Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Motoristas e acidentes
As estatísticas revelam
o altíssimo número de mortes ou
lesões corporais gravíssimas causadas
por acidentes de trânsito, no Brasil e no
Espírito Santo também.
Diante
das taxas de morte em decorrência de câncer,
enfarte, ataques cerebrais, podemos ter uma atitude
de relativa conformidade. Afinal não é
fácil evitar os óbitos resultantes
dessas causas.
Mas
diante das vidas sacrificadas por acidentes nas
rodovias, e mesmo dentro das cidades, ficamos
perplexos e inconformados. Não é
difícil reduzir drasticamente esses infortúnios.
Quantas
ocorrências fatais resultam de embriaguez,
excesso de velocidade, ausência de cuidados
mínimos na conservação dos
veículos e outras circunstâncias
absolutamente evitáveis.
Não
me parece má idéia proibir a venda
de bebidas nas estradas, como está sendo
proposto neste momento. Aliás, os próprios
donos de bares e de postos deveriam ter a consciência
do mal que causam à coletividade vendendo
bebida alcoólica nos trajetos rodoviários.
Como
é também nociva a exaltação
da velocidade em filmes e programas de televisão.
A
sociedade capitalista é, na sua essência,
competitiva. Essa competição, que
está na raiz do sistema, contamina todas
as relações sociais e, no seu poder
deletério, acaba por atingir o acelerador
do motorista incauto, especialmente do jovem,
que não percebe o veneno de uma pseudocivilização
da velocidade.
De
minha parte, tive dois acidentes. No segundo,
cassei minha carteira de motorista. Todos os motoristas,
que tomem consciência de sua incapacidade
de dirigir bem, deviam fazer o mesmo: cassar a
própria carteira, renunciar ao direito
de dirigir.
Nos
acidentes de que fui protagonista, não
houve vítimas, exceto uma pobre cobra que
estava na beira da estrada, tirando uma soneca,
envolta em torno de si mesma, como um caracol.
Os pneus do veículo esmagaram sem piedade
a serpente que suponho fosse venenosa. Essa suposição
alivia um pouco minha consciência.
Eu
sempre tive bom manejo do carro mas o problema
é que me distraía no volante. Nos
dois episódios relatados, eu me distraí.
Durante
o curto período em que supus fosse bom
motorista, cheguei a prolatar várias sentenças
durante os trajetos rodoviários, uma vez
que era então Juiz de Direito em pleno
exercício. Enquanto eu dirigia, meu pensamento
trabalhava, a sentença era redigida na
cabeça e, quando terminava a viagem, bastava
colocar no papel o que já estava escrito
no cérebro.
Provavelmente,
nos dois acidentes a que me reportei, saí
da estrada quando colocava alguma vírgula
no texto, ou talvez um ponto de exclamação.
Mas
de qualquer forma os leitores fiquem tranqüilos.
Este motorista desastrado, ou distraído,
não mais dirige qualquer espécie
de veículo automotor.
Aqui
fica este testemunho como um encorajamento à
autocassação da carteira, nas hipóteses
em que a própria segurança ou a
segurança dos outros exigir este ato de
consciência do motorista inábil. |