Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
Joćo
Baptista Herkenhoff
Idade para ser juiz
Estão
em pauta as discussões em torno da reforma
da Justiça. Um dos pontos que, a meu
ver, merecem debate é o da idade mínima
para ser juiz.
À primeira vista pode parecer uma questão
secundária. Mas não me parece
que a matéria seja de pequena importância.
O passar dos anos gera uma presunção
de amadurecimento. Sem dúvida, é
apenas uma presunção, porque as
pessoas não amadurecem no mesmo ritmo.
Entretanto, apesar de se tratar de uma presunção,
isso não impede que o critério
de idade fixe a maioridade civil, a maioridade
eleitoral, a responsabilidade penal.
A Constituição Federal estabelece
a idade mínima de 35 anos para que alguém
possa ser senador. Quer a Constituição
que somente pessoas amadurecidas ocupem uma
cadeira no Senado da República.
Observe-se, entretanto, que cada senador dá
apenas um voto, nas deliberações
do Senado. O Senado só decide coletivamente.
Já as decisões dos magistrados,
salvo nos tribunais, são individuais,
solitárias, subordinadas apenas à
consciência e à experiência
do juiz. Serão menos relevantes do que
as de um senador as decisões de um magistrado?
É um magistrado que declara alguém
culpado de um crime, não é um
senador. É um magistrado que decide sobre
questões de família, não
é um senador. É um magistrado
que restaura a honra eventualmente ferida por
uma calúnia, não é um senador.
Quando fiz concurso para juiz, no Espírito
Santo, a idade mínima para ingresso na
magistratura era de 28 anos. Depois essa exigência
foi abolida. Olhando para trás, sinto
que, com 28 ou 30 anos, eu não estava
suficientemente maduro para ser juiz, embora
tivesse competência para o ofício.
Certa vez, numa de minhas primeiras sentenças,
deferi busca e apreensão de uma criança,
requerida a ação pelos pais sangüíneos.
Estes, por não se sentirem em condições
de criar o próprio filho, ''deram'' o
menino, com menos de um ano de idade, a um casal
''adotivo''. Tanto os pais de sangue, quanto
os pais ''adotivos'' eram desprovidos de instrução.
Fizeram tudo verbalmente, à margem da
lei, sem a interveniência do juiz. Quando
o menino havia completado seis anos, os pais
de sangue reivindicaram a posse da criança,
através de uma ação de
busca e apreensão. Minha decisão,
favorável aos pais sangüíneos,
foi rigorosamente legal, à luz dos princípios
jurídicos vigentes na época. A
lei dizia que cabia busca e apreensão,
em favor dos pais (biológicos), contra
quem detivesse ilegalmente o filho alheio.
Lembro-me até hoje do olhar de horror
da criança, quando saiu dos braços
de sua mãe do amor e foi para os braços
da estranha que era sua mãe de sangue.
Se pudesse retroceder no tempo, não daria
a sentença que dei.
Naquela tarde firmei propósito de que
abandonaria a magistratura se não encontrasse
caminho para decidir as questões de outra
forma. Mas, felizmente, os percalços
da vida, os sofrimentos me ensinaram, ou, numa
síntese, a idade me ensinou a ser juiz.
O inconveniente do exercício da magistratura
por jovens muitas vezes brilhantes mas sem o
crivo da experiência pode e deve ser corrigido.
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