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Militantes Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff

O preso e o direito ao trabalho

Quando não se é muito jovem, uma das boas coisas que a vida oferece é a oportunidade de testemunhar, contar experiências, transmitir valores. Só a idade dá título para isso. E as pessoas estão sedentas de ouvir histórias que lhes ofereçam sugestões para o agir.

Nestas andanças pelo Brasil, como Professor Itinerante, tenho percebido um grande acolhimento às narrações concretas. Parece que o meramente abstrato, o teórico anda perdendo prestígio, o que não acontecia na minha geração.

Sobre trabalho para presos, tenho alguma coisa para contar. Na década de 1960 fundamos em São José do Calçado (ES), a "Associação de Assistência aos Presos Dona Mulatinha". O simpático nome da instituição, sugerido pelas pessoas da cidade, foi homenagem a uma mulher que, na sua passagem pelo mundo, deixou marcantes lições de solidariedade. Vimos logo que o juiz não podia impor um projeto. Era preciso discutir o assunto com a comunidade e com a comunidade encontrar caminhos. Foi o que fizemos. O acolhimento à idéia foi muito amplo, embora não tenha havido unanimidade de aplausos. E, aliás, é sempre bom que não haja unanimidade. Os votos divergentes aumentam a responsabilidade e o compromisso dos que apostam numa empreitada. Tive, como juiz, além da ajuda de muitos calçadenses dedicados, o idealismo de um cidadão, sem o qual seria impossível levar adiante a Associação "Dona Mulatinha". Escrevo com respeito o nome desta pessoa homenageando sua memória: Eliézer Rezende de Mendonça.

Nossa primeira decisão foi a de executar o cumprimento das penas na própria Comarca. Na época, havia determinação da lei e do Tribunal de Justiça no sentido de que os presos condenados fossem encaminhados ao Instituto de Readaptação Social, em Vitória. Mas sabíamos da precariedade do IRS. E sempre nos pareceu que é "na comunidade" e não "fora da comunidade" que um preso tem a chance de retomar a trajetória da existência. Havia a lei, porém mais que a lei havia a Declaração Universal dos Direitos Humanos, fundada num princípio basilar: o respeito à dignidade da pessoa humana. Desagregar um preso do seu meio é uma violência brutal. Durante nossos quatro anos e meio, como juiz de Calçado, não enviamos um único preso ao Instituto de Readaptação Social.

Optar pelo cumprimento da pena na Comarca impunha um desafio. Este era o de proporcionar trabalho interno e externo aos presos, além de escola. A jovem Maria de Lourdes Rezende Ferreira foi a primeira professora da "escola dos presos". Dava aulas gratuitamente. No caso de homicidas, a orientação que estávamos imprimindo ao tema prisional tinha implicações delicadas. Havia a família da vítima, detentora também de um "direito humano" fundamental: o de que se fizesse Justiça. A solução foi o diálogo. Era imperativo conversar com a família das vítimas e explicar que o preso não podia sair da prisão pior do que quando entrara. Aos presos com direito a trabalho externo impúnhamos um calendário de vida: durante a semana, trabalho fora da prisão; fins de semana, recolhimento ao presídio.

Só houve uma fuga de preso, justamente na semana em que respondíamos a interpelação do Conselho Superior da Magistratura porque estávamos concedendo trabalho externo a presidiários. Essa conduta judicial estava proibida pelo Tribunal, naquele momento, mas não tínhamos a intenção de afrontar ou desobedecer. O que estava em jogo era uma questão de consciência.

Fiquei muito aborrecido com o preso que fugiu. Ele punha em perigo toda uma política penitenciária. Manifestei minha ira aos colaboradores. Mas o preso, arrependido, entregou-se espontaneamente:

"Doutor, eu fiz uma grande coisa errada com o senhor. O senhor confiou em mim e eu falhei. Quero agora ser trancafiado".

"Seja feita a sua vontade", eu lhe respondi. E determinei que fosse recolhido. Mas depois reconsiderei a decisão. Ele se redimira, ao se apresentar. Merecia outra oportunidade. Cumpriu a pena toda trabalhando externamente, sem fugir outra vez.

Durante nosso tempo de judicatura em São José do Calçado, não houve uma única reincidência criminal. Esta estatística de "zero por cento" exige uma comparação para ser avaliada. Nas prisões fechadas do Brasil, a reincidência é de 66 por cento.

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