Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Dengue, Ética, Justiça
A Justiça
Federal determinou que todos os postos de saúde
municipais, no Rio, funcionem vinte e quatro horas,
inclusive nos fins de semana, para agilizar o
atendimento a pacientes com suspeita de dengue.
Também
no Rio, a Justiça Estadual determinou que
o Estado e o Município encaminhem os pacientes
com dengue a hospitais conveniados com o Sistema
Único de Saúde (SUS) e a hospitais
e clínicas particulares, quando a demanda
ultrapassar a capacidade de atendimento da rede
pública. Nos casos em que o socorro for
prestado pela rede privada, o pagamento deve ser
feito com base na tabela do SUS. Na decisão,
a juíza que a proferiu classificou de negligentes,
revelando descaso, as posturas do Estado e do
Município em relação à
dengue. Determinou a magistrada que sejam bloqueadas
verbas de publicidade, investimento em clubes
de futebol e shows na área litorânea,
se os Poderes Públicos não cumprirem
a decisão, de modo a garantir recursos
para o internamento compulsório ordenado.
Aprovo
com entusiasmo as decisões. Há alguns
anos passados essa conduta judicial era considerada,
na grande maioria das cabeças forenses,
como inadequada porque significava uma invasão
do Judiciário em domínios que não
lhe competiam. Pretendia-se um juiz bem comportado,
de mãos amarradas, proibido de intervir
no embate das forças e conflitos sociais.
Felizmente os tempos mudaram a as cabeças
forenses modernizaram-se.
A aplicação
do Direito envolve aspectos éticos e políticos.
O saber estritamente jurídico não
é capaz de enfrentar os desafios dessas
angulações.
O bom
intérprete deve procurar caminhos para
harmonizar a roupagem da lei com o bem comum e
as exigências de Justiça que são
seu fundamento.
A lei
estará sempre subordinada ao Direito. Esta
submissão da lei ao Direito deve ser diretriz
que ilumine a vida jurídica.
A esta
afirmação pode ser contraposta,
entretanto, uma contradição: onde
fica, nesse dilema, a segurança jurídica?
A Justiça
e a Segurança Jurídica são
valores essenciais que devem ser preservados.
O ideal
seria o sistema jurídico proporcionar o
máximo de Justiça e o máximo
de segurança.
Na
dinâmica da vida jurídica, pode haver
e há com freqüência um choque
entre esses valores. A Justiça para o maior
número pode comprometer a segurança
de alguns. Na segunda decisão acima referida,
que obriga hospitais e clínicas particulares
a receber pacientes com dengue, quando a rede
pública for insuficiente, a entrega de
Justiça à população,
principalmente à população
pobre, atrita com o interesse econômico
dos donos de clínicas e hospitais, que
receberão pelo internamento apenas os valores
da tabela do SUS, sabidamente modesta.
Uma
das funções do Direito é
preservar a segurança. Contudo jamais se
deverá, em nome da segurança, tolerar
a injustiça e a afronta à dignidade
da pessoa humana. |