Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Lições do
Padre Gabriel Maire
O Padre Gabriel Maire deu lições
em vida e continua a dar lições
depois de morto.
Em
vida mostrou um caminho: nada se consegue sem
luta; a força do povo está na união;
a vontade de Deus é que todas as pessoas
tenham condições para viver com
dignidade; servimos ao Evangelho quando contribuímos
na construção de um mundo mais justo;
“prefiro morrer pela Vida a viver pela morte”
(seu testamento, numa frase).
Morto,
Gabriel continua a dar lições. A
sentença que o considerou vítima
de latrocínio foi anulada. A reabertura
do processo foi determinada pelo Tribunal de Justiça
do Espírito Santo para que respondam pelo
crime, quer os que executaram o assassinato, quer
os que contrataram os pistoleiros. A farsa do
roubo seguido de morte foi concebida com uma falha
primária. Os que trucidaram o padre deixaram
no seu pulso um relógio francês.
Pouco antes de sua morte, Gabriel Maire prestou
depoimento à Comissão de Justiça
e Paz da Arquidiocese de Vitória, relatando
ameaças que estava sofrendo. Sua voz de
Profeta, em favor da Justiça, com a Bíblia
na mão, estava incomodando grileiros de
terras urbanas e outros opressores do povo. Tendo
em vista o conjunto das circunstâncias,
não desanimaram os que desde o início
negavam, inclusive através dos meios de
comunicação, a versão da
morte para roubar. Mas foi sobretudo a chama santa
do advogado Ewerton Montenegro Guimarães
que não permitiu que o grito por Justiça
deixasse de ecoar.
Falecendo
Ewerton, dois jovens causídicos assumiram
o processo e deram competente prosseguimento ao
trabalho. Celebram eles agora, com milhares de
pessoas, no Brasil e na França (e com Ewerton
também, lá onde estiver), o deslinde
da mentira. Gabriel ensinou a lutar e a luta para
que se faça Justiça, no julgamento
de sua morte, é lição que
ele nos dá depois de morto.
O desmonte da trama homicida, dezessete anos depois
do sacrifício de Gabriel, deve ser motivo
de encorajamento para todos aqueles que pedem
Justiça. Esta é mais uma lição
que sua morte traduz. A batalha por Justiça
é muitas vezes longa e árdua. Obstáculos
são colocados no percurso: alguns por falhas
estruturais do aparelho policial e judiciário;
outros por comodismo, irresponsabilidade ou corrupção
de autoridades; e outros ainda por maquinações
dos têm na impunidade sua carta de alforria.
Quando falamos em impunidade, não nos referimos
aos delitos menores. Esses podem ser absorvidos
pela sociedade, sem transtorno insuportável.
Falamos na impunidade dos grandes delitos, a começar
por aqueles que tiram a vida de alguém.
A impunidade do homicídio é absolutamente
intolerável. Mães que tiveram seus
filhos assassinados, esposas que perderam o marido
nas mãos de sicários, filhos que
ficaram órfãos não desanimem.
Gritem, peçam Justiça, porque “se
os homens se calarem as pedras falarão”.
E as pedras, desabando ruidosas e avassaladoras,
acenderão consciências, pressionarão
Poderes, arrancarão Justiça. |