Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Falar com as máquinas
Detesto
falar com máquinas. Se para fazer uma compra
eu tiver de optar entre uma empresa, onde uma
gravação me atenda, e outra empresa,
onde uma voz humana me fale, não titubeio
em escolher a empresa que me possibilite falar
com gente, com pessoas.
Dias
atrás o abuso de colocar máquinas
no meu caminho chegou às raias do insuportável.
Eu
estava num dia de suma paciência. Se estivesse
num desses dias zangados, que todos nós
temos, teria desistido na metade do trajeto.
Discado
o número correto, a máquina relaciona,
numa pormenorização interminável,
os ramais disponíveis para as diversas
espécies de atendimento. Teclo o número
do ramal que me competia.
A máquina
continua falando, dando-me sucessivas ordens e
orientações, naquele tom monocórdio
das máquinas. Depois de vários minutos
de desagradável ausência de uma verdadeira
comunicação, a máquina “educadamente”
agradece, coloca-se à disposição
para futuras demandas, diz da satisfação
da empresa em me ter como cliente e anuncia que
eu seria atendido por quem de direito.
Então,
surpreendentemente, uma voz feminina real coloca-se
do outro lado da linha e com toda gentileza pergunta
em que eu poderia ser servido.
As primeiras palavras que trocamos, no diálogo
que se iniciava, deixou absolutamente claro que
eu falava com uma distintíssima funcionária.
Por mais que se aperfeiçoe a tecnologia,
a máquina não tem capacidade de
responder a perguntas ou colocações
imprevistas. O inusitado da situação
colocou nos meus lábios frases rigorosamente
imprevistas e o diálogo humano principiou.
Fui logo perguntando à moça o seu
nome. Ela talvez tenha estranhado a indagação
mas com delicadeza atendeu meu pedido. E eu então
prossegui a conversa: “Ora, ora, Isabel,
que alegria estar conversando com você.
Até agora eu estava sendo atendido por
máquinas. Finalmente, uma pessoa conversa
comigo.
Eu
precisava de uma informação. Mas
eu estou tão feliz de estar conversando
com você que não gostaria de perder
este precioso tempo fazendo perguntas banais.
A informação fica para outro dia
ou eu vou pessoalmente à empresa solucionar
o problema que me aflige.”
Ela
achou graça do que falei, testemunhando
sua surpresa com um riso natural, espontâneo
e gostoso, atrás do qual adivinhei o sorriso
que esboçara. Percebi que ela se alegrava
naquele instante. O interlocutor daquela hora
quebrara a monotonia dos atendimentos automáticos
a que os seres humanos são submetidos numa
economia de mercado.
Ciosa,
entretanto, das rigorosas regras vigentes, pretendeu
finalizar a conversa com uma frase feita, dizendo
que a empresa tinha tido muita satisfação
em me atender.
Polidamente
discordei, antes de desligar.
Não
aceito, Isabel, o agradecimento da empresa porque
a empresa não é ninguém.
Aceito seu agradecimento e vou escrever um artigo
para expressar quanto eu detesto falar com máquinas
e quanto eu amo conversar com gente.
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