Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Dilemas de um juiz: a aventura
obrigatória
Quando
depois de aposentado como juiz, também
como professor me aposentei, fui tomado por uma
crise de identidade.
O vazio
manifestou-se forte quando tive de preencher a
ficha de entrada num hotel.
Que
profissão vou colocar aqui? – pensei
alto.
Se
estava aposentado na magistratura e no magistério,
nem como juiz, nem como professor poderia me definir.
“Ser
ou não ser”, eis a questão.
Shakespeare, pela boca de Hamlet, percebeu a tragédia
humana, antes de Freud.
Ah,
sim. Já sei. E escrevi na ficha do hotel,
resolutamente: Professor itinerante.
Não
que já fosse um verdadeiro professor itinerante.
Estava mal e mal começando a jornada. Entretanto,
essa autodefinição marcou no meu
espírito uma mudança radical e fixei
ali um itinerário de vida pós-aposentadoria.
Falando
aqui e ali, em congressos, seminários e
cursos, vou sorvendo minha aposentadoria. Dos
Estados brasileiros só não fui a
Tocantins e Amapá.
Em
Pernambuco, num congresso de juízes, no
mês passado, falei sobre a independência
do magistrado e o cotidiano.
Em
Santa Catarina, integrei um grupo de discussão
para refletir sobre o trabalho como fonte de saúde
e de doença. Vimos que o trabalho é
fonte de doença quando o trabalhador não
pode perceber a importância de seu esforço
individual no produto coletivo.
Num
congresso de serventuários da Justiça,
refletimos que a Justiça não pode
continuar sendo privilégio de poucos. Concluímos
que só por pressão das bases a Justiça
brasileira será transformada, jamais por
decisão das cúpulas – acomodadas
e conservadoras.
A aposentadoria
pode não implicar em encerramento de atividades,
mas apenas na redução de compromissos
exigentes. São múltiplas as novas
experiências possíveis. Que cada
um encontre seu caminho. Que a sociedade não
cometa a insensatez de desprezar a sabedoria dos
mais velhos.
Como
a vida é curiosa. Aprovado em concurso
para Juiz Substituto, sem comarca certa, quis
ser, tão logo fosse possível, titular
de uma comarca, na busca de segurança.
Depois,
já titular em comarcas do interior, pretendi
ser juiz em Vitória, capital do meu Estado.
Encontraria, na carreira, o pouso definitivo.
Era ainda a busca de segurança o motivo
inconsciente.
Na
Universidade, entrei por concurso, no primeiro
degrau da carreira. Nessa condição,
tinha de dar aulas de qualquer matéria,
substituindo professores. Fiz então novo
concurso, para me titular, ter minha cadeira,
meu espaço, em busca de segurança.
E agora,
quando já vislumbro o entardecer, descreio
de todas as seguranças supostamente conquistadas.
Volto
a ser andarilho, peregrino, caminhante.
Aprendo
com Guimarães Rosa: “Viver é
perigoso. A aventura é obrigatória”. |