Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Gestos que falam
Estive em Natal. Visitei a casa
onde viveu e morreu Câmara Cascudo. Carlos
Drummond de Andrade chamou-o de brasileirista,
palavra que o Aurélio e o Houaiss não
registram, diversamente do termo brasilianista,
consignado nos dois dicionários e aplicável,
tanto a brasileiros, quanto a estrangeiros que
estudaram o Brasil.
Drummond
certamente viu que Cascudo merecia, singularmente,
o título de brasileirista, esse Cascudo
que disse “tintim-por-tintim a alma do Brasil
em suas heranças mágicas, suas manisfestações
rituais, seu comportamento em face do mistério
e da realidade comezinha.”
Esse
Cascudo que, ainda segundo Drummond, “fez
coisas dignas de louvor, em sua contínua
investigação de um sentido, uma
expressão nacional que nos caracterize
e nos fundamente na espécie humana.”
A
casa de Câmara Cascudo é um verdadeiro
templo de brasilidade guardando relíquias
que podemos chamar de sagradas, não para
diminuir o sentido do “sagrado”, mas
para elevar o “humano” a essa condição.
Só mesmo um pesquisador que se debruçou
sobre o humano com o respeito que se deve ao “sagrado”,
teria reunido tantos livros, esculturas, pinturas,
fotografias, moedas, fósseis, amuletos,
imagens de santos, tudo a revelar a alma brasileira,
na sua pujança, na sua individualidade
marcante, na sua beleza poética.
Trouxe
na bagagem livros do grande escritor potiguar,
inclusive reedições de obras que
já havia lido na juventude.
Dos
livros que trouxe quero destacar “História
dos nossos gestos”.
O
brasileirista de Drummond pesquisou os gestos
brasileiros, mas muitos deles são gestos
universais.
O
beliscão, a batida nas próprias
nádegas, a mão no queixo, o estalo
da língua, o beijo na mão, o dedo
na boca, o abano da cabeça, o tirar o chapéu,
o beijar a unha do polegar, o apertar a mão
do adversário, o coçar a cabeça,
a mão na cintura, os dedos em cruz, o puxar
os cabelos, o dobrar o indicador em anzol dirigindo-o
ao palavroso plagiador, o beijar a própria
mão, não sair pela porta por onde
entrou, morder os próprios dedos e tantos
outros gestos foram pesquisados e analisados por
Câmara Cascudo, num estudo cuidadoso, multidisciplinar,
com retrospectos históricos, comparação
de costumes, referências bibliográficas,
enfim um trabalho científico de alguém
que mergulhou com paixão na cultura popular
para entender e valorizar todo o seu significado.
Falar
sobre Câmara Cascudo não está
fora do contexto, no Brasil de hoje.
Muito
pelo contrário. Câmara Cascudo realça
a grandeza do povo brasileiro, capaz de vencer
com sabedoria as vicissitudes. Sua obra destaca
a criatividade do espírito nacional que
não precisa copiar do estrangeiro modelos
para a solução de seus problemas.
Esse brasileirista invulgar nos faz ter orgulho
de nossas origens, demonstra quanto de unidade
está atrás da multiplicidade de
paisagens, credos, escolhas políticas,
caracteres individuais ou grupais.
Câmara
Cascudo realimenta nossa esperança no Brasil. |