Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Enquanto puder falar...
Enquanto
puder falar, pretendo ser professor. E minha predileção
em ensinar para calouros. Sempre lecionei “Introdução
ao Direito” para ter como alunos aqueles
que começam a vida acadêmica, na
esperança (ou no sonho) de lhes imprimir
na alma um selo indelével. E hoje, como
professor itinerante (pelos caminhos do Brasil)
ou professor visitante (Faculdade de Vitória)
nada me alegra tanto quanto falar aos principiantes.
Gosto
de indicar os jovens um livro que considero de
leitura obrigatória: “Lições
de Liberdade”, de Sobral Pinto. Sobral Pinto,
um católico tradicional, foi advogado de
Luis Carlos Prestes, o grande líder comunista,
naquele tempo em que nenhum diálogo havia
entre católicos e marxistas. Sobral defendeu
Prestes com a garra dos titãs. Em “Lições
da Liberdade”, aparece a íntegra
da petição em que requereu, em favor
de Prestes, as franquias da “ Lei de Proteção
dos Animais” uma vez que o bravo patriota
estava sendo maltratado na prisão, de forma
desumana.
Não
me furto de relatar aos meus alunos, entremeando
as matérias ensinadas, testemunhos de vida.
Cabelos grisalhos asseguram direito de transmitir
experiências, com simplicidade, sem falsos
pudores.
Nesta
vida que já vai adiante, fui algumas vezes
pioneiro, sem a pretensão de ser e me sinto
ao dever de prestar estes depoimentos aos jovens.
Ainda
no início da carreira de juiz (1966), na
Comarca de São José do Calçado,
determinei a matrícula compulsória
de crianças na escola, mas para pressionar
os poderes públicos, do que propriamente
o país. A portaria baixada gerou um aumento
de 85% nas matrículas, segundo dados da
época, devidamente documentados. Junto
com a comunidade Calçadense, promovemos
uma “ Campanha da Cidadania Ampla”
(1966-1970), consistindo em registro civil de
pessoas que não eram registradas, casamento
civil, carteira de trabalho, matrícula
na escola, correção de prenomes
gravados erroneamente, resgate da história
local, etc. ainda em Calçado concedi direito
de trabalho externo a presos. O juiz e a comunidade
juntos criamos a Associação de Assistência
aos presos “Dona Mulatinha” que mantinha
uma escola primária e ajudava o ex-preso
no retorno à vida social. Durante a nossa
judicatura em Calçado (4 anos e meio) o
índice de reincidência social foi
0% (zero porcento).
Como
juiz de direito em plena atividade: integrei e
presidi a Comissão “ de Justiça
e Paz” da Arquidiocese de Vitória
ao lado de Dom João Batista de Mota e Albuquerque
e Dom Luiz Gonzaga Fernandes. Fui um dos fundadores
do Comitê Brasileiro pela Anistia, discursando
e apoiando publicamente a “Campanha de Anistia”.
Apresentei moção em Congresso Nacional
de Magistrados (Goiânia, 1975), pedindo
a volta do “Estado de Direito”, a
convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte e a “Anistia Ampla,
Geral e Irrestrita”, moção
que foi rejeitada mas que teve, felizmente, o
apoio de um restrito mas corajoso grupo e colegas.
Naquele momento da vida brasileira, o mais alto
Tribunal do país, na prática, era
o Superior Tribunal Militar. À frente dos
Ministros desse Tribunal, defendi referida moção.
Como
juiz de direito, em diversas comarcas do estado,
comecei a aplicar penas alternativas em 1966.
Numa
época em que título e propriedade
de imóvel garantia o juízo (o acusado
respondia a processo em liberdade), dei á
carteira de trabalho do operário valor
idêntico, para este fim, ao título
imobiliário.
Concedi
entrevistas à imprensa, como juiz, numa
época em que se entendia que o magistrado
devia ficar quieto no seu canto. Sempre sustentei
que do magistrado não se cassara a cidadania
e o juiz tinha compromisso com a sociedade. Nunca
me pronunciei, entretanto, sobre processos que
iria julgar, por isso, a meu juízo, fere
a ética do ofício judicial.
Humanizei
a justiça criminal, procurei eliminar o
abismo entre o juiz e a pessoa julgada, tive sempre
a preocupação de salvar destinos
e compreender o réu.
Por
atividades que eram inovadoras sem que tivesse
a pretensão de ser profeta, nem sempre
contei com a compreensão dos escalões
superiores da justiça. Respondi a processos
disciplinares. Compreendo hoje esses fatos e só
os retenho na memória porque a história
não se pode perder. Mas não guardo
qualquer mágoa ou rancor de acontecimentos
pretéritos. Muito pelo contrário,
aconselho os jovens, que tenham vocação,
a seguir a carreira de juiz porque, ao meu ver,
ser juiz vale a dedicação de uma
vida. |