforto ou até
mesmo por motivos fúteis, mulheres se
privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum,
com o feto que traz dentro de si.
Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria
todos os seus princípios, trairia a memória
de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste
Fórum sob prisão.
Saia livre, saia abençoada por Deus,
saia com seu filho, traga seu filho à
luz, que cada choro de uma criança que
nasce é a esperança de um mundo
novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.
Expeça-se incontinente o alvará
de soltura".
João Baptista Herkenhoff é livre-docente
da Universidade Federal do Espírito Santo
e autor do livro "Para onde vai o Direito".
(Do jornal Gazeta do Povo-Curitiba- 23/01/98)
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